Além do Cidadão Kane

domingo, 8 de julho de 2012

Que nos sirva de exemplo: 50 anos de prisão para Videla

Após quinze meses de debate, o Tribunal Oral Federal 6 da Argentina condenou o ditador Jorge Rafael Videla por “subtração, retenção e ocultamento” em vinte casos de filhas e filhos de desaparecidos durante a última ditadura cívico-militar. Além disso, o tribunal definiu o roubo de crianças como um plano sistemático, produto de uma prática organizada desde a cúpula do poder militar. As Avós da Praça de Maio e as famílias seguem buscando os netos que ainda não recuperaram suas identidades.
Página/12

Buenos Aires - Após quinze meses de debate, o Tribunal Oral Federal 6, integrado pelos juízes María del Carmen Roqueta, Julio Luis Penala e Domingo Altieri, condenou os ditadores Jorge Rafael Videla e Reynaldo Benito Bignone por “subtração, retenção e ocultamento” de filhas e filhos de desaparecidos durante a última ditadura cívico-militar, em 20 e 31 casos, respectivamente. O tribunal também condenou a 30 e 40 anos de "prisão e inabilitação absoluta" pelo mesmo prazo da condenação os repressores Antonio Vañek e Jorge "El Tigre" Acosta. Além disso, o tribunal definiu o roubo de crianças como um plano sistemático, produto de uma prática organizada desde a cúpula do poder militar.

Durante os quinze anos de investigação judicial que precederam o julgamento, foram obtidos muitos testemunhos, mas um dos mais reveladores foi o da neta Victoria Montenegro, que denunciou a cumplicidade do promotor Juan Martín Romero com seu apropriador, o ex-coronel Herman Tetzlaff e sua esposa María del Carmen Duartes.

Antes da sentença, Montenegro, que se reencontrou com sua família em 2001, assegurou que “chamar as coisas pelo seu nome vai fazer bem para todos”, referindo-se à expectativa de que o tribunal definisse como “plano sistemático” o roubo de bebês. “Este julgamento fecha muitos anos de luta sustentada pelas Avós da Praça de Maio”, sustentou.

Para a jovem, que este ano também recuperou os restos de seu pai, graças ao trabalho da Equipe Argentina de Antropologia Forense, o significado de alcançar justiça “serve para reparar feridas, ainda que saibamos que falta muito a fazer, sabemos que faz parte da batalha cultural que estamos travando”.

Entre as 35 apropriações há nomes de pessoas que nasceram em cativeiro e uma pequena proporção de apropriados ou dados em adoção logo depois de serem sequestrados com seus pais. Das 35 crianças, 26 recuperaram a identidade. Destes, 20 testemunharam no julgamento.

As avós e famílias seguem buscando os que faltam. Seus nomes ontem estavam registrados em um panfleto distribuído pelas Avós da Praça de Maio no julgamento: são Guido Carlotto, Ana Libertad Baratti de la Quadra, Clara Anahí Mariani Teruggi; o/a filho/a de Gabriela Carriquiriborde e Jorge Repetur; Martín Ogando Montesano: Victoria Petrakos Castellini; a filha de María Moyano e Carlos Poblete e a filha de Ana Rubén e Hugo Castro que “continuam vivendo com uma identidade falsa”.

Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior

terça-feira, 3 de julho de 2012

Cuba gasta mais de 30% de seu PIB com política social

Eis mais um dos “crimes do regime cubano”: Os gastos com a política social. Enquanto na América Latina estes representam 10% do PIB e na União Europeia 25% em Cuba supera os 30%. No orçamento de 2012, o governo cubano destina 17 bi, 347 milhões e 800 mil pesos para a Educação, Saúde e necessidades sociais.

Mais de 800 milhões de pesos destinam-se a subsídios para pessoas com baixos rendimentos e 400 milhões de pesos para a proteção a pessoas em situação críticas, como os incapacitados por motivos físicos ou mentais, mães solitárias com filhos menores a seu cargo e aos que são colocados em posição disponível no processo de reordenamento laboral em curso.

No setor da saúde pública, uma das maiores fontes de ingresso de divisas (devido aos vários programas de cooperação internacional, que engloba mais de 40 mil profissionais, com cerca de 70 países), o orçamento disponibiliza 9% do PIB para desenvolvimento de um sistema integrado desde a atenção primária.

Estes programas de proteção social permitem uma mais equitativa distribuição dos recursos e respectiva aplicação no desenvolvimento humano, como o estado de saúde e nutricional da população, esperança de vida, saneamento e água potável, conservação do meio ambiente, participação politica, educação, cultura, informação e maior relevo do papel da mulher na vida econômica e politica.

Fonte: Blog Solidários

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O Paraguai: de tropéis e tropelias

No dia em que Fernando Lugo foi deposto da presidência, ninguém ouviu, pelas ruas de Assunção, os tropéis da cavalaria. Mas todos, em Assunção e no resto do mundo, constataram as tropelias do Congresso, que, em exatas 30 horas, fulminou o sonho fugaz de resgatar um país. No lugar de taques e canhões, sabidos e vendilhões. Nada mudou: quem de novo leva a melhor é a mesma súcia de sempre. Tentou governar com um Congresso hostil, que impediu que seu governo avançasse um passo sequer rumo à prometida ruptura com o passado. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Eric Nepomuceno

E como o que aconteceu de novo em uma das nossas comarcas, apesar de todos os esforços e esperanças, acontecido está, me resta roubar o título de um livro de meu bom amigo, o escritor nicaragüense Sergio Ramírez, para falar do Paraguai: De tropéis e tropelias.
No dia em que Fernando Lugo foi deposto da presidência, ninguém ouviu, pelas ruas de Assunção, os tropéis da cavalaria. Mas todos, em Assunção e no resto do mundo, constataram as tropelias do Congresso, que, em exatas 30 horas, fulminou o sonho fugaz de resgatar um país. No lugar de taques e canhões, sabidos e vendilhões. Nada mudou: quem de novo leva a melhor é a mesma súcia de sempre.
Quando foi eleito, Fernando Lugo, bispo militante da Teoria da Libertação, tinha 57 anos. Sim: era e é mais um dos milhões de paraguaios nascidos debaixo de seis décadas do jugo cruel do Partido Colorado, da ditadura sanguinária e corrupta de Alfredo Stroessner e seus herdeiros. E que agora vê como tudo pode voltar ao que era.
O que aconteceu, acontecido está, porque a queda de Fernando Lugo, mais do que irreversível, foi calculada com a meticulosidade de um cirurgião hábil, que sabe o momento exato da amputação.
Pois esse cirurgião atende por um nome tão amplo como dúbio: sistema.
E, em se tratando do Paraguai, o sistema é complicado. Significa interesses que vão do uso descontrolado de agrotóxicos ao tráfico de armas e drogas, da ocupação de terras públicas à corrupção mais desavergonhada, do controle do poder pelas Forças Armadas ao poder de controlar as próprias Forças Armadas.
Enfim, tudo que pode dominar, e domina, um país que vem de uma tenebrosa trajetória de barbáries e espoliações.
A nove meses da eleição que definiria o sucessor de Fernando Lugo, os limites de tolerância do sistema de sempre se esgotaram.
As forças de domínio desse país sacrificado e sufocado – o Partido Colorado e suas ramificações de um lado, e de outro seus adversários reunidos debaixo de um nome pomposo e mais extenso que seu caráter, o Partido dos Liberais Radicais Autênticos – se uniram para extirpar a figura incômoda de um presidente eleito por 41% dos paraguaios, e que reuniu punhados de sonhos e esperanças. E que em boa medida não cumpriu porque, como dizia em uma canção outro bom amigo, o uruguaio Alfredo Zitarroza, ‘quis querer, mas não pôde poder.’
Não se trata – esse desfiladeiro entre querer e poder – de algo novo na história da América Latina. Ainda assim, o processo que se iniciou com a candidatura de Fernando Lugo, sua eleição, seu governo, e sua deposição, surge como alerta exemplar para todos – todos – os países da região.
Por exemplo: por que fulminá-lo agora, quando faltavam nove meses para o fim de seu mandato? E por que de maneira tão precipitada?
Houve quem dissesse que a rapidez era necessária para impedir que colunas de camponeses sem terra se mobilizassem, no interior, rumo a Assunção. Pode ser que tivessem razão. Pode ser.
Outro exemplo: por que agora, faltando nove meses para o processo eleitoral que definiria o sucessor de Lugo?
Há quem diga que para que as forças de sempre, os colorados e os liberais, se reorganizem para repartir o butim. Pode ser.
Existem questões, porém, que pairam sobre esses aspectos, e que dizem respeito direto ao Brasil.
O Paraguai é hoje o quarto ou quinto maior exportador de soja do planeta. E cerca de 70% dessa soja é plantada por brasileiros que, ao longo de trinta ou quarenta anos, se afincaram no país. A imensa maioria desses brasileiros comprou títulos altamente duvidosos, sabendo que eram duvidosos. Durante décadas a ditadura de Stroessner vendeu e revendeu terras públicas de maneira ilegal. Afastado o verdugo, fatiada sua herança, essas terras continuaram sendo negociadas de maneira ilegal.
E quem julgava a legalidade ou ilegalidade? Um poder judiciário imposto por Stroessner ou seus herdeiros. E julgava com base numa legislação, feita por um poder legislativo criado e cevado pelo mesmo sistema.
Para entender a queda de Lugo, é importante recordar que ele se elegeu pelo voto de quem nunca teve voz, e jamais teve a própria existência reconhecida. Foi eleito, além do mais, com o apoio de uma rede de partidos e interesses que correspondia a qualquer coisa – menos ao que ele se propunha a fazer.
Tentou governar com um Congresso hostil, que impediu que seu governo avançasse um passo sequer rumo à prometida ruptura com o passado.
Um governo erguido sobre raízes tão frágeis poderia reagir à tentação de permanecer nas mãos dos mesmos de sempre?
E daí vem outra pergunta: um Estado tão frágil poderá sobreviver sem o apoio decidido de seus vizinhos? Acho que não.
Ontem, sem querer, ao escrever sobre o Paraguai, mencionei o novo presidente Francisco Franco. Erro evidente: o Franco em questão é Federico, não Francisco.
Francisco Franco foi aquele espanhol baixinho e barrigudo que imperou sobre a Espanha, a sangue e fogo, durante quase quatro décadas, e, alucinado pelo próprio poder, isolou a Espanha do mundo.
Agora, depois de anos de isolamento e asfixia, o Paraguai merece ao menos a chance de tentar mudar. E nos resta ver até que ponto existem diferenças entre Federico Franco e Francisco Franco, entre a Espanha das trevas e o Paraguai entrevado.
Diante da Espanha de Francisco Franco, a Europa se calou.
Diante do Paraguai de Federico Franco, a América Latina seguirá o exemplo?
É de se esperar que não.



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