Foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) a polêmica sobre os agentes da ditadura de 1964-1985 que cometeram torturas e assassinatos. O ministro Eros Grau é o relator na Arguição apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A consciência democrática brasileira espera que não prevaleça a visão do recente parecer da AGU (Advocacia Geral da União), que advogou em favor de acusdados de tortura.
O parecer da Advocacia foi apresentado na Justiça de São Paulo, em processo onde o Ministério Público Federal (MPF) acusa os coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel de comandar a tortura, morte e ''desaparecimento'' de 64 pessoas, quando chefiavam o DOI-Codi de São Paulo, de sinistra memória, no início dos anos 70. Os advogados da AGU alegaram que eram crimes prescritos, além de cobertos pela Lei de Anistia de 1979.
Logo se ergueram numerosas vozes em contrário, na sociedade e dentro do próprio governo – como as dos ministros Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), Tarso Genro (Justiça) e Dilma Rousseff (Casa Civil). A Advocacia Geral, um órgão do Executivo Federal, tentou uma canhestra defesa de si própria com a nota intitulada ''AGU não defende coronéis acusados de tortura em ação do MPF''.
Melhor será que o órgão conduzido por José Antônio Dias Toffoli dê a mão à palmatória e recolha o parecer infeliz. Compete à Advocacia Geral da União advogar as causas da República democrática, jamais as tenebrosas e indefensáveis causas da ditadura.
Crimes de lesa-humanidade como a tortura e assassinato de prisioneiros – às vezes com requintes de selvageria, como a degola de guerrilheiros do Araguaia – não prescrevem. Quanto à Lei de Anistia de 1979, da lavra do governo do último ditador, general João Batista Figueiredo, é certo que tratou de proteger os torturadores e assassinos ao estender seus efeitos aos ''crimes conexos''. Mas, ao livrar os crimes de punição, não apaga os fatos criminosos.
Ora, o que o MPF reclama da Justiça de São Paulo e a OAB argui junto ao Supremo é tão somente o reconhecimento dos crimes dos agentes do regime mais liberticida. Não se pretende encarcerar o coronel Ustra e seus homens mas apenas proclamar que cometeram crimes, repugnantes, que o Brasil democrático repudia e não esquece, ainda que não os castigue.
Este clamor é justo e oportuno. Faz quase um quarto de século que a ditadura sucumbiu, na esteira da extraordinária Campanha das Diretas Já. O Brasil formou uma outra geração de militares, com outra concepção estratégica e outras prioridades que nada têm em comum com a faina horrenda dos DOI-Codis. Para os brasileiros deste século, todos eles, importa que os horrores dos anos de chumbo venham à tona, os arquivos sejam abertos; que os combatentes antiditatoriais tenham a sepultura e a reverência que merecem, que seus carrascos, expostos à luz como o vampiro da fábula, deixem de nos assombrar. É o que se espera e se reclama da Justiça.
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