Além do Cidadão Kane

domingo, 28 de novembro de 2010

A indústria dos planos de saúde contra Michael Moore


Depois da realização do documentário "Sicko", uma denúncia contra o sistema privado de saúde nos Estados Unidos, executivos de empresas de planos de saúde decidiram desencadear um plano contra o trabalho de Michael Moore. Um estudo recente da Faculdade de Medicina de Harvard indicou que quase 45 mil estadunidenses morrem anualmente (um a cada doze minutos) principalmente porque não têm seguro de saúde. Mas para o grupo de pressão das empresas, a única tragédia seria a possibilidade de uma verdadeira reforma do sistema de saúde. O artigo é de Amy Goodman.
Michael Moore, ganhador do Oscar como melhor documentarista, faz excelentes filmes que, em geral, não são consideradas obras de suspense que gerem a sensação de estar “à beira do abismo”. Tudo isso poderia mudar a partir de uma denúncia feita por um informante do noticiário de Democracy Now, segundo a qual executivos de empresas de planos de saúde pensaram que talvez fosse necessário por em marcha um plano para “atirar Moore pelo precipício”.

O informante era Wendel Potter, ex portavoz da gigante dos planos de saúde Cigna. Potter mencionou uma reunião de estratégia industrial na qual se tratou do tema de como responder ao documentário “Sicko”, de Michael Moore, produzido em 2007, filme que critica a indústria de seguros de saúde dos Estados Unidos. Potter me disse que não estava seguro da gravidade da ameaça, mas acrescentou em tom inquietante: “Ainda que não tenham pensado em fazer isso literalmente, para ser honesto, quando comecei a fazer o que estou fazendo, temi por minha própria saúde e bem estar; talvez tenha sido paranoia, mas essas empresas jogam para ganhar”.

Moore ganhou um Oscar em 2002 com seu filme sobre a violência armada intitulado “Bowling for Columbine”. Logo depois fez “Fahrenheit 9/11”, um filme sobre a presidência de George W. Bush que se transformou no documentário de maior arrecadação na história dos Estados Unidos. Quando Moore disse a um jornalista que seu próximo trabalho seria sobre o sistema de saúde estadunidense, a indústria de planos de saúde tomou nota.

A associação comercial Planos de Seguro de Saúde dos Estados Unidos (AHIP, na sigla em inglês), principal grupo de pressão das empresas do setor, teve um enviado secreto na estreia mundial de “Sicko” no Festival de Cannes, na França. O agente saiu rapidamente da estreia e foi participar de uma teleconferência com executivos da indústria, entre eles Potter.

“Tínhamos muito medo”, disse Potter, “e nos demos conta de que teríamos que desenvolver uma campanha mais sofisticada e cara para conseguir rechaçar a ideia da cobertura de saúde universal. Temíamos que isso realmente despertasse a opinião pública. Nossas pesquisas nos diziam que a maioria das pessoas estava a favor de uma intervenção maior do governo no sistema de saúde”.

A AHIP contratou uma equipe de relações públicas, APCO Worldwide, fundada pelo poderoso escritório de advogados Arnold & Poter, para coordenar a resposta. A APCO formou o falso movimento de base de consumidores “Health Care America” para contrapor a prevista popularidade de “Sicko”, o filme de Moore, e para gerar medo em torno do chamado “sistema de saúde dirigido pelo governo”.

Em seu recente livro “Deadly Spin: An Insurance Company Insider Speaks Out on How Corporate PR is Killing Health Care and Deceiving Americans” (Giro mortal: um informante explica como as relações públicas das empresas de seguros estão acabando com o sistema se saúde e enganando os estadunidenses) Potter escreve que se encontrou “com um filme muito comovedor e eficaz na hora de condenar as práticas das empresas privadas de seguros de saúde. Várias vezes tive que fazer um esforço para conter as lágrimas. Moore conseguiu entender bem qual é o problema”.

A indústria de seguros anunciou que sua campanha contra “Sicko” havia sido um rotundo sucesso. Potter escreveu: “AHIP e APCO Worldwide conseguiram introduzir seus argumentos na maioria dos artigos sobre o documentário quando nenhum jornalista havia investigado o suficiente para descobrir que as empresas tinham fornecido a maior quantidade de dinheiro para a criação da Health Care America. De fato, todos, desde a cadeia de notícias CNN até o jornal USA Today, referiram-se a Health Care America como se fosse um grupo legítimo.

O jornal New York Times publicou um artigo, uma espécie de resenha de “Sicko”, na qual citava o porta voz da Health Care America dizendo que isso representava um passo na direção do socialismo. Nem esse jornalista, nem nenhum outro que tenha visto, tentaram tornar público que, de fato, este movimento estava financiado em grande medida pelas empresas de seguro da saúde.

Moore disse que Potter era o “Daniel Ellsberg dos Estados Unidos corporativo”, uma referência ao famoso informante do Pentágono cujas revelações ajudaram a por fim à guerra do Vietnã. A corajosa postura de Potter gerou um impacto no debate, mas a indústria dos planos de saúde, os hospitais e a Associação Médica Estadunidense continua debilitando os elementos do plano que ameaça os seus lucros.

Um estudo recente da Faculdade de Medicina de Harvard indicou que quase 45 mil estadunidenses morrem anualmente (um a cada doze minutos) principalmente porque não têm seguro de saúde. Mas para o grupo de pressão das empresas, a única tragédia seria a possibilidade de uma verdadeira reforma do sistema de saúde. Em 2009, as maiores empresas do setor destinaram mais de 86 milhões de dólares à Câmara de Comércio dos Estados Unidos para que esta se opusesse à reforma do sistema de saúde. Este ano, as cinco maiores seguradoras do país aportaram uma soma de dinheiro três vezes maior tanto para candidatos republicanos como para democratas com a intenção de fazer retroceder ainda mais a reforma da saúde. O representante democrata por Nova York, defensor do sistema de saúde público, declarou no Congresso que “o Partido Republicano é uma subsidiária que pertence por completo à indústria de seguros”.

“Provavelmente estarão a favor da retórica das empresas privadas quando afirmam que necessitamos ter mais ‘soluções baseadas no mercado’ (como eles dizem) e menos regulações, que, sem dúvida, são o tipo de coisa que os republicanos vão tratar de conseguir porque regulação é o que essas empresas não querem”, disse Potter.

A indústria de seguros da saúde não está desperdiçando seu dinheiro. Moore disse: “Neste informe estratégico compilado pelas empresas acerca do dano que “Sicko” poderia ocasionar, há uma linha que basicamente diz que no pior dos casos o filme poderia desencadear um levante populista contra as companhias. Essas empresas, em 2006 e 2007, já sabiam que os estadunidenses estavam fartos das empresas de seguros com fins lucrativos e que um dia o povo poderia se levantar e dizer ‘isto terminou’. Este é um sistema enfermo: permitimos que as empresas lucrem a nossa custa quando ficamos doentes!”

Isso é estar doente de verdade.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Original em  Carta Maior

domingo, 21 de novembro de 2010

A Bandeira do meu Partido




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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

CUBA


Mudanças e mais democracia



O processo nacional de debate convocado em Cuba entre 1° de dezembro de 2010 e 28 de fevereiro de 2011 é o verdadeiro inicio do VI congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), continuidade de um Parlamento operário, camponês, estudantil e popular ao qual a revolução tem recorrido muitas vezes desde sua chegada ao poder. O documento aberto à discussão pública é o Projeto de alinhamentos da política econômica e social (www.cubadebate.cu), elaborado pela Comissão de Política Econômica do congresso, do qual constituirá o tema principal e o propósito de debatê-lo com a cidadania é assegurar que de suas propostas saia o documento definitivo que haverá de ser submetido à consideração do órgão máximo da direção do PCC, a realizar-se em abril de 2011. O projeto foi posto há dias à disposição da população ao mesmo tempo em que o partido realizou um seminário nacional para preparar os quadros e especialistas desse nível que tenham a responsabilidade de organizar o debate nas províncias. Em uma de suas intervenções no seminário, que durou quatro dias, o segundo secretario do PCC, Raúl Castro, orientou: não se trata de convencer sobre o que está escrito no projeto mas de explicar os assuntos e recolher meticulosamente as opiniões porque neste processo quem vai decidir é o povo (o destaque é meu). Antes havia expressado que a diversidade é fundamental e que a vida se enriquece com as discrepâncias, o que tem que ser uma máxima dentro do partido, Idea que reitera com freqüência. Por isso –sublinhou– a participação massiva é fundamental para o êxito do congresso e frisou que as idéias de Fidel estão em cada um dos itens propostos.

Existe um exemplo maior de democracia direta e participativa, realmente socialista? Os dois principais chefes da única revolução que tem lutado pelo ideal e pelas realizações socialistas mais de 50 anos frente o embate implacável do imperialismo ianque submetem ao voto popular as propostas do partido, em cuja elaboração tomaram parte pessoalmente. Uma cuidadosa leitura do documento nos põe ante a perspectiva de una imperiosa e evidente renovação radical do sistema de gerenciamento econômico, dos mecanismos de redistribuição social e dos critérios de emprego da força de trabalho, mas sem ceder um milímetro na propriedade social sobre os meios fundamentais de produção nem na soberania nacional sobre os recursos econômicos e naturais. Só que agora uma parte importante da propriedade social não seria estatal mas cooperativa, na agricultura, nos serviços e outras atividades, e tanto as cooperativas como as empresas estatais e os governos municipais passariam a dispor de crescentes prerrogativas, faculdades e recursos que fortaleceriam extraordinariamente a democracia participativa, a função do Estado na planificação socialista e nas armas para lutar contra a burocracia. Por sua vez um emergente setor privado, devidamente regulado, passaria a tomar conta de tarefas que o Estado nunca pode cumprir. Os dirigentes cubanos rejeitam o termo reforma e preferem o de atualização do modelo econômico posto que não se trata de mudar a substancia, o socialismo, mas de dar um grande salto em seu aperfeiçoamento, na construção de seus objetivos e na passagem a uma etapa superior do desenvolvimento econômico realizando as mudanças que sejam necessárias, retificando erros e modificando regras que em seu momento podem ter sido indispensáveis mas hoje constituem obstáculos para a construção socialista. Se trata também de elevar a competitividade e o nível de vida do país nas hostis e imprevisíveis condições da crise mais catastrófica na história do capitalismo sem deixar a ninguém desamparado, pois as redes sociais se encarregarão de evitá-lo.

O processo de discussão atual não é novo e seus antecedentes têm sido decisivos para chegar a este momento com a formação de uma base de consenso popular. Se iniciou com o debate nacional sobre o discurso de Raúl em Camagüey em 26 de julho de 2007, quando expressou a necessidade de introduzir mudanças estruturais e de conceito na economia cubana, e evocando a Fidel, mudar tudo o que tenha de ser mudado, para o que chamou a abrir uma discussão pública que tem já três anos de duração e fomentou outro ciclo de parlamentarismo de rua cujo ápice será justamente o VI congresso do partido. 

Fonte: La Jornada
Tradução Rosalvo Maciel

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Incógnitas Russas

Luís Carapinha
Até onde poderão ir as cadencias da Rússia é a questão que se coloca nesta trama que passará nos próximos dias por Lisboa. A sua resposta não será fator despiciendo para os destinos do processo de arrumação de forças global, marcado pelo declínio dos EUA. Porém, a última palavra cabe ao povo russo.”

Mais de 50 mil manifestantes saíram às ruas de Moscou no domingo para saudar o 93.º aniversário da Revolução de Outubro, naquela que o PCFR considerou uma das jornadas mais participadas dos últimos anos.

Na véspera, o presidente Medvedev anunciara o veto da lei aprovada pela Duma que restringia ainda mais o direito de manifestação no país. Na verdade, na Rússia capitalista, mesmo sem a lei aprovada, são cada vez maiores os obstáculos ao direito de reunião e manifestação política. Organizar, legalmente, uma greve é tarefa quase impraticável face ao rol de procedimentos burocráticos previsto, o que se traduz no aumento da repressão sobre o movimento e dirigentes sindicais que se recusam a pactuar com o Kremlin.

A crescente repressão das autoridades nas ruas está longe de se circunscrever aos movimentos liberais associados à cultivada figura de Kasparov, cuja agenda em torno da democracia & CIA goza de lugar cativo na folclórica projeção mediática dominante. Fora do seu foco ficam normalmente todos aqueles que, não abdicando de denunciar a corrupção e os mais variados atropelos aos direitos humanos, os inserem nas reivindicações de ordem econômica e social e na luta por outro rumo, afrontando a questão nuclear de classe do regime e da exploração capitalista na Rússia.

Com as eleições legislativas de 2011 e presidenciais de 2012 no horizonte, o aumento da incerteza na política russa é inseparável dos efeitos agudos da crise econômica.

Ainda não refeita da devastação causada pela desagregação da União Soviética, a Rússia sofreu em 2009 uma contração do PIB da ordem dos oito por cento. Não estancou a hemorragia da fuga de capitais que bateu níveis recorde nos anos 90. O governo russo veio recentemente anunciar um super-programa de privatizações para os próximos cinco anos, que inclui sectores estratégicos como a banca e o petróleo. É oportuno lembrar que, segundo dados divulgados na Rússia, só entre 1992-94 foram privatizadas 88 mil empresas russas, mais de 77 mil das quais por um preço médio de 12 mil dólares! A gigante Gazprom foi vendida por apenas 250 milhões de dólares, mas já em 1997 a sua cotação no mercado bolsista russo era superior a 40 mil milhões de dólares.

No rescaldo da onda de saque e ruína que marcou a período de Ieltsin, o capitalismo russo viu-se obrigado a erguer as bandeiras do «interesse nacional» e a retomar a posição majoritária na Gazprom e a favorecer a reconstituição de holdings estatais. Orientação que foi sempre mal suportada pelo «partido de Washington» alojado nos corredores do poder bicéfalo em Moscou, para quem limitar o investimento estatal é eterna prioridade.

A política russa baila ao ritmo compassado do canto da sereia do reset com os EUA, proclamado por Obama e Medvedev. Para o imperialismo é tempo de acenar com a cenoura de um falso apaziguamento das ameaças estratégicas montadas à Rússia fora e dentro das suas fronteiras (a desestabilização recorrente do Cáucaso, a que assistem também razões intrínsecas ao capitalismo russo, deve lembrá-lo). Os EUA prometem «ajudar» na adesão à OMC. A Alemanha convida a Rússia a juntar-se a um eventual projeto anti-míssil «conjunto» com a NATO e Rasmussen adoça o ar sovina para falar «seriamente» de uma parceria estratégica com a Rússia. Ganha cobro a campanha que defende a adesão da Rússia à NATO, que um relatório do influente IISS vem também agora sugerir.

Moscou parece responder com cadencias de monta no Afeganistão e Irão, ao mesmo tempo em que reforça o relacionamento crucial com Pequim e Medvedev visita as ilhas Curilhas numa altura em que os EUA pressionam a China no dossiê territorial, ao lado das pretensões do Japão.

Até onde poderão ir as cadencias da Rússia é a questão que se coloca nesta trama que passará nos próximos dias por Lisboa. A sua resposta não será fator despiciendo para os destinos do processo de arrumação de forças global, marcado pelo declínio dos EUA.

Porém, a última palavra cabe ao povo russo.

* Analista de política internacional

Este texto foi publicado no Avante nº 1.928 de 11 de Novembro de 2010.

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domingo, 14 de novembro de 2010

"UM FEROZ PRECONCEITO CONTRA A CIDADANIA DOS MISERÁVEIS"

Saul Leblon
 
O Brasil elegeu, por dois mandatos, um ex-metalúrgico como presidente da República. Agora elege uma mulher. Ambos de centro-esquerda. Para quem assistiu de fora a eleição de Dilma Rousseff e os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode parecer que o país avança celeremente para uma civilizada socialdemocracia e busca com ardor o Estado de bem-estar social. Para quem assistiu de dentro, todavia, é impossível deixar de registrar a feroz resistência conservadora à ascensão de uma imensa massa de miseráveis à cidadania.

Ocorre hoje um grande descompasso entre classes em movimento e as que mantêm o status quo; e, em consequência de uma realidade anterior, onde a concentração de renda pessoal se refletia em forte concentração da renda federativa, há também um descompasso entre regiões em movimento, tiradas da miséria junto com a massa de beneficiados pelo Bolsa Família ou por outros programas sociais com efeito de distribuição de renda, e outras que pretendem manter a hegemonia. A redução da desigualdade tem trazido à tona os piores preconceitos das classes médias tradicionais e das elites do país não apenas em relação às pessoas que ascendem da mais baixa escala da pirâmide social, mas preconceitos que transbordam para as regiões que, tradicionalmente miseráveis, hoje crescem a taxas chinesas.

A onda de preconceito contra os nordestinos, por exemplo, é semelhante ao preconceito em estado puro jogado pelos setores tradicionais no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na própria eleita, Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral. É a expressão do temor de que os "de baixo", embora ainda em condições inferiores às das classes tradicionais, possam ameaçar uma estabilidade que não apenas é econômica, mas que no imaginário social é também de poder e status.

São Paulo foi a expressão mais acabada da polarização eleitoral entre pobres de um lado, e classe média e ricos de outro. Os primeiros aderiram a Dilma; os últimos, mesmo uma parcela de classe média paulista que foi PT na origem, reforçaram José Serra (PSDB). A partir de agora, pode também polarizar a mudança política que fatalmente será descortinada, à medida que avança o processo de distribuição regional de renda e de aumento do poder aquisitivo das classes mais pobres. A hegemonia política paulista está em questão desde as eleições de 2006 - e Lula foi poupado do desgaste de ter origem política em São Paulo porque era também destinatário do preconceito de ter nascido no Nordeste; e, principalmente, porque foi o responsável pela desconcentração regional de renda.

Com a expansão do eleitorado petista no Norte e no Nordeste do país, houve uma natural perda de força dos petistas paulistas, diante do PT nacional. Do ponto de vista regional, o voto está procedendo a mudanças na formação histórica do PT, em que São Paulo era o centro do poder político do partido. Isso não apenas pelo que ganha no Nordeste, mas pelo que não ganha em São Paulo: o partido estadual tem dificuldade de romper o bloqueio tucano e também de atrair de novos quadros, que possam vencer a resistência do eleitorado paulista ao petismo.

No caso do PSDB, todavia, a quebra da hegemonia paulista será mais complicada. Os tucanos continuam fortes no Estado, têm representação expressiva na bancada federal e há cinco eleições vencem a disputa pelo governo do Estado. No resto no do país, têm perdido espaço. Parte do PSDB concorda com o diagnóstico de que a excessiva paulistização do partido, se consolida seu poder no Estado mais rico da Federação, tem sido um dos responsáveis pelo seu encolhimento no resto do Brasil. Mas é difícil colocar essa disputa interna no nível da racionalidade, até porque o partido nacional não pode abrir mão do trunfo de estar estabelecido em território paulista; e, de outro lado, o partido de Serra tem uma grande dificuldade de debate interno - como disse o governador Alberto Goldman em entrevista ao Valor, é um partido com cabeça e sem corpo, isto é, tem mais caciques do que base. Não há experiência anterior de agregação de todos os setores do partido para discutir uma "refundação" e diretrizes que permitam sair do enclave paulista. Não há experiência de debate programático. E aí o presidente Fernando Henrique Cardoso tem toda razão: o PSDB assumiu substância ideológica apenas ao longo de seu governo. É essa a história do PSDB. A política de abertura do país à globalização, a privatização de estatais e a redução do Estado foram princípios que se incorporaram ao partido conforme foram sendo assumidos como políticas de Estado pelo governo tucano.

Todos os partidos, sem exceção, estão diante de um quadro de profundas mudanças no país e terão que se adaptar a isso. Fora a mobilidade social e regional que ocorreu no período, houve nas últimas décadas um grande avanço de escolaridade. A isso, os programas de transferência de renda agregaram consciência de direitos de cidadania. O país é outro. Não se ganha mais eleição com preconceito - até porque o voto do alvo do preconceito tem o mesmo valor que o voto da velha elite. Se os grandes partidos não se assumirem ideologicamente, outros, menores, tomarão o seu espaço.
 
Original em Carta Maior 

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Fuertes



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domingo, 7 de novembro de 2010

Os estertores da Direita Hidrófoba

Tenho recebido inúmeros emails da direita raivosa. Muitos deles ofensivos e que são sumariamente apagados outros divertidos - como este que reproduzo abaixo - e que mostram ou o despreparo dessa direita em aceitar a democracia ou simplesmente a "entrega dos pontos". 

A maioria não merece resposta.

Este, no entanto, que, a começar pelo título, mostra um expoente da extrema direita completamente batido e sem esperança, mereceu até a reprodução no BVC.

ADVERTÊNCIA: só leia se a sua vacina anti-rábica estiver em dia...

Vamos lá:
"CONSUMMATUM EST
 
Foi uma segunda-feira sem novidades. As primeiras páginas dos jornais estavam previstas há meses. Eleita a primeira mulher presidente da República, dizem as manchetes. Pode ser. Mas vejo a coisa por outro lado. Vinte anos depois da queda do Muro, da dissolução da União Soviética e do desmoronamento do comunismo, foi eleito o primeiro presidente da República marxista. Pois, pelo que sei, dona Dilma nunca renegou publicamente sua filosofia de juventude. Pelo contrário, orgulha-se discretamente de ter lutado para transformar o Brasil numa republiqueta soviética.

Meu correio é inundado diariamente por mails de almas ingênuas que contam os dias que faltam para findar o governo Lula. São bobalhões que ainda não se deram conta de que o inimaginável acabará acontecendo: ainda vamos sentir saudades do Supremo Apedeuta. Há uma direita histérica no Brasil, liderada pelo astrólogo Aiatolavo de Carvalho e seus acólitos, que via em Lula uma ameaça comunista. Ora, Lula nunca teve ideologia. Só se apegou a um ismo, um único ismo, o oportunismo. Se alguma virtude teve, foi jogar na lata do lixo os propósitos socialistas do PT.

Mas Dilma tem ideologia. É atrabiliária e vai mostrar as garras. O PNDH-4 aí está, esperando aprovação de uma bandeira sempre cara aos velhos comunistas, a censura de imprensa. Alguns Estados, apressadinhos, ao arrepio da Constituição, já criaram seus conselhos de controle da mídia. O tal de plano legisla em todas as áreas, é quase uma nova Constituição.. Parece ter sido elaborado por um analfabeto em termos de legislação. Mas apenas aparentemente. Em verdade, é obra de alguém que, por muito entender de leis, não as respeita.

Antes mesmo de tomar posse, Dilma já está acenando com a reabilitação de um corrupto envolvido no escândalo da máfia do lixo, em Ribeirão Preto. Que teve de renunciar ao ministério da Fazenda por ter violado o sigilo bancário de um humilde caseiro. Por seus feitos, ao que tudo indica, Palocci será contemplado com um ministério.

Imaginei que a fatura, neste 2010, seria liquidada no primeiro turno. Não foi. O que só prolongou a agonia tucana. Serra não ousou atacar Lula nem poderia. São farinha do mesmo saco. Não houve oposição nestas eleições. Ambos os candidatos reivindicavam a continuidade do governo Lula. A tal ponto que Serra, supostamente oposição, grudou um bonequinho de Lula em sua campanha. Houve dois partidos, é verdade: o do sim e o do sim senhor. Dilma prometia manter a Bolsa-Família, Serra prometia um décimo-terceiro salário para a bolsa. O PSDB sequer ousou em propor um governo distinto ao de Lula. Criou a infeliz expressão “pós-Lula”. Ora, se é para dar continuidade ao governo de Lula, melhor então votar em quem Lula indica. Este foi o recado que Serra passou aos eleitores.

Os tucanos amanheceram, nesta segunda-feira, contando mortos e feridos. ”Não é um adeus, é um até logo”, disse Serra após sua derrota. Santa ingenuidade. Serra saiu politicamente morto deste pleito. Tem 68 anos e o máximo que pode esperar é uma secretaria de Alckmin como prêmio-consolação. Tinha dezenas de trunfos em mão para enfrentar o PT. O assassinato de Celso Daniel, o mensalão, dinheiro nas cuecas, quebras de sigilo fiscal e bancário, nepotismo, proteção às falcatruas de Sarney, em suma, corrupção foi o que não faltou para denunciar. Serra preferiu manter um silêncio obsequioso. Se usasse as armas que tinha em mãos, mesmo que perdesse, cairia em pé. Não as usou. Sai aviltado do pleito.

Dilma mentiu descaradamente durante toda a campanha.. Há três anos se pronunciava a favor do aborto, publicamente. De repente, virou defensora da vida. Não teve sequer a hombridade de dizer que mudara de idéia. Preferiu entoar o mantra dileto do PT: são boatos e calúnias. Marxista convicta, divulgou fotos de um encontro com o papa e deixou-se fotografar fazendo o sinal da cruz. Serra não deixou por menos, saiu a beijar terços. Só faltou aos candidatos papar hóstias. O Brasil engoliu prazerosamente as mentiras da candidata.

Leitores mais antigos devem lembrar quando o PT, em seus anos irados, denunciava o regime assistencialista das sociais-democracias européias. Hoje, o PT fez sua presidenta graças ao regime assistencialista que instalou no país. A vitória de Dilma se deve fundamentalmente ao Nordeste que não trabalha e vive das esmolas do Estado. As mesmas esmolas que Lula denunciava, quando eram dadas por Fernando Henrique. Os tucanos não podem queixar-se. Prepararam o ninho para os chupins.

Consummatum est. Teremos pelo menos mais oito anos de lulismo e populismo pela frente. Quanto a mim, estou vacinado. Se sobrevivi a oito anos de Lula, acho que sobrevivo a Dilma. O duro vai ser ver aquele rosto emético* nas primeiras páginas dos jornais nos próximos anos. Duro também é ver uma remanescente das tiranias comunistas assumir o poder, vinte anos após a queda do Muro.

Isto é Brasil.

JANER CRISTALDO* "

OBS. *Que provoca vômitos.

 Réplica do BVC:

Meu caro, desesperançado e nocauteado amigo:

Algumas ressalvas ao texto do preclaro Janer Cristaldo:

1° - Se a Presidente Dilma tivesse HOMBRIDADE certamente diriam ser ela "sapatão" uma vez que, segundo o Aurélio, hombridade é aspecto varonil e varonil, como todos sabemos, é relativo a varão - forma pouco usada de homem;

2° - Dizer que a Presidente Dilma foi eleita pelos votos do Nordeste é um desconhecimento primário do próprio resultado das eleições pois mesmo que não fossem computados os votos da Região Nordeste a eleição teria sido ganha por ela;

3° - Dizer que "o nordeste não trabalha e vive de esmolas do Estado" é: a) uma ofensa a todos os nordestinos - BRASILEIROS honrados e trabalhadores que por séculos foram abandonados à própria sorte e explorados por uma corja latifundiária e inútil que sempre incentivou a miséria e a  ignorância para tirar proveito para si ao tranformar essa miséria e ignorância em currais eleitorais;

                                                                                                                             b) um posicionamento racista constantemente usado pelos neo-nazistas;

                                                                                                                             c) uma ignorância no sentido de ignorar que o Programa Bolsa Família inclui a OBRIGATORIEDADE da permanência dos filhos na escola e foi reconhecido pela ONU como o maior programa de redistribuição de renda do mundo - mundo este onde um terço da população é composta de famintos.

4°- Dizer "teremos pelo menos mais oito anos de lulismo pela frente" é uma certa falta de visão histórica porque considera apenas os oito anos da Presidente Dilma esquecendo que após teremos mais oito anos de Lula novamente!

Um grande abraço

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Iraque, Afeganistão, NATO



A recente retirada do grosso das tropas norte-americanas do Iraque deve ser vista por dois lados: a situação do Iraque e a situação no Afeganistão. De fato as duas guerras estão estreitamente relacionadas, tanto por serem ambas made in USA, como pelo fato (é bom não esquecer) de Obama ter feito do Afeganistão a sua “guerra justa”.

A questão do Iraque não fica resolvida com esta retirada. Desde logo, porque continuam no território 50 mil tropas, com funções de garantir a permanência do governo fantoche e servir de força de recurso se as coisas descambarem. Depois, porque o rasto de destruição e de crimes cometidos nos mais de sete anos de guerra não se apaga – e as indenizações que são devidas pelos EUA não podem passar à história. Depois ainda, porque o Iraque não voltou a ser um país independente e soberano. E finalmente porque, enquanto os EUA teimarem em excluir as forças da Resistência Iraquiana de uma solução política, o país não terá sossego.

O Afeganistão é o outro atoleiro do imperialismo norte-americano. E é, neste caso também, um atoleiro da NATO, envolvida até ao pescoço na contenda ao lado dos EUA. Tal como no Iraque, a guerra está perdida e a saída das tropas ocupantes é a única medida sensata. Mas por cada dia mais que por lá permanecerem, só cresce o sofrimento das populações e só se degrada mais a situação do país. Abreviar a guerra significa portanto apoiar a resistência afegã e pugnar pela derrota dos EUA e dos seus aliados.

Mas há ainda um outro lado da questão que importa referir.

A doutrina militar dos EUA que enquadrou os assaltos ao Iraque e ao Afeganistão estabelecia que as suas forças armadas deviam estar preparadas para travar vitoriosamente duas guerras ao mesmo tempo. Neste sentido, as derrotas no Iraque e no Afeganistão representam um revés estratégico para os EUA. Talvez por isso, a nova doutrina, já da era Obama, estabelece que os EUA devem estar preparados para enfrentar múltiplo desafios em todo o Globo – com o apoio de aliados, o primeiro dos quais é a União Européia.

Ora, é no âmbito da NATO – reforçada e alargada – que os EUA pretendem agora constituir o aparato militar e policial que lhes permita estender a todo o Planeta os seus tentáculos; e obter assim a força que lhes faltou no Iraque e no Afeganistão. A nova linha estratégica para a NATO, a ser discutida em Novembro na cimeira de Lisboa, é justamente uma transposição para a Aliança Atlântica dos propósitos agressivos do imperialismo norte-americano.

Se for aprovada, e se for seguida, significará um maior envolvimento dos países membros nas aventuras militares dos EUA, uma maior cumplicidade com os crimes que forem cometidos e um maior dispêndio de verbas em tropas e armamento.

Manuel Raposo

Original em Tribunal Iraque 

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Reflexões de Fidel

O império e o direito à vida dos seres humanos

(Extraído do CubaDebate)
QUE bárbaros! — exclamei quando li até a última linha as revelações do famoso jornalista Seymour Hersh, publicadas em Democracy Now e consideradas como uma das 25 notícias mais censuradas nos Estados Unidos.
O artigo intitula-se "Os crimes de guerra do general dos Estados Unidos Stanley McChrystal" e foi incluído no Projeto Censurado, elaborado por uma universidade da Califórnia, que inclui os parágrafos essenciais daquelas revelações.
"O tenente-general Stanley McChrystal, nomeado comandante responsável pela guerra no Afeganistão por Obama, em maio de 2009, foi anteriormente chefe do Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC), dependente de Dick Cheney [o vice-presidente de George W. Bush]. A maior parte da carreira militar de 33 anos do general McChrystal se mantém classificada [ou seja, secreta], incluindo seus serviços entre 2003 e 2008, como comandante do JSOC, unidade de elite tão clandestina, que por anos o Pentágono recusou-se a reconhecer sua existência. O JSOC é uma unidade especial de ‘operações negras’ [assassinatos] da Navy Seals (Forças Especiais da Marina de Guerra) e da Delta Force [Força Delta, soldados secretos do exército para operações especiais, que formalmente se chama ‘Destacamento-Delta Operacional de Forças Especiais (SFOD-D), enquanto o Pentágono lhe dá o nome de Grupo de Aplicações de Combate, CAG]".
"O vencedor do prêmio Pulitzer de jornalismo, Seymour Hersh, revelou que a administração Bush montou um esquema executivo de assassinatos que dependia diretamente do vice-presidente Dick Cheney e que o Congresso nunca sentiu nenhuma inquietude por indagar. Equipes do JSOC viajavam a diversos países, sem sequer falar com o embaixador nem com o chefe da Estação CIA, com uma lista de pessoas que procuravam, encontravam, matavam, retornando depois. Havia uma lista vigente de pessoas marcada como alvos, elaborada pelo gabinete do vice-presidente Cheney. [...] Houve assassinatos em dezenas de países do Oriente Médio e na América Latina", afirmou Hersh. ‘Existe um decreto executivo, assinado pelo presidente Ford nos anos 70, proibindo tais ações. Isto não só contraria: é ilegal, é imoral, é contraproducente’, acrescentou.
"O JSOC também esteve envolvido em crimes de guerra, incluindo tortura de presos em locais secretos ‘fantasmas’ (ghost) de detenção. O campo Nama no Iraque, operado pelo JSOC sob McChrystal, foi uma de tais instalações ‘fantasmas’, ocultada ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) e acusada de alguns dos piores atos de tortura".
Oficialmente instalaram o major-general em Fort Braga, Carolina do Norte, mas era "um visitante frequente do Campo Nama e de outras bases das forças especiais no Iraque e no Afeganistão, onde tiveram assento as forças sob seu comando".
A seguir, se aborda um ponto de especial interesse, quando tais fatos entram em conflito com funcionários que, no cumprimento de suas funções, eram obrigados a cometer fatos que os enfrentavam abertamente às leis e implicavam graves delitos.
"Um interrogador do Campo Nama descreveu que encerravam os presos em contêineres de navios por 24 horas, em meio do calor extremo, depois eram expostos ao frio extremo encharcando-os periodicamente com água gelada, eram bombardeados com luzes brilhantes e música ruidosa, eram privados do sono e levavam severas surras".
De imediato, são abordadas as flagrantes violações de princípios internacionais e convênios assinados pelos Estados Unidos. Os leitores cubanos lembrarão a história narrada nos dois textos em que relatei nossas relações com a Cruz Vermelha Internacional, à qual devolvemos o alto número de prisioneiros do exército inimigo que caíram em nossas mãos, durante a defesa da Serra Maestra e a contra-ofensiva estratégica posterior contra o exército de Cuba, treinado e abastecido pelos Estados Unidos. Jamais um prisioneiro foi maltratado e nenhum dos feridos deixou de ser atendido logo. Essa mesma instituição, com sede na Suíça, poderia dar fé daqueles feitos.
"O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é o corpo encarregado, pelo Direito Internacional, de supervisionar o cumprimento dos Convênios de Genebra e, portanto, tem direito a examinar todas as instalações onde se mantenham os prisioneiros de qualquer país em guerra ou sob ocupação militar".
"Na explicação do por que nenhum outro meio de imprensa tinha coberto esta história, Hersh expressou: ‘Meus colegas na imprensa credenciada com frequência não a acompanham, não porque não queiram, mas porque não sabem a quem chamar. Se estou escrevendo algo sobre o Comando Conjunto de Operações Especiais, que aparentemente é uma unidade classificada, como vão descobri-lo? O governo lhes dirá que tudo o que escrevo é errado ou que isso não podem comentá-lo. É fácil ficar desempregado por essas histórias. Penso que a relação com o JSOC está mudando sob Obama. Agora há mais controle’".
"... a decisão da administração Obama de designar o general McChrystal como novo comandante responsável pela guerra no Afeganistão e a prolongação da jurisdição militar para os detentos dos EUA em sua guerra ao terrorismo, encerrados na prisão da Baía de Guantánamo, desafortunadamente são exemplos de que a administração Obama continua seguindo os passos da de Bush".
"Rock Creek Free Press divulgou, em junho de 2010, que Seymour Hersh, discursando na Conferência Global de Jornalismo Investigativo em Genebra, criticou em abril de 2010 o presidente Barack Obama e denunciou que as forças dos EUA estão cometendo ‘execuções no campo de batalha’".
"‘Aqueles que capturamos no Afeganistão estão sendo executados no campo de batalha’, afirmou Hersh".
Ao chegar a este ponto, a narração entra em contato com uma realidade sumamente atual: a continuidade duma política pelo presidente que sucedeu ao delirante W. Bush, inventor da guerra desatada para se apoderar dos recursos de gás e petróleo mais importantes do mundo, numa região habitada por mais de 2,5 bilhões de habitantes, em virtude de atos cometidos contra o povo dos Estados Unidos por uma organização de homens, recrutados e armados pela CIA para lutar no Afeganistão contra os soldados soviéticos, e que continua desfrutando do apoio dos mais próximos aliados dos Estados Unidos.
A complexa e imprevisível zona cujos recursos são disputados, vai desde o Iraque e o Oriente Médio até os remotos limites da região chinesa de Xinjiang, passando pelo Iraque, Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, Irã e as antigas repúblicas soviéticas de Turcomenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, Quirguízia e Tajiquistão, e é capaz de abastecer de gás e petróleo a crescente economia da República Popular da China e à industrializada Europa. A população do Afeganistão, assim como uma parte da do Paquistão, país de 170 milhões de habitantes e possuidor de armas nucleares, é vítima dos ataques de aviões sem piloto ianques que massacram a população civil.
Entre as 25 notícias mais censuradas pela grande mídia, selecionadas pela Universidade Sonoma State da Califórnia — tal como vem fazendo há 34 anos —uma delas, correspondente ao período 2009-2010, foi "Crimes de guerra do general Stanley McChrystal"; e outras duas se relacionam com nossa Ilha: "Meios ignoraram ajuda médica de Cuba em terremoto do Haiti" e "Ainda brutalizam os presos em Guantánamo". Uma quarta afirma: "Obama reduz o gasto social e aumenta o militar".
Nosso ministro das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez, foi responsável político da missão médica cubana enviada ao Paquistão, quando um destruidor terremoto golpeou fortemente a rude natureza do nordeste desse país, onde extensas áreas habitadas pela mesma etnia, com igual cultura e tradições, foram divididas arbitrariamente pelo colonialismo inglês em países que depois caíram sob a proteção ianque.
Em seu discurso de 26 de outubro, no seio da ONU, Bruno demonstrou quão excelentemente bem informado está da situação internacional em nosso complexo mundo.
Sua brilhante alegação de ontem e a Resolução aprovada por essa instituição, por sua transcendência, requerem de uma Reflexão que me proponho elaborar.
Fidel Castro Ruz

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Uma mulher na presidência

Sempre admirei as mulheres valentes e ainda me arrepio ao lembrar Micaela Bastidas, vendo seus filhos e seu marido serem esquartejados, impávida, sabendo que havia feito a coisa certa: lutar pela liberdade, contra o colonialismo, pela sua terra e pelo direito de ser quem era. Encanta-me a história de Juana Azurduy, espada em punho, lutando pela libertação desta “nuestra América”, encurralada, com seus filhos nos braços, sem nenhuma vacilação. Ou ainda Bartolina Sisa, comandando as tropas aymaras no cerco a La Paz, poderosa como uma deusa, a alertar para o perigo da conciliação de classe. E Manuelita Saenz que, desde seu profundo amor por Bolívar, se fez generala, defendendo a liberdade assim como defendia seu homem, adaga na mão, lutando contra os assassinos. Ou Anita Garibaldi, que enfrentou o olhar de reprovação dos seus e partiu, montada em seu cavalo, com seu amor, empunhando a espada na luta pela liberdade. Ah, essas mulheres...

Poderia ainda citar outras tantas que, nestas terras de Abya Yala, mostraram seu valor, entregando a vida para construir um mundo novo, que garantisse a liberdade e a soberania popular. Mulheres guerreiras que simplesmente foram à luta sem reivindicar diferença de gênero, porque o que estava em jogo era o futuro das gentes e isso era tudo o que importava. E foi porque me criei ouvindo estas histórias que nunca fui muito afeita a esse debate feminista. Desde pequena, nas planuras da fronteira, as mulheres da minha vida, poderosas, estavam muito mais para Ana Terra que para Bibiana. Sempre prenhas de minuano e horizontes, as mulheres da minha infância empunhavam armas, corcoveavam nos cavalos bravios, banhavam-se nuas nas sangas, dormiam com seus homens na campina, disputavam carreira, queda de braço, tomavam caçacha e ainda lavavam roupa e faziam comida, com o palheiro acesso entre os lábios e aquele olhar de picardia.

Digo isso para alertar sobre o fato de que termos agora a primeira mulher presidente não quer dizer muita coisa. Porque antes de tudo é preciso saber: que projeto de país tem essa mulher? Que propostas têm para a educação, a saúde? Que modelo econômico vai defender? Com que valentia vai enfrentar a oligarquia agrária? Como vai enfrentar o tema dos povos originários? Até onde vai ceder diante da pressão das transnacionais? O quanto vai efetivamente tornar real o serviço público capaz de atender as demandas concretas da população? Assim, o fato de ser mulher não a torna especial. O que a fará única e “imorrível” é o caminho que vai trilhar. Basta lembrar Margareth Tatcher, a dama de ferro, mulher. E aí? Qual o seu legado para a Inglaterra? Para quem governou? Quem não se lembra da lenta e cruel destruição da categoria dos mineiros?

Dilma Russef tem uma linda história. É, sem dúvida, uma guerreira. Passou pela luta contra a ditadura, foi presa, torturada e tudo o mais do pacote básico das violentas ditaduras desta nossa América. Sobreviveu não só no que diz respeito à vida mesma, mas também na capacidade de superar e constituir uma bonita carreira profissional e política. Mas, no governo de Luis Inácio, foi “a mãe” do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, muitas vezes, mal planejado e eleitoreiro, não cumpriu com a sua promessa de melhorar a vida das gentes. Um exemplo da minha aldeia: aqui, no bairro Campeche, o PAC financiou a construção de uma rede coletora de esgoto. Isso é bom. Mas a proposta que tem para o destino final é a construção de um emissário que leve os dejetos todos para o mar, poluindo e destruindo a natureza. Que crescimento isso acelerou? Também foi ela quem ajudou a derrubar os “entraves ambientais” para a construção de grandes usinas, comprovadamente nocivas ao meio ambiente e as gentes. Isso foi ruim, muito ruim. Que o digam as gentes ribeirinhas e os povos indígenas.

Agora ela aí está. Competente, séria, dedicada, criatura do Lula, a quem agradeceu emocionada no seu discurso de posse. “Sou uma mulher de esquerda”, declarou em uma entrevista. “Vou governar para todos”, insistiu na sua fala à nação pouco depois de eleita, e deu bastante ênfase a idéia de desenvolvimento, fazendo crer que o Brasil pode entrar para o seleto clube dos países centrais. Mas, é isso que se quer? Ser “desenvolvido” como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França? Ser predador, explorador, imperialista? Há que ver qual é a estação final a qual Dilma quer chegar.

Os oito anos de Luis Inácio foram anos de bonança para a elite nacional. Nunca os ricos ganharam tanto, nunca os bancos ganharam tanto, nunca os latifundiários ganharam tanto. O próprio Luis Inácio admitiu isso em um de seus discursos. É fato que os pobres tiveram um quinhão do bolo, mas, vamos combinar, um pequeno quinhão. O bolsa família deu sobrevida a uma gente que definhava, mais ainda não lhes apontou o caminho da libertação. Criaram-se 14 novas universidades, que ainda patinam na qualidade. Com o Reuni, deu-se muita grana para as escolas privadas, embora isso garantisse vaga para alunos carentes. Então, não dá para negar que houve alguns avanços, mas sempre se reivindicou que era preciso mais. Muito mais.

Hoje, na senda neodesenvolvimentista apregoada por Dilma, estão encerradas as promessas de crescimento econômico e social, o que parece coisa boa. Mas, talvez falte ao governo explicar a custa do quê isso pode acontecer. Se antes o chamado desenvolvimento estava bloqueado pela dívida externa, hoje, sendo o Brasil periferia e dependente, esse tal desenvolvimento só pode chegar com o sacrifício da maioria, os mais pobres. E sempre tem sido assim. Desenvolvem-se os mais ricos, recorrentemente.

Dilma falou em diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, em acabar com a miséria, com a cracolândia, com o atraso. Promessas grandiosas que serão cobradas. Mas, na queda de braço com a elite nacional é que se poderá ver até onde vai a posição de esquerda da nova presidente. Existe aí um grande desafio que não será vencido sem uma mudança radical na proposta de organização da vida. O desenvolvimento sonhado não pode ser o mesmo dos países centrais. Há que se avançar para uma proposta nacional popular, capaz de realmente garantir a participação popular efetiva e protagônica. Sem a soberania do povo os avanços serão pífios.

Enfim, aí está a nova presidenta, uma mulher que “sim, pode”. Mas, feminina ou não, sua proposta de governo estará sob as luzes, e a nós cabe acompanhar. Sabemos que na composição PT/PMDB não deve haver espaço para o avanço no rumo do socialismo. O que se pode esperar são algumas reformas, e muitas delas serão contra as gentes, como a anunciada nova reforma da previdência, cuja versão européia está levando milhões às ruas no velho continente. Isso significa que não há tempo para esmorecer na luta por outra forma de viver. A luta das gentes segue e seguirá até que se construa, coletiva e conscientemente, a nova sociedade. 
 
Elaine Tavares 
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