Como sempre acontece em épocas que envolvem negociação, Israel aproveita para expandir seu projeto colonizador. Na terça-feira, 27, anunciou a construção de mais 1.100 casas na colônia de Gilo, em Jerusalém oriental, início de um projeto destinado a separar o sul da Cisjordânia das vilas palestinas vizinhas a Jerusalém.
Baby Siqueira Abrão*
Com o Quarteto e os Estados Unidos exigindo, em uníssono, negociações diretas com Israel, a impressão é que não há solução viável para o caso palestino. As superpotências, sua insistência em acordos impossíveis e sua mobilização frenética não levam em consideração, evidentemente, os milhões de cidadãos da Palestina e de praticamente todos os países do mundo que saíram às ruas para apoiar o pleito à ONU.
Os termos da proposta do Quarteto, porém, nada estabelecem sobre as questões centrais: colônias israelenses em terras palestinas, fronteiras, Jerusalém oriental e retorno dos refugiados. Tampouco tratam do reconhecimento do “Estado judeu”, exigido por Israel [1] . O documento limita-se a estabelecer datas: chamada para conversas iniciais em um mês, sugestões de ambos os lados sobre fronteiras e segurança em três meses e assinatura do acordo de paz no final de 2012.
A proposta foi enviada aos dirigentes dos dois países. Divulgou-se que Netanyhau, primeiro ministro de Israel, a apoiaria, mas uma reunião que se estendeu da noite de terça-feira à madrugada de quarta-feira, com oito membros de seu gabinete, mudou tudo. Não houve consenso. Quanto à ANP, reuniu-se dia 28 para estudar o documento, mas ainda não tomou nenhuma decisão.
Como sempre acontece em épocas que envolvem negociação, Israel aproveita para expandir seu projeto colonizador. Na terça-feira, 27, anunciou a construção de mais 1.100 casas na colônia de Gilo, em Jerusalém oriental, início de um projeto destinado a separar o sul da Cisjordânia das vilas palestinas vizinhas a Jerusalém. A denúncia é de Khalil Toufajki, especialista palestino que estuda as colônias israelenses. Ele informou à rádio Voz da Palestina que, além dessas 1.100 casas, uma nova área residencial, Givat Yael, será construída nas terras da vila palestina de Al-Walajah e vai se estender até a porção oeste de Gilo, abrigando milhares de israelenses. No total, o projeto prevê a construção de 58 mil unidades até 2020, o que significa que Israel não tem a menor intenção de incluir o fim da construção de colônias em nenhum acordo, ou que não pretende assinar acordo algum.
Na quarta-feira, 28, o exército israelense entregou ordens de confisco de terras na vila de Battir, em Belém. Os 148 dununs (cada dunum corresponde a mil metros quadrados) pertencem a 40 famílias e contêm casas, plantações de frutas, vegetais e oliveiras, além de poços de água. A região, segundo a notificação entregue aos moradores, será evacuada por “razões militares e de segurança”, ou seja, para servir à expansão da colônia de Gilo, que fica perto dali.
Também no dia 28 a municipalidade de Beit Ummar, no norte de Hebron, foi notificada de que perderá 800 dununs de terra para a construção de uma estrada exclusiva para a colônia de Etzion, com oito quilômetros de extensão e 160 metros de largura. Israel não perde tempo.
Realidade e miragem
Como se vê, há motivos de sobra para a indignação e a impaciência dos milhões de palestinos que apoiaram a ida da OLP à ONU, e dos 40 mil vindos de todos os pontos da Palestina para a recepção a Mahmoud Abbas no domingo, 25. Seriam bem mais, caso os soldados israelenses não tivessem detido vários ônibus lotados nos checkpoints. A Autoridade Palestina está sem dinheiro, e o país registra um déficit em conta corrente de U$ 610,7 milhões, segundo dados divulgados em 27 de setembro, mas nada disso impediu novos gastos para o encontro entre a população e Abbas, que chegou de Nova York via Amã.
Recebido como herói nacional depois do discurso feito na ONU no dia 23, Abbas foi sucinto. Em cerca de cinco minutos disse que dera o recado dos palestinos ao mundo, que a Primavera Palestina começara, que a luta seria longa e difícil, que a firmeza do povo levaria à vitória e terminou conclamando todos a levantar a cabeça pelo simples fato de serem palestinos. Ovacionado, com o retrato colado em centenas de cartazes carregados pela multidão e em enormes banners nos prédios vizinhos à Muqata, sede da ANP, Abbas teve seu dia de glória.
De personagem político desacreditado – em especial depois que os Palestine Papers, liberados pelo Wikileaks à rede de TV Al-Jazeera, revelaram pesadas concessões a Israel, como partes de Jerusalém oriental e a negação dos direitos dos refugiados, além de apoio ao ataque militar sionista a Gaza, em 2008-2009 –, acusado de corrupto pela população, ele foi guindado, graças a sua performance na ONU, para o patamar dos super-homens. Comentava-se o conteúdo do discurso, a coragem de Abbas por ter mantido a promessa de ir à ONU apesar da pressão dos enviados de Estados Unidos e União Europeia, o fato de ele ter denunciado ao mundo, item por item, a tragédia palestina.
Naquela tarde cinzenta e chuvosa de domingo, o Conselho de Segurança deixou de ser o assunto da semana. Deu lugar à personagem da semana, do dia, do mês: Abu Mazen, codinome de luta pelo qual os palestinos chamam o velho líder. Pelo levantamento informal feito pela reportagem de Carta Maior, ele venceria qualquer candidato se a eleição fosse naquela tarde. E, caso não concorresse às eleições, o nome que apoiasse seria o ganhador.
Encerrar o ciclo estéril de negociações que serviram de cobertura a confiscos de terra e água, à expansão de colônias israelenses em território palestino e à manutenção da Palestina como vitrine da tecnologia bélica sionista foi um alívio para a maioria da população. Jogar o conflito no colo do mundo, dentro da organização que o formalizou, em 1947, foi objeto de críticas até o começo da semana do discurso, mas depois recebeu aprovação quase geral dentro da Cisjordânia e em Gaza. A verdade é que o desespero dos palestinos é tamanho que qualquer miragem de alívio é bem-vinda. Os governos israelenses, de 1948 até hoje, parecem testar na Palestina os limites da paciência humana. Por enquanto, estão perdendo. Mesmo exaustos, os palestinos continuam a resistir à ocupação.
E agora, com a OLP carregando o problema para o campo diplomático internacional, na tentativa de acabar com o monopólio dos Estados Unidos como mediador das negociações com Israel, a miragem se torna quase palpável. Mas ainda é miragem.
Plano B: “Unidade para a paz”
Como ficariam os palestinos, por exemplo, se soubessem que o Conselho de Segurança, em sua primeira reunião, dia 26 de setembro, praticamente concluiu que guindar a Palestina à posição de membro pleno foge ao escopo da Resolução 377? A informação, dada por um dirigente da OLP à Carta Maior em 27 de setembro, sob a condição de anonimato, acabaria com o que ainda resta da miragem.
A Resolução 377, também conhecida como “Unidade para a paz”, estabelece que, quando o Conselho de Segurança falha em seu papel de resguardar a paz e a segurança, por falta de unanimidade entre seus membros, a questão pode ser levada à Assembleia Geral, em que a Palestina tem ampla maioria. Lá, esperava a direção da OLP, o status de membro pleno seria alcançado. Francis Boyle, consultor da OLP, professor de direito internacional que dedicou a vida à defesa da causa palestina em seu campo de estudo, defendeu essa possibilidade, assim como Gabriela Shalev, ex-embaixadora de Israel na ONU.
Richard Schifter, ex-secretário assistente de Estado dos EUA, citou o caso da Namíbia, que em 1981 teve a ajuda da 377 para obter sua independência. A Assembleia Geral da ONU, à época, solicitou a todos os países-membros “aumentar e manter apoio material, financeiro, militar e outros tipos de ajuda para a Organização dos Povos do Sudoeste da África, a fim de permitir-lhe intensificar sua luta pela libertação da Namíbia”.
Também exortou-os a encerrar “todos os negócios com a África do Sul, para isolá-la por completo nos campos político, econômico, militar e cultural”.
Mas o Conselho de Segurança da ONU, na segunda-feira, tendia a considerar que a Resolução 377 é aplicável a todos os casos, menos à aceitação de um Estado como membro pleno. “Eles ainda estão negociando”, disse o dirigente da OLP, “mas é quase certo que não permitam a utilização da 377”.
Não é preciso pensar muito para entender que Estados Unidos e Israel estão por trás dessa tendência. Até já conseguiram os seis votos necessários para vetar a solicitação palestina sem que o ônus da decisão pese apenas nos ombros dos EUA. Quanto à Palestina, até agora pode contar, com certeza, com os votos de China, Rússia, Brasil, Líbano, Índia e África do Sul. Embora nove países do CS tenham reconhecido seu Estado, apenas seis já deram a certeza de estar a seu lado. Conquistar o voto dos outros dois, com tanta pressão contrária, não é tarefa fácil. Um deles, provavelmente, é a Colômbia: Maria Angela Holguin, ministra das Relações Exteriores, recebeu na segunda-feira a visita de Hillary Clinton. O páreo está disputadíssimo.
Plano C: Estado-membro observador
A guerra de influências pende contra os palestinos, mas Ryad Mansour, embaixador da Palestina na ONU, diz confiar “em nossos amigos”. Caso algum desses amigos o traia, há outra saída. A Assembleia Geral pode reconhecer a Palestina como “Estado não-membro” ou como “Estado-membro observador”. Hoje ela é “entidade observadora”. Com esse reconhecimento, a Palestina pode solicitar participação em outros órgãos, nos quais o veto dos EUA não tem valor, e em tratados internacionais.
O ideal seria ter acesso ao Tribunal Penal Internacional (TPI), para abrir processos individuais contra os responsáveis por atos criminosos contra os palestinos. Essas pessoas, caso condenadas, não poderão viajar para os 117 países signatários do Estatuto de Roma (que estabeleceu o TPI), ou serão presas. Também é possível levar Israel ao TPI por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Estados não membros também podem recorrer ao TPI, solicitando-lhe que assuma jurisdição sobre seus territórios. A Palestina fez isso em 2009, denunciando os oficiais do exército israelense que participaram do ataque militar a Gaza em 2008-2009 e por “atos anteriores cometidos na Palestina”. O problema é que o TPI até hoje não decidiu se a “entidade” Palestina tem direito a fazer essa queixa. O reconhecimento do Estado pela Assembleia Geral daria esse direito ao país.
Nesse caso, os palestinos também poderiam denunciar os colonos da Cisjordânia, com base na proibição, estabelecida nas Convenções de Genebra, de deslocamento forçado de populações. E isso preocupa muito o governo israelense.
O problema é que o TPI, assim como a ONU, é um órgão político, o que significa que suas decisões não são baseadas exclusivamente na lei. E esse problema, de decisões políticas, vem impedindo os palestinos de fazer valer seus direitos desde a partilha de 1947. Elas são tomadas com base no poder dos lobbies, não nos direitos humanos.
Plano D: “Toma que o filho é teu”
É o plano mais radical de todos. Mas defendido por muita gente, em especial os críticos da solução de dois Estados. Trata-se de dissolver a ANP, a OLP e deixar que os sionistas se responsabilizem pela Palestina. Na prática, significa abdicar do Estado próprio e fundir a Cisjordânia com Israel.
Embora essa seja uma proposta tentadora para a direita israelense, defensora do estabelecimento do Grande Israel em toda a Palestina histórica, apresenta problemas sérios para Israel. Ideia nesse sentido foi aventada em 2010 pelos sionistas linha-dura, mas logo abandonada, ou postergada, talvez pelas dificuldades que levanta. Uma delas é o que fazer com os quase 4 milhões de palestinos da Cisjordânia num Estado que em outubro de 2010 aprovou a “Lei de juramento de fidelidade”. Essa lei exige que todo cidadão de Israel jure fidelidade ao “Estado judeu democrático”, o que, definitivamente, nenhum palestino muçulmano ou cristão fará. Sem contar os aspectos econômicos, políticos, eleitorais, culturais e da tradição.
Outro problema é a chamada “bomba demográfica”. As muçulmanas palestinas têm, no mínimo, 3 ou 4 filhos, enquanto a maioria das israelenses prefere 1 ou 2. Segundo estudo da CIA divulgado em 2010, em 20 anos Israel entrará em colapso. Por isso, o professor Francis Boyle aconselha que os palestinos não assinem nenhum acordo com Israel. “É tempo de adotar uma nova estratégia”, escreveu ele em “The Impending Collapse of Israel in Palestine”, publicado no portal My Catbird Seat em 2 de outubro de 2010. “Com muito respeito, recomendo a eles que considerem esta: não assinem nada e deixem Israel desintegrar-se!”
[1] Essa exigência é incompreensível, uma vez que Israel foi fundado como “Estado judeu” e como tal foi reconhecido por Yasser Arafat, em carta ao então primeiro ministro israelense Yitzhak Rabin, datada de 9 de setembro de 1993 (veja em http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Peace/recogn.html), e no Roadmap de 2003. Em entrevista ao jornal israelense Haaretz antes de morrer, em 2004, Arafat confirmou que reconhecera Israel como Estado judeu. É impossível que políticos e diplomatas são saibam disso. Mas é possível que entrem no jogo de Netanyhau a fim de criar mais obstáculos para a Palestina.
*Jornalista, autora de diversos livros e pós-graduanda em Filosofia. Mora em Ramallah, Palestina, onde é correspondente do jornal Brasil de Fato.
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