Danny Glover e Saul Landau
Do aeroporto de Ontário, Califórnia - a cerca de 100 quilômetros a leste do centro de Los Angeles - nos dirigimos para o norte, pela Rodovia 15, a estrada que leva a Las Vegas. Carros com torcedores aficionados e grandes caminhões, para cima e para baixo, através das montanhas, onde se encontram Los Angeles e a Floresta Nacional de San Bernardino.
"Eu vi Adriana (sua esposa) presente na platéia". Seu sorriso desapareceu. "É doloroso. Ela tem 40 anos e eu 45. Não há muito tempo para formamos uma família. Os Estados Unidos nem sequer concedem um visto para que ela me visite. Ela se comportou com grande coragem e dignidade durante toda esta provação".
Para o leste está o deserto, 1.200 metros acima do nível do mar. Entre zimbros, árvores de Josué e artemisas, ao longo da rodovia. Fomos a um centro comercial, onde pegamos Chavela, irmã mais velha de Gerardo.
Passamos por lanchonetes de redes de fast food e salões de beleza, casas de tatuagem, postos de gasolina e mini-centros comerciais (um passeio pela cultura norte-americana), em direção ao oeste e logo ao norte, pela 395, até chegar ao complexo penitenciário Federal, uma prisão de alta segurança de 192.000 metros quadrados, construído há seis anos (a um custo de US$ 101.400,00), destinada a enjaular 960 reclusos.
Na sala de visitantes, pintado de um cinza institucional, um guarda nos entrega formulários numerados, aponta com a cabeça um livro e olha para um monte de canetas. Nós preenchemos e devolvemos o formulário, assinamos e nos sentamos naquela sala cinza com outros visitantes - todos negros e latinos.
Esperamos por vinte minutos. Um guarda menciona o nosso número. Esvaziamos os bolsos, exceto o dinheiro. Passamos por um detector de metais, ao estilo dos aeroportos. Recolhemos nossos cintos e os entregamos. Uma guarda nos revista com óculos de raios-X, e estendemos nossos braços para entregar a outro guarda nossas identificações. Duas mulheres negras e um casal de idosos latinos recebem o mesmo tratamento. Trocamos sorrisos nervosos, hóspedes em terra estranha.
Ele passa nossas identificações, por uma abertura, para outra sala, que vemos através de uma janela de vidros grossos. Ali, um guarda verifica os documentos e pressione os botões para abrir uma porta de metal pesado. O grupo entra em um corredor exterior. O sol ofuscante da meia manhã e o calor do deserto golpeiam nossos corpos, depois de termos permanecido no ar-condicionado. Esperamos. Um guarda fala através de uma pequena fenda na porta do prédio, que alberga os presos. De cada lado, torres com guardas armados, uma rede de arame farpado cobre o topo das paredes de concreto.
Esperamos. Passamos calor. Em seguida, entramos em outro quarto com ar condicionado, e finalmente, abre-se a porta e passamos para a sala de visitas. Um guarda nos assinala uma mesa de plástico pequena, rodeada por três cadeiras de plástico barato, por um lado (para nós) e outra para Gerardo. Meninos afro-americanos e latinos trocam o seu lugar pelo colo dos seus pais; enquanto pais, em uniformes cáqui, conversam com suas esposas.
Chavela o vê de longe - 20 minutos mais tarde - quando ele, sorrindo, avança vivamente através da sala. Quase em lágrimas, Chavela diz: "Ele perdeu peso". Parece ter o mesmo peso de quando (Saul Landau) o viu na primavera. Gerardo abraça e beija sua irmã, depois abraça Saul e Danny. Graças aos seus esforços, foi libertado da solitária, onde passou 13 dias no final de julho e início de agosto.
Gerardo nos informa que dois agentes do FBI - que investigam um incidente não relacionado ao caso dos Cinco - o interrogaram na prisão. Logo em seguida, as autoridades prisionais jogaram Gerardo no buraco, ainda que não houvesse nenhuma prova, lógica ou senso comum que pudesse implicá-lo ao suposto incidente. A temperatura da solitária chegava perto dos 40 graus. "Eu tive que jogar em minha cabeça a água que me davam para beber", nos disse Gerardo. "Não me ajudaram com minha pressão arterial elevada. Eu sequer podia tomar a minha medicação. Acredito que me soltaram graças aos milhares de telefonemas e cartas de pessoas do mundo inteiro".
Chavela amontoava comida rápida em cima da mesa - a única que havia nas máquinas de venda automática. Mordiscávamos compulsivamente, enquanto Gerardo nos contava acerca de sua vida em uma caixa de suor, por quase duas semanas. "Não há circulação de ar", riu, como dizendo: "Não era para tanto".
Nós falamos sobre Cuba. Ele estava em dia com as notícias, através da leitura, TV e visitantes, que lhe informam. Ele se sentiu encorajado pelas medidas tomadas pelo presidente Raúl Castro para enfrentar a crise. Na televisão da prisão, viu parte do discurso de Fidel e as perguntas e respostas, na reunião da Assembléia Nacional. "Eu vi Adriana (sua esposa) presente na platéia". Seu sorriso desapareceu. "É doloroso. Ela tem 40 anos e eu 45. Não há muito tempo para formamos uma família. Os Estados Unidos nem sequer concedem um visto para que ela me visite. Ela se comportou com grande coragem e dignidade durante toda esta provação".
Gerardo Hernández, um dos Cinco Cubanos, cumpre duas sentenças de prisão perpétua por conspiração para espionagem e cumplicidade em assassinato. No julgamento em Miami, os promotores não apresentam quaisquer indícios de espionagem. A acusação de suposta cumplicidade com a derrubada do avião dos chamados Hermanos al Rescate - por MIGs cubanos, em fevereiro de 1996 - também não se comprovou, dado que nenhuma evidência foi apresentada de que Gerardo houvesse mandado informações acerca do vôo para as autoridades cubanas - o que, de fato, não o fez. A acusação também pressupôs que ele sabia das ordens secretas do governo cubano para derrubá-los, o que não é verdade.
Os cinco homens monitoravam e informavam acerca dos terroristas cubanos exilados em Miami, que tinham planos de sabotagem e assassinatos em Cuba. Cuba compartilhou essas informações com o FBI. Larry Wilkerson (coronel do Exército aposentado e ex-chefe de gabinete do secretário de Estado, Colin Powell), comparou a possibilidade dos Cinco serem julgados de forma imparcial e justa, em Miami, com "as chances de um israelense acusado obter justiça em Teerã".
Bebemos chá gelado engarrafado, doce demais. Chavela trouxe mais batatas fritas.
Gerardo reanimou o ambiente contando um incidente ocorrido na década de 1980, quando era tenente em Cabinda, Angola, escoltando oficiais cubanos a um jantar com importantes soviéticos, que se encontravam em visita. "Eu disse ao meu coronel, que tinha memorizado um pequeno poema de Mayakovsky, em russo (de seus dias de estudante) e poderia recitá-lo para os oficiais soviéticos".
Ele recitou o poema em russo. Todos o aplaudiram. Ele sorriu. "Eles estavam assando um porco e tinham garrafas de bebida, era uma festa".
"Eu recitei o poema. O coronel soviético me abraçou, me beijou em ambas as faces muito animado. Eu tive que repetir meu desempenho para os outros oficiais. Finalmente, o coronel cubano me disse que eu já havia aproveitado bem a situação e eu me mandei".
Duas horas se passaram rapidamente. Esperamos os guardas nos chamarem. Gerardo ficou de pé. Nós nos distanciamos. Gerardo, junto com outro prisioneiro, próximo a porta da cela. Saudamos com um aceno. Ele respondeu de igual maneira. A irmã dele, soprou-lhe um beijo. Ele abriu um largo sorriso como tranqüilizador, lembrando-nos: "Mantenham-se firmes".
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Danny Glover é ativista e ator. Saul Landau é membro do Instituto de Estudos Políticos.
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