Além do Cidadão Kane

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CIA faz devassa em busca do mapa da mina



A notícia de que a CIA realizou uma verdadeira devassa no Ministério das Minas e Energia, agora num mutirão com o serviço secreto canadense, confirma uma tradição. A agencia é um labrador dos interesses norte-americanos em busca do mapa da mina brasileira –no caso, mais literal que metafórico. 

Um livro de mil páginas lançado no Brasil em 1998,"Seja Feita a Vossa Vontade”, dos jornalistas americanos Gerard Colby e Charlotte Dennett , detalha, sem muita repercussão então, a abrangência, os métodos e a intensidade das violações cometidas pelos EUA para avaliar e controlar recursos do subsolo brasileiro. 

O livro foi lançado num momento sensível, digamos assim, o que talvez explique sua repercussão contida na emissão conservadora.

Um ano antes, o governo FHC havia privatizado a Vale do Rio Doce, o primeiro e um dos mais polêmicos episódios de uma série. 

O valor da venda, em torno de R$ 3,3 bi então, seria superado, com folga, pelo lucro anual de uma das maiores mineradoras e detentoras de jazidas do planeta.

Em "Seja Feita a Vossa Vontade", Colby e Charlotte não tratam da Vale.
Mas mostram o entrelaçamento entre a cobiça privada de Nelson Rockefeller e os serviços de espionagem dos EUA na rapinagem das riquezas minerais do país. 

Nessas investidas , Rockefeller e a CIA não hesitariam em recorrer a missionários para dominar áreas indígenas , bem como agir para derrubar governos que colocassem obstáculos às suas operações e negócios. 

Os golpes, de 1954, contra Getúlio, frustrado pelo seu suicídio, e aquele contra Jango, dez anos mais tarde, segundo os jornalistas, tiveram o dedo de Rockefeller diretamente. 

As denúncias atuais, baseadas em informações vazadas por Edward Snowden, que vem se somar às já veiculadas tendo como alvo a Petrobrás, mostram uma grau de ousadia ímpar.

A desfaçatez, no caso do pente fino nas Minas e Energia, pode estar associada à pressa em obter informações estratégicas, antes da votação do novo Código Mineral proposto pelo governo.

Ademais de elevar alíquotas de royalties, o projeto em negociação no Congresso, transfere a uma estatal o gerenciamento público da pesquisa no país. 

Hoje vale a lei do velho oeste: quem chegar primeiro, registra e tem o direito de lavra. E pode dormir sobre uma reserva de mercado à espera de valorização das cotações, frequentemente em detrimento das urgências do país. Como aconteceu durante anos com minas de fosfato detidas pela iniciativa privada.

Talvez a devassa da CIA e dos canadenses tenha exatamente o objetivo de abastecer os congêneres atuais de Rockefeller com o máximo de informações possíveis para obtenção de registros. Antes de vigorar a nova lei.

Em 2000, Colby e Charlotte concederam uma entrevista a Kátia Melo, da ISTOÉ, sobre suas investigações. Alguns trechos, abaixo, revelam a extensão dos interesses por trás de uma ação da CIA:

Colby – Como presidente do Grupo Especial do Conselho Nacional de Segurança, (Nelson Rockefeller) conhecia todos os segredos da CIA e suas atividades, incluindo tentativas de assassinatos, experimentos de controle da mente, envolvimentos em golpes. 

Charlotte – Se você quer ter recursos naturais e expandir seus negócios, precisa do serviço de inteligência. Precisa saber com quem está lidando e quais são os obstáculos que irá enfrentar. E fica claro no livro que Rockefeller obteve um considerável avanço em seus negócios depois de conseguir essas informações como coordenador das políticas interamericanas. 

Colby – Em cada país, incluindo o Brasil, Rockefeller instaurou um conselho local administrativo formado por empresários dos países latinos e empresários americanos que nesses países residiam. Eram essas pessoas que passavam a ele informações sobre como atuar no país e como implementar seus programas. Mas o mais importante era como ganhar suporte dos governos para seus projetos. Esses contatos que ele fazia se estenderam para a área militar, como com o general Eurico Gaspar Dutra, que foi operacional no golpe de 1945 contra o presidente Getúlio Vargas. Quando assumia cargos públicos, Rockefeller estabelecia contatos que depois ele usava como empresário.

Colby – (...) a CIA ainda retém em seu poder a maior parte desses documentos. Nos papéis que conseguimos, descobrimos que os homens de Rockefeller no Brasil tinham entre 1964 e 1969 uma ligação direta com o Serviço Nacional de Informação (SNI). 

Charlotte – Rockefeller estava sempre nos bastidores nos grandes momentos da política brasileira. Em 1945, no golpe que depôs Vargas, a pessoa-chave era Adolf Berle, o embaixador americano no Brasil e o protegido de Nelson Rockefeller. Depois veio o golpe de 1964 e lá estava ele agindo novamente.

Charlotte – Vargas e Jango foram os grandes obstáculos para Rockefeller realizar o que chamava de o “sonho brilhante”, o plano de desenvolvimento da Amazônia. Jango o incomodava muito porque denunciava os ricos na Amazônia, entre eles o coronel John Caldwell King, que mais tarde tornou-se o grande homem da CIA em toda a América Latina. 

Colby – King também era o chefe da operação que mandava dinheiro dos EUA para o Brasil para financiar os projetos aos golpistas. A CIA também controlava as operações de financiamento para projetos no Nordeste. E a Corporação Internacional de Economia Básica (Ibec), comandada por Rockefeller no Brasil, também foi acusada de distribuir dinheiro antes do golpe contra Jango (um relatório da CIA menciona em até US$ 20 milhões). 

Inclusive foi a Ibec que escreveu as leis bancárias do Brasil para estabelecer linhas de crédito mais flexíveis a negociações para continuar com as operações na Amazônia, anunciada pelos generais brasileiros. 

Charlotte – Ele (Rockefeller) acreditava que o desenvolvimento da Amazônia daria um novo respiro econômico aos EUA, assim como foi a colonização do Oeste americano. 

Charlotte – Cheguei a ler memorandos de Rockefeller para seus assessores em 1963 que diziam que Kennedy não estava cooperando. E ele colocava Kennedy e João Goulart na lista das pessoas que eram obstáculos para seus objetivos. Kennedy morreu em novembro de 1963 e Goulart sofreu um golpe em março de 1964.

Charlotte – Simplesmente a proteção dos interesses americanos. E isso faz parte da História. As corporações americanas sempre quiseram estabilidade para seus investimentos. E por isso apóiam os governantes que se alinham com o pensamento americano. Caso saiam da linha, pagam as consequências. 

Saul Leblon

Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/blogMostrar.cfm?blog_id=6&alterarHomeAtual=1

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Confrontos

Centenas de milhões de pobres e famintos em todo o mundo apelam à solidariedade de todos aqueles que se afogam no consumismo e no desperdício. Mas será que a solidariedade é entendível por todos? Não !.

. Muitos habitantes deste planeta ainda pensam segundo o paradigma de antigos negreiros, o Outro só existe enquanto for útil, servir para alguma coisa. Não lhes reconhecem a dignidade de pessoas. As relações entre os povos são vistas em termos de exploração, saque, rapina. A solidariedade é uma palavra que não consta no seu léxico.

Os argumentos do negreiro, para não ajudar o Outro são quase sempre os mesmos. Alega frequentemente que não pode fazer porque ainda não tem todos os seus problemas domésticos resolvidos. Não tem a casa ou o automóvel dos seus sonhos, as férias que há muito deseja. A solidariedade do negreiro reduz-se em dar ao Outro (preto,pobre, etc) os sobejos, os desperdícios do festim. Os pobres não necessitam de mais, contentam-se com as sobras. A sua preocupação está centrada na ementa do festim, não nos restos.

Muitos pensam segundo o paradigma capitalista, o Outro é parte de um negócio a curto prazo (Toma Lá da Cá), a médio prazo ( Toma lá, e quando tiveres condições para isso retribui com juros) ou no longo prazo (Toma lá e diz a outros que foi eu que te dei).

Na verdade, continuam a haver muitos poucos utópicos neste planeta. Aqueles que conseguem ver no Outro uma pessoa que co-habita no mesmo mundo e sobretudo, são capazes de entender que se ele estiver mal, então todos também estamos.

Publicado em Confrontos

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sábado, 10 de setembro de 2011

A Revolta de Londres: um sinal

Osvaldo Coggiola

A recente revolta em bairros periféricos de Londres, que se estendeu rapidamente para outras cidades inglesas, foi apresentada pela grande imprensa como uma série de atos de vandalismo, sem outro conteúdo. Nada mais longe da verdade. O brutal assassinato de Mark Duggan, um taxista negro de 29 anos alvejado pela polícia londrina em Tottenham – uma zona que conta com as maiores taxas de desemprego e de imigrantes da capital britânica – produziu uma reação da juventude que, por sua magnitude e composição, foi rapidamente comparável com o levantamento dos jovens árabes e norte-africanos nos subúrbios parisienses em 2005, ou à sublevação da juventude grega em fins de 2008. Esta vez, no entanto, a bancarrota capitalista mundial vinculou a revolta com a crise dos Estados chamados ao resgate do capital. O movimento também teve lugar no quadro da revolução nos países árabes e da irrupção da juventude européia dos "indignados", na Espanha especialmente. O assassinato de Duggan produziu uma manifestação de cerca de 300 vizinhos que, com o decorrer das horas e frente às manobras de encobrimento da polícia, converteu-se em uma revolta popular. O governo britânico respondeu com uma brutal repressão, junto a uma operação midiática que buscava instalar a versão de um "enfrentamento" da polícia com Duggan, acusado de ser "traficante de armas".

Tottenham tem uma longa história de resistência contra a opressão policial por sua composição majoritariamente imigrante, incluído um levantamento popular em 1985 só comparável ao que ocorreu recentemente. No bairro vivem africanos, caribenhos, polacos, judeus ortodoxos, turcos e ingleses brancos, que sofrem dia a dia a extorsão da polícia. A zona é também representativa da crise que atravessa o país. Mais de 10 mil jovens de Tottenham vivem graças à assistência social e se estima que uns 54 jovens concorrem por cada posto de trabalho. Outro dado alarmante é a alta taxa de gravidez adolescente - a mais alta do Reino Unido. Este quadro social de decomposição é a base sobre a qual opera a rebelião dos subúrbios britânicos. A repressão policial nas ruas de Londres deixou o saldo de cinco mortos, dezenas de feridos e centenas de detidos. No entanto, os protestos aumentaram, em novos bairros, como Oxford Circus e Enfield, e inclusive outras cidades, como Leeds, Birmingham, Liverpool, Manchester e Bristol, o que obrigou ao governo a proceder a uma mobilização inusitada de forças - uns 16 mil policiais. Estes fatos revelam que a pauperização das condições de vida das massas é um fenômeno que se estende ao conjunto do país.

A crise não poderia chegar em pior momento para o regime político britânico que, sacudido pela crise política gerada pela revelação das escutas telefônicas de personagens ou figuras públicas por parte do império midiático de Rupert Murdoch, com a cumplicidade da polícia britânica, Scotland Yard (cujos chefes tiveram que renunciar por sua relação com o escândalo) e dos políticos britânicos. O premiê britânico, o conservador David Cameron, foi obrigado a regressar de suas férias – destinadas a afastá-lo da crise política - ante a extensão da rebelião juvenil contra a força policial. A crise e a rebelião social desatada pela repressão policial voltou a colocar a Cameron no olho da tormenta. Este assumiu com o objetivo de aplicar um rigoroso plano de ajuste frente à crise mundial, e agora luta por manter a seu governo. A rebelião dos jovens explorados da Grã-Bretanha tem lugar enquanto os sindicatos discutem um plano de luta contra o corte às aposentadorias, depois de protagonizar a maior paralisação de funcionários públicos em 80 anos, e no meio de uma grande mobilização estudantil contra o plano de cortes à educação proposto pelos conservadores. A conjunção da crise política com a crise capitalista e com um processo de mobilização de massas excepcional reúne os elementos de uma tormenta que poderia significar o fim do governo conservador na Grã-Bretanha em um quadro de aguçamento da crise mundial.

Na Espanha, um pacote de austeridade reduziu em 5% os salários públicos em 2010, e fez um corte de 600 milhões de euros nos investimentos públicos. Essas medidas foram exigências do FMI, para “enfrentar a crise” nesses países. O pacote de austeridade foi enfrentado com uma massiva paralisação nacional dos trabalhadores, convocada pelas centrais sindicais. Os trabalhadores de outros países europeus também reagiram com grandes manifestações, uma resistência bem superior à de 2008. A classe operária começou a manifestar-se: greves de massas, mobilizações massivas, ocupações de fábricas, tomada de reféns de patrões por trabalhadores, revoltas de jovens e operários. As greves gerais na Grécia e Turquia, as greves e as manifestações na França e Espanha, as numerosas ocupações de fábricas na Itália, são uma mostra da crescente combatividade do proletariado contra o desemprego massivo, a flexibilização trabalhista, as reduções salariais, a destruição dos sistemas sociais.

Nos últimos anos, houve uma recomposição da classe operária mundial, com a incorporação de milhões de novos trabalhadores, que protagonizam novos combates de classe, na Grécia, França, Itália, Alemanha, passando pela América Latina, sem esquecer a recuperação da classe operária russa e na Europa do Leste, os trabalhadores sul-africanos, e a classe operária chinesa, que começa a levantar cabeça com greves extraordinárias. Antes da explosão árabe, a Europa estava no centro da luta classista. Em novembro de 2010, 150 mil pessoas protagonizaram uma grande mobilização em Dublin para rejeitar o resgate da Irlanda por parte da União Européia (UE) e do FMI – um ataque aos salários, ao gasto social e ao emprego. Poucos dias antes, havia ocorrido uma grande greve geral em Portugal, grandes mobilizações estudantis na própria Irlanda, Inglaterra e Itália, e nas semanas anteriores manifestações em toda a França. A crise capitalista se estende a Portugal, Espanha e Itália, e inclusive à França, ao ponto de se colocar na pauta dos governos um desdobramento da Europa em um bloco do norte e outro do sul – com diferentes moedas (Grécia, Portugal, Espanha e Itália sairiam da “zona euro”). A rebelião árabe, que “cruzou o estreito de Gibraltar” para chegar às praças da Espanha, encontrou no velho continente um terreno propício.

A revolta londrina, certamente desorganizada, não foi um tiro no escuro de uma juventude desesperada, mas um sinal anunciador do terremoto social nas próprias metrópoles do capitalismo.

Osvaldo Coggiola é historiador, economista e professor da Universidade de São Paulo

Original em Correio Caros Amigos

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Azaleia: Demissão em Parobé e contratação na Índia

“Está difícil de acreditar, ver todo mundo saindo junto, parece que estão todos indo para férias, mas não é. Estão todos demitidos”, diz Cleomar Mattiello, 15 anos de empresa.

No final da tarde de 09 de maio, uma segunda-feira, centenas de operários deixaram o portão principal da Vulcabras/Azaleia, em Parobé, no Vale do Paranhana, no Rio Grande do Sul, com o aviso prévio em mãos: encerravam ali décadas de dedicação à calçadista referência para toda a região e o Brasil.

A empresa - símbolo cinquentenário da indústria calçadista gaúcha – inesperadamente anunciou o fechamento da linha de produção no município e colocou 800 trabalhadores na rua. Parobé, berço da matriz da Azaleia, não produzirá mais calçados da empresa. A produção foi deslocada para o Nordeste do Brasil e para a Índia.

“Foi uma medida necessária, o Brasil não tem sido um país que proporciona competitividade ao setor”, justificou o presidente da Vulcabras/Azaleia e da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – Abicalçados, Milton Cardoso.

“Ganância”, reagiu o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Calçadista de Parobé, João Nadir Pires em entrevista ao IHU: Segundo ele o fechamento se deve “a ganância pelo lucro” e acrescenta: “Em média uma empresa gasta 19% do que arrecada em mão de obra, então não é problema. Sobre os impostos, as grandes empresas estão indo conversar com o governo exatamente na intenção de explorar a mão de obra barata e de ter o lucro”, disse ele.

O governador Tarso Genro reagiu com indignação ao anúncio de fechamento da empresa: ''Irresponsável e desrespeitoso''. “Não fomos comunicados sobre a decisão da empresa, que recebeu benefícios fiscais homéricos do Estado. Portanto, recebeu dinheiro do povo gaúcho”, criticou o governador.

O fechamento da Azaleia pegou todos de surpresa. A empresa foi considerada nas últimas décadas um sucesso empresarial. Era um dos “cases” exemplares do mundo bussiness e objeto de estudo nas melhores faculdades de administração e economia do país.

Demissão em Parobé e contratação em Chennai. A Azaleia/Vulcabras comprou uma fábrica em Chennai na Índia – próxima a Nova Délhi, faz alguns meses. A unidade de Chennai emprega mil pessoas, porém pretende aumentar esse número para 5 mil em um ano e meio. As razões do deslocamento é a baratíssima mão de obra do país. “A ida da empresa para a Índia foi a gota d'água para que extinguissem a produção do município", disse Gaspar de Mello Nehering, da diretoria do Sindicato dos Sapateiros de Parobé.

O deslocamento da produção do sul do Brasil para outras localidades começou nos anos 1990: “Lá nos anos 1990 começou esse movimento de deslocar as unidades de produção de calçado aqui do RS para o Nordeste”, afirma Achyles Barcelos, professor da UFRJ, entrevistado pelo IHU.

Esse movimento de deslocamento é conhecido como “forças correstritivas da concorrência”, afirma o professor da UFRJ. Segundo ele, “a tendência de maior globalização do mercado tem se intensificado nos últimos anos. Às vezes, as empresas são empurradas a fazer a internacionalização de sua produção. Se o teu concorrente faz um movimento e vai para fora e for bem sucedido, o outro tem que acompanhar. Quando algumas empresas aqui do Vale dos Sinos foram para o Nordeste e se deram bem por lá, outras acompanharam esse movimento. Como os custos de produção lá eram mais baixos, os concorrentes têm que fazer o mesmo. É como usar a tecnologia. Se a fábrica usa tecnologia, vai desempregar. Porém, se não usar, vai desempregar mais ainda porque vai quebrar”.

As “forças correstritivas da concorrência” fizeram com o Rio Grande do Sul perdesse em cinco anos 40 mil empregos no pólo calçadista. “Em 2004, o Rio Grande do Sul tinha 143 mil trabalhadores diretos na indústria de calçados. Em 2009, esse número caiu para 101 mil”, afirma Achyles Barcelos.

Esse diagnóstico de crise no pólo calçadista do Vale do Sinos já foi amplamente abordado em uma edição da revista IHU On-Line – 25-06-2007.

Mesmo no contexto do aquecimento da economia nacional nos últimos anos e de forte incentivo fiscal recebido – que será apurado pelo Ministério Público Federal (MPF) gaúcho –, a empresa optou por sacrificar a planta industrial no lugar em que nasceu. A justificativa foi a perda da competitividade: “Entre as fábricas que temos no Brasil, era a de maior custo e de menor escala. Por isso a opção pelo encerramento”, justificou o presidente da Vulcabras/Azaleia e da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – Abicalçados, Milton Cardoso.

As vítimas foram os trabalhadores. “Estávamos trabalhando, e mandaram parar a produção porque a empresa estava sendo fechada. Ficou todo mundo apavorado e começou a choradeira. Tinha gente com 30 anos de casa, pessoas mais idosas passando mal, tiveram que ser levadas para o ambulatório. Fomos todos pegos de surpresa”, conta Oziel Santos de Jesus, 28 anos, funcionário da montagem, que trabalhava na empresa há 10 anos.

Trabalhadores da melhor qualidade que foram descartados: “A respeito da mão de obra calçadista aqui de Parobé, eu costumo dizer que é a melhor do estado. O trabalhador da Azaleia tem capacidade de fazer uma sandália e um tênis de alta qualidade e tecnologia; são trabalhadores muito especializados. Eles não podem ser jogados em qualquer lugar...”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Calçadista de Parobé, João Nadir Pires.

Original em Vermelho
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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Mais de 70% da riqueza da Rússia pertence a 0,2% de famílias

Em 2011 cerca de 70% da riqueza nacional da Rússia se concentra nas mãos de 0,2% das famílias existentes no país, declarou nesta quarta-feira o vice-presidente do Tribunal de Contas do país, Valiéri Goriegliad.

"Reconhecemos que 0,2% das famílias da Federação Russa controla quase 70% da riqueza nacional. Essa desigualdade não pode incentivar o crescimento econômico", considera.

Goriegliad disse que vê o problema "não a partir do ponto de vista da Justiça social, mas do ponto de vista da eficiência econômica", opina.

A seu juízo, não se pode ter um modelo econômico estável quando o Estado deve manter quase solitariamente o setor social.

"Na Federação Russa, o sistema de distribuição de renda é extremamente deformado e constitui-se num fator de contenção do desenvolvimento econômico", agregou.

Por último, observou que, de nenhuma maneira, deve-se "aumentar de forma infundamentada os salários, sem o respectivo crescimento do rendimento do trabalho", acredita.

"Hoje, o salário médio na Federação Russa é de cerca de 40% a 60% do salário médio europeu. Na realidade, o rendimento do trabalho nas empresas russas não cresce tão rapidamente", disse o vice-presidente do Tribunal de Contas da Rússia.

A disparidade social na Rússia hoje é consequência direta da reinstauração do capitalismo no país, há 20 anos, em primeiro lugar sob a batuta de Mikhail Gorbachov, que desintegrou o que restava do socialismo na URSS e em seguida à completa capitulação promovida por Boris Iéltsin.

Com informações da RIA Novosti

Publicado em Vermelho
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quarta-feira, 9 de março de 2011

DEU NO JORNAL

Mexicano Carlos Slim é o homem mais rico do mundo pelo segundo ano consecutivo

Fortuna do mexicano é estimada em U$ 74 bilhões

Traduzindo: como a renda per capita mundial é de cerca de US$ 750,00 ( R$ 1.250,00) por mês, este cidadão é o responsável pela fome de 98.666.667 de pessoas por mês!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Tragédia na região serrana do Rio expõe limites do capitalismo

“Dizer que o homem vive da natureza significa que a natureza é o corpo dele, com o qual deve se manter em contínuo intercâmbio a fim de não morrer. A afirmação de que a vida física e mental do homem e a natureza são interdependentes, simplesmente significa ser a natureza interdependente consigo mesma, pois o homem é parte dela.”

Karl Marx. Manuscritos econômico-filosóficos.


Nos últimos anos têm sido frequentes as catástrofes naturais, nas quais a classe trabalhadora tem sido a grande prejudicada. Podemos identificar duas causas principais. A primeira é a desestabilização ambiental causada pela ação inconsequente do homem (principalmente dos países ricos) e a segunda é a segregação geográfica que a população mais pobre vem sendo vítima, obrigada a se concentrar em locais de risco, onde conseguem terrenos baratos e livres de impostos.

Na serra fluminense, outros fatores geográficos contribuem ainda mais para calamidades deste tipo, pois além de ser uma área montanhosa, onde a terra da superfície é mais fraca, as nuvens de chuva concentram-se na região. Nos anos de 1988 e 2008 tivemos tragédias parecidas com a última, mas nada foi feito pelo poder público para impedir novas catástrofes. Apesar de respostas do governo e da sociedade em geral, através de abrigos, liberação de verbas, etc., as medidas são paliativas e ocorrem somente após o pior já ter acontecido. Na terça-feira (11/01) o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu um boletim que foi ignorado pelas autoridades, informando sobre a possibilidade de chuvas fortes na região.

No mesmo período, a Austrália também foi vítima da fúria da natureza, porém o número de mortos nesse país (cerca de 20) não chega a 5% dos mortos na região serrana, demonstrando como as consequências da exploração capitalista junto ao meio ambiente cairão principalmente sobre os indivíduos pobres, concentrados nos países em desenvolvimento. De acordo com dados do próprio Banco Mundial, a população dos países ricos (20% da população mundial) é responsável pela emissão de cerca de 50% de todo CO2 emitido pela humanidade. Omar Baddour, especialista do WMO (World Meteorological Organization) atribui ao aquecimento global a intensificação de extremos meteorológicos, já que com o derretimento das geleiras e o aumento do vapor de água nos oceanos e florestas a atmosfera fica mais úmida, piorando as chuvas que já são típicas nesta época do ano. A ONU informou, nesta sexta-feira (14/01) que a tragédia ocorrida na região serrana está entre os 10 piores deslizamentos da década.

De acordo com a Defesa Civil, cerca de 40 mil pessoas de Petrópolis (13% da população) moram em áreas de risco. As atitudes do poder público têm se resumido a remoção forçada de parcela pífia destas pessoas e a destruição de suas casas, não respeitando os laços de amizade e afinidade com o local de moradia (algumas pessoas viveram a vida toda na região). A maior parte passa a receber um auxílio mensal que não passa de 300 reais, forçando-os a voltar a morar em locais de difícil acesso, só que dessa vez como locatários. Apenas algumas pessoas recebem uma nova moradia.

A crise ambiental é apenas mais um aspecto da crise capitalista, reflexo da falência do mesmo. Suas contradições não apresentam mais apenas entraves ao desenvolvimento das forças produtivas, mas sim uma ameaça real à própria espécie humana, tornando imperativa sua substituição pelo socialismo. Alguns apresentam as tragédias como um evento metafísico, supostas provas do final dos tempos, quando na verdade estamos diante de um evento histórico que deve ser analisado de maneira científica. Se existe algum fim próximo, este fim é o da era da exploração do homem pelo homem. A solidariedade demonstrada pela população em geral e principalmente por aqueles que mesmo sofrendo com as tragédias ajudam vizinhos e amigos, deixa claro que a classe trabalhadora está disposta a viver num mundo diferente.

Para terminar, deixo um relato particular. No final do ano passado conheci uma família moradora do Vale do Cuiabá, uma das regiões mais afetadas da região. O patriarca da família, seu José do Rego, tinha orgulho de mostrar a sua casa, pois demorou décadas para construí-la, no terreno do sítio de seu patrão. Poucas semanas depois, a chuva e a lama ocuparam tudo. De uma hora para outra o fruto do suor de uma vida inteira estava soterrado. Felizmente toda a família está viva e estão em casas de parentes. Mas para muitos, a realidade foi mais cruel, pois não perderam só o fruto de seu trabalho, mas a razão de viver, que foi embora com algum ente querido. Novamente o capitalismo mostra sua face mais terrível para aqueles que o sustentaram a vida toda. Chega de pagarmos pela crise capitalista! Lutemos para acabar com esse sistema maldito e por uma sociedade harmônica consigo mesma e com a natureza! Ou a humanidade constrói um futuro socialista ou não teremos futuro para construir nada.

Diego G.P

Original em Inverta
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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Fome nos EUA atingiu 50 milhões de pessoas durante o ano de 2009

Enquanto isso, Fed libera mais US$ 600 bilhões aos bancos ao invés de recursos para programas sociais e geração de empregos

O número de norte-americanos que dependeram de forma permanente de alimen-tos distribuídos por pro-gramas federais (conhe-cidos como food stamps – cupons de alimentos) duplicou em 2009, em relação a 2007, chegan-do a 6 milhões. O nú-mero de norte-america-nos que passou fome em algum momento no ano passado, chegou a 50 milhões, realidade que atingiu 17,4 milhões de lares daquele país, ou 15% do total de residências.

Os dados são do Serviço de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, sigla em inglês) e foram divulgados no dia 10.

Desde que estourou a crise provocada pelos bancos, o governo dos EUA colocou à disposição destes mesmos bancos oficialmente – através do chamado QE1 (primeiro “afrouxamento monetário” - uma verba de US$ 1,75 trilhão. Há alguns dias, o Fed (banco central) anunciou uma nova superemissão, o QE2, de US$ 600 bilhões.

Esse dinheiro não tem nenhum efeito, como observaram vários economistas, na expansão do mercado interno. Antes do anúncio da emissão de mais US$ 600 bilhões, os bancos já estavam com um “excesso de reserva” de US$ 1 trilhão. O crédito está paralisado, pois ninguém se apresta a tomar empréstimos, já que todos estão endividados - o endividamento das famílias, sem contar as empresas, equivale a 100% do PIB, ou seja, algo em torno do monstruoso valor de US$ 13 trilhões.

Certamente, para reanimar a economia dos EUA seria necessário uma política contra a monopolização do dinheiro pelos bancos, com a redução das dívidas de consumidores e empresas, além de medidas emergenciais contra o desemprego – e de desestimular as multina-cionais de instalarem suas fábricas no exterior, o que, desde 2007, redundou na destruição de 10 milhões de empregos. Em suma, um novo New Deal, tal como na época do presidente Franklin Delano Roosevelt.

Mas o caminho seguido pelo governo Obama tem sido o oposto: empoçar dinheiro nos mesmos bancos que causaram a crise, o que teve como resultado a elevação do desemprego, que hoje atinge 17,5% dos trabalhadores nos EUA, a quebra dos Estados, que demitiram em massa seus funcionários públicos e a queda ou manutenção da produção em patamares medíocres. Os bancos expropriam a poupança da população - milhões de casas foram açambarcadas através de despejos – e usam o dinheiro para especular em países onde os juros estão mais altos que nos EUA.

Em suma, o mercado interno – o emprego e os salários – é achatado em prol desse sistema financeiro meramente parasitário (se é que tal expressão não é uma redundância). A orientação da política econômica não é para o investimento em produção e infraestrutura dentro do país, mas fazer com que dobrem as exportações, ou seja que o mundo inteiro compre o dobro dos produtos norte-americanos. É passar as exportações norte-americanas do atual patamar de US$ 1,57 trilhão, para US$ 3,14 trilhões em 2014. O que implica, evidentemente, em desvalorizar o dólar – daí as gigantescas emissões de dólares - para que a invasão de produtos americanos conquiste espaço destruindo com a produção local dos países invadidos ou substituindo a importação vinda de outros países (ver matéria na página 2).

Por outro lado, a principal medida que o Departamento de Agricultura tomou não foi para aliviar a fome, mas para deixar de mencioná-la. Agora, os 15% do total de lares nos EUA que foram atingidos pela fome em algum momento de 2009 passaram a ser denominados de “alimentarmente inseguros”...

Os lares que passaram por esta situação aumentaram em 4 milhões (em 2007 foram 13 milhões), um aumento de 30%.

No entanto, a fome aparece em seguida, no informe do Departamento de Agricultura, exatamente onde se admite que não há uma política de combate à fome, mas, no máximo, o que antigamente, no Brasil, era denominado “o sopão”: “Os programas de assistência nutricional permitem o acesso aos que estão em estado de necessidade crítica, mas tratar a fome pela raiz exige uma estratégia mais ampla”.

Os níveis da fome medidos pelo informe são também os mais altos desde o ano de 1995 quando a pesquisa foi instituída.

O informe também destaca que as crianças são protegidas da fome mesmo nas casas necessitadas – onde adultos deixam de comer para que as crianças comam - mas existe uma parcela de lares em que mesmo as crianças enfrentam fome. Segundo os dados do departamento, esses lares se aproximam dos 600 mil em 2009, enquanto que os lares nos quais as crianças estiveram expostas constantemente à fome em 2007 foram cerca de 320 mil. Enquanto que 17 milhões de crianças viveram em condições de escassez de alimentos. Isso significa 22,5% das crianças do país, quase uma em cada quatro, também aí um aumento com relação a situação de 2007: 4 milhões de crianças a mais do que naquele ano.

O número de jovens que passaram o ano de 2009 encarando a fome passou de 700 mil em 2007 para 1 milhão e cem mil.

Já o papel reservado ao departamento encarregado de evitar a fome no momento atual não é muito alentador, é só ver as palavras do secretário do Departamento de Agricultura, Tom Vilsack, “o papel do USDA – junto com nossos parceiros – é garantir que os indivíduos não caiam pelos

Original em Hora do Povo
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domingo, 12 de dezembro de 2010

Evo Morales: "Ou morre o capitalismo ou morre a mãe Terra"

Evo Morales, presidente da Bolívia, fez um enérgico discurso contra o capitalismo nesta quinta-feira (9), durante a 16ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-16), que está sendo realizada em Cancún, no México.
Depois de discursar no espaço reservado aos chefes de Estado e ministros pedindo para que a natureza não seja transformada em mercadoria, o líder boliviano repetiu seu discurso aos jornalistas, em entrevista coletiva.

"Nós aprendemos a gritar 'pátria ou morte'. Agora já não se trata disso. É 'planeta ou morte'. Ou morre o capitalismo ou morre a mãe Terra", disse. Morales disse que as "potências" precisam "abandonar sua arrogância, sua soberba". "Temos que abandonar o luxo do mercado, enquanto não o abandonarmos, certamente milhões vão continuar pagando pelo luxo de alguns".

O presidente classificou a crise climática como uma das crises do capitalismo e destacou que o aquecimento global afeta a produção de alimentos. Em Cancún, Evo defendeu a prorrogação do Protocolo de Quioto e disse que a falta de acordo entre os países pode significar um "ecocídio", um "atentado à humanidade". Para ele, o mais importante é que os governos sigam a vontade dos povos. "Vamos praticar a democracia mundial".

Protocolo de Quioto

"Se mandarmos para o lixo a partir de agora o protocolo de Quioto, seremos responsáveis por um economicídio, um ecocídio, portanto, um genocídio, porque estamos atentando contra a humanidade em seu conjunto", disse também Morales.

Aplaudido pela plenária da conferência da ONU, que reúne mais de 190 países em Cancún em busca de acordos para enfrentar as mudanças climáticas do planeta, Morales afirmou que os desastres do clima já tiram 300 mil vidas anualmente e que em poucos anos o número chegará a um milhão.

"Cada um de nós, especialmente presidentes, chefes de delegações, governos, coloquem-se à altura das milhões e milhões de famílias que são vítimas do aquecimento global, das mudanças climáticas", acrescentou Morales ao pedir compromissos e eforços claros dos países.

Os países em desenvolvimento se enquadraram nesta conferência nesta reivindicação de uma extensão para além de 2012 do Protocolo de Quioto. Este é um dos grandes obstáculos das negociações, uma vez que o Japão disse que não renovará o protocolo sob a alegação de que Estados Unidos e China, os maiores emissores do planeta, estão fora do mesmo.

Da redação do Vermelho, com agências

domingo, 5 de dezembro de 2010

ESTADOS UNIDOS

EUA: O fedor da decadência econômica fica cada vez mais forte

por Paul Craig Roberts [*]
Na véspera do dia e ação de graças o jornal em língua inglesa China Daily e People's Daily Online informaram que a Rússia e a China havia efetuado um acordo para abandonar a utilização do US dólar no seu comércio bilateral e usaram as suas próprias divisas em substituição. Os russos e os chineses disseram que haviam dado este passo a fim de isolar as suas economias dos riscos que minaram a sua confiança no US dólar como divisa de reserva mundial.

Isto é grande notícia, especialmente no período de poucas notícias do feriado do dia de ação de graças, mas não a vi relatada na Bloomberg, CNN, New York Times ou em qualquer media impresso ou na TV dos EUA. A cabeça do avestruz permanece na areia.

Anteriormente, a China concluíra o mesmo acordo com o Brasil.

Como a China tem uma grande e crescente provisão de dólares com os excedentes comerciais com os quais comercia, a China está a indicar que prefere rublos russos e reais brasileiros a mais US dólares.

A imprensa financeira americana consola-se com os episódios em que a dívida soberana amedronta a UE e remete o dólar para cima contra o euro e a libra esterlina. Mas estes movimentos de divisas são apenas medidas de atores financeiros a protegerem-se de dívidas perturbadas denominadas em euros. Eles não medem a força do dólar.

O papel do dólar como divisa mundial de reserva é um dos principais instrumentos da hegemonia financeira americana. Não nos disseram quanto dano a fraude da Wall Street infligiu às instituições financeiras da UE, mas os países da UE já não necessitam do US dólar para comerciarem entre si pois partilham uma divisa comum. Uma vez que os países da OPEP cessem de manter os dólares com que são pagos pelo petróleo, a hegemonia do dólar ter-se-á desvanecido.

Outro instrumento da hegemonia financeira americana é o FMI. Sempre que um país não pode honrar suas dívidas e reembolsar os bancos americanos, entra o FMI com um pacote de austeridade que esmaga a população do país com impostos mais altos e cortes em programas de educação, cuidados médicos e apoio ao rendimento até que os banqueiros obtenham o seu dinheiro de volta.

Isto está agora a acontecer à Irlanda e provável que se propague a Portugal, Espanha e talvez mesmo a França. Após a crise financeira causada pela América, o papel do FMI como uma ferramenta do imperialismo estadunidense é cada vez menos aceitável. O fato poderá tornar-se evidente quando os governos não puderem mais liquidar os seus povos em benefício dos bancos americanos.

Há outros sinais de que alguns países estão a cansar-se da utilização irresponsável do poder por parte da América. Governos civis da Turquia há muito têm estado sob o controle dos militares turcos influenciados pela América. Contudo, recentemente o governo civil atuou contra dois altos generais e um almirante suspeitos de envolvimento no planejamento de um golpe. O governo civil afirmou-se mais uma vez quando o primeiro-ministro anunciou no dia de ação de graças que a Turquia está preparada para reagir a qualquer ofensiva israelense contra o Líbano. Eis aqui um aliado da NATO americana a libertar-se da suserania americana exercida através dos militares turcos. Quem sabe a Alemanha podia ser o próximo.

Enquanto isso, na América a administração Obama conseguiu propor uma Comissão do Déficit cujos membros querem pagar as guerras de muitos milhões de milhões (trillion) de dólares que estão a enriquecer o complexo militar/segurança e o muitos milhões de milhões de dólares dos salvamentos do sistema financeiro através da redução de aumentos anuais da Segurança Social conforme o custo de vida, da elevação da idade de reforma para 69 anos, do fim da dedução do juro hipotecário, do fim da dedução fiscal de seguro de saúde proporcionado pelo empregador, da imposição de um imposto federal sobre vendas de 6,5 por cento, enquanto corta a taxa fiscal de topo para os ricos.

Mesmo as baixas taxas de juro do Federal Reserve são destinadas a ajudar os banksters [1] . As baixas taxas de juro privam os reformados e aqueles que vivem das suas poupanças do rendimento do juro. As baixas taxas de juro também privaram pensões corporativas de financiamento. Para colmatar o fosso há corporações que estão a emitir milhares de milhões de dólares em títulos corporativos a fim de financiar as suas pensões. A dívida corporativa está a aumentar, mas não as instalações e equipamentos que produziriam receitas para o serviço da dívida. À medida que a economia piora, servir a dívida adicional será um problema.

Além disso, os idosos da América estão a descobrir que cada vez menos médicos os aceitarão como pacientes pois um corte de 23 por cento prepara-se nos já baixos pagamentos do Medicare aos médicos.

O governo americano só tem recursos para guerras de agressão, intrusões de estado policial e salvamentos de banksters ricos. O cidadão americano tornou-se um mero sujeito a ser sangrado para as oligarquias dominantes.

A atitude de estado policial do Ministério da Segurança Interna em relação a viajantes de linhas aéreas é uma clara indicação de que os americanos já não são cidadãos com direitos mas sujeitos sem direitos. Ainda virá o dia talvez em que americanos oprimidos tomarão as ruas como os franceses, os gregos, os irlandeses e os britânicos.

[1] Banksters: banqueiros+gangsters.

[*] Foi editor do Wall Street Journal e secretário assistente do Tesouro dos EUA. Seu livro mais recente é How the Economy Was Lost
Contato: PaulCraigRoberts@yahoo.com

O original encontra-se em counter punch


Este artigo encontra-se em resistir.info

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domingo, 28 de novembro de 2010

A indústria dos planos de saúde contra Michael Moore


Depois da realização do documentário "Sicko", uma denúncia contra o sistema privado de saúde nos Estados Unidos, executivos de empresas de planos de saúde decidiram desencadear um plano contra o trabalho de Michael Moore. Um estudo recente da Faculdade de Medicina de Harvard indicou que quase 45 mil estadunidenses morrem anualmente (um a cada doze minutos) principalmente porque não têm seguro de saúde. Mas para o grupo de pressão das empresas, a única tragédia seria a possibilidade de uma verdadeira reforma do sistema de saúde. O artigo é de Amy Goodman.
Michael Moore, ganhador do Oscar como melhor documentarista, faz excelentes filmes que, em geral, não são consideradas obras de suspense que gerem a sensação de estar “à beira do abismo”. Tudo isso poderia mudar a partir de uma denúncia feita por um informante do noticiário de Democracy Now, segundo a qual executivos de empresas de planos de saúde pensaram que talvez fosse necessário por em marcha um plano para “atirar Moore pelo precipício”.

O informante era Wendel Potter, ex portavoz da gigante dos planos de saúde Cigna. Potter mencionou uma reunião de estratégia industrial na qual se tratou do tema de como responder ao documentário “Sicko”, de Michael Moore, produzido em 2007, filme que critica a indústria de seguros de saúde dos Estados Unidos. Potter me disse que não estava seguro da gravidade da ameaça, mas acrescentou em tom inquietante: “Ainda que não tenham pensado em fazer isso literalmente, para ser honesto, quando comecei a fazer o que estou fazendo, temi por minha própria saúde e bem estar; talvez tenha sido paranoia, mas essas empresas jogam para ganhar”.

Moore ganhou um Oscar em 2002 com seu filme sobre a violência armada intitulado “Bowling for Columbine”. Logo depois fez “Fahrenheit 9/11”, um filme sobre a presidência de George W. Bush que se transformou no documentário de maior arrecadação na história dos Estados Unidos. Quando Moore disse a um jornalista que seu próximo trabalho seria sobre o sistema de saúde estadunidense, a indústria de planos de saúde tomou nota.

A associação comercial Planos de Seguro de Saúde dos Estados Unidos (AHIP, na sigla em inglês), principal grupo de pressão das empresas do setor, teve um enviado secreto na estreia mundial de “Sicko” no Festival de Cannes, na França. O agente saiu rapidamente da estreia e foi participar de uma teleconferência com executivos da indústria, entre eles Potter.

“Tínhamos muito medo”, disse Potter, “e nos demos conta de que teríamos que desenvolver uma campanha mais sofisticada e cara para conseguir rechaçar a ideia da cobertura de saúde universal. Temíamos que isso realmente despertasse a opinião pública. Nossas pesquisas nos diziam que a maioria das pessoas estava a favor de uma intervenção maior do governo no sistema de saúde”.

A AHIP contratou uma equipe de relações públicas, APCO Worldwide, fundada pelo poderoso escritório de advogados Arnold & Poter, para coordenar a resposta. A APCO formou o falso movimento de base de consumidores “Health Care America” para contrapor a prevista popularidade de “Sicko”, o filme de Moore, e para gerar medo em torno do chamado “sistema de saúde dirigido pelo governo”.

Em seu recente livro “Deadly Spin: An Insurance Company Insider Speaks Out on How Corporate PR is Killing Health Care and Deceiving Americans” (Giro mortal: um informante explica como as relações públicas das empresas de seguros estão acabando com o sistema se saúde e enganando os estadunidenses) Potter escreve que se encontrou “com um filme muito comovedor e eficaz na hora de condenar as práticas das empresas privadas de seguros de saúde. Várias vezes tive que fazer um esforço para conter as lágrimas. Moore conseguiu entender bem qual é o problema”.

A indústria de seguros anunciou que sua campanha contra “Sicko” havia sido um rotundo sucesso. Potter escreveu: “AHIP e APCO Worldwide conseguiram introduzir seus argumentos na maioria dos artigos sobre o documentário quando nenhum jornalista havia investigado o suficiente para descobrir que as empresas tinham fornecido a maior quantidade de dinheiro para a criação da Health Care America. De fato, todos, desde a cadeia de notícias CNN até o jornal USA Today, referiram-se a Health Care America como se fosse um grupo legítimo.

O jornal New York Times publicou um artigo, uma espécie de resenha de “Sicko”, na qual citava o porta voz da Health Care America dizendo que isso representava um passo na direção do socialismo. Nem esse jornalista, nem nenhum outro que tenha visto, tentaram tornar público que, de fato, este movimento estava financiado em grande medida pelas empresas de seguro da saúde.

Moore disse que Potter era o “Daniel Ellsberg dos Estados Unidos corporativo”, uma referência ao famoso informante do Pentágono cujas revelações ajudaram a por fim à guerra do Vietnã. A corajosa postura de Potter gerou um impacto no debate, mas a indústria dos planos de saúde, os hospitais e a Associação Médica Estadunidense continua debilitando os elementos do plano que ameaça os seus lucros.

Um estudo recente da Faculdade de Medicina de Harvard indicou que quase 45 mil estadunidenses morrem anualmente (um a cada doze minutos) principalmente porque não têm seguro de saúde. Mas para o grupo de pressão das empresas, a única tragédia seria a possibilidade de uma verdadeira reforma do sistema de saúde. Em 2009, as maiores empresas do setor destinaram mais de 86 milhões de dólares à Câmara de Comércio dos Estados Unidos para que esta se opusesse à reforma do sistema de saúde. Este ano, as cinco maiores seguradoras do país aportaram uma soma de dinheiro três vezes maior tanto para candidatos republicanos como para democratas com a intenção de fazer retroceder ainda mais a reforma da saúde. O representante democrata por Nova York, defensor do sistema de saúde público, declarou no Congresso que “o Partido Republicano é uma subsidiária que pertence por completo à indústria de seguros”.

“Provavelmente estarão a favor da retórica das empresas privadas quando afirmam que necessitamos ter mais ‘soluções baseadas no mercado’ (como eles dizem) e menos regulações, que, sem dúvida, são o tipo de coisa que os republicanos vão tratar de conseguir porque regulação é o que essas empresas não querem”, disse Potter.

A indústria de seguros da saúde não está desperdiçando seu dinheiro. Moore disse: “Neste informe estratégico compilado pelas empresas acerca do dano que “Sicko” poderia ocasionar, há uma linha que basicamente diz que no pior dos casos o filme poderia desencadear um levante populista contra as companhias. Essas empresas, em 2006 e 2007, já sabiam que os estadunidenses estavam fartos das empresas de seguros com fins lucrativos e que um dia o povo poderia se levantar e dizer ‘isto terminou’. Este é um sistema enfermo: permitimos que as empresas lucrem a nossa custa quando ficamos doentes!”

Isso é estar doente de verdade.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Original em  Carta Maior

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Incógnitas Russas

Luís Carapinha
Até onde poderão ir as cadencias da Rússia é a questão que se coloca nesta trama que passará nos próximos dias por Lisboa. A sua resposta não será fator despiciendo para os destinos do processo de arrumação de forças global, marcado pelo declínio dos EUA. Porém, a última palavra cabe ao povo russo.”

Mais de 50 mil manifestantes saíram às ruas de Moscou no domingo para saudar o 93.º aniversário da Revolução de Outubro, naquela que o PCFR considerou uma das jornadas mais participadas dos últimos anos.

Na véspera, o presidente Medvedev anunciara o veto da lei aprovada pela Duma que restringia ainda mais o direito de manifestação no país. Na verdade, na Rússia capitalista, mesmo sem a lei aprovada, são cada vez maiores os obstáculos ao direito de reunião e manifestação política. Organizar, legalmente, uma greve é tarefa quase impraticável face ao rol de procedimentos burocráticos previsto, o que se traduz no aumento da repressão sobre o movimento e dirigentes sindicais que se recusam a pactuar com o Kremlin.

A crescente repressão das autoridades nas ruas está longe de se circunscrever aos movimentos liberais associados à cultivada figura de Kasparov, cuja agenda em torno da democracia & CIA goza de lugar cativo na folclórica projeção mediática dominante. Fora do seu foco ficam normalmente todos aqueles que, não abdicando de denunciar a corrupção e os mais variados atropelos aos direitos humanos, os inserem nas reivindicações de ordem econômica e social e na luta por outro rumo, afrontando a questão nuclear de classe do regime e da exploração capitalista na Rússia.

Com as eleições legislativas de 2011 e presidenciais de 2012 no horizonte, o aumento da incerteza na política russa é inseparável dos efeitos agudos da crise econômica.

Ainda não refeita da devastação causada pela desagregação da União Soviética, a Rússia sofreu em 2009 uma contração do PIB da ordem dos oito por cento. Não estancou a hemorragia da fuga de capitais que bateu níveis recorde nos anos 90. O governo russo veio recentemente anunciar um super-programa de privatizações para os próximos cinco anos, que inclui sectores estratégicos como a banca e o petróleo. É oportuno lembrar que, segundo dados divulgados na Rússia, só entre 1992-94 foram privatizadas 88 mil empresas russas, mais de 77 mil das quais por um preço médio de 12 mil dólares! A gigante Gazprom foi vendida por apenas 250 milhões de dólares, mas já em 1997 a sua cotação no mercado bolsista russo era superior a 40 mil milhões de dólares.

No rescaldo da onda de saque e ruína que marcou a período de Ieltsin, o capitalismo russo viu-se obrigado a erguer as bandeiras do «interesse nacional» e a retomar a posição majoritária na Gazprom e a favorecer a reconstituição de holdings estatais. Orientação que foi sempre mal suportada pelo «partido de Washington» alojado nos corredores do poder bicéfalo em Moscou, para quem limitar o investimento estatal é eterna prioridade.

A política russa baila ao ritmo compassado do canto da sereia do reset com os EUA, proclamado por Obama e Medvedev. Para o imperialismo é tempo de acenar com a cenoura de um falso apaziguamento das ameaças estratégicas montadas à Rússia fora e dentro das suas fronteiras (a desestabilização recorrente do Cáucaso, a que assistem também razões intrínsecas ao capitalismo russo, deve lembrá-lo). Os EUA prometem «ajudar» na adesão à OMC. A Alemanha convida a Rússia a juntar-se a um eventual projeto anti-míssil «conjunto» com a NATO e Rasmussen adoça o ar sovina para falar «seriamente» de uma parceria estratégica com a Rússia. Ganha cobro a campanha que defende a adesão da Rússia à NATO, que um relatório do influente IISS vem também agora sugerir.

Moscou parece responder com cadencias de monta no Afeganistão e Irão, ao mesmo tempo em que reforça o relacionamento crucial com Pequim e Medvedev visita as ilhas Curilhas numa altura em que os EUA pressionam a China no dossiê territorial, ao lado das pretensões do Japão.

Até onde poderão ir as cadencias da Rússia é a questão que se coloca nesta trama que passará nos próximos dias por Lisboa. A sua resposta não será fator despiciendo para os destinos do processo de arrumação de forças global, marcado pelo declínio dos EUA.

Porém, a última palavra cabe ao povo russo.

* Analista de política internacional

Este texto foi publicado no Avante nº 1.928 de 11 de Novembro de 2010.

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domingo, 14 de novembro de 2010

"UM FEROZ PRECONCEITO CONTRA A CIDADANIA DOS MISERÁVEIS"

Saul Leblon
 
O Brasil elegeu, por dois mandatos, um ex-metalúrgico como presidente da República. Agora elege uma mulher. Ambos de centro-esquerda. Para quem assistiu de fora a eleição de Dilma Rousseff e os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode parecer que o país avança celeremente para uma civilizada socialdemocracia e busca com ardor o Estado de bem-estar social. Para quem assistiu de dentro, todavia, é impossível deixar de registrar a feroz resistência conservadora à ascensão de uma imensa massa de miseráveis à cidadania.

Ocorre hoje um grande descompasso entre classes em movimento e as que mantêm o status quo; e, em consequência de uma realidade anterior, onde a concentração de renda pessoal se refletia em forte concentração da renda federativa, há também um descompasso entre regiões em movimento, tiradas da miséria junto com a massa de beneficiados pelo Bolsa Família ou por outros programas sociais com efeito de distribuição de renda, e outras que pretendem manter a hegemonia. A redução da desigualdade tem trazido à tona os piores preconceitos das classes médias tradicionais e das elites do país não apenas em relação às pessoas que ascendem da mais baixa escala da pirâmide social, mas preconceitos que transbordam para as regiões que, tradicionalmente miseráveis, hoje crescem a taxas chinesas.

A onda de preconceito contra os nordestinos, por exemplo, é semelhante ao preconceito em estado puro jogado pelos setores tradicionais no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na própria eleita, Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral. É a expressão do temor de que os "de baixo", embora ainda em condições inferiores às das classes tradicionais, possam ameaçar uma estabilidade que não apenas é econômica, mas que no imaginário social é também de poder e status.

São Paulo foi a expressão mais acabada da polarização eleitoral entre pobres de um lado, e classe média e ricos de outro. Os primeiros aderiram a Dilma; os últimos, mesmo uma parcela de classe média paulista que foi PT na origem, reforçaram José Serra (PSDB). A partir de agora, pode também polarizar a mudança política que fatalmente será descortinada, à medida que avança o processo de distribuição regional de renda e de aumento do poder aquisitivo das classes mais pobres. A hegemonia política paulista está em questão desde as eleições de 2006 - e Lula foi poupado do desgaste de ter origem política em São Paulo porque era também destinatário do preconceito de ter nascido no Nordeste; e, principalmente, porque foi o responsável pela desconcentração regional de renda.

Com a expansão do eleitorado petista no Norte e no Nordeste do país, houve uma natural perda de força dos petistas paulistas, diante do PT nacional. Do ponto de vista regional, o voto está procedendo a mudanças na formação histórica do PT, em que São Paulo era o centro do poder político do partido. Isso não apenas pelo que ganha no Nordeste, mas pelo que não ganha em São Paulo: o partido estadual tem dificuldade de romper o bloqueio tucano e também de atrair de novos quadros, que possam vencer a resistência do eleitorado paulista ao petismo.

No caso do PSDB, todavia, a quebra da hegemonia paulista será mais complicada. Os tucanos continuam fortes no Estado, têm representação expressiva na bancada federal e há cinco eleições vencem a disputa pelo governo do Estado. No resto no do país, têm perdido espaço. Parte do PSDB concorda com o diagnóstico de que a excessiva paulistização do partido, se consolida seu poder no Estado mais rico da Federação, tem sido um dos responsáveis pelo seu encolhimento no resto do Brasil. Mas é difícil colocar essa disputa interna no nível da racionalidade, até porque o partido nacional não pode abrir mão do trunfo de estar estabelecido em território paulista; e, de outro lado, o partido de Serra tem uma grande dificuldade de debate interno - como disse o governador Alberto Goldman em entrevista ao Valor, é um partido com cabeça e sem corpo, isto é, tem mais caciques do que base. Não há experiência anterior de agregação de todos os setores do partido para discutir uma "refundação" e diretrizes que permitam sair do enclave paulista. Não há experiência de debate programático. E aí o presidente Fernando Henrique Cardoso tem toda razão: o PSDB assumiu substância ideológica apenas ao longo de seu governo. É essa a história do PSDB. A política de abertura do país à globalização, a privatização de estatais e a redução do Estado foram princípios que se incorporaram ao partido conforme foram sendo assumidos como políticas de Estado pelo governo tucano.

Todos os partidos, sem exceção, estão diante de um quadro de profundas mudanças no país e terão que se adaptar a isso. Fora a mobilidade social e regional que ocorreu no período, houve nas últimas décadas um grande avanço de escolaridade. A isso, os programas de transferência de renda agregaram consciência de direitos de cidadania. O país é outro. Não se ganha mais eleição com preconceito - até porque o voto do alvo do preconceito tem o mesmo valor que o voto da velha elite. Se os grandes partidos não se assumirem ideologicamente, outros, menores, tomarão o seu espaço.
 
Original em Carta Maior 

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

DEU NO JORNAL

Lucro da Vale sobe 253,4% no trimestre, para R$ 10,554 bilhões... A Vale foi privatizada em 1997 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, padrinho político de José Serra, por R$ 3,3 bilhões...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Salário Mínimo de R$600: O engodo de José Serra

Paulo Daniel (*)
A política de Salário Mínimo constitui a base de um processo mais amplo e extremamente complexo de redistribuição de renda, portanto, não se trata apenas e tão somente da simples elevação do valor nominal
O salário mínimo surgiu no Brasil em 1940 dentro do conjunto de regras de política social que constitui a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no período Vargas, com o objetivo de realizar a justiça distributiva pela via do mercado de trabalho.

De seu surgimento, até os dias de hoje, a política do Salário Mínimo foi centrada basicamente de duas maneiras; a primeira durou até 1964. Até o golpe militar, o salário mínimo era o elemento central na constituição da sociedade salarial no Brasil e um parâmetro de homogeneização salarial. Seu valor era definido por comissões tripartites (empresários, trabalhadores e governo), de uma maneira participativa.

Depois de 1964, ele deixou de ser o elemento central da construção de uma sociedade salarial, perdeu sua relação com o custo de vida, com a sobrevivência, e deixou de haver vínculo entre o seu reajuste e a inflação passada. Virou um instrumento para enfrentar a inflação e para o ajuste das finanças públicas.

No governo Lula, particularmente a partir do final de 2004, foi criado um Conselho Nacional quadripartite, que visa discutir e formular uma política nacional de valorização do Salário Mínimo.

Nas eleições deste ano, o candidato do PSDB, José Serra, fez uma promessa: Salário Mínimo de R$600,00 já em 2011. Em um primeiro momento, pode parecer um compromisso interessante e importante com a classe que vive do trabalho, entretanto, sutilmente está embutido um engodo.

Ao adotar esse discurso, Serra pretende dialogar com aproximadamente 23 milhões de pessoas que estão ocupadas e recebem uma remuneração de até 1 Salário Mínimo, tratam-se em sua maioria de empregados por conta própria, empregados sem carteira assinada e do serviço doméstico.

Ao aventar um aumento para o Salário Mínimo, os conservadores diriam que qualquer aumento real, implicaria em um impacto muito forte e destruidor nas contas públicas brasileiras.

Esse argumento foi demonstrado na prática que é falacioso, haja vista, o aumento real em torno de 65% – depende do índice de inflação utilizado – concedido ao Salário Mínimo nos quase oito anos de governo Lula. Em nenhum momento as contas públicas foram afetadas, uma vez que, manteve-se o superavit fiscal e muito menos a Previdência Social e os municípios mais pobres sofreram com tal aumento.

Entretanto, onde está o engodo de José Serra? Primeiro; ao afirmar que somente em 2011 dará aumento ao Salário Mínimo. E os outros anos?

Segundo; e o mais importante, não existe concretamente uma política nacional de valorização do Salário Mínimo, isso em momento nenhum foi dito ou declarado.

A política de Salário Mínimo constitui a base de um processo mais amplo e extremamente complexo de redistribuição de renda, que envolve desde a coordenação de políticas públicas atinentes aos ocupados de salário de base até a realização de reformas sociais em planos distintos, capazes de desbloquear o conjunto de resistências contra a elevação do valor real do mínimo oficial.

Portanto, não se trata apenas e tão somente da simples elevação do valor nominal do Salário Mínimo, mas, sobretudo, da coordenação de distintas áreas de políticas públicas que, em formas e prazos diferentes, constituem as garantias de evolução real efetiva e progressiva da renda dos trabalhadores de salário de base no Brasil, ou seja, requer o estabelecimento de um conjunto de diretrizes de políticas públicas que apontam para a redefinição de uma nova estratégia de desenvolvimento socioeconômico para o país.

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Economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do Blog Além de economia.

Fonte: revista CartaCapital
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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Marx e a fábula do lacrau


Aurélio Santos
 
Conta uma velha fábula que o lacrau pediu à rã para o ajudar a atravessar um rio. A meio da cor­rente cravou-lhe no dorso o seu ferrão, dizendo enquanto ambos se afogavam: «Que queres? Eu não posso fugir à minha natureza».

O capitalismo, instalado nas costas do mundo, está fazendo como o lacrau da fábula: Que querem? Ele não pode fugir à sua natureza...

Marx e Engels, no seu «Manifesto do Partido Comunista», essa obra que marcou a nossa época, já apontavam a natureza maléfica do capitalismo:

A burguesia – dizia o Manifesto – «é incapaz de assegurar ao seu escravo (o assalariado) a própria existência no quadro da escravidão, porque é obrigada a deixá-lo afundar-se numa situação em que tem de ser ela a alimentá-lo em vez de ser alimentada por ele». A sua dominação – concluía – «já não é compatível com a sociedade».

Basta um mergulho na história do capitalismo para lhe sentir a natureza exploradora, farejadora de lucros, com o internacionalis­mo latente, permanente e determinado de ladrão profissional.

O capital não possui qualquer ideal que vise o bem estar da sociedade. Nos dias de hoje, como se está vendo, a sua principal produção é a pobreza.

Desde o século XVI ele é o grande roubador da riqueza feita de atividade humana. Roubando trabalho e idéias, que também são trabalho. Faz promessas eufóricas a quem aceite obedientemente a sua natureza: explorar para uns quantos privile­giados; ser explorado para a esmagadora maioria produtora do trabalho real que faz mover o mundo.

Obviamente, o capital concentra no socialismo o alvo preferencial da sua raiva, promovendo com ódio campanhas anticomunistas, que pretende utilizar como vacina pelo terror, caluniando-o como idéia utópica de sonhadores loucos, levada à prática por ditadores cruéis. Campanha que abocanhou raivosamente a experiência breve de construção do socialis­mo em menos de um século, enquanto o capitalis­mo, após quatro séculos de dominação arras­ta o mundo para o seu afogamento: que querem, ele não pode fugir à sua natureza...

Que o nosso mundo não se resigne a ser a rã transportando docilmente no seu dorso o lacrau capitalista.

Original em Avante!
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domingo, 22 de agosto de 2010

O capitalismo traz a guerra como a nuvem traz a tempestade

A notícia surgiu com a marca de grande acontecimento. O  crescimento do PIB da Alemanha no segundo trimestre de 2,2% terá sido «o maior desde a reunificação». Houve jornais que titularam: «a locomotiva alemã a todo o vapor».É óbvio que os poderosos grupos econômicos alemães e o potencial exportador da Alemanha lucraram com a desvalorização do euro e as imposições imperialistas às economias mais débeis como Portugal.
Albano Nunes

Mas é duvidoso que se trate de uma tendência duradoura. É aliás significativo o modo como os tecnocratas da UE estão a lidar com a notícia: ao mesmo tempo que alimentam expectativas de recuperação para breve, falam de «incerteza» e «fragilidade» advertindo que as «reformas estruturais» e as políticas de «austeridade» têm de continuar.

Perante as ações de massas convocadas para o Outono por toda a Europa procuram assim desmobilizar e diminuir o alcance da luta, anunciando desde já ser impossível atender as reivindicações dos trabalhadores pois isso comprometeria a recuperação. Em qualquer caso de que «recuperação» falam? Da sua, de novos patamares de concentração do capital e de exploração dos trabalhadores e dos povos.

A solução de problemas tão graves como o desemprego, o trabalho precário e sem direitos ou o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, estão ausentes desta sua «recuperação».

Entretanto se é verdade que, mesmo segundo os critérios da economia política burguesa, a evolução da crise econômica está carregada de incertezas, noutras vertentes da dinâmica do capitalismo as tendências são infelizmente bem nítidas: corrida aos armamentos, alastramento de focos de tensão e de guerra, ataques cada vez mais graves a direitos e liberdades fundamentais, avanço de forças racistas e fascizantes. Quando depois das solenes promessas de Obama, o campo de concentração de Guantánamo continua por encerrar e os «tribunais» militares criados por Bush continuam a funcionar; quando na composição da comissão de inquérito criada pela ONU ao sangrento ataque israelita de 31 de Maio à flotilha de solidariedade com Gaza, pontifica o ex-presidente fascista da Colômbia Álvaro Uribe; quando em França se desenvolvem a partir do poder medidas racistas e xenófobas que levam o Le Monde a titular a toda a largura da primeira página que «M. Sarkozy quer endurecer a repressão contra os delinqüentes de origem estrangeira» ou que «a extrema direita quer recolher o que M. Sarkozy semeia»; quando um governo japonês assinala o 65.º aniversário do holocausto nuclear de Hiroshima e Nagasaki, pela primeira vez, na companhia de representantes da potência agressora e declara o apoio do Japão à política de «dissuasão nuclear» dos EUA, precisamente quando os EUA e a Coréia do Sul realizam nas fronteiras da RPDC gigantescas manobras militares simulando provocatoriamente a invasão deste país soberano; quando tudo isto e muito mais acontece como se da coisa mais natural do mundo se tratasse, temos de preparar-nos para o pior e desenvolver esforços redobrados para mobilizar os trabalhadores, a juventude, as massas contra o imperialismo e a reação, por alternativas de soberania, progresso, cooperação e paz.

E fazê-lo sabendo que «o capitalismo traz a guerra como a nuvem traz a tempestade» e que, enquanto subsistir a exploração do homem pelo homem, não estarão liquidadas as raízes da opressão e da guerra. Mas também com a mobilizadora certeza, apoiada na experiência histórica, de que, se unidas e mobilizadas, as forças do progresso social e da paz podem travar o caminho à reação e aos mais perigosos desígnios do imperialismo. É com esta perspectiva que o PCP chama a intensificar a solidariedade internacionalista com os povos que estão na primeira linha da resistência ao imperialismo e a transformar a campanha unitária «Paz Sim, NATO Não» numa grande campanha política de massas.

Fonte: Jornal Avante!

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domingo, 1 de agosto de 2010

As preocupações do Senhor Bispo…

Anabela Fino*

Dizer uma coisa e o seu contrário e apresentar a contradição como um mérito da coerência é o maior e o único milagre contínuo em dois mil anos da Igreja Católica: “num parágrafo alimenta-se a sede de justiça dos oprimidos, noutro cuida-se dos interesses dos opressores. Porque isto de pactos entre patrões e sindicatos, exploradores e explorados, direita e esquerda, algozes e vítimas não passa de poeira para os olhos destinada a prevenir o que de fato assusta a Igreja, ou seja o reconhecimento de que «situações extremas de pobreza e de fome podem conduzir à revolta e à violência, numa sociedade de desigualdades»”.

(…) «Basta de gente que ganha num dia aquilo que outros ganham num ano. Tem que haver alguém que ponha cobro a isto e que tenha coragem.» (…) «O investimento deve ser feito em bens verdadeiramente úteis e não em realidades virtuais, que estiveram na base da crise financeira mundial.» (…) «É preciso ultrapassar o capitalismo neoliberal, pois a crise é também uma crise de valores.»

As palavras são do bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo, que a semana passada desafiou os políticos portugueses a abdicar de 20 por cento dos seus salários em benefício de um fundo social. A proposta surgiu no seguimento da reunião extraordinária do Conselho Consultivo da Pastoral Social que pediu «mais responsabilidade social e política perante a crise» e «soluções corajosas» para a ultrapassar.

Mesmo considerando, numa leitura mais fina, que o bispo poderia ter ido muito mais longe – e logo aproximar-se muito mais da verdade – se tivesse dito, por exemplo, que «basta de gente que ganha num dia aquilo que muitos e muitos outros Não ganham numa vida inteira de trabalho», há que reconhecer que não é difícil – diria mesmo que é bastante fácil – comungar das opiniões reproduzidas acima. O que é difícil, isso sim, é conjugar estas palavras com o resto do discurso do eclesiástico que atualmente tutela a acção social da Igreja e, sobretudo, conciliá-las com a prática da Igreja católica.

Com efeito, na mesma entrevista em que reconheceu a escandalosa injustiça da repartição da riqueza e invectivou os gestores que ganham ordenados «obscenos» – palavras suas – o bispo Carlos Azevedo também disse que «a crise é tão grave que não poderemos superá-la uns contra os outros: empresários contra sindicatos, sindicatos contra patrões, Governo contra Oposição e Oposição contra Governo.» A solução? Um «pacto social sustentado e justo» entre cidadãos, partidos, sindicatos e empresários. Houve quem, como Mário Soares, se confessasse «impressionado» pela «lucidez e coragem» de D. Carlos Azevedo e, sem rebuços, «aplaudisse». Outros, menos exuberantes, foram dizendo «nim», que isso de fazer caridade pode ser muito católico mas 20 por cento sempre é 20 por cento, mas lá que um pacto dava jeito, isso dava…

Pois é, milênios de vida têm essa vantagem: num parágrafo alimenta-se a sede de justiça dos oprimidos, noutro cuida-se dos interesses dos opressores. Porque isto de pactos entre patrões e sindicatos, exploradores e explorados, direita e esquerda, algozes e vítimas não passa de poeira para os olhos destinada a prevenir o que de fato assusta a Igreja, ou seja o reconhecimento de que «situações extremas de pobreza e de fome podem conduzir à revolta e à violência, numa sociedade de desigualdades», como bem alertou o bispo.

Para a Igreja, o que está em causa não é acabar com a exploração, é torná-la suportável; não é acabar com a miséria, é mantê-la controlada; não é pugnar pela justiça social, é criar mecanismos de escape para aliviar a pressão. Daí a proposta dos 20 por cento, que afinal mais não é do que a reafirmação do princípio de que sempre haverá ricos e pobres ou, dito de outro modo, uma sociedade de classes em que uns vendem a força de trabalho ou estendem a mão à caridade, e outros se apropriam do lucro.

De fato, já basta! Mas esta realidade só a luta a pode alterar.

* Jornalista

Publicado em O Diário

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