Além do Cidadão Kane

segunda-feira, 17 de março de 2008

Mulheres no Iraque: "É como estar numa grande prisão"


O sofrimento das mulheres no Iraque desperta uma preocupação crescente, com cada vez mais relatos de mortes, violações e seqüestros, além da intimidação e da opressão generalizadas. Três mulheres iraquianas falam de como é viver sob a ameaça da violência.
(Os nomes das entrevistadas foram alterados. "Leyla" é de Anbar e é ativista numa organização de defesa dos direitos das mulheres. "Amina" coordena uma associação humanitária de Bagdá que ajuda órfãos e desabrigados. "Mona" é administradora em Basra. As três participaram de uma conferência sobre as necessidades das mulheres em conflitos, realizada em Amã, na Jordânia, em dezembro de 2006).
Qual o impacto da guerra sobre as mulheres iraquianas?
Leyla: O conflito interno causa tanto efeitos diretos quanto indiretos nas mulheres daqui. Como efeito direto, as mulheres iraquianas perderam de alguma forma a identidade e o status com tudo o que está acontecendo no país. Por exemplo, as mulheres parlamentares não podem assumir totalmente seu status e seu papel. Elas representam apenas números exigidos para preencher as listas eleitorais.
Os efeitos diretos e indiretos sobre as mulheres não podem ser separados da situação geral, em particular a divisão sectária. Houve 500 divórcios forçados por mês, simplesmente porque maridos e esposas tinham origens diferentes.
Amina: O conflito teve um impacto direto sobre as mulheres, tanto material quanto moralmente. Deslocamentos, assassinatos, seqüestros e casos de violações criaram uma atmosfera de terror e ansiedade. Acima de tudo isso, já o medo de perder membros da família devido a todos estes riscos e ameaças. De qualquer forma, há um lado positivo, já que os laços familiares tornaram-se mais importantes.
A violência sectária também afetou fortemente a situação social da mulher iraquiana. O índice de divórcios cresceu, causando danos materiais e psicológicos para as mulheres. A mulher iraquiana caiu dentro de uma grande prisão. Ale do mais, a situação financeira e econômica dos homens, a maioria desempregada, piorou, o que põe um peso extra sobre as mulheres.
Mona: Os conflitos internos afetam os fundamentos da sociedade. Eles com freqüência São gerados pela perda generalizada da segurança e por intervenções externas. Eu penso que o problema no Iraque é passageiro. Tenhamos esperança de que este é um problema que terá um fim dentro de certo tempo, com a determinação do povo iraquiano de reconstruir seu país.
Como as mulheres iraquianas lidam com isso? Elas conseguem, ainda por cima, ajudar os outros?
Amina: Falando por mim mesma, vendo o sofrimento dos iraquianos em geral e das mulheres em particular, e querendo fazer alguma coisa a respeito, eu decidi abrir um abrigo para os órfãos. Eu trabalho para unir crianças de diferentes seitas e religiões, sunitas, xiitas, cristãos, fazendo com que, de alguma forma, esse lugar represente um pequeno Iraque, com toda sua diversidade religiosa.
Fazendo isso, eu também quero ressaltar o fato de que a religião é para Deus e nosso país é para todos. As pessoas podem viver juntas sem serem privadas de sua liberdade e de sua individualidade.
Mona: Toda família tem medo do que pode acontecer aos seus membros. Como indivíduos vivendo em nossa sociedade, nós mantemos silêncio sobre o que acontece. A mulher fica sem saída nestas circunstâncias e não pode voltar a atividade até que isso termine.
Leyla: Apesar de que a mulher iraquiana esteja sem saída hoje, ela ainda pode sar muita assistência cultural e econômica, quando possível. Por exemplo, eu pude ajudar 600 pessoas deslocadas com ajuda humanitária fornecida pelo CICV.
As mulheres no Iraque também podem contribuir disseminando os valores religiosos da maneira correta. Isso é particularmente importante nestes dias, considerando que alguns meios de comunicação ignoram completamente a mulher iraquiana e seu sofrimento, especialmente em Bagdá, reforçando o sectarismo.
Como vocês vêem o futuro da mulher iraquiana?
Mona: A mulher iraquiana tem provado que tem muito potencial, embora todas as trágicas histórias que temos ouvido sobre o que elas passam estão longe da realidade que é muito, muito pior.
Leyla: Eu não tenho nenhuma visão clara ao olhar o futuro da mulher no Iraque. Em Anbar, nós não vivemos situações de sectarismo ou de violência doméstica, graças à natureza de nossa comunidade, composta por tribos e famílias que mantêm relações próximas.
Amina: Para mim, o futuro da mulher iraquiana será brilhante e positivo, mas somente depois que a tragédia que nós estamos vivendo agora tenha terminado e quando todas essas milícias desapareçam. A mulher iraquiana é forte e ela tem passado neste teste histórico, em particular por ajudar os outros a manterem sua humanidade e sua autoconfiança.
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