Até que chegue!...
A foto revela a crua realidade no Iraque. Expressa a bestialidade humana, imperdoável. Uma menina, morta, com os olhos abertos, vidrados. Perdidos sabe-se lá onde. A expressão é de um susto, misturado à perplexidade. Possivelmente ela brincava, em algum jardim, ainda que destroçado.
Na sua inocência, talvez não imaginasse que seria atingida por balas, dessas que matam. Veste apenas um calção, feito de um pano velho e o corpo está sujo de sangue. Seu rosto virado para o céu, estendido num catre, é puro assombro. A mãe, em pé, ergue preces a Allá, coberta de uma dor sem fim.E assim é! Todos os dias. Nas ruas e cidades do Iraque há sempre uma garotinha ou um menino entrando no paraíso. Vítimas da guerra suja, da ganância, do ódio. Crianças morrem como moscas porque são mais frágeis, porque nada temem, porque ainda estão mergulhadas na idade da fantasia. Porque se colocam, inocentes, nas portas das casas a olhar o passeio das balas, sem entender muito bem por que aquela gente, vinda de tão longe, anda por ali, matando seus amigos e parentes. Por isso são surpreendidas, como aquela menina morta, e tombam com um olhar de estupor. Foi tão curto o tempo... A menina da foto não deve ter mais que cinco anos. Interrompida está. Não vai mais à Meca, não vai mais cantar, nem pular corda. A menina morta não vai mais à escola, não vai aprender a ler, não vai buscar água na fonte. Pagou o pecado de ter nascido no Iraque, ocupado há anos pelo exército estadunidense, porque um governo escroto quer petróleo e riquezas. Vivia num país em que soldados estrangeiros, amedrontados, jogam bombas em casas de família e chamam qualquer coisa que se move de "terroristas". A menina morta não era terrorista. A guriazinha iraquiana era só uma criança cheia de sonhos e desejos de vida boa. Estava quieta, no jardim de sua casa, a brincar. Agora seu corpo está ali, jogado numa mesa suja. Seu rostinho assombrado parece perguntar: por quê? Mas não há respostas. Certamente, tão logo seu corpinho miúdo baixe a sepultura, tudo vai seguir igual. Na manhã seguinte, num outro jardim destroçado, uma outra criança será alcançada pelas balas. Mais uma "terrorista" vai tombar. As vidas seguirão sendo interrompidas pelo medo do opressor. Os soldadinhos estadunidenses vão dormir, todas as noites, com a sensação de que cumpriram seu dever: limparam o mundo da sujeira iraquiana. Nos Estados Unidos, garotos e garotas como aquele que tombou vão ser ensinados que todo árabe é feio e ruim, um terrorista em potencial. E nos demais países, onde estão aqueles que não se importam, porque não é com eles, a pessoas seguirão jantando e dizendo: que coisa! Até que um dia, a guerra chegue a seu jardim...
Elaine Tavares Jornalista no OLA/UFSC.">
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