Além do Cidadão Kane

terça-feira, 29 de junho de 2010

Gripe A: Novas acusações contra a OMS

Paul Benkimoun*

E de repente, abateu-se um manto oficial de silêncio sobre a gripe A. No entanto, a passagem do tempo não pára as acusações (já não são críticas) à Organização Mundial de Saúde pela sua atuação no surto de vírus H1N1: “alguns peritos que participaram na redação das diretrizes gerais da OMS face a uma pandemia gripal receberam remunerações de indústrias farmacêuticas - Roche e GlaxoSmithKline – implicadas na fabricação de medicamentos ou de vacinas contra os vírus gripais”.

As críticas sobre a forma como a Organização Mundial de Saúde (OMS) respondeu à epidemia gripal aumentaram de volume Sexta-feira 4 de Junho, com a publicação coordenada de um inquérito levado a cabo conjuntamente pelo British Medical Journal (BMJ) e o Bureau of Investigative Journalism de Londres, e do relatório adotado no mesmo dia pela comissão de saúde da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa.

O segundo sublinha uma “falta de transparência”na gestão da crise do H1N1 pela OMS e as instituições públicas de saúde, acusando-as de ter “dilapidado uma parte da confiança que o público europeu tem nestas organizações altamente reputadas” e considera que “este declínio da confiança poderia representar um risco no futuro”. O primeiro revela que alguns peritos que participaram na redação das diretrizes gerais da OMS em face de uma pandemia gripal receberam remunerações de indústrias farmacêuticas - Roche e GlaxoSmithKline – implicadas na fabricação de medicamentos ou de vacinas contra os vírus gripais.

Um ano após o anúncio, a 11 de Maio de 2009, por Margaret Chan, do inicio da pandemia gripal, muitos dos governos ocidentais encontram-se com stocks não utilizados de medicamentos antivirais e de vacinas contra o novo vírus A (H1N1), encomendados em alta de preço, enquanto o banco JP Morgan estima que as vendas de vacinas anti-pandêmicas trouxeram entre 7 e 10 milhões de dólares (5,8 a 8,3 milhões de euros) aos laboratórios.

Parece que, após 1999, data à qual um documento apresentava as primeiras linhas orientadoras da OMS para um plano pandêmico, os peritos, desempenhando um papel chave na elaboração da estratégia da instituição internacional neste domínio tinham ligações de interesses com os industriais. As recomendações eram redigidas por quatro peritos em colaboração com o Grupo de Trabalho Cientifico Europeu sobre a gripe (ESWI na versão anglófona).

“O que o documento não revelava era que este ESWI é inteiramente financiado pela Roche e os outros fabricantes de vacinas. E mais, não indicava que René Snacken e Daniel Lavanchy (dois dos especialistas, sendo o segundo na época empregado da OMS) tinham participado em eventos financiados pela Roche no ano anterior, segundo os documentos de marketing consultados pelo BMJ e pelo Bureau ”, escrevem os jornalistas britânicos Deborah Cohen e Philip Cárter.

O artigo cita diferentes outros peritos como tendo participado na elaboração de documentos estratégicos da OMS sobre a pandemia gripal, entre os quais os professores Karl Nicholson (Universidade de Leicester), Albert Osterhaus (Universidade Erasme, Roterdão) ou Frederick Hayden (Universidade de Virgínia), que foram pagos pelos industriais e publicaram artigos a apoiar os medicamentos antivirais (o Tamiflu da Roche ou o Pelenza da GlaxoSmithKline), interesse hoje contestado no seio da comunidade médica.

“Nenhuma declaração de interesses foi publicada e nenhum detalhe foi fornecido pela OMS em resposta às nossas perguntas”, indicam Deborah Cohen e Philip Carter, que assinalam que muitos peritos citados afirmaram ter declarado as suas ligações de interesse.

Os dois jornalistas deploram também o segredo mantido pela OMS sobre a composição da comissão de urgência, criada pela diretiva geral que a aconselhou a decidir o momento de declarar uma pandemia. “Uma decisão que desencadeou os custosos contratos preestabelecidos sobre as vacinas através do mundo”, comenta no seu editorial a diretiva da redação do BMJ, Fiona Godlee.

Interrogado pelo Le Monde, o porta voz da OMS, Gregory Harti precisa que “cada vez que ela reúne os peritos, a OMS os faz preencher uma declaração de interesses, que é submetida à apreciação do presidente da comissão de peritos, mas não os publica porque contêm informações de ordem privada”.

No que respeita á comissão de urgência, M. Harti precisa que a sua composição será tornada pública logo que tenha terminado a sua missão, uma medida que visa “evitar que os seus membros cedam a pressões, tendo em conta as conseqüências enormes das decisões tomadas”. A argumentação não convenceu o BMJ e o Bureau, que questionam se isso subentendia que outros comitês da OMS, cuja composição é pública, estão submetidos a influências exteriores.

O relatório redigido por Paul Flynn, parlamentar britânico socialista, e adotado no dia 4 de Junho pela comissão de saúde da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa, acusa também a instituição internacional de fazer prova de uma “ grave falta de transparência” no processo de decisão, a que se junta “ a prova esmagadora de que a gravidade da pandemia foi largamente sobreestimada pela OMS”.

O documento sublinha que “é principalmente a passagem rápida pela OMS para o nível 6 da pandemia, num momento em que a gripe dava sintomas relativamente moderados, combinado com a mudança de definição dos níveis de pandemia pouco antes do anúncio da pandemia H1N1, que aumentou as preocupações e as dúvidas de parte da comunidade cientifica “. O relatório será submetido à Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa e dos seus 47 estados membros em 24 de Junho.

* Jornalista

Este texto foi publicado no Le Monde

Tradução: Guilherme Coelho

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