Além do Cidadão Kane

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

2009: Desenganos, crise e esperanças

Nidia Díaz

CONCLUIU o ano 2009 e o panorama internacional oferece um interessante leque de conflitos, encruzilhadas, frustrações e situações limites que se misturam com esperanças positivas e desenvolvimentos, tudo em companhia da grave crise econômica global, provocada pelos Estados Unidos, e cujo efeito devastador se espalhou pelo resto do planeta, a partir dos países capitalistas desenvolvidos, causando os maiores estragos nas nações do Terceiro Mundo.

Em meio ao desmoronamento dos indicadores econômicos internacionais e suas conseqüências sociais, que levaram a um crescimento da pobreza, da fome e das doenças — segundo foi confirmado pelos organismos internacionais e pelas agências especializadas das Nações Unidas, — o ano que terminou também esteve marcado pela continuação das guerras de agressão e pela ocupação militar no Iraque e Afeganistão, estendida perigosamente ao Paquistão, pelo golpe de Estado militar-oligárquico contra o governo constitucional de José Manuel Zelaya, em Honduras e pela instalação de sete bases militares estadunidenses na Colômbia.

A maior frustração do ano foi, sem dúvida, a gestão presidencial de Barack Obama, que tomou posse no mês de janeiro, cercado de uma auréola que parecia pressagiar a possibilidade de algumas mudanças, embora mínimas — tal como prometera na sua espetacular campanha — e que em poucos meses, com suas ações, mostrou a verdadeira essência do que será sua administração, confirmando as previsões daqueles que sempre duvidaram dessa eventualidade, levando em conta a natureza inalterável e invariável do fenômeno imperialista e sua necessidade de guerras, agressões, dominação e saque para subsistir e impor-se ao mundo como tal.

A impossibilidade de reverter esses propósitos ficou a nu, em poucos meses, se não bastasse, o novo presidente dos EUA tomou medidas e deu passos agressivos muito similares aos do seu nefasto antecessor.

Se o fez sob brutais pressões, ou como fruto das contradições internas do próprio governo, ou na busca de assegurar uma eventual reeleição, tudo isso, atualmente, é alvo de debate e discussão mundial, mas, que em nada mudam os resultados.

O certo é que os meses decorridos com o novo inquilino da Casa Branca mostram a necessidade de continuar enfrentando com novos brios as políticas do império, particularmente por parte dos países da Ásia, África, América Latina e o Caribe, que continuam sendo o terreno preferido e propício para o exercício do hegemonismo e do saque.

A crise econômica global veio acompanhada de uma crise ambiental, cujo elemento mais visível e ameaçador é a mudança climática, que avança inexorável e que não tem sido possível deter nem sequer com o maltratado Protocolo de Kyoto, nem com as Cúpulas, como a de Copenhague, cujo desenvolvimento e resultados vergonhosos mostraram que os Estados Unidos e o mundo capitalista desenvolvido pouco se importam destes perigos que podem derivar no fim da humanidade.

As nações do Terceiro Mundo pagarão as culpas dos depredadores do capitalismo mundial e os pequenos estados insulares vão desaparecer, aos poucos, não se põe fim à poluição irresponsável do meio ambiente por parte daqueles que hoje a praticam criminosamente para enriquecer seus bolsos, acelerando o degelo e a elevação do nível dos mares, a seca e os desastres naturais.

A crise econômica global também veio acompanhada de uma crise energética, que já se vislumbrava como conseqüência dos altos preços do petróleo e que, estimulada pela voracidade insaciável dos EUA, trouxe em conseqüência o auge indiscriminado dos chamados biocombustíveis, que com o pretexto de substituir o petróleo e evadir os altos preços, provocou uma crise alimentar que também afetou os países mais pobres e as populações mais vulneráveis.

A pandemia da influenza A, conhecida como A H1N1, também atingiu este ano, acrescentando uma calamidade mais para os habitantes da terra, que ainda não se libertaram da AIDS e que lutam contra a dengue nas regiões tropicais. A crise econômica, acompanhada da negligência, da abulia e do desvio de recursos, por parte de governos insensíveis e irresponsáveis, fez com que, nalguns países, os efeitos destes flagelos fossem particularmente graves.

A União Europeia finalmente concordou que entrasse em vigor o chamado Tratado de Lisboa, que substituiu o tratado constitucional que infrutuosamente durante anos tentaram aprovar, e depois das reticências derradeiras da Polônia e da República Tcheca, que deste modo conseguiram algumas concessões, foi assinado este novo tratado jurídico para a União de 27 países.

Contudo, o papel político independente que a União Européia poderia desempenhar no mundo — e dentro da própria Europa — continua sem se manifestar, e em 2009 continuou afastando-se de seus propósitos originais, tornando-se cada vez mais dependente das posições do governo dos EUA, quer Bush quer Obama, às quais praticamente se subordina nas mais importantes conjunturas internacionais. A existência, no seu seio, de uma maioria de governos de direita: as relações que muitos dos integrantes da União são obrigados a manter com Washington, como membros do pacto político-militar da OTAN, bem como o elevado grau de dependência econômica e cultural dos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial e o colapso da URSS e do campo socialista europeu, são fatores que, de uma forma ou outra, se combinam e impedem à União Européia um protagonismo próprio mais relevante.

No Japão, pelo contrário, a chegada ao governo do Partido Democrático e seus aliados, pôs fim a 50 anos quase ininterruptos do Partido Liberal Democrático, estreitamente ligado aos EUA durante esse período, razão dos acordos assinados em matéria de defesa, que tornaram essa nação num porta-aviões asiático das forças armadas norte-americanas. Como anunciou durante sua campanha eleitoral, o novo primeiro-ministro Hatoyama discutirá com Washington outras modalidades que transformem e regulamentem de maneira mais efetiva para o país do Sol Nascente a numerosa presença militar estadunidense.

Durante o ano, continuaram tendo lugar processos iniciados com anterioridade, mas que, em 2009, mereceram destaque e foram fatores de incidência regional e mundial. Um deles foi, apesar da crise mundial, o crescimento da economia da República Popular da China e sua consolidação como grande potência econômica, que leva muitos especialistas a considerá-la a segunda economia do mundo.

Por sua vez, a África continuou se tornando grande fornecedor de petróleo, mediante contratos e acordos de caráter diferente, segundo o país do qual se tratar, aumentando a presença das multinacionais petroleiras e seus lucros, bem como as receitas dos governos locais beneficiados com o auge petroleiro.

Contudo, não se informa que, na mesma medida, se tenha conseguido um notável aumento do nível de vida desses povos e uma constante diminuição da pobreza e do subdesenvolvimento.

Um raio de esperança, junto a múltiplas realidades, continua iluminando a América Latina e o Caribe. Os processos de transformações econômicas, políticas e sociais, que de diversa forma, abrangem numerosos países latino-americanos e caribenhos se consolidaram e, apesar dos efeitos da crise econômica e da política premeditada do governo dos EUA e das oligarquias locais associadas e dependentes para obstaculizá-los e eliminá-los, avançaram em várias esferas de cooperação e integração.

A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), criada há cinco anos, a partir dos acordos entre Cuba e Venezuela, assinados pelos presidentes Fidel Castro e Hugo Chávez, surgiu como esquema sem precedentes de integração solidária e de benefício recíproco, além dos puramente comerciais que caracterizaram outros esforços integradores na região. Os sucessos da ALBA tornaram-se evidentes com rapidez e isso marcou a extensão da Aliança a outros países como Bolívia, Equador, Nicarágua, Dominica, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas e Honduras. Sucessos que foram comemorados, neste ano, com novas metas e aspirações, sob os princípios bolivariano e martiano da construção da Pátria Grande.

O golpe de Estado de 28 de junho, em Honduras, contra o presidente constitucional, José Manuel Zelaya, foi atribuído, entre outras coisas, à decisão do governo de incorporar-se à ALBA e tentar guiar o país pelo caminho da soberania e do desenvolvimento próprios, à margem da oligarquia local e de algumas famílias que exploraram o país durante séculos. Como todos sabemos, este foi um golpe contra a ALBA, ao qual os EUA não são alheios, pois eles sentiam a necessidade de tornar pública sua rejeição a esta Aliança e deixar claro que estavam dispostos a enfrentá-la, no que consideraram seu elo mais fraco.

Na contramão das suas aspirações, o ano que termina viu renascer um movimento de resistência popular, disposto a converter este revés em vitória, e para isso contam com a firme decisão de não desmobilizar-se e continuar lutando, como dignos herdeiros de Francisco Morazán.

Com certeza, a América Latina e o Caribe vivem momentos de mudanças, onde nada é nem será como antes. O fracasso de Washington em impor a chamada Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) marcou uma guinada definitiva da situação, acompanhada de sucessivas tomadas de poder de diversas forças progressistas, nacionalistas, populares e, inclusive, antiimperialistas de diferentes signos e composição, mas unidas em um denominador comum que as integra e as aproxima.

A entrada de Cuba no Grupo de Rio e o cessar das sanções que os Estados Unidos lhe impunham no seio da OEA, expressaram a decadência do poder do império e a perda de sua influência abrangente em seu outrora "quintal".

O ano novo não chega exatamente igual a todas as regiões do planeta, embora problemas globais como a mudança climática e a crise econômica pareçam não admitir testemunhas e nelas todos somos protagonistas. Desenganos, crise e esperanças poderão continuar caracterizando o sucessor deste convulso 2009.
Original em Granma

Um ano do massacre de Gaza

Há um ano, Israel começava um dos mais bárbaros massacres contemporâneos. Ingressou, com todo seu poder de fogo, em uma região já cercada, que não dava possibilidade de fuga à sua população. O Exército que, há décadas, mais recursos recebe da maior potência bélica da história da humanidade, os EUA, descarregava todo seu poderio sobre uma população indefesa, acusada de colocar em risco, com pífios foguetes domésticos (a tal ponto, que Israel não conseguiu descobrir nenhuma das supostas bases de lançamento, nem lugares de sua fabricação) que não tinham provocado nenhuma vitima no seu território. Israel utilizou inclusive armas proibidas, como fósforo branco, sobre a população palestina, encerrada na área mais densamente povoada do mundo.

Os ataques, que não encontraram nenhuma resistência militar, apenas moral, duraram 22 dias, chegando a provocar 225 mortos em um único dia. 1450 palestinos morreram, dos quais 439 menores de 16 anos e 127 mulheres. 4100 edifícios foram destruídos e outros 1 mil foram danificados. A missão de investigação da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas caracterizou os ataques como “crimes de guerra” e “crimes contra a humanidade”.

Foram destruídas milhares de casas, comércios, além de plantações, hospitais, escolas, universidades, clínicas – tudo que os tanques israelenses encontravam pela frente. Gaza se transformou numa terra arrasada. Quem a visitou depois daqueles terríveis 22 dias, relata que nada tinha ficado de pé, como conseqüência da orientação do Exército israelense, de que “ninguém é inocente em Gaza”.

Um ano depois da agressão, os corredores de entrada para Gaza continuam fechados, nada foi reconstruído, caminhões com alimentos e remédios apodrecem no deserto, às portas de Gaza, enquanto todo tipo de doença afeta a população, indefesa, diante do brutal cerco israelense e a impotência cúmplice da comunidade internacional. Dos 4 bilhões, 481 milhões de dólares arrecadados por mais de 70 países em conferência realizada em março no Egito, para a reconstrução, nada chegou a Gaza, fazendo com que a paisagem seja a mesma – ou pior, sobretudo pelas doenças – de quando os israelenses, impotentes para derrotar a resistência civil dos palestinos, se retiraram de Gaza.

O Egito colabora com esse cerco criminoso, ao deixar fechado o corredor a que tem acesso e ao construir agora um muro que tenta impedir a precária circulação por túneis clandestinos, por onde os palestinos fazem chegar os alimentos mínimos para impedir que morra de fome a população de Gaza. O relator especial da ONU para os territórios palestinos, Richard Falk, conclamou a que todos os países do mundo coloquem em prática sanções econômicas e de outra ordem contra Israel, pelas responsabilidades deste país no massacre e no cerco que mantêm contra Gaza.

Os 700 mil habitantes de Gaza desapareceram dos noticiários internacionais, assim que as tropas israelenses se retiraram. O governo de Israel busca desviar a atenção sobre a ocupação dos territórios palestinos e o cerco a Gaza, aumentando ainda mais a instalação de assentamentos judeus em pleno coração das cidades e dos campos da Cisjordânia, de onde saem regularmente jovens judeus, protegidos por tropas israelenses, para atacar casas, comércios, queimar plantações centenárias de azeitonas das indefesas famílias palestinas.

Israel se tornou um país odioso, racista, agente de um novo holocausto – segundo as palavras do próprio Jimmy Carter -, acobertado e armado pela maior potência militar da história, os EUA, que promove a guerra e pretende ser agente de negociações de paz. Nem sequer consegue deter a instalação de novos assentamentos – se é que pretende detê-los. Israel, um país que detêm, confessadamente, armamentos nucleares, ocupa territórios de outro país, impedindo que ele exerça os mesmos direitos que Israel goza, por resoluções das próprias Nações Unidas, tornando-se um Estado pária da legalidade internacional.

A posição do governo brasileiro de que somente incorporando outros governos – não comprometidos com os genocídios cometidos por Israel, que na semana passada assassinou mais 6 palestinos e continua suas detenções arbitrárias, como a de Jamal Juma, dirigente do movimento Stop the Wall – é que o processo de paz pode abrir horizontes reais de cumprimento das decisões da ONU, que garante a Palestina os mesmos direitos que os israelenses gozam há mais de 60 anos – o direito de ter um Estado palestino, soberano, com fronteiras delimitadas, com direito de regresso dos imigrantes, é a posição correta, que deve ser apoiada e incentivada por todos os desejam um mundo de paz, solidariedade e fraternidade e não o mundo das “guerras infinitas” de Bush, que Israel continua a colocar em prática, um ano depois do massacre de Gaza, contra os palestinos.

Emir Sader

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Norte-americanos pagam crise

Governo dá milhões ao capital

O governo norte-americano anunciou a cobertura dos prejuízos acumulados pelos bancos Fannie Mae e Freddie Mac. A medida contrasta com a austeridade aplicada aos trabalhadores e os cortes nos programas públicos.

As instituições financeiras que garantem, conjuntamente, mais de 40 por cento do crédito à habitação, tinham um limite de «ajudas» fixado pela administração de Barack Obama em 400 mil milhões de dólares. Ambas, já receberam do Estado cerca de 110 mil milhões de dólares - 60 mil milhões a Fannie Mae e 51 mil milhões a Freddie Mac.
Com esta medida – aprovada no mesmo dia em que os deputados dos EUA ratificaram o aumento do déficit público em mais 290 mil milhões de dólares - o Estado passa a poder injetar nas empresas, a cada três meses e durante os próximos três anos, montantes de capital idênticos às perdas líquidas registradas, cobrindo, na prática, o resultado de qualquer operação realizada até ao final de 2012.
A decisão, tomada a poucos dias do fim do ano, visa evitar o escrutínio do Congresso (obrigatório caso a proposta avançasse em 2010) e, sobretudo, o debate público da medida, cujo fim é garantir as perdas da Fannie Mae e da Freddie Mac, avaliadas no Orçamento de 2010 em 170 mil milhões de dólares nos próximos 10 anos.

Bônus milionários

Paralelamente, informações veiculadas pela BBC garantem que os presidentes executivos de ambas as entidades receberam durante o ano de 2009 remunerações na ordem dos 6 milhões de dólares. Informações da Agência Federal de Financiamento da Habitação revelam que as remunerações deste ano foram em média 40 por cento inferiores às anteriores, no entanto aquele organismo justifica que os 6 milhões de dólares pagos visam «reter e atrair o talento [dos gestores] para que os objetivos [das empresas] sejam alcançados»
Em informações prestadas à Comissão de Valores, a Fannie Mãe e a Freddie Mac alegam que os respectivos presidentes, Michael Williams e Charles Haldeman, receberam 900 mil dólares de salário base, mais 3,1 milhões de dólares diferidos caso sejam alcançados determinados objetivos e outros 2 milhões de dólares se a sua performance individual se ajustar aos resultados propostos.
Mas os casos de dilapidação do erário público, divulgados na semana passada nos EUA, não se resumem às garantias estatais e aos prêmios na Fannie Mãe e Freddie Mac. No mesmo período, Kenneth Feinberg, o administrador delegado pelo executivo Obama para controlar sete empresas intervencionadas na seqüência da crise capitalista, autorizou a American International Group (AIG) a aumentar em cerca de 4,2 milhões de dólares a remuneração de um dos seus principais executivos, cujo nome não foi revelado.
Esta medida surge na seqüência de outra semelhante que, no ano passado, aumentou em 10,5 milhões de dólares o pecúlio recebido pelo presidente da AIG, Robert Benmosche, acréscimo à remuneração justificado por Kenneth como um «oportuno incentivo de longo prazo para garantir que o trabalhador contribui para o sucesso da AIG».
A AIG é a única das companhias sob intervenção que se mantém sob controle estatal e recebeu até à data 182 mil milhões de dólares do governo. Em Março, a AIG já esteve envolta num escândalo devido aos prêmios pagos aos seus executivos, obrigando a empresa a anunciar que os seus quadros de topo iriam devolver 45 dos 165 milhões de dólares concedidos a título de bônus. A verdade é que, segundo o Washington Post, que cita dados oficiais, apenas 19 milhões foram devolvidos.

Lucros recorde

Mas o resultado das políticas do governo norte-americano face à crise capitalista vão bem mais longe que os cerca de 30 mil milhões de dólares que a burguesia e seus lacaios se preparam para amealhar no final do corrente exercício a título de prêmios, bônus e similares. De acordo com o Wall Street Journal, a política federal de manter as taxas de juro para o crédito de curto prazo próximas do zero está a financiar os grandes grupos nos investimentos em novas operações especulativas.
Neste contexto, não é de estranhar que os lucros do capital batam recordes dos últimos cinco anos. Segundo o Departamento do Comércio, os lucros das empresas deverão subir este ano 10,8 por cento. A contribuir para o sucesso do capital, está, igualmente, a pressão sobre os salários dos trabalhadores e o aumento da exploração. Estimativas oficiais asseguram que o custo do fator trabalho diminuiu, em média, 2,5 por cento em 2009, ao passo que a produtividade cresceu 8,1 por cento.

Trabalhadores suportam fardo

A contrastar com o apoio que a grande burguesia tem recebido da Casa Branca, as condições de vida dos trabalhadores e do povo norte-americano são cada vez piores.
Dados oficiais citados pelo Workers World indicam que quase oito milhões de famílias foram incapazes de pagar as prestações do crédito à habitação no terceiro trimestre deste ano, isto sem contar com os agregados que, em resultado da perda do posto de trabalho, dos baixos salários e da precariedade, já viram as respectivas hipotecas executadas (estima-se em 13 milhões desde o início da crise). Os mesmos dados afirmam que cerca de 7 milhões de hipotecas serão executadas no futuro. O total de casas à venda em resultado da execução de hipotecas aumentou, até Setembro de 2009, 55 por cento face a 2008.
Neste particular, nem o propagandeado programa de modificação de empréstimos tem valido grande coisa. Dos cerca de 700 mil pedidos efetuados junto do Home Affordable Modification Program, pouco mais de 31 mil estavam ativos em Novembro, muito longe da promessa de 3 a 4 milhões de agregados abrangidos feita por Obama.

Desemprego não pára

A pressionar a falta de pagamento das hipotecas está o desemprego. O Washington Post diz que metade dos estados norte-americanos estão sem dinheiro para os respectivos programas de subsídio de desemprego, tantos são os casos de trabalhadores nessa situação.
O esgotamento dos fundos públicos para esse fim é de tal forma evidente que no Kentucky, por exemplo, o governo local pretende reduzir em 9 por cento o valor do subsídio. Na Virgínia e Maryland, o montante emprestado pelo governo central já ascende a 89 e 85 milhões de dólares, respectivamente, enquanto que a Carolina do Sul bate todos os recordes com 649 milhões de dólares de dívida a Washington.

Cortes nos serviços públicos

Por outro lado, o governo norte-americano tem-se mostrado severo nas transferências de fundos para os programas sociais. Por exemplo, o programa de ajuda às famílias em dificuldade para saldar a fatura energética mantém uma dotação orçamental de 5,1 mil milhões de dólares em 2010, mesmo que em 2009 o número de famílias que se socorreram desta ajuda tenha aumentado em mais de 2,1 milhões, passando o total de beneficiários para a impressionante cifra de 8,2 milhões.
Milhares não tiveram hipótese e, como a Casa Branca não considera uma prioridade o acesso dos trabalhadores a água potável, gás e eletricidade, viram os respectivos fornecimentos interrompidos.
Igualmente dramáticos, mas também por isso elucidativos do que se passa do outro lado do Atlântico, são os cortes nos tratamentos médicos. De acordo com a Sociedade Americana para a Prevenção do Câncer, o Estado Federal e pelo menos 20 estados da União deixaram de financiar exames de rastreamento. Mulheres com menos de 50 anos são enviadas para casa ou colocadas em listas de espera intermináveis sem realizarem exames preventivos, denuncia aquela estrutura.
A austeridade governamental para com os trabalhadores gera protestos. Professores, pais, estudantes, funcionários públicos e trabalhadores de serviços públicos dos transportes têm mostrado a sua revolta.
Em Chicago, os trabalhadores da empresa regional de transportes manifestaram-se contra as possíveis demissões e o lay-off, o corte de 18 por cento das carreiras e de 9 por cento nos serviços ferroviários, e a descida dos salários que deve entrar em vigor a partir de Fevereiro de 2010.
No Estado de Nova Iorque, os cortes nos serviços de transporte – pelo menos 20 carreiras urbanas e suburbanas, supressão de duas linhas férreas e o encurtamento do serviço noutras duas – é o mote da insatisfação de trabalhadores e população. A estas medidas acrescem os aumentos no preço dos bilhetes, 10 por cento este ano e 7,5 no próximo; o fim do serviço de transporte para cidadãos com mobilidade reduzida, que passam a ser levados até à estação de comboio, metro ou autocarro mais próxima da sua casa em vez de serem transportados até ao destino; e o fim do financiamento dos passes escolares, obrigando as famílias a suportarem cerca de mil dólares por ano nos transportes de cada uma das 600 mil crianças e jovens que freqüentam o ensino público.


Original em Avante!

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domingo, 27 de dezembro de 2009

UNICEF confirma: Cuba tem 0% de desnutrição infantil

Segundo a ONU, Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.

A existência de cerca de 146 milhões de crianças menores de cinco anos abaixo do peso ideal no mundo em desenvolvimento contrasta com a realidade das crianças cubanas que estão livres desta enfermidade social. Essas preocupantes cifras apareceram em um recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado “Progresso para a Infância, um balanço sobre a nutrição”, divulgado na sede da ONU. Segundo o documento, os índices de crianças abaixo do peso são de 28% na África Subsaariana, 17% no Oriente Médio e África do Norte, 15% na Ásia Oriental e Pacífico, e 7% na América Latina e Caribe. Depois vem a Europa Central e do Leste, com 5%, e outros países em desenvolvimento, com 27%.

Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.

Segundo estimativas da ONU, não seria muito custoso garantir saúde e nutrição básica para todos os habitantes dos países em desenvolvimento. Para alcançar essa meta, bastariam 13 bilhões de dólares adicionais ao que se destina atualmente, uma cifra que nunca foi atingida e que é exígua se comparada com os bilhões de dólares destinados anualmente à publicidade comercial, os 400 bilhões gastos em medicamentos tranqüilizantes ou mesmo os 8 bilhões de dólares que são gastos em cosméticos nos Estados Unidos.

Para satisfação de Cuba, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também reconheceu que esta é a nação com os maiores avanços na luta contra a desnutrição na América Latina. O Estado cubano garante uma cesta básica alimentar que permite a alimentação de sua população ao menos em dois níveis básicos, mediante uma rede de distribuição de produtos alimentícios. Além disso, há instrumentos econômicos em outros mercados e serviços locais para melhorar a alimentação do povo cubano e atenuar o déficit alimentar. Especialmente, há uma constante vigilância sobre o sustento das crianças e adolescentes. A nutrição começa com a promoção de uma melhor e mais natural forma de alimentação.

Desde os primeiros dias de nascimento, os incalculáveis benefícios do aleitamento materno justificam todos os esforços realizados em Cuba em favor da saúde e do desenvolvimento de sua infância. Isso tem permitido elevar os índices de recém nascidos que recebem aleitamento materno até o quarto mês de vida e que seguem consumindo esse leite, complementado com outros alimentos, até os seis meses de idade. Atualmente, 99% dos recém nascidos saem das maternidades com aleitamento materno exclusivo, índice superior à meta proposta, que é de 95%, segundo dados oficiais, nos quais se indica que todas as províncias do país cumprem essa meta.

Apesar das difíceis condições econômicas enfrentadas pela ilha, o governo cuida da alimentação e da nutrição das crianças mediante a entrega diária de um litro de leite a todas as crianças até sete anos de idade. Soma-se a isso a entrega de outros alimentos que, dependendo das disponibilidades econômicas do país, são distribuídos eqüitativamente para as idades mais pequenas da infância. Até os 13 anos de idade se prioriza a distribuição subsidiada de produtos complementares como o iogurte de soja e, em situações de desastre, se protege a infância mediante a entrega gratuita de alimentos de primeira necessidade.

As crianças incorporadas aos Círculos Infantis e às escolas primárias com regime de semi-internato recebem, além disso, o benefício do contínuo esforço por melhorar sua alimentação quanto à presença de componentes dietéticos, lácteos e protéicos. Com o apoio da produção agrícola – ainda enfrentando condições de severa seca – e a importação de alimentos, alcança-se um consumo de nutrientes acima das normas estabelecidas pela FAO. Em Cuba, esse indicador não é a média fictícia entre o consumo alimentar dos ricos e dos que passam fome.

Adicionalmente, o consumo social inclui a merenda escolar que é distribuída gratuitamente a centenas de milhares de estudantes e trabalhadores da educação, com cotas especiais de alimentos para crianças até 15 anos e pessoas de mais de 60 anos nas províncias do leste da ilha. Nesta relação, estão contempladas as grávidas, mães lactantes, anciãos e incapacitados, crianças com baixo peso e altura e o fornecimento de alimentos aos municípios de Pinar del Rio e Havana e também para a Ilha da Juventude. Essas regiões foram atingidas no ano passado por furacões, enquanto que as províncias de Holguín, Las Tunas e cinco municípios de Camaguey sofrem atualmente com a seca.

Esse esforço conta com a colaboração do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que contribui para a melhoria do estado nutricional da população mais vulnerável da região oriental, beneficiando mais de 631 mil pessoas. A cooperação do PMA com Cuba data de 1963, quando essa agência ofereceu assistência imediata às vítimas do furacão Flora. Até hoje, já foram concretizados no país cinco projetos de desenvolvimento e 14 operações de emergência. Recentemente, Cuba passou de ser um país receptor a um país doador de ajuda.

O tema da desnutrição tem grande importância na campanha da ONU para atingir, em 2015, as Metas de Desenvolvimento do Milênio, adotada em uma cúpula de chefes de Estado em 2000 e que tem entre seus objetivos eliminar a pobreza extrema e a fome. A ONU considera que Cuba está na vanguarda do cumprimento dessas metas em matéria de desenvolvimento humano. Mesmo enfrentando deficiências, dificuldades e sérias limitações pelo bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos EUA há mais de quatro décadas, Cuba não mostra índices alarmantes de desnutrição infatil como ocorre em outros países. Nenhuma das 146 milhões de crianças menores de cinco anos com problemas de baixo peso, que vivem hoje no mundo, é cubana.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Publicado em Carta Maior

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O Caso Battisti e a politização do Judiciário

O governo Berlusconi silenciou quando, muito recentemente, o Presidente francês Sarkozy negou-se a extraditar Marina Petrella, ex-militante das Brigadas Vermelhas. No caso Battisti, exigiu a extradição como se o Brasil fosse uma republiqueta sulamericana.

Enquanto Cesare Battisti esteve exilado na França, o governo italiano não ousou pedir sua extradição. Bastou ser detido no Brasil para o governo Berlusconi exigir a extradição, como se o Brasil fosse uma republiqueta sul-americana. Lembremos que o governo Berlusconi silenciou quando, muito recentemente, o Presidente francês Sarkozy negou-se a extraditar Marina Petrella, ex-militante das Brigadas Vermelhas.

As ações atribuídas a Battisti pela delação premiada de um prisioneiro – não há provas além da testemunhal – configuram crime político, anistiável pela lei brasileira, e já prescrito. A pressão do governo italiano, por si só, já mostra que o caso é político, por mais que o chamem de terrorista. Durante a ditadura militar, os exilados brasileiros também foram chamados de terroristas sanguinários.

Em qualquer país civilizado, questões de política internacional, inclusive conceder ou não asilo político, são da alçada do poder Executivo e não do poder Judiciário. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal entendeu que devia antes examinar se havia ou não pressupostos legais para uma possível extradição. Na realidade, parte do STF tentou negar o fundamento da decisão do Ministro da Justiça que concedera refúgio a Battisti, interrompendo, assim, o processo de extradição.

Sem entrar no mérito da distinção técnica entre refúgio e asilo, é importante assinalar que o fato de existir tratado de extradição entre a Itália e o Brasil obriga o governo brasileiro a examinar o pedido de extradição, mas não necessariamente a concedê-la.

O STF concluiu que não havia impedimento legal para uma eventual extradição que, entretanto, só poderia ser decidida pelo Poder Executivo.

Daí a decisão da maioria na segunda votação, que causou celeuma e certa incompreensão, apesar de existir precedentes no próprio STF em relação à extradição de um israelense acusado de maltratar crianças. Naquela ocasião, conforme esclareceu o ministro Ayres Britto, o Supremo Tribunal entendeu que caberia ao presidente da República a decisão final.

Preocupante, na verdade, foi o voto vencido de que o STF poderia decidir a extradição, usurpando prerrogativa constitucional do Executivo. Já são numerosos, no Brasil, os casos de judicialização da política. A parte vencida do Supremo Tribunal queria avançar ainda mais, na direção do que seria um caso flagrante de politização do Judiciário.

Prevaleceu o bom senso e o respeito à Constituição. Cabe ao presidente da República, legitimamente eleito, a decisão de conceder ou não o asilo político. Isso é o que está na Constituição. O resto são lamentações de fundo político ou ideológico.

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Liszt Vieira é antigo exilado político, Professor da PUC-Rio, atualmente Presidente do Jardim Botânico.

Original em Carta Maior

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Venezuela alvo do império

O presidente Hugo Chávez alertou para a preparação de uma agressão norte-americana contra o seu país. As movimentações militares da Colômbia e dos EUA confirmam a ameaça.

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Depois de ter permitido a instalação no seu território de sete bases militares dos EUA, «a Colômbia está a mover unidades terrestres junto à fronteira [com a Venezuela]», disse Chávez no programa semanal «Alô Presidente». Estas manobras, explicou, juntam-se à campanha de identificação da revolução bolivariana com o fornecimento de armas à guerrilha colombiana, às constantes declarações hostis de altos mandatários de Bogotá (ministro da Defesa, vice-presidente e presidente), à entrada de paramilitares colombianos em território da Venezuela, aos exercícios aéreos e navais dos EUA em Aruba e Curaçau (ilhas sob soberania holandesa situadas a 70 quilômetros da Venezuela para onde os norte-americanos deslocaram uma esquadrilha de F-16) e à incursão no país de aviões espiões não-tripulados (drones) enviados pelo Pentágono.

«Temos de estar alerta. Estão preparando o terreno», considerou Chávez, para quem a Colômbia está a ser instrumentalizada pelos EUA como plataforma para a agressão.

No mesmo discurso, citado pela VTV, o presidente venezuelano detalhou que a aeronave comandada à distancia – com capacidade para transportar e lançar mísseis, e cujas operações se têm apurado com sucesso no Iraque, Afeganistão e Paquistão, representando, no orçamento militar dos EUA para o próximo ano, 36 por cento do total das missões aéreas a realizar em 2010 – foi avistada em Fuerte Mara, no Estado de Zulia, e esclareceu já ter dado ordens para que aparelhos deste tipo sejam derrubados.

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Reforço ameaçador

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Os alertas de Hugo Chávez surgem depois de o governo colombiano ter decidido instalar uma nova base militar em Guajira, na fronteira com o Estado venezuelano de Zulia. As instalações vão ser financiadas pelos EUA e construídas com o auxílio logístico daquele país, confirmou o ministro da defesa da Colômbia, Gabriel Silva.

O executivo de Álvaro Uribe também confirmou a ativação de sete novos batalhões das forças armadas, seis dos quais são unidades aéreas, e um de operações especiais. Dois vão ficar estacionados junto à fronteira com a vizinha nação latino-americana, revelam informações divulgadas pela EFE. Dos restantes, um vai ficar acantonado no estado de Guaviare, e quatro integram duas das bases militares norte-americanas usadas pelos EUA.

Este reforço ameaçador – ao qual acresce ainda a transferência de material militar e armamento dos EUA para a Colômbia no âmbito do acordo recentemente assinado entre ambos – é consistente com os tambores de guerra que o imperialismo e os seus Estados vassalos têm vindo a troar contra a Venezuela e os demais países que no subcontinente empreendem processos progressistas, democráticos e de soberania nacional.

Desde 2006, Washington realiza jogos de guerra em Aruba e Curaçau envolvendo centenas de porta-aviões e vasos de guerra, aviões de combate e helicópteros, submarinos nucleares e milhares de soldados. A Venezuela já protestou junto da Holanda e pretende que a UE tome posição.

Em 2008 o Pentágono reativou a IV Frota da Armada, encarregue de defender os interesses norte-americanos na América Latina. A IV Frota foi desativada na década de 50 do século passado e a sua recolocação ao serviço mereceu da parte dos países da América Latina o mais vivo repúdio e veementes pedidos de explicações junto de Washington.

Para mais, a Venezuela tem sido apontada pela Casa Branca como um Estado não-cooperante para com o «combate ao narcotráfico» e o «terrorismo internacional», e só a dependência dos EUA face ao petróleo venezuelano impediu George W. Bush de incluir o país no famoso grupo de nações do «eixo do mal».

Já a semana passada, a secretária de Estado Hillary Clinton fez saber à Venezuela, Bolívia, Brasil, e Nicarágua que «devem pensar nas conseqüências» do estreitamento de laços econômicos com o Irão e «aconselhou» os chefes de Estado respectivos a «pensarem duas vezes antes de o fazerem».

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Original em Avante!

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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Círculo de Fogo se fecha sobre a América Latina

Editorial Inverta 440

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A assinatura do acordo entre os Estados Unidos e a Colômbia, de instalação de mais sete bases militares estadunidenses em território colombiano, que segundo os esclarecimentos exigidos pelo presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva aos presidentes Obama e Uribe foram considerados satisfatórios, embora permaneça a demanda de tornar conhecido o conteúdo do mesmo pelos países da Unasul, constitui-se em mais um visível movimento de características geo-estratégicas, que somado às demais bases já existentes no continente, a reativação da IV Frota e o golpe em Honduras, nos levam à confirmação que o Círculo de Fogo em torno da América Latina passa a se fechar, suscitando desdobramentos dramáticos e violentos para os nossos Povos, a propósito do que continua acontecendo no Oriente Médio.

O INVERTA, em seu Editorial de Julho de 2008, intitulado "O Círculo de Fogo sobre a América Latina", esboçou a idéia de que as bases norte-americanas neste continente teriam uma pretensão maior do que aparentemente lhe são atribuídas, que não se tratam de dispositivos que resguardam o poder hegemônico estadunidense sobre o continente, em função da herança da guerra fria ou de controle dos movimentos revolucionários na região.

Segundo este Editorial a idéia tem por objetivo manter o histórico isolamento do Brasil em relação aos demais países do hemisfério, impedindo a unidade latino-americana e bloqueando o desenvolvimento do potencial econômico-social do hemisfério como um todo, dentro das novas circunstâncias da divisão internacional do trabalho e da política internacional. Que a histórica intervenção dos Estados Unidos na região desde as lutas por Independência estão marcadas por este signo, como bem comprova o boicote da delegação brasileira ao Congresso do Panamá, convocado por Bolívar (1824), durante o Movimento de Libertação da América Latina, e que ainda todo esse aparato de divisão, controle e submissão dos Povos de Nossa América nas novas circunstâncias históricas de Crise do Capitalismo, desde o último quartel do século XX ao século XXI, servem à nova estratégia de submissão econômica e política, de globalização neoliberal, dos países latino-americanos, em especial, o Brasil, que isolado dos demais desenvolveu as características subimperialistas, servindo como instrumento de dissuasão repressiva aos processos de unidade política e mudanças revolucionárias.

Quando este Editorial foi publicado as ideias contidas no mesmo pareciam absurdas para alguns, pois o contexto regional, como nos anos 60 e 70 que destacava Cuba na liderança do combate ao imperialismo na defesa da unidade continental sob o paradigma da Revolução Socialista; na atualidade, destaca a Venezuela na defesa desta unidade continental sob os paradigmas da Revolução Bolivariana. Nestes termos é difícil perceber e aceitar que o acordo das bases, a reativação da IV Frota, representasse qualquer perigo ao Brasil, dado seu papel histórico na região e as novas características do desenvolvimento capitalista no país de submissão pelo entrelaçamento subordinado das oligarquias burguesas locais à oligarquia financeira internacional, em especial, sua parcela hegemônica nos EUA; contudo, o desenrolar deste processo e a própria posição do governo brasileiro demonstra que as idéias avançadas deste Editorial já não parecem tão absurdas porque se assim fosse qual o motivo de pedir esclarecimentos a respeito do acordo entre os Estados Unidos e a Colômbia?

Certa vez um sábio visionário afirmou que se a aparência das coisas se confundisse com a sua essência, toda ciência seria supérflua, e, sem dúvida, este sábio aforismo cai como uma luva para os teóricos do Governo Lula, inclusive os ideólogos burgueses que se dizem democráticos, patriotas e nacionalistas. Pois o que justifica a maior potência militar de todos os tempos na história mundial dispor de 7 bases militares para combater o narcotráfico; a luta revolucionária do Povo Colombiano, das FARC-EP e da ELN, a qual denominam de terrorismo; e combater a influência da Revolução Bolivariana na Venezuela? O que poderia justificar um movimento desta ordem?

A História mostra que quando Hitler iniciou a guerra, cujo objetivo geral era o domínio sobre o continente europeu, elegeu como alvo de suas operações iniciais a Áustria, que o movimento de anexação daquele país se deu sem nenhuma resistência, que as tropas de Hitler através de núcleos já estavam presentes naquele país há bastante tempo, portanto, quando da entrada de suas tropas, ao contrário de uma recepção hostil, o que obteve foi a saudação clamorosa do povo. Mas a Áustria era apenas a cabeça de ponte para a passagem das hostes nazistas, em sua estratégia de domínio continental. Hitler enunciou como alvo segundo a jovem Revolução Russa, levando a Europa, em especial a Inglaterra e França, temerosos da Revolução Comunista, a uma aceitação silenciosa da anexação austríaca. E este comportamento político do velho continente europeu levou à histórica destruição e barbárie de vidas a partir de 1939 até 1945. Hitler fez um deslocamento estratégico de seus exércitos, anexando país por país em torno da URSS, mas o seu foco principal era o coração do continente europeu, econômico e político de então: a Inglaterra e a França. A questão que se coloca no momento é que dado o desenvolvimento tecnológico, torna-se impossível o deslocamento de forças que não denunciem o objetivo estratégico. Então, é necessário perguntar: Quem é o coração da América Latina, que numa nova visão estratégica e de um novo regime social, de unidade, integração, solidariedade e soberania dos Povos em Nossa América, poderia ser decisivo para o sonho Bolivariano e Martiano, pelo qual se batem Cuba e agora, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua? Não há como negar que este país é o Brasil.

E quanto mais cresce o seu desenvolvimento econômico e tecnológico, mais sua capacidade de conhecer as riquezas naturais (pré sal, água potável, biodiversidade) e possibilidades sociais, mais sua importância se mostra decisiva no contexto histórico atual; por outro lado, quanto mais aprofunda a crise do imperialismo no plano internacional, em especial, no centro principal desta crise, os EUA, revelando suas debilidades, ameaçando a hegemonia econômica e monetária, política, resta a herança que ele logrou conquistar no curso das duas guerras mundiais e da guerra fria até os dias atuais: seu complexo industrial militar, arsenal nuclear e demais tecnologias de guerra, espionagem e manipulação que corporificam-se em fatores objetivos e subjetivos, em suas forças armadas e indústria de guerra, e esta situação ainda é mais perigosa quando se vê ameaçado de desintegração interna, convulsão social, ameaça de desabastecimento de cereais para a população e de matérias-primas para sua indústria e vê crescer como na época da grande depressão, os milhões de desempregados, famintos, sem-tetos em suas ruas e principais cidades, vendo crescer a violência a cada dia. O reflexo de toda ideologia de superioridade racial e imperial sobre o mundo posta-se como ferida interna e câncer, que corrói toda a sociedade, atingindo os ícones de sua exuberância irracional: Wall Street, a GM, a Chrysler, a Lehman Brothers, Freddie Mac e Fannie Mae, entre outras; a ponto de após 390 anos de opressão sobre a população negra e 144 anos da libertação da escravatura(*) e das lutas contra o apartheid social, como forma de dupla exploração em cima das populações de etnias distintas, indígenas, latinas, negros, asiáticos, eleger um presidente que expressasse essas "minorias", oprimidas secularmente pela idéia da eugenia racial. Tudo isto se processa nas correntes sanguíneas da sociedade estadunidense. Quando a Alemanha passou a viver a situação de humilhação, após a derrota na I Guerra Mundial, que a crise econômica levou ao desespero o seu povo, vivendo em situação similar ao que vive os EUA hoje, o povo construiu como solução a República de Weimar contra o bolchevismo da Revolução Russa e o canto da vontade nacional da eugenia ariana e assim concentrou a vontade da maioria da população e a esperança de sair da humilhação e do desespero econômico e da submissão em que vivia. Mas a crise de 1929 levou de roldão a República de Weimar, afogada pelo discurso estridente de Hitler, evocando as potências do país. Eis o desfecho que levou ao cataclisma da II Guerra Mundial. O que isto tem a ver com as possibilidades da conjuntura que se forma em Nossa América, impulsionada pela Crise do Capital e a singularidade com os EUA a protagonizem? O desfecho deprimente de sua guerra de ocupação e rapina contra o Afeganistão e o Iraque; a submissão das superestruturas políticas condensadas no Governo Obama, alterando todo o metabolismo social dominado pelo ódio racial e humilhação das vacas sagradas da Ku Klux Khan, na explosão de ódio, torna-se uma variável bastante previsível que poderia unir-se ao complexo industrial-militar em nova estratégia desesperada de afogar as contradições internas pelas contradições externas numa guerra pela recolonização da América Latina. Fidel Castro recentemente afirmou que o acordo entre os Estados Unidos e a Colômbia representa a anexação desta pelos EUA, com o objetivo de destruir a Revolução Bolivariana e a esperança de unidade no continente.

Então, nós do INVERTA, entendemos que o Círculo de Fogo fecha o seu cerco sobre Nossa América, exigindo de todo patriota, democrata, nacionalista, e das forças revolucionárias no continente, a Unidade e a Defesa da Soberania de seus Povos e países. Além disso, que as situações de Honduras, a exemplo do Haiti, são apenas escaramuças, mensurações da capacidade de resposta da AL a um cenário de guerra de ocupação do imperialismo ianque na região: o conflito na Colômbia, o golpe em Honduras, a ocupação do Haiti, o bloqueio à Cuba, a anexação da Colômbia e a ameaça de invasão da Venezuela e sufocamento da Revolução Bolivariana são eixos concretos para a unidade tática e estratégica das forças revolucionárias do continente. O III Congresso da Coordenadora Continental Bolivariana tem a responsabilidade de posicionar-se sobre este eixo e de ter a sensibilidade e sabedoria de confluir as forças revolucionárias no continente para esta luta sem quartéis contra o imperialismo estadunidense. Neste particular, não poderá esquecer a importância do Brasil nem o significado da divisão entre as reais forças revolucionárias no país e os farsantes de ontem e de hoje, que impediram a delegação brasileira de estar presente no Congresso convocado por Bolívar e os que impediram a unidade revolucionária na Tricontinental, expulsando Marighela e isolando as forças revolucionárias dentro do próprio país: a História é pródiga em ironias.


Contra a anexação da Colômbia pelos EUA!
Fora com todas as bases militares norte-americanas do Continente!
Em defesa da Revolução Bolivariana!
Contra o Golpe em Honduras!
Contra a intervenção militar do Brasil no Haiti!
Pela Defesa da Unidade e Soberania Continental!
Pela Revolução Brasileira!


Aluisio Bevilaqua

Editor de INVERTA, membro da Presidência Coletiva da Coordenadora Continental Bolivariana, presidente do Capítulo Brasil da CCB – Luiz Carlos Prestes
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Consolida-se o processo progressista na Bolívia

Vitória sobre o domínio imperialista

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O triunfo eleitoral de Evo Morales e do Movimento para o Socialismo (MAS) nas eleições bolivianas representa a vitória das forças progressistas e soberanas sobre a dominação imperialista que condenava o país ao subdesenvolvimento e o povo à exclusão, injustiça e miséria.

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No sufrágio do passado dia 6, Evo Morales e o MAS quebraram o recorde de votação em todas as anteriores consultas e referendos, alcançando, respectivamente, 63 por cento para a presidência da República - garantindo, assim, a recondução de Morales no cargo -, e uma maioria de mais de dois terços, 110 deputados num total de 166, no parlamento do país. Acresce o fato de terem derrotado a oposição conservadora e golpista, os sectores da direita mais reacionária, em sete das nove províncias do território.

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Os números não são novos e foram, aliás, publicados anteriormente pelo Avante!. Mas a vitória das forças que defendem os interesses populares, a soberania e a democracia na Bolívia representa mais que uma esmagadora tradução em votos do apoio popular a Evo Morales e ao MAS. Significa, sobretudo, o reforço da base social e política do projeto de refundação nacional levado a cabo nos últimos anos, e a expressão, em sufrágio universal, da defesa das propostas que o presidente e as forças progressistas, democráticas e revolucionárias que o sustentam procuram concretizar.

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Propostas que ficaram claras no período da campanha eleitoral e que Evo Morales veio reiterar depois da ida às urnas – consolidação do Estado plurinacional e da participação do povo nas decisões estratégicas; reforma dos sistemas jurídico, de educação, de saúde e de previdência; combate à pobreza, à exclusão social, à corrupção e ao crescimento das grandes fortunas acumuladas pela oligarquia que controla alguns poderes locais e atividades produtivas; impulso decisivo à economia com o setor público e a exploração das riquezas naturais - gás, petróleo e minério - a serem os motores do desenvolvimento dos demais sectores e da industrialização do país, orientação vital para que a Bolívia deixe de ser, fundamentalmente, um exportador de matérias-primas.

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Caminho percorrido

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O triunfo eleitoral apresenta-se, simultaneamente, no quadro do reconhecimento por parte do povo do trabalho realizado pelo governo. A nacionalização dos hidrocarbonetos, os avanços na democratização do acesso à terra, o combate ao analfabetismo e a aposta na formação de quatros técnicos e superiores, medidas de âmbito social como o apoio às crianças e os idosos foram concretizadas.

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Da mesma forma, a ação do executivo permitiu tirar a Bolívia do triste lugar de nação mais pobre da América Latina. O PIB mais que duplicou em quatro anos e o rendimento

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Tudo isto foi amplamente ratificado pelo povo. E ainda que os EUA ameacem - como fez a semana passada a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, considerando que a aproximação da Bolívia (e da Venezuela) ao Irã registra o estabelecimento de laços com «um dos maiores promotores do terrorismo» -, a verdade é que os bolivianos, a imensa maioria dos bolivianos, estão, livre e conscientemente ao lado das orientações anti-imperialistas e antimonopolistas.

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Original em Avante!

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sábado, 12 de dezembro de 2009

Arruda reprime manifestação contra rio de propinas no DF

Três mil estudantes não se amedrontaram com bombas e cassetetes e mandaram seu recado

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O governador de Brasília, José Roberto Arruda (DEM), mandou a polícia reprimir com uma violência inaudita a manifestação de estudantes organizada na quarta-feira, em frente ao Palácio do Buriti, contra os escândalos de corrupção nos quais ele é o cabeça. Cerca de 3.000 estudantes foram agredidos por 400 policiais e pela cavalaria da Polícia Militar. A selvageria ordenada por Arruda feriu oito pessoas, entre elas uma menina de 12 anos, moradora de Valparaíso, que acompanhava a irmã no protesto. Estava na calçada, em frente ao tribunal, e foi atingida nas pernas por cassetetes.

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De acordo com os manifestantes, o movimento transcorria pacificamente em frente ao Palácio e recebia o apoio dos motoristas que trafegavam pelo local, quando a polícia iniciou as agressões. “Apesar de todos os carros que estavam parados estarem nos apoiando, a polícia quis repreender os manifestantes. Começou uma grande confusão e daí se expandiu”, relata Levy Brandão, integrante da comissão “Fora Arruda e sua máfia”.

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Diversas faixas pedindo a saída do governador foram estendidas pelos manifestantes. Uma delas tinha os dizeres “Arruda, seu lugar é na Papuda”. Em referência à penitenciária da capital. O governador foi flagrado em gravações feitas por um de seus secretários, recebendo um pacote de R$ 50 mil diretamente das mãos do seu funcionário. A Operação “Caixa de Pandora” da Polícia Federal obteve e divulgou fartas imagens do governador e de seus aliados recebendo pacotes e mais pacotes de dinheiro, indignando a sociedade. Em nota, alegou que o dinheiro “era para comprar panetone para o povo carente”.

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O secretário de Relações Institucionais, Durval Barbosa, foi o funcionário que fez o acordo de delação premiada com a PF e gravou os filmes. Calcula-se que o esquema tenha movimentado ao todo mais de R$ 500 milhões. Um dos aliados de Arruda, o presidente da Câmara Distrital, Leonardo Prudente (DEM), chegou a ser filmado guardando dinheiro em todos os bolsos e até em suas meias.

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Foram onze os pedidos de impeachment do governador e de seu vice, Paulo Otávio (DEM), também citado nos depoimentos como beneficiário do esquema montado dentro do governo do Distrito Federal. A divisão era 40% para o governador, 30% para o vice e o restante para os demais. Contudo, dos onze pedidos a Câmara Legislativa do DF aceitou três que agora passam a tramitar na Casa. Os pedidos de impeachment de Paulo Octavio foram rejeitados, porque a Procuradoria da Câmara entendeu que o vice só poderia ser alvo de afastamento se estivesse no exercício do cargo, segundo lei federal.

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O local escolhido para o protesto contra Arruda foi simbólico porque a administração de Brasília vem funcionando temporariamente na cidade satélite de Taguatinga. O ato teve início com pronunciamentos de políticos e representantes das entidades que compõem o “Movimento Contra a Corrupção”. “Só conseguiremos tirar o governo local se houver mobilização popular. É preciso conscientização para mudar todo esse esquema sujo”, afirmou a presidente da Central Única dos Trabalhadores no Distrito Federal (CUT-DF), Rejane Pitanga. Fizeram parte ainda do protesto, a UNE, a UBEs, centrais sindicais e outras entidades populares.

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Montados em cavalos e atirando com bombas de gás lacrimogenio e balas de borracha, os policiais deram o início à agressão para dispersar os manifestantes. Com cassetetes, eles foram ao encontro dos estudantes. Mas a repressão não foi o bastante para coibir a manifestação. Os estudantes se reuniram em outros lugares e se espalharam por todo o gramado até a Rodoviária de Brasília.

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Cenas chocantes mostraram um estudante deitado no meio da pista sendo pisoteado pelos cavalos. Outro manifestante, arrastado para o gramado, sofreu várias agressões. Os policiais usaram gás de pimenta para afastar os jornalistas que filmavam a ação.

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Com frases como “Arruda na papuda e PO (Paulo Otávio) no xilindró” e outras, os ativistas caminharam entre os carros. Muitos motoristas manifestaram apoio, buzinando e mostrando panfletos, ou adesivos, com os dizeres “Fora Arruda”. A polícia bloqueou a passagem dos carros para poder agredir os manifestantes. Foi o momento que eles atiraram com as armas de borracha e lançaram bombas de gás.

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A violência de Arruda foi repudiada por vários setores da sociedade. O presidente em exercício da Câmara Legislativa do DF, Cabo Patrício (PT), disse que a pressão pelo afastamento dos envolvidos vai continuar. O Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (UnB) protestou e convocou novos protestos. Durante o ato foram colhidas assinaturas pedindo a abertura de impeachment contra o governador. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também já havia entrado com processo contra a dupla Arruda/Otávio também protestou.

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Entre as denúncias, Durval Barbosa revelou à Polícia Federal que recebeu um pacote de dinheiro enviado por Sedex pela empresa de informática CTIS “para chegar ao governador José Roberto Arruda (DEM) e demais pessoas”. Durval fez chegar o pacote à Polícia Federal que iniciou as investigações. A CTIS Tecnologia S/A é uma empresa que tem em sua direção o tucano Fernando Gusmão Wellisch, que foi diretor de tecnologia do Banco do Brasil na administração Fernando Henrique Cardoso e dirigiu a Secretaria de Coordenação e Controle de Empresas Estatais, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, no período em que Serra foi ministro da pasta. A empresa tem um contrato para alugar 100 mil microcomputadores ao governo de José Serra (PSDB), em São Paulo, no valor de R$ 400 milhões.

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Arruda, o preferido de José Serra para compor a vice em sua chapa para as eleições de 2010, depois do flagrante, responde agora a processo de expulsão do partido. O caminho da violência não vai impedir as punições ao governador demista.

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SÉRGIO CRUZ

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Original em Hora do Povo

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Obama não era obrigado a atuar cinicamente

(Extraído do CubaDebate)

• NOS últimos parágrafos de uma Reflexão intitulada "Os sinos dobram pelo dólar", redigida há dois meses, no dia 9 de outubro de 2009, fiz referência ao problema da mudança climática aonde o capitalismo imperialista tem conduzido a humanidade.

"Os Estados Unidos — disse, fazendo alusão às emissões de carbono — não fazem nenhum esforço real. Só aceitam 4% de redução com respeito ao ano 1990." Nesse momento os cientistas exigiam um mínimo que flutuava entre 25 e 40% para o ano 2020.

Acrescentei logo: Hoje sexta-feira 9, de manhã, o mundo acordou com a notícia de que "o Obama bom" do enigma, explicado pelo Presidente Bolivariano Hugo Chávez nas Nações Unidas, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Nem sempre compartilho as opiniões dessa instituição, mas estou obrigado a reconhecer que nestes instantes foi, segundo a minha opinião, uma medida positiva. Compensa o revés que sofreu Obama em Copenhague ao ser eleita Rio de Janeiro e não Chicago sede das Olimpíadas de 2016, o que provocou irados ataques de seus adversários de extrema direita.

"Muitos serão da opinião de que não ganhou ainda o direito a receber essa distinção. Desejamos ver na decisão, mais do que um prêmio ao Presidente dos Estados Unidos, uma crítica à política criminosa que seguiram não poucos presidentes desse país, os quais conduziram o mundo à encruzilhada onde hoje se encontra; uma exortação à paz e à busca de soluções que conduzam à sobrevivência da espécie.

Era óbvio que observava cuidadosamente o Presidente negro eleito num país racista que sofria profunda crise econômica, sem prejulgá-lo por algumas das suas declarações de campanha e sua condição de chefe do executivo ianque.

Após quase um mês, noutra Reflexão que intitulei "Uma história de ficção científica", escrevi o seguinte:

"O povo norte-americano não é culpável, senão vítima de um sistema insustentável e o que é pior ainda: incompatível já com a vida da humanidade".

"O Obama inteligente e rebelde que sofreu a humilhação e o racismo durante a infância e a juventude o percebe, mas o Obama educado e engajado com o sistema e com os métodos que o levaram à Presidência dos Estados Unidos não pode resistir a tentação de pressionar, ameaçar, e inclusive enganar os outros."

A seguir acrescento: "É obsessivo em seu trabalho; talvez nenhum outro Presidente dos Estados Unidos seria capaz de se engajar num programa tão intenso como o que se propõe levar à cabo nos próximos oitos dias".

Nessa Reflexão, como pode ser observado, eu faço a análise da complexidade e das contradições de seu longo percurso pelo Sudeste asiático e pergunto:

"O que pensa abordar nosso ilustre amigo na intensa viagem?" Seus assessores tinham declarado que falaria de tudo com a China, a Rússia, o Japão, a Coréia do Sul, et cetera, et cetera.

Já é evidente que Obama preparava o terreno para o discurso que pronunciou em West Point no dia 1 de dezembro de 2009. Esse dia empregou-se a fundo. Elaborou e ordenou cuidadosamente 169 frases destinadas a tocar cada uma das "teclas" que lhe interessavam, para conseguir que a sociedade norte-americana o apoiá-se numa estratégia de guerra. Adotou posições que fizeram com que empalidecessem as Catilinárias de Cícero. Esse dia eu tive a impressão que escutava a George W. Bush; seus argumentos não diferiam em nada da filosofia de seu antecessor, salvo por uma folha de parra: Obama opunha-se às torturas.

O principal chefe da organização à qual é atribuído o ato terrorista de 11 de Setembro foi recrutado e treinado pela Agência Central de Inteligência para combater as tropas soviéticas e nem sequer era afegão.

As opiniões de Cuba condenando aquele fato e outras medidas adicionais foram proclamadas esse mesmo dia. Também advertimos que a guerra não era o caminho para lutar contra o terrorismo.

A organização do Talibã, que significa estudante, surgiu das forças afegãs que lutavam contra a URSS e não eram inimigas dos Estados Unidos. Uma análise honesta conduziria à verdadeira história dos fatos que originaram essa guerra.

Hoje não são os soldados soviéticos, senão as tropas dos Estados Unidos e da NATO as quais a sangue e fogo ocupam esse país. A política que é oferecida ao povo dos Estados Unidos pela nova administração é a mesma de Bush, quem ordenou a invasão do Iraque, que nada tinha a ver com o ataque às Torres Gêmeas.

O Presidente dos Estados Unidos não diz uma palavra a respeito das centenas de milhares de pessoas, incluídas crianças e idosos inocentes, que tem morrido no Iraque e no Afeganistão e os milhões de iraquianos e afegãos que sofrem as conseqüências da guerra, sem nenhuma responsabilidade com os fatos que aconteceram em Nova Iorque. A frase com a qual conclui seu discurso: "Deus abençoe os Estados Unidos", mais do que um desejo, parecia uma ordem dada ao céu.

Por que Obama aceitou o Prêmio Nobel da Paz quando já tinha decidido levar até as últimas conseqüências a guerra no Afeganistão? Obama não era obrigado atuar cinicamente.

Depois anunciou que receberia o Prêmio no dia 11 na capital de Noruega e viajaria a Cimeira de Copenhague no dia 18.

Agora há que esperar outro discurso teatral em Oslo, um novo compêndio de frases que ocultam a existência real de uma superpotência imperial com centenas de bases militares espalhadas pelo mundo, duzentos anos de intervenções militares em nosso hemisfério, e mais de um século de ações criminosas em países como o Vietnã, o Laos ou outros da Ásia, da África, do Oriente Médio, dos Bálcãs e em qualquer parte do mundo.

Agora o problema de Obama e de seus aliados mais ricos, é que o planeta que dominam com punho de ferro se desfaz em suas mãos.

É bem conhecido o crime cometido por Bush contra a humanidade ao não reconhecer o Protocolo de Kyoto e não fazer durante 10 anos o que deveu ter sido feito desde muito antes. Obama não é ignorante; conhece mesmo como conhecia Gore, o grave perigo que ameaça todos, mas vacila e mostra-se débil perante a oligarquia irresponsável e cega desse país. Não atua como Lincoln, para resolver o problema da escravidão e manter a integridade nacional em 1861, ou como Roosevelt, perante a crise econômica e o fascismo. Na terça-feira atirou uma tímida pedra nas agitadas águas da opinião internacional: a administradora da EPA (Agência de Proteção Ambiental) Lisa Jackson, declarou que as ameaças para a saúde pública e o bem-estar do povo dos Estados Unidos que significa o aquecimento global, permitem a Obama adotar medidas sem contar com o Congresso.

Nenhuma das guerras que têm tido lugar na história, significam um perigo maior.

As nações mais ricas tentarão jogar sobre as mais pobres o peso da carga para salvar a espécie humana. Deve ser exigido aos mais ricos o máximo de sacrifício, a máxima racionalidade no uso dos recursos, a máxima justiça para a espécie humana.

É possível que, em Copenhague, o mais que possa ser conseguido seja um mínimo de tempo para atingir um acordo vinculador que sirva realmente para buscar soluções. Se isso é conseguido, a Cimeira significaria pelo menos, um modesto avanço.

Vamos ver o que acontece!



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O presidente e o palavrão que incomoda

Se tratar da língua é tratar de um tema político, a fala sem rodeios do presidente Lula, durante cerimônia de assinatura dos contratos do programa Minha Casa, Minha Vida, no Maranhão, vai encher a seção de cartas de jornais e revistas, além de dar o tom do moralismo seletivo dos grandes articulistas.
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Por Gilson Caroni Filho*, na Carta Maior


Fingirão não saber que palavras tidas como chulas são formas lingüísticas ímpares para expressar emoções que permeiam o corpo e os amplos campos das relações sociais. Não está em questão se o emprego se deu em contexto adequado, mas o que move o coro dos “indignados”.

Ao afirmar que "eu não quero saber se o João Castelo é do PSDB. Se o outro é do PFL. Eu não quero saber se é do PT. Eu quero é saber se o povo está na merda e eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra; esse é o dado concreto", Lula tem consciência de que os opositores dirão que desrespeitou a postura pública que deveria manter em face de majestade do cargo que ocupa. Tanto que se antecipa à crítica anunciada: “Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer que o Lula falou um palavrão, mas eu tenho consciência que eles falam mais palavrão do que eu todo dia e tenho consciência de como vive o povo pobre desse país".

Como tem sido colonizada para ter vergonha de ser o que é, uma boa parcela da classe média urbana se apresenta como defensora intransigente da propriedade, da família e do Estado Patrimonial. Confunde governo e salvação, ignora a representação, desconhece direitos sociais e políticos, menosprezando a exploração econômica, embora seja “mobilizável” por campanhas de caridades que reforcem a sua imagem de privilegiadas. Em busca de ilusões perdidas, está disponível para aventuras que realçam a ferocidade dos seus recalques. E qualquer enunciado que apresente um padrão variante é o suficiente para açular o seu ódio de classe.

Pouco lhe importa se campeia a violência, a truculência e a miséria. Em seu ilusório casulo, o que merece relevo é o destempero verbal de um presidente que não segue os padrões dos antigos donos do poder. É de pouca importância se o governo anterior reduziu a zero os empréstimos da Caixa Econômica Federal às autarquias e estatais da área de saneamento básico. Também não lhe tira o sono se a decisão política do tucanato provocou, além da dengue, surtos de cólera, leishmaniose visceral, tifo e disenterias. Ora, doenças resultantes da falta de saneamento não lhe incomodam, pois fezes liquefeitas são desprezíveis. A merda que lhe aflige é aquela que aparece no improviso presidencial como dado concreto.

Para Lula, o descalabro no saneamento é uma tragédia, e, de fato, o é. Por sua história, o presidente faz parte de uma legião de sobreviventes. De um exército que resistiu a séculos de dificuldades imensas, naturais e humanas. Tem orgulho saudável de sua força. Da força desse povo que come mandacaru e capulho verde de algodão e ainda tem a esperança desesperada de querer viver. Isso é coragem, é grandeza. Essa é a merda que a causa engulhos na grande imprensa e nos seus leitores indignados. Mas indignados com o quê, afinal?

Indignados pela existência de erros que se repetem há tempos? Indignados pela impotência de um saber divorciado da dimensão histórica e da responsabilidade social que deveria caber aos centros de ensino que freqüentaram? Indignados pela ameaça, concreta e imediata, da morte, pela fome endêmica e, até bem pouco tempo epidêmica, dos mais miseráveis? Não. O que os ruborizados pelo emprego da palavra "merda" não suportam é a ausência do promotor da "paz social", do garantidor de uma ordem política que lhes oferecia, através do conservadorismo autoritário, uma institucionalidade que muito apreciavam ética e esteticamente. Um simulacro de república feito sob medida.

O problema é que a vestimenta institucional brasileira parece calça curta, fazendo o país caminhar desajeitado, com medo do ridículo. A reforma mais urgente requer produção crescente de cidadania, a criação incessante de sujeitos portadores de direitos e deveres. Em uma sociedade fracionada, essa é a "merda" que ameaça e choca os estamentos mais reacionários: a realidade que não deveria ter emergido com modelagem tão nítida.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da
Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil


Publicado em Vermelho

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Chegou a hora de pôr fim à globalização?

O atual desmoronamento global, o pior desde a Grande Depressão de há 70 anos, veio cravar o último prego no ataúde da globalização. Já assediada por fatos que mostravam o incremento da pobreza e da desigualdade, quando os países mais pobres experimentaram pouco ou nenhum crescimento econômico, a globalização viu-se definitivamente desacreditada nos dois últimos anos, quando o processo, anunciado com pompa e circunstância, da interdependência financeira e comercial, inverteu a sua marcha, para se converter em correia de transmissão, não de prosperidade, mas de crise e colapso econômicos.

Walden Bello* -

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O fim de uma era

Nas suas respostas à atual crise econômica, os governos falam à boca pequena de coordenação global, mas incentivam programas separados de estímulo econômico para revitalizar os seus mercados nacionais. Ao fazê-lo, os governos adiaram o crescimento orientado para a exportação, motor principal de tantas economias, rendendo ainda tributo de rigor à promoção da liberalização comercial como meio de contrariar o afundamento global concluindo a Ronda Doha de negociações comerciais sob os auspícios da Organização Mundial de Comércio.

Reconhece-se cada vez mais que não há possibilidade de regressar a um mundo centralmente dependente do gasto ilimitado dos consumidores norte-americanos, visto que estes se escondem na bancarrota e ninguém se apresenta a ocupar o seu lugar.

Para além disso, seja mediante acordos internacionais ou unilateralmente executadas por governos nacionais, é mais seguro que se imponha um montão de restrições ao capital financeiro, à desbragada mobilidade daquele qual foi o detonador da presente crise.

No entanto, o discurso intelectual não mostrou demasiados sinais de ruptura com a ortodoxia. O neoliberalismo, com a sua ênfase no livre comércio, a primazia da empresa privada e um papel minimalista do Estado, continua sendo a língua franca dos fabricantes de políticas.

Os críticos do fundamentalismo de mercado que pertencem ao establishment, incluindo luminárias como os Prêmios Nobel Joseph Stigitz e Paul Krugman, emaranharam-se em intermináveis debates sobre o grau de duração que devem ter os programas de estímulos e sobre se o Estado deveria manter a sua presença intervencionista na indústria automóvel e no sector financeiro, ou, se, uma vez conseguida a estabilização, deveria devolver as companhias e os bancos ao sector privado. Além disso, alguns, como o próprio Stiglitz, continuam a crer no que eles entendem como benefícios econômicos da globalização, na condição de reduzir os seus custos sociais.

Mas as tendências em curso estão transbordando a toda a velocidade tanto aos ideólogos da globalização neoliberal como a muitos dos seus críticos, e desenvolvimentos impensáveis há poucos anos vão ganhando vida. "A integração da economia mundial está em retrocesso prático por toda a parte", escreve The Economist. Ainda que a revista observe que as corporações empresariais continuam crendo na eficácia das cadeias de oferta global, "como qualquer cadeia, estas são tão fortes como o seu elo mais fraco. O momento perigoso chegará quando as empresas decidirem que este modo de organizar a produção chegou ao seu fim".

A "desglobalização", um termo que The Economist me atribui, é um desenvolvimento que a revista, o primeiro bastião mundial da ideologia do livre mercado, considera como negativo. No entanto, creio que a desglobalização é uma oportunidade. Com efeito, os meus colegas de Focus on the Global South e eu fomos os primeiros a propor a desglobalização como um paradigma geral para substituir a globalização neoliberal. E fizemo-lo há uma década, quando as tensões, as pressões e as contradições que esta trouxe consigo se tornaram dolorosamente evidentes.
Elaborado como uma alternativa, sobretudo para os países em desenvolvimento, o paradigma da desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.

Os 11 pilares da alternativa

O paradigma da desglobalização tem 11 pontos chave:

• A produção para o mercado interno tem que voltar a ser o centro de gravidade da economia, antes da produção para os mercados de exportação. • O principio de subsidiariedade deveria respeitar-se como um tesouro na vida econômica, promovendo a produção de bens à escala comunitária e à escala nacional, se tal se puder fazer a custo razoável, a fim de preservar a comunidade.
• A política comercial – quer dizer, excedentes e tarifas— tem que servir para proteger a economia local da destruição induzida por mercadorias subsidiadas por grandes corporações com preços artificialmente baixos.
• A política industrial –incluídos os subsídios, tarifas e comércio— teria que servir para revitalizar e robustecer o sector manufatureiro.
• Algumas medidas, sempre adiadas, de redistribuição equitativa da renda e redistribuição da terra (incluindo uma reforma do solo urbano) poderiam criar um mercado interno vigoroso que serviria de âncora da economia e geraria os recursos financeiros locais para o investimento.
• Dar importância ao crescimento, dar importância à melhoria da qualidade de vida e maximizar a equidade reduzirá o desequilíbrio ambiental.
• Propiciar o desenvolvimento e a difusão de tecnologia que se conjugue bem com o meio ambiente, tanto na agricultura como na indústria.
• As decisões econômicas estratégicas não podem entregar-se nem ao mercado nem aos tecnocratas. Em seu lugar, deve-se aumentar o raio de alcance da tomada democrática de decisões na vida econômica, até que todas as questões vitais (como quais as indústrias a desenvolver ou condenar, que proporção de orçamento público se deve dedicar à agricultura, etc.) estejam sujeitas a discussão e a eleição democráticas.
• A sociedade civil tem que controlar e fiscalizar constantemente o sector privado e o Estado, um processo que deveria institucionalizar-se.
• O conjunto institucional da propriedade deveria transformar-se numa "economia mista" que incluiria cooperativas comunitárias, empresas privadas e empresas estatais e excluiria as corporações transnacionais.
• As instituições globais centralizadas, como o FMI e o Banco Mundial, deveriam ser substituídas por instituições regionais fundadas, não no livre comércio e no livre movimento de capitais, mas em princípios de cooperação que, para usar as palavras de Hugo Chávez na sua descrição da Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA), "transcenda a lógica do capitalismo".

Do culto à eficiência à economia eficaz

O propósito do paradigma da desglobalização é superar a economia da eficiência estreita, cujo único critério chave é a redução do custo por unidade, para não falar na desestabilização social e ecológica que o processo induzido pelo respeito supersticioso desse critério traz consigo. É superar um sistema de cálculo econômico que, nas palavras de John Maynard Keynes, "converte todo o comportamento vital… numa espécie de paradoxal pesadelo de contadores". Uma economia eficaz, pelo contrário, robustece a solidariedade social subordinando as operações do mercado aos valores de equidade, justiça e comunidade e alargando a esfera do processo de tomada democrática de decisões. Para utilizarmos a linguagem do grande pensador húngaro Karl Polanyi no seu livro “A grande transformação”, para a desglobalização é mais importante como "reincrustar" a economia na sociedade, do que deixar a sociedade abandonada ao controlo da economia.

O paradigma da desglobalização sustenta também que um modelo unidimensional extremista, como o neoliberalismo ou o socialismo burocrático centralizado, é disfuncional e desestabilizador. Em contrapartida, haveria que esperar e incentivar a diversidade, como na natureza. A teoria econômica alternativa tem princípios compartilhados, e esses princípios apareceram já substancialmente na luta contra e na reflexão crítica sobre o fracasso do capitalismo e do socialismo centralizados.

No entanto, a articulação concreta desses princípios – os mais importantes dos quais acabam de ser mencionados — dependerá dos valores, dos ritmos e das opções estratégicas de cada sociedade.

O pedigree da desglobalização

Ainda que possa soar a radical, o certo é que a desglobalização não é nenhuma novidade. O seu pedigree inclui os escritos do eminente economista britânico Keynes, que, no momento culminante da Grande Depressão, ousou deixar dito isto: "Não desejamos… estar a mercê de forças mundiais que geram, ou tratam de gerar, algum equilíbrio uniforme, de acordo com princípios de capitalismo de laissez faire". Com efeito, prosseguia, para "um leque crescente de produtos industriais, e talvez também agrícolas, levantou-se-me a dúvida de o custo econômico da auto-suficiência ser bastante grande para contrabalançar as outras vantagens resultantes de reunir gradualmente o produtor e o consumidor no âmbito da mesma organização nacional, econômica e financeira. Acumula-se a experiência que comprova que o grosso dos processos da moderna produção em massa pode executar-se na maioria dos países e na maioria dos climas com uma eficiência praticamente idêntica".

E com palavras que soam muito contemporâneas, concluía Keynes: "Eu simpatizo… mais com os que queriam minimizar do que com os que queriam maximizar a trama da conexão econômica entre as nações. As idéias, o saber, a arte, a hospitalidade, as viagens; todas essas coisas deveriam, pela sua própria natureza, ser internacionais. Mas deixemos que os bens se produzam em casa quando isso seja razoável e convenientemente possível; e, sobretudo, deixemos que as finanças sejam prioritariamente nacionais."


* Walden Bello, professor de ciências políticas e sociais na Universidade de Filipinas (Manila), é membro do Transnational Institute de Amsterdam e presidente da Freedom from Debt Coalition, assim como analista sênior na Focus on the Global South.

Tradução: Guilherme Coelho

Publicado em O Diário

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