Além do Cidadão Kane

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Algumas mentiras sobre a guerra na Líbia

Thierry Meyssan*

Thierry Meyssan apoiou a insurreição do povo líbio contra o regime de Mouammar Kadhafi, no entanto opõe-se á resolução 1973 e á guerra. Em artigos anteriores ele descreveu quais eram os objetivos imperialistas desta intervenção. Agora reconsidera as principais mentiras da propaganda atlantista.

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Hillary Clinton, Nicolas Sarkozy e Alain Juppé, na cimeira de Paris para a Líbia. Diz-se que a primeira vítima de uma guerra é a verdade. As operações militares na Líbia e a resolução 1973, que lhe serve de base jurídica, não fogem á regra. Esta operação é apresentada ao público como necessária para proteger a população civil das repressões cegas do coronel Kadhafi. No entanto, a realidade mostra que existem objetivos imperialistas clássicos. Eis alguns elementos esclarecedores.

Crimes contra a humanidade

Para agravar o cenário, a imprensa atlantista tentou fazer acreditar que as centenas de milhares de pessoas que fugiam da Líbia procuravam escapar a um massacre. Agências de imprensa evocaram milhares de mortes e falaram em « crimes contra a humanidade ». A resolução 1970 entrou no Tribunal Penal Internacional denunciando possíveis «ataques sistemáticos ou generalizados dirigidos contra a população civil».

Na realidade, o conflito líbio pode ser considerado tanto em termos políticos como em termos tribais. Os trabalhadores imigrantes foram as primeiras vítimas desse conflito. Foram forçados a deixar o país. Os combates entre leais ao regime e insurgentes foram certamente fatais, mas não nas proporções anunciadas. Nunca houve repressões sistemáticas contra a população civil.

Apoio á «primavera árabe»

No seu discurso ao Conselho de segurança, o ministro dos negócios estrangeiros francês Alain Juppé elogiou a «primavera árabe» em geral e a insurreição líbia em particular.

Este discurso lírico escondia, no entanto, más intenções : não foi dito uma única palavra acerca das repressões sangrentas no Iémen e no Bahrein e, além disso, ainda louvou o rei Mohammed VI de Marrocos como sendo um dos militantes revolucionários [1]. Assim sendo, o ministro contribuiu em denegrir a imagem já desastrosa da França que se instalou no mundo árabe com a presidência Sarkozy.

Apoio da União Africana e da Liga Árabe

Desde o início dos acontecimentos que a França, o Reino-Unido e os EUA não cessam de afirmar que esta não é uma guerra do Ocidente (mesmo tendo ouvido, da parte do ministro da Administração Interna francês Claude Guéant declarar que se tratava de uma «cruzada» de Nicolas Sarkozy) [2]. Adiantam-se então em afirmar que detêm do apoio da União Africana e da Liga Árabe.

Na realidade, a União Africana condenou a repressão e afirmou a legitimidade das reivindicações democráticas, mas sempre se opôs a uma intervenção militar estrangeira. [3]. Quanto á Liga Árabe, esta reúne principalmente países com regimes ameaçados de revoluções idênticas. Estes apoiaram o princípio de contra-revolução ocidental (em que alguns até participam no Bahrein), no entanto nunca poderão apoiar uma guerra ocidental sem acelerar os movimentos contestatários internos susceptíveis de os destronar.

Reconhecimento do CNT

Existem três zonas insurgentes na Líbia. Um Conselho Nacional de Transição foi constituído em Benghazi. Este foi agregado com um Governo provisório estabelecido pelo ministro da justiça de Kadhafi que se juntou aos insurgentes [4]. Ministro esse que, segundo autoridades búlgaras, organizou as torturas das enfermeiras búlgaras e do médico palestiniano que foi durante um longo período de tempo detido pelo regime.

Reconhecendo este CNT e descriminando o seu novo presidente, a coligação pode escolher os seus interlocutores e impõe-nos como dirigentes aos insurgentes. Isto permite que revoluções Nasserianas, comunistas ou khomeinistas sejam descartadas.

Trata-se de tomar as rédeas a fim de evitar o que aconteceu na Tunísia e no Egipto quando os Ocidentais impuseram um governo ADC (Agrupamento Constitucional Democrático) sem Ben Ali, ou um governo Suleiman sem Mubarak, mas que revolucionários derrubaram igualmente.

Embargo sobre o armamento

Se o objectivo fosse proteger as populações, um embargo deveria ter sido instituído sobre os mercenários e as armas destinadas ao regime de Kadhafi. Em vez disso, este foi estendido aos insurgentes de forma a impossibilitar a sua vitória. Trata-se assim de impedir uma revolução. Zona de exclusão aérea

Se o objetivo fosse proteger as populações, a zona de exclusão aérea limitar-se-ia aos territórios insurgentes (como tinha sido o caso no Iraque com o Curdistão). Os voos em toda a superfície do país estão impedidos. Assim, a coligação espera imobilizar as forças no terreno causando assim divisão em quatro do país (as três zonas insurgentes e a zona leal ao regime). Esta partição da Líbia deverá ser posta na perspectiva das outras referentes ao Sudão e á Costa do Marfim, as primeiras etapas da «remodelação da África».

Congelamento de bens

Se o objetivo fosse proteger as populações, somente os bens pessoais da família Kadhafi e dignitários do regime teriam sido congelados de forma a impedir o contorno do embargo sobre as armas. Mas este bloqueio foi estendido aos bens do estado Líbio. Ora, a Líbia, sendo um Estado detentor de petróleo, possui um tesouro considerável que foi parcialmente colocado no Banco do Sul, uma instituição financiadora de projectos de desenvolvimento no terceiro mundo. Já Hugo Chávez tinha referido que este bloqueio não iria de forma alguma proteger os civis. Este visa sim restabelecer o monopólio do Banco Mundial e do FMI.

Coligação de voluntários

Se o objectivo fosse proteger as populações, a resolução 1973 teria sido posta em prática pelas Nações Unidas. Em vez disso, as operações militares são coordenadas pelo Africom dos EUA e deverão ser passadas para as mãos da NATO [5]. É por isso que o ministro turco dos negócios estrangeiros, Ahmet Davutoglu, ficou indignado com a iniciativa francesa e exigiu explicações á NATO.

De forma mais áspera, o primeiro-ministro russo Vladimir Putin, declarou que a resolução está «viciada e é inadequada. Assim que se lê, torna-se evidente que autoriza qualquer um a tomar medidas contra um estado soberano. No seu conjunto, isto lembra-me as Cruzadas da época medieval» [6].


*Analista político, fundador do Réseau Voltaire. Último livro publicado: L’Effroyable imposture 2 (a remodelação do Oriente Próximo e a guerra israelense contra o Líbano).

Tradução David Lopes

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[1] « Résolution 1973 », Réseau Voltaire, 17 mars 2011.
[2] « La croisade de Nicolas Sarkozy », Réseau Voltaire, 22 mars 2011.
[3] « Communiqué de l’Union africaine sur la Libye », Réseau Voltaire, 10 mars 2011.
[4] « Proche-Orient : la contre-révolution d’Obama », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 16 mars 2011.
[5] « Washington regarde se lever "l’aube de l’odyssée" africaine », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 19 mars 2011.
[6] « Remarks on the situation in Libya », par Vladimir V. Poutine, Réseau Voltaire, 21 mars 2011.

Publicado em Rede Voltaire
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Um comentário:

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