Legislação brasileira ainda não reconhece a igualdade de direitos e a isonomia entre cidadãos e cidadãs. Medidas adotadas pelos governos não foram capazes de assegurar os direitos trabalhistas e previdenciários inclusivos dessas mulheres.
Este ano, quando se completam 20 anos da promulgação da Constituição Federal, merece ser marcado pelas discussões das pendências em relação aos direitos das mulheres. A Carta Magna de 1988 deixou de fora algumas significativas reivindicações dos movimentos feministas apresentados à época da Assembléia Constituinte. Em que pese ser marco para a abertura democrática do país, que reconheceu formalmente a igualdade de direitos e a isonomia entre as cidadãs e cidadãos brasileir@s, resta nela e após sua publicação uma série de matérias não contempladas ou tratadas de maneira insuficiente; ou ainda que necessitam de regulamentação para sua efetividade.
A proteção às mulheres, especialmente, no trabalho doméstico, é um exemplo de tema tratado de forma não satisfatória. Incidir politicamente para mudar isso é uma das prioridades do CFEMEA, em articulação com a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).
O contexto maior em que está inserido esse assunto questiona construções culturais impostas por gêneros, especialmente na sociedade capitalista pautada no sistema patriarcal, que prioriza a posição hierárquica dos homens e subordina as mulheres. O trabalho doméstico foi destinado às mulheres como exercício de atividades “naturais” do sexo feminino. Sendo assim, é um trabalho visto sem necessidade de remuneração (ou quando é pago, é muito mal pago), ou ainda, um trabalho ao qual sociedade, governos e famílias não conferem qualquer valor contributivo para as riquezas do país. Estimativa de Hildete Pereira, Claudio Considera e Alberto Di Sabbato, que pesquisam o tema trabalho na Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense, dá conta de que cerca de 12,7% do PIB brasileiro advém das atividades domésticas de reprodução social.
A desvalorização do trabalho doméstico está diretamente relacionada a quem o realiza (mulheres, na maioria das vezes negras) e ao tipo de trabalho que se faz (doméstico). Como assinala a feminista Betânia Ávila, o tempo despendido pelas mulheres com a reprodução da vida, com o cuidado de pessoas que não podem se autocuidar (idos@s, crianças, doentes, pessoas com deficiência), com ações essenciais para a própria manutenção das atividades produtivas como educação, vestimenta, alimentação, saúde e abrigo, não é contabilizado como válido para a organização social do trabalho. Esse tempo - diz ela - é fruto da expropriação do trabalho das mulheres.
A construção do tempo validada pelo sistema capitalista é aquele empregado para as atividades da produção, para gerar mais-valia (com jornadas de trabalho definidas e tempo de lazer contado como parte do tempo que sobra das atividades de produção). Assim, falar sobre direitos sociais para uma profissão essencialmente feminina, negra, com baixa escolaridade e pobre e que se realiza na esfera do mundo privado não é tarefa fácil. Mais um obstáculo está no fato de o Estado entender que não deve legislar ou se intrometer na esfera onde se dá o trabalho doméstico. Basta ver os “impedimentos” para a fiscalização das relações de trabalho violentas e discriminatórias que acontecem nas “casas de família”.
Diante dessa realidade, é possível compreender os padrões de desigualdades que configuram o trabalho doméstico: seja o trabalho da reprodução social, do cuidado ou do emprego doméstico. Por isso, a discussão sobre o tema é essencial para a conquista de relações trabalhistas mais equânimes e igualitárias entre mulheres e homens, negras e negros.
Hoje, falar de trabalho é falar de trabalho decente e gerador de cidadania. As organizações nacionais e internacionais que atuam nesse tema já não se contentam apenas na geração de empregos. As discussões em torno da jornada de trabalho, da liberdade sindical, da igualdade de salário para trabalho igual, fim da discriminação, tratamento rigoroso para as práticas de assédio moral e sexual entre outras questões são tratadas em conjunto, para que trabalhadoras e trabalhadores possam atingir condições dignas no exercício de suas atividades.
No que diz respeito ao trabalho doméstico, quando a Constituição Federal e outras leis específicas garantem direitos para @s trabalhador@s numa condição diferenciada e reduz direitos em relação a outros tipos de ocupação, torna-o um sub-trabalho, um trabalho de baixa categorização.
O trabalho doméstico remunerado é a maior profissão feminina do país e está longe de ter garantido direitos iguais e acesso à previdência social. As medidas adotadas pelos governos não foram capazes de assegurar os direitos trabalhistas e previdenciários para milhões de mulheres nessas condições. Garantir a equiparação desses direitos para as trabalhadoras domésticas brasileiras é enfrentar as desigualdades de gênero e o racismo e contribui tanto para o desenvolvimento das relações de trabalho quanto para o aprimoramento da democracia brasileira.
Original em CFEMEA
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