Além do Cidadão Kane

domingo, 12 de setembro de 2010

Um purgante mental chamado Danuza Leão

Osvaldo Bertolino

No difícil exercício de ler os jornais de nariz tapado, tive a infelicidade de deparar com um terrível purgante mental — a coluna de Danuza Leão na Folha de S. Paulo deste domingo (12). A peçonhenta “socialite” e conhecida sargentão da mídia se dedica a uma baixaria talvez inédita em seus escritos. Barraqueira, ela agride o presidente Luis Inácio Lula da Silva de forma vil, canalha. Sobra, evidentemente, para outros integrantes do campo governista, principalmente dona Marisa e Marta Suplicy — uma mostra de que Danuza Leão é, além de tudo, invejosa e rancorosa. A essência do texto é a lamúria sobre o desastre eleitoral da direita (transcrevo a íntegra abaixo).

O choro é livre. Como disse certa vez o escritor Moacyr Scliar, chorar não custa nada. Para chorar, não é preciso pagar juros nem impostos. Simplesmente damos vazão às emoções, liberando a torrente de pranto que está contida em cada um de nós. Chorar faz bem, alivia. A Folha de S. Paulo, assim como a mídia em geral, parece ter se dado conta de que a overdose de denúncias, acusações e condenações sumárias já não cola mais. O leitor, ou telespectador, ou ouvinte — sempre a grande vítima — percebe que se vê às voltas com um retrato desfigurado da realidade. É mais lógico, para a mídia, então vergastar o governo com sarcasmo e opiniões corrosivas.

Existem, a rigor, dois tipos de jornalismo. Um é o jornalismo de persuasão, feito à base de idéias. O outro é o jornalismo de insultos, feito à base de gritaria e denúncias vazias. É o confronto do raciocínio com o berro. O mérito maior do primeiro tipo é o de levar as pessoas a refletir, reexaminar certas questões. Já o segundo tipo é uma contribuição vital para fixar nos corações e mentes tolices e malignidades. A mídia brasileira pratica um emblemático modelo desse segundo tipo jornalismo.

Essas cassandras (pessoas que predizem com insistência desgraças ou situações indesejáveis) estão articuladas com o braço político da direita, numa espécie de conspiração para ir criando embriões de crises políticas futuras. É uma conduta de caráter golpista, por não aceitarem os resultados das eleições. É por isso, e por nenhuma outra razão, que a mídia mostra um noticiário e opiniões tão negativos em relação ao governo.

Dois tipos de país

Para a mídia, não houve, na realidade, melhorias no país. Tudo é fruto de uma ilusão construída pela “militância petista”. A direita aproveita eventuais equívocos ou desvios isolados de um ou outro agente do governo, perfeitamente compreensíveis, para criar a impressão de que existe corrupção, desordem e incompetência na administração do presidente Lula. “A grande mídia foi montando primeiro um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado”, afirma a filósofa Marilena Chauí. O êxito do governo que todo o mundo vê com os próprios olhos não existe, segundo nos garante gente tão desclassificada como Danuza Leão.

A mídia se declara aberta à participação de todos os cansados com o sucesso da política de governar para o povo, reduzindo as desigualdades sociais, combatendo a corrupção e alargando a democracia. Um governo voltado ao combate à corrupção extrema na vida pública, às injustiças econômicas, às restrições à democracia, à impunidade e tudo o mais que, como se atribuía em outros tempos à saúva, estavam acabando no Brasil, bate de frente com a direita e a sua mídia. Formalmente, temos uma democracia robusta. A questão é que o conceito de democracia baseia-se, em poucas palavras, na aceitação das regras do jogo tidas como razoáveis para todos. É aí que a roda pega.

Quem acompanha o mundo político, mesmo que à distância, vê diuturnamente que nesse espetáculo circense da mídia os atores têm papéis bem definidos. Desde o início da “era Lula”, há basicamente dois tipos de país: aquele que entrou de cabeça na denunciamania e aquele que não o fez. No primeiro time, estão quase todos os pregoeiros do projeto político da direita. No segundo, estão aqueles que querem que o Brasil mude efetivamente de rumo. E o jogo virou de forma inequívoca a favor do segundo time, isolando em seu mundo de mesquinharia e perversidade a direita e seu projeto do século XIX.

Costa e Silva

No topo da nossa pirâmide social as castas ainda são poderosas. E elas são definidas não apenas pela doutrina hierárquica, mas também por parâmetros tão frívolos quanto a antiguidade da família em determinada região ou até mesmo pela profissão que exerceram antepassados. A estridência de Danuza Leão não consegue ocultar um fato: esses pilares conservadores que no passado exerceram grande influência, hoje mobilizam no máximo algumas dezenas de raivosos na mídia e alguns gatos pingados nas ruas de algumas cidades. O que está em discussão, mais do que as estúpidas teses danuzistas, tão reveladoras da alma da direita, é a dimensão das mudanças no país.

Os prognósticos mais tenebrosos continuam sendo atirados ao público de todas as formas possíveis — pela televisão, pelas rádios, pelos jornais, pelas revistas, pela Internet. (Quem haverá, por exemplo, de esquecer as expressões faciais de pânico indignado de William Wack no Jornal da Globo?) Pode-se até concordar quando a mídia diz que o governo é contra ela. Mas onde está escrito que deveria ser a favor ou neutro? Na sua visão, o governo não teria o direito de ser contra ela porque foi eleita por algo sobrenatural para ser a guardiã da moralidade pública. Pessoas que se opõem à mídia, portanto, estariam, por essa maneira de ver as coisas, cometendo um pecado mortal, afrontando a “democracia” e a “liberdade de expressão”.

A posição oficial midiática na verdade comprova sua alergia à liberdade de expressão — valor que tolera, embora sob ataques, por não ter força para suprimir. Que tipo de governo essa mídia gostaria de ter no Brasil? Uma história atribuída ao ex-presidente Costa e Silva talvez forneça pistas. Diante da irritação do marechal com algo que acabara de ler (antes de baixar o Ato Institucional nº 5), um de seus assessores lhe sugeriu que não ficasse aborrecido. “É uma crítica construtiva, presidente”, disse o assessor. “Mas eu não quero crítica construtiva”, respondeu Costa e Silva. “Eu quero elogio.” O ditador teve o mérito de ter sido mais claro e objetivo do que Danuza Leão.

Original em O Outro Lado da Notícia
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