Além do Cidadão Kane

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Norte-americanos pagam crise

Governo dá milhões ao capital

O governo norte-americano anunciou a cobertura dos prejuízos acumulados pelos bancos Fannie Mae e Freddie Mac. A medida contrasta com a austeridade aplicada aos trabalhadores e os cortes nos programas públicos.

As instituições financeiras que garantem, conjuntamente, mais de 40 por cento do crédito à habitação, tinham um limite de «ajudas» fixado pela administração de Barack Obama em 400 mil milhões de dólares. Ambas, já receberam do Estado cerca de 110 mil milhões de dólares - 60 mil milhões a Fannie Mae e 51 mil milhões a Freddie Mac.
Com esta medida – aprovada no mesmo dia em que os deputados dos EUA ratificaram o aumento do déficit público em mais 290 mil milhões de dólares - o Estado passa a poder injetar nas empresas, a cada três meses e durante os próximos três anos, montantes de capital idênticos às perdas líquidas registradas, cobrindo, na prática, o resultado de qualquer operação realizada até ao final de 2012.
A decisão, tomada a poucos dias do fim do ano, visa evitar o escrutínio do Congresso (obrigatório caso a proposta avançasse em 2010) e, sobretudo, o debate público da medida, cujo fim é garantir as perdas da Fannie Mae e da Freddie Mac, avaliadas no Orçamento de 2010 em 170 mil milhões de dólares nos próximos 10 anos.

Bônus milionários

Paralelamente, informações veiculadas pela BBC garantem que os presidentes executivos de ambas as entidades receberam durante o ano de 2009 remunerações na ordem dos 6 milhões de dólares. Informações da Agência Federal de Financiamento da Habitação revelam que as remunerações deste ano foram em média 40 por cento inferiores às anteriores, no entanto aquele organismo justifica que os 6 milhões de dólares pagos visam «reter e atrair o talento [dos gestores] para que os objetivos [das empresas] sejam alcançados»
Em informações prestadas à Comissão de Valores, a Fannie Mãe e a Freddie Mac alegam que os respectivos presidentes, Michael Williams e Charles Haldeman, receberam 900 mil dólares de salário base, mais 3,1 milhões de dólares diferidos caso sejam alcançados determinados objetivos e outros 2 milhões de dólares se a sua performance individual se ajustar aos resultados propostos.
Mas os casos de dilapidação do erário público, divulgados na semana passada nos EUA, não se resumem às garantias estatais e aos prêmios na Fannie Mãe e Freddie Mac. No mesmo período, Kenneth Feinberg, o administrador delegado pelo executivo Obama para controlar sete empresas intervencionadas na seqüência da crise capitalista, autorizou a American International Group (AIG) a aumentar em cerca de 4,2 milhões de dólares a remuneração de um dos seus principais executivos, cujo nome não foi revelado.
Esta medida surge na seqüência de outra semelhante que, no ano passado, aumentou em 10,5 milhões de dólares o pecúlio recebido pelo presidente da AIG, Robert Benmosche, acréscimo à remuneração justificado por Kenneth como um «oportuno incentivo de longo prazo para garantir que o trabalhador contribui para o sucesso da AIG».
A AIG é a única das companhias sob intervenção que se mantém sob controle estatal e recebeu até à data 182 mil milhões de dólares do governo. Em Março, a AIG já esteve envolta num escândalo devido aos prêmios pagos aos seus executivos, obrigando a empresa a anunciar que os seus quadros de topo iriam devolver 45 dos 165 milhões de dólares concedidos a título de bônus. A verdade é que, segundo o Washington Post, que cita dados oficiais, apenas 19 milhões foram devolvidos.

Lucros recorde

Mas o resultado das políticas do governo norte-americano face à crise capitalista vão bem mais longe que os cerca de 30 mil milhões de dólares que a burguesia e seus lacaios se preparam para amealhar no final do corrente exercício a título de prêmios, bônus e similares. De acordo com o Wall Street Journal, a política federal de manter as taxas de juro para o crédito de curto prazo próximas do zero está a financiar os grandes grupos nos investimentos em novas operações especulativas.
Neste contexto, não é de estranhar que os lucros do capital batam recordes dos últimos cinco anos. Segundo o Departamento do Comércio, os lucros das empresas deverão subir este ano 10,8 por cento. A contribuir para o sucesso do capital, está, igualmente, a pressão sobre os salários dos trabalhadores e o aumento da exploração. Estimativas oficiais asseguram que o custo do fator trabalho diminuiu, em média, 2,5 por cento em 2009, ao passo que a produtividade cresceu 8,1 por cento.

Trabalhadores suportam fardo

A contrastar com o apoio que a grande burguesia tem recebido da Casa Branca, as condições de vida dos trabalhadores e do povo norte-americano são cada vez piores.
Dados oficiais citados pelo Workers World indicam que quase oito milhões de famílias foram incapazes de pagar as prestações do crédito à habitação no terceiro trimestre deste ano, isto sem contar com os agregados que, em resultado da perda do posto de trabalho, dos baixos salários e da precariedade, já viram as respectivas hipotecas executadas (estima-se em 13 milhões desde o início da crise). Os mesmos dados afirmam que cerca de 7 milhões de hipotecas serão executadas no futuro. O total de casas à venda em resultado da execução de hipotecas aumentou, até Setembro de 2009, 55 por cento face a 2008.
Neste particular, nem o propagandeado programa de modificação de empréstimos tem valido grande coisa. Dos cerca de 700 mil pedidos efetuados junto do Home Affordable Modification Program, pouco mais de 31 mil estavam ativos em Novembro, muito longe da promessa de 3 a 4 milhões de agregados abrangidos feita por Obama.

Desemprego não pára

A pressionar a falta de pagamento das hipotecas está o desemprego. O Washington Post diz que metade dos estados norte-americanos estão sem dinheiro para os respectivos programas de subsídio de desemprego, tantos são os casos de trabalhadores nessa situação.
O esgotamento dos fundos públicos para esse fim é de tal forma evidente que no Kentucky, por exemplo, o governo local pretende reduzir em 9 por cento o valor do subsídio. Na Virgínia e Maryland, o montante emprestado pelo governo central já ascende a 89 e 85 milhões de dólares, respectivamente, enquanto que a Carolina do Sul bate todos os recordes com 649 milhões de dólares de dívida a Washington.

Cortes nos serviços públicos

Por outro lado, o governo norte-americano tem-se mostrado severo nas transferências de fundos para os programas sociais. Por exemplo, o programa de ajuda às famílias em dificuldade para saldar a fatura energética mantém uma dotação orçamental de 5,1 mil milhões de dólares em 2010, mesmo que em 2009 o número de famílias que se socorreram desta ajuda tenha aumentado em mais de 2,1 milhões, passando o total de beneficiários para a impressionante cifra de 8,2 milhões.
Milhares não tiveram hipótese e, como a Casa Branca não considera uma prioridade o acesso dos trabalhadores a água potável, gás e eletricidade, viram os respectivos fornecimentos interrompidos.
Igualmente dramáticos, mas também por isso elucidativos do que se passa do outro lado do Atlântico, são os cortes nos tratamentos médicos. De acordo com a Sociedade Americana para a Prevenção do Câncer, o Estado Federal e pelo menos 20 estados da União deixaram de financiar exames de rastreamento. Mulheres com menos de 50 anos são enviadas para casa ou colocadas em listas de espera intermináveis sem realizarem exames preventivos, denuncia aquela estrutura.
A austeridade governamental para com os trabalhadores gera protestos. Professores, pais, estudantes, funcionários públicos e trabalhadores de serviços públicos dos transportes têm mostrado a sua revolta.
Em Chicago, os trabalhadores da empresa regional de transportes manifestaram-se contra as possíveis demissões e o lay-off, o corte de 18 por cento das carreiras e de 9 por cento nos serviços ferroviários, e a descida dos salários que deve entrar em vigor a partir de Fevereiro de 2010.
No Estado de Nova Iorque, os cortes nos serviços de transporte – pelo menos 20 carreiras urbanas e suburbanas, supressão de duas linhas férreas e o encurtamento do serviço noutras duas – é o mote da insatisfação de trabalhadores e população. A estas medidas acrescem os aumentos no preço dos bilhetes, 10 por cento este ano e 7,5 no próximo; o fim do serviço de transporte para cidadãos com mobilidade reduzida, que passam a ser levados até à estação de comboio, metro ou autocarro mais próxima da sua casa em vez de serem transportados até ao destino; e o fim do financiamento dos passes escolares, obrigando as famílias a suportarem cerca de mil dólares por ano nos transportes de cada uma das 600 mil crianças e jovens que freqüentam o ensino público.


Original em Avante!

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