Além do Cidadão Kane

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Mais de 70% da riqueza da Rússia pertence a 0,2% de famílias

Em 2011 cerca de 70% da riqueza nacional da Rússia se concentra nas mãos de 0,2% das famílias existentes no país, declarou nesta quarta-feira o vice-presidente do Tribunal de Contas do país, Valiéri Goriegliad.

"Reconhecemos que 0,2% das famílias da Federação Russa controla quase 70% da riqueza nacional. Essa desigualdade não pode incentivar o crescimento econômico", considera.

Goriegliad disse que vê o problema "não a partir do ponto de vista da Justiça social, mas do ponto de vista da eficiência econômica", opina.

A seu juízo, não se pode ter um modelo econômico estável quando o Estado deve manter quase solitariamente o setor social.

"Na Federação Russa, o sistema de distribuição de renda é extremamente deformado e constitui-se num fator de contenção do desenvolvimento econômico", agregou.

Por último, observou que, de nenhuma maneira, deve-se "aumentar de forma infundamentada os salários, sem o respectivo crescimento do rendimento do trabalho", acredita.

"Hoje, o salário médio na Federação Russa é de cerca de 40% a 60% do salário médio europeu. Na realidade, o rendimento do trabalho nas empresas russas não cresce tão rapidamente", disse o vice-presidente do Tribunal de Contas da Rússia.

A disparidade social na Rússia hoje é consequência direta da reinstauração do capitalismo no país, há 20 anos, em primeiro lugar sob a batuta de Mikhail Gorbachov, que desintegrou o que restava do socialismo na URSS e em seguida à completa capitulação promovida por Boris Iéltsin.

Com informações da RIA Novosti

Publicado em Vermelho
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domingo, 10 de abril de 2011

Petição pró Bradley Manning

Agora mesmo Bradley Manning, o delator do Wikileaks, está sendo torturado em uma prisão militar nos Estados Unidos. O Manning está sendo sujeitado ao isolamento absoluto, tática que pode enlouquecer a pessoa, com curtos períodos por dia onde ele é totalmente despido e abusado verbalmente pelos outros presos.

O Manning está aguardando julgamento por liberar documentos militares secretos ao Wikileaks, incluindo o vídeo dos soldados americanos massacrando civis iraquianos. Este tratamento brutal parece ser parte de uma campanha de intimidação para silenciar qualquer delator e derrubar o Wikileaks. O governo dos EUA está dividido sobre este assunto com diplomatas criticando publicamente o exército pelo tratamento do Manning, mas com o Presidente Obama ainda alheio ao caso.

O Obama se preocupa com a reputação global dos EUA -- nós precisamos mostrar para ele o que está em jogo. Vamos gerar um chamado global massivo ao governo dos EUA pedindo o fim da tortura de Manning e observação da lei. Assine a petição abaixo -- a nossa mensagem será entregue através de anúncios ousados e atos públicos em Washington DC assim que conseguirmos 250.000 assinaturas:


No papel, os EUA são contra a tortura. A constituição do país proíbe “punições cruéis e incomuns”. E junto com outras centenas de países, os EUA assinaram a convenção internacional que promete tratar todos os prisioneiros “com humanidade e respeito pela dignidade inerente da pessoa humana”. Mas hoje o Bradley Manning está completamente isolado na sua cela, sem lençóis, sem poder se exercitar e sendo sujeito à humilhação brutal que está causando danos psicológicos sérios. Isso viola a lei internacional e dos Estados Unidos.

Bradley está sendo mantido sob o status de “prevenção de danos” apesar de 16 relatos de profissionais de saúde mental do exército declararem que ele deve ser removido destas condições severas. Os seus advogados estão tentando garantir os seus direitos humanos e constitucionais básicos nos tribunais, mas por enquanto o tribunal militar responsável pelo destino do Bradley ignorou o seu sofrimento.

Desde as revelações explosivas dos crimes militares dos EUA no Afeganistão e Iraque, e outros numerosos cabos diplomáticos, houve uma perseguição ao Wikileaks. Muitos especulam que esta pressão brutal sobre o Bradley tem a intenção de forçá-lo a comprometer o fundador do Wikileaks Julian Assange. Porém, o Obama prometeu ao mundo e aos EUA que ele iria proteger e não perseguir delatores:

"Geralmente a melhor fonte de informação sobre desperdício, fraúde e abuso nos governos vem de um funcionário do governo comprometido com a integridade pública que está disposto a fazer uma denúncia. Estes atos de coragem e patriotismo, que às vezes salvam vidas e geralmente economizam verbas públicas, deverão ser incentivados e não amordaçados.”

O tratamento cruel do Bradley é o contrário, ele manda uma mensagem tenebrosa a outros que queiram expor informações importantes. Vamos agir rapidamente para colocar pressão internacional sobre os Estados Unidos, para eles honrarem o seu compromisso com os direitos humanos e a proteção de delatores, acabando com este tratamento cruel e chocante de seu próprio cidadão. Assine a petição agora:


O Bradley Manning diz que é um patriota e admite ter liberado informações que ele sentiu que o mundo tinha o direito de saber. Mesmo para as pessoas que discordam com o Wikileaks e os méritos ou deméritos daqueles que entregam informações para eles, a tortura ilegal do Bradley Manning, que ainda não foi a julgamento nem foi condenado por nenhum crime, é uma violação vergonhosa dos direitos e dignidade humana.

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O prisioneiro Bradley Manning

Ivan Lessa

Soldado americano. Pai, idem. Mãe do País de Gales. 23 anos. 1,57 de altura. Fosse na Brasil teria o apelido de "Tampinha". Mas é e foi nos Estados Unidos da América do Norte.

Vocês conhecem. Aquele do Obama no Municipal no Rio, no Iraque, no Afeganistão e na prisão de Guantánamo, que ele prometeu fechar e não fechou. Obama não é uma pessoa coerente. Obama nesses seus anos de mandato não tem uma única frase ou feito memorável. O mesmo não acontece com o soldado Bradley Manning.

Bradley Manning está preso desde maio do ano passado em condições dignas daquilo que eles mesmos, americanos, chamavam de Terceiro Mundo. Por que Bradley Manning está detido no que é chamado lá por eles de "prisão provisória"? Porque foi o homem que passou para o messiânico "demônio louro" (se não for uma contradição em termos) Julian Assange 250 mil comunicados diplomáticos contando, entre eles, com o notório, e mais que divulgado (conferir no YouTube), vídeo da - não há outra palavra - execução de oito civis iraquianos, entre os quais duas crianças, por soldados americanos sob instruções de um helicóptero. Foram-se oito iraquianos de maior idade ao todo.

A cena, com legendas, foi mostrada pela televisão britânica num documentário da televisão comercial, a ITV, preparado pelo esplêndido jornalista e escritor australiano John Pilger. A horripilante sequência abria o filme. Legendas nas cenas de "combate", para ficar bem claro. Lá estão aqueles maneirismos militares a que estamos acostumados, graças ao cinema e à televisão. Tudo em meio a muita galhofa. Roger, over, out, copy that e, na ordem vital, ou letal, a sentença vinda dos ares : "Light 'em all up. Shoot." (Mais ou menos, "Acendam eles todos. Atirem.") Atiraram. Foram acesos os iraquianos e as duas crianças.

Bradley Manning não negou ter sido a fonte do vazamento. Sofreu a tal sentença provisória que já dura bom tempo. Não sem antes o porta-voz P.J. Crowley, da secretária de Estado, Hillary Clinton, ter declarado sabiamente que Manning não fora declarado culpado de crime algum e que sua prisão era "contraprodutiva e estúpida". Crowley foi forçado a se demitir. Claro. Bradley Manning está preso em condições mais que divulgadas, todas dignas da mais cruenta das ditaduras.

Abaixo, a frio e a seco, o seu dia a dia. Sublinho que, se alguém conferir no YouTube, verá nos comentários uma vasta proporção a favor do regime de prisão imposto a Manning.

O soldado americano Bradley Manning, detido em Quantico, onde está situado também o FBI, sem julgamento ou condenação, não tem permissão para se exercitar em sua cela durante o dia. Não tem o direito à posse de coisa alguma.

É proibido de conversar com os guardas seus carcereiros. A cada cinco minutos, é obrigado a responder se se encontra bem e em forma. Se voltar a face para a parede durante o sono é prontamente acordado.

Bradley Manning, que, incrivelmente, ainda mantém um senso de humor, apontou para o fato de que ele poderia, se quisesse, se injuriar com suas cuecas, no que estas foram de imediato retiradas.

Só lhe são permitidas, por uns poucos minutos, visitas aos sábados e domingos. O resto da semana são 23 horas por dia de cela. Recebe ainda uma dose diária de antidepressivos.

O presidente Barack Obama não visitou qualquer delegacia ou prisão no Rio ou em Brasília. Sua senhora, a primeira-dama Michelle Obama, lidera uma campanha contra a obesidade entre crianças.

Publicado no Estado de São Paulo
BBC
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sábado, 9 de abril de 2011

Imperialistas semeiam novo atoleiro

O exército líbio rechaçou o avanço das forças rebeldes no território, que continua a ser fustigado pelos bombardeamentos imperialistas com um saldo de dezenas de mortos civis.


Depois de dias de avanço sobre as principais cidades da Líbia, impulsionados pelos bombardeio imperialistas, os rebeldes foram obrigados a recuar em toda a linha fruto da reação do exército regular do país.

Se nos primeiros dias da ofensiva iniciada pelos EUA, França e Grã-Bretanha, aliados às petromonarquias árabes, e, posteriormente, continuada pela NATO, a derrota das forças fiéis ao coronel Muammar Kahdafi parecia iminente, anteontem as informações divulgadas davam conta de que os insurrectos haviam sido empurrados para Leste até aos limites de Ajdabiya.

Fortes combates prosseguiam pelo controle da cidade de Misratah, cercada pelo exército líbio e onde os insurrectos permanecem apenas com o auxílio da Aliança Atlântica, que castiga as tropas de Tripoli a cada tentativa de assalto. Ras Lanuf já mudou de mãos quatro vezes desde o início do conflito e encontra-se dominada pelo exército, bem como Brega, no fecho desta edição.

O avanço do contingente leal ao governo da Líbia deve-se à indigência dos rebeldes, mas, também, ao uso por parte do exército de táticas que lhe permitem maior mobilidade, rapidez e capacidade furtiva aos intensos ataques imperialistas, técnicas ministradas em 2009 pelas forças especiais britânicas quando Kahdafi era ainda tido pelas potências capitalistas como um aliado no combate ao terrorismo.

Crimes comprovados

Entre os últimos dias de Março e os primeiros de Abril, a coligação despejou sobre a Líbia mais de 190 mísseis Tomahawk e cerca de 450 bombas lançadas por aviões, calculou a cadeia norte-americana ABC.

Entre as vítimas dos bombardeamentos estão dezenas de civis, elevando para quase uma centena e meia ao número de mortos civis na sequência das operações da NATO. Só a meio da semana passada, pelo menos 40 pessoas terão morrido em consequência dos raides sobre Tripoli, denunciou o representante do Vaticano na capital líbia, Giovanni Martinelli.

«Não me venham dizer que se bombardeia para defender a população civil. Por mais que sejam precisos os bombardeamentos contra objetivos militares, claramente envolvem também os edifícios civis circundantes. Sei que pelo menos dois hospitais sofreram danos indiretos dos bombardeamentos. Saiba-se que as ações militares estão a causar vítimas entre os mesmos civis que se quer proteger com estas ações», disse o bispo à agência católica Fides.

No mesmo sentido, informações veiculadas por agências noticiosas internacionais indicam que pelo menos sete menores e adolescentes terão morrido durante um bombardeamento em Brega, e outras 25 pessoas ficaram feridas na sequência da mesma operação.

À sanha criminosa da NATO não escapam nem os rebeldes, que sexta-feira perderam cerca de 30 dos seus homens depois de um ataque perpetrado por um avião francês, informou a Al Jazeera.

Por outro lado, avolumam-se as preocupações das autoridades líbias quanto às consequências dos ataques imperialistas, já que, por exemplo, a destruição do aqueduto no eixo Bengazi-Sirte colocaria em causa o abastecimento de água potável a cerca de 70 por cento dos líbios, somando dificuldades nos aglomerados populacionais onde já se registam carências de todo o gênero.

Entretanto, dois professores e investigadores que se opõem à agressão à Líbia sustentam que as bombas contêm urânio empobrecido e exigem esclarecimentos cabais por parte da NATO, já que o uso desta substância provoca danos duradouros que fustigam em particular a população civil.

Treino, armas e comunicações

Em face da nova regressão rebelde, multiplicam-se as afirmações dos principais responsáveis imperialistas sobre a possibilidade de fornecimento de armas aos insurgentes. O mais significativo fato nesse aspecto prende-se com a revelação da Reuters, que garante que Barack Obama já terá assinado um memorando autorizando a entrega de armamento.

O assunto é polêmico e levanta reservas entre políticos e altos quadros militares norte-americanos, que, se têm certezas quanto aos chefes dos rebeldes, o mesmo não parecem poder dizer cabalmente quanto à lealdade dos combatentes.

Isso mesmo admitiu a secretária de Estado Hillary Clinton na conferência de Londres. «A oposição demonstrou um compromisso com a democracia», mas «não temos nenhuma informação específica sobre indivíduos ou organizações deste movimento», disse.

A declaração mascara em parte a realidade, dado que meios de comunicação como a Al Jazeera ou o New York Times asseguram que agentes da CIA e do MI6 já estão no terreno há muito tempo a recolher informações, a treinar e até a agilizar o comando dos rebeldes e os bombardeamentos imperialistas. Armamento está a ser enviado secretamente via Egito.

As palavras de Robert Gates, secretário da Defesa dos EUA, para quem «a oposição necessita, antes de mais, treino, comando e organização», e as do ministro dos Negócios Estrangeiros inglês, que admite o fornecimento de equipamento de comunicações, não deixam dúvidas sobre quem manda. Mas mais claras são ainda as de um combatente rebelde, que, à Reuters, admitiu que «agora temos oficiais conosco. Antes íamos sozinhos para a frente».

Para mais, é público que França, EUA e Grã-Bretanha têm delegados em Bengazi junto do chamado Conselho Nacional Líbio, prova de que depois do Iraque e do Afeganistão, os imperialistas estão cada vez mais mergulhados num novo atoleiro, munidos com um mandato da ONU, organização que, como sublinhou Miguel D'Escoto, ex-presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas e atual representante do governo líbio junto da ONU, «se converteu não apenas numa organização disfuncional e incapaz de cumprir os objectivos para os quais foi criada, mas agora numa arma mortal nas mãos dos agressores imperialistas e seus sequazes».

Original em Avante!
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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Mídia esconde revoltas em Honduras

Na quarta-feira passada, 30 de março, milhares de trabalhadores de Honduras aderiram ao “paro cívico”, convocado pela Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP).

A mídia nativa, porém, não deu destaque ao protesto ou a repressão. Desde o golpe que derrubou o presidente Manoel Zelaya, em junho de 2009, ela continua torcendo pelos golpistas, serviçais dos EUA.

Segundo Giorgio Trucchi, em artigo publicado no sítio independente da Agência Latinoamericana de Informação (Alai), a violência policial não conseguiu inibir a mobilização, “mas deixou como saldo o ataque as sedes de sindicatos e disparos que mataram um grevista no povoado de Bajo Aguán e feriram dezenas de manifestantes em todo o território”. O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Bebidas e a Universidade Autônoma de Honduras foram invadidos com brutalidade e vários grevistas foram presos.

Golpistas apoiados pelos EUA

Em Tegucigalpa, capital de Honduras, a greve paralisou o setor de transportes. “A população ocupou vários pontos da capital e promoveu manifestações nas principais artérias... Centenas de professores, que lutam para que não se privatize a educação, se concentraram em frente a Corte Suprema da Justiça, exigindo a libertação de 20 colegas acusados por ‘protestos ilícitos’”.

Diante da expressiva adesão, o golpista Porfírio Lobo esbanjou truculência. “O regime sucedâneo do golpe de Estado demonstrou novamente a sua verdadeira cara, ao reprimir pela segunda semana consecutiva o povo em resistência”, aponta Giorgio Trucchi.

Segundo Bertha Cáceres, coordenadora do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), a greve da semana passada confirma o avanço da consciência e da mobilização no país. “Hoje é maior a nossa capacidade de resposta”.

“Estamos defendendo nossos direitos, nossa territorialidade e nossas conquistas. Estamos convencidos de que esta mobilização permanente não vai parar”, garante Cáceres. Para ela, o regime autoritário de Porfírio Lobo se mantém graças ao apoio dos EUA, que segue financiando e treinando as forças repressivas do Estado e conta com tropas próprias nas bases militares em Honduras.

Original em Hora do Povo
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AS "REVOLUÇÕES" ÁRABES

Texto de A. V. Kharlámenko do Partido Comunista (bolchevique) de Toda a União sobre a ofensiva imperialista sendo preparada na Líbia para saquear seus recursos e recrudescer a onda reacionária no mundo

Chove sobre Trípoli


Realmente chove na capital da Líbia, como sempre nesta estação do ano. Ainda mais se formos acreditar nos meios massivos de comunicação mundiais e russos. Aí então teremos uma verdadeira chuva de balas e granizo de bombas. Bombas lançadas pela aeronáutica da “ditadura sangrenta" em cima do "povo insurreto". Bala que os "mercenários africanos" atiram nos "democratas pacíficos". Como é que a "comunidade internacional" pode não intervir pela salvação de tão infeliz povo? O negócio é claro: para o "ditador" - a Corte de Haia. Para os "democratas" - o poder.

Para os meios de comunicação em massa "livres" tudo é muito claro: é exatamente assim que pretendem "esclarecer" a situação em qualquer país ao qual as riquezas atraiam a atenção de seus senhores. O que é realmente estranho é a posição de muitos que se consideram de esquerda, e mesmo de alguns que se consideram revolucionários. Uns apenas calam e esperam para ver quem vai ganhar e para onde vai caminhar a situação. Outros explodem em euforias de vitória, dizendo: "os povos se levantam uns atrás dos outros - primeiro a Tunísia, Egito, Iêmen, Jordânia, Bahrein, Marrocos, Algéria, Irã e agora a Líbia! Sem tirar nem por, se trata da revolução democrática mundial! Fim a todos os ditadores! Claro, aqui o critério para "ditador" é muito mais simples do que dois mais dois são quatro - depende apenas de quantos anos o tal passou no poder, ou seja: exatamente como nos meios massivos de comunicação da burguesia. Ou ainda como disse Zhirinóvski, chamando os acontecimentos atuais de "levante contra os Brêzhnevs árabes". Para ele, o sangue nas ruas seria a evidência incontestável dos "crimes da ditadura". No entanto, a maioria dos analistas não diz uma só palavra sobre a situação real do país, sobre a essência das forças em conflito, suas relações internacionais e sobre quais as prováveis perspectivas para a região. E os que falam sobre isso certamente não extraem suas informações dos videoclipes divulgados pela grande imprensa.

Mas vejam que qualquer um que acompanhe os fatos, que se lembre da história recente e não se encontre sob a hipnose da propaganda burguesa não pode deixar de levar em conta o fato de que a Líbia se diferencia enormemente dos países realmente tomados por protestos populares.

A Líbia é muito mais rica em petróleo e gás do que seus vizinhos, e a população de seu país majoritariamente desértico é algumas vezes menor - 6 milhões.

Com os preços atuais do petróleo, os líbios, mesmo se supuséssemos uma situação similar a dos países vizinhos, viveriam em condições um tanto melhores e dificilmente teriam motivos para se lançar à morte pela "liberdade". Sob o "ditador Kaddafi" realmente se vivia melhor do que nos países vizinhos. E antes se vivia bem pior. E não apenas sob o comando dos colonizadores italianos ou dos ocupadores franco-britânicos, mas mesmo quando a primeira colônia africana adquiriu a independência, por iniciativa da URSS. Em fuga, os colonizadores deram o poder nas mãos do rei Idris, cabeça da ordem dos dervishes-sinuístas, há muito tempo governantes da parte leste do país, em Cirenaica. Claro que não incomodava nem um pouco aos ex-colonizadores o fato de que tal ordem ficara em ambas as Guerras Mundiais não do lado deles, mas sim do lado dos agentes turco-alemães. Até a chegada ao poder da "ditadura de Kaddafi" um certo "veterano da SS" ficava escondido no sul da Cirenaica, num castelo nas montanhas, como um "barão sem sua coroa", controlando com suas próprias mãos a exportação de petróleo para a Arábia Saudita (a história ainda cala sobre o que mais ele fazia). E hoje vemos por todas as telas de televisão e de computador como o "povo insurreto" levanta sobre as "cidades libertas" da Cirenaica a bandeira da monarquia derrubada há quarenta e dois anos e mostra aos telespectadores ocidentais faixas escritas em inglês: "Libertar a Líbia!" e "Petróleo para o Ocidente!"

Obviamente: sob o regime monárquico o petróleo pertencia ao Ocidente. A renda advinda de sua exportação era obtida majoritariamente pelos monopólios estrangeiros, sendo que alguma coisa ficava com a família real e a nobreza palaciana, com os compradores-burgueses e altos-funcionários e, para o povo, não sobrava absolutamente nada. Os líbios pobres morriam de tuberculose, ficavam cegos de catarata (no interior do país ela atingia a 100% dos habitantes), e o analfabetismo chegava a 87%. Com as liberdades políticas também havia confusão: partidos eram proibidos, sindicatos não tinham direito à greve. Será mesmo que o povo está se lançando assim à morte pela "Líbia perdida"?

Diferentemente da ordem burocrático-burguesa da Tunísia, do Egito e do Iêmen, ou mesmo dos semi-absolutistas Marrocos, Jordânia e Bahrein, a construção social e política da Líbia tem sua base na revolução antiimperialista e anti-monárquica de 1o de setembro de 1969, realizada pela organização dos "Oficiais unionistas-socialistas livres". Os jovens revolucionários então (Muammar Kaddafi tinha 27 anos) recusaram o caminho do capitalismo e levantaram a bandeira do "estado de bem-estar e de justiça", sob os princípios da "liberdade, do socialismo islâmico, da unidade e da justiça social". Já no primeiro ano da revolução foram nacionalizadas sem indenização as propriedades dos antigos colonizadores e as da família real, a maioria dos bancos e em seguida a maior riqueza - o petróleo e todos os recursos naturais. Naqueles tempos de igualdade de forças entre os dois sistemas mundiais, mesmo um país pequeno e atrasado podia forçar os neocolonizadores a devolverem o roubado sem que ninguém ousasse ocupar ou bombardear suas cidades, ou mesmo apenas aplicar "sanções" econômicas.

O poder revolucionário não apenas ampliou a renda conseguida pelo país do petróleo, mas também a aplicou no desenvolvimento do país e no bem-estar do povo. Sobre a base do setor estatal desenvolveu-se a industrialização do país, criaram-se refinarias de petróleo, metalúrgicas, indústrias eletrônicas e outras. Os camponeses receberam a terra, criaram-se cooperativas e plantações estatais. Sob o deserto foi colocada uma grande linha de tubos e condutores, que irrigam com água a todo o país. Os líbios pela primeira vez conseguiram saúde pública e educação gratuitas e a expectativa média de vida passou de 50 para 75 anos. O grau de alfabetização passou de 13% para 70%.

A renda média per capita na Líbia contemporânea é maior do que no Brasil. São coisas que os habitantes dos países vizinhos poderiam vislumbrar apenas nos seus mais doces sonhos. Por que é que o povo se levantaria?

Os meios de comunicação burgueses e alguns de esquerda respondem (se é que respondem): o homem não vive apenas de pão, e mesmo que na Líbia a qualidade de vida seja mediana, não existe nenhuma democracia, o que há é uma cruel ditadura familiar e a repressão à qualquer oposição. Bem, em primeiro lugar, como bem lembrou Fidel Castro alguns dias atrás, o povo não se atira na frente de balas apenas pela liberdade e pelos direitos formais. Ele se levanta quando a vida real se torna impossível e consegue a melhora das condições da vida real - fator ao qual vêm em auxílio às liberdades e à democracia.

Em segundo lugar, mesmo com a democracia a coisa é bem diferente do que representam os meios massivos burgueses e seus arautos. No começo da revolução deste país, seguindo o exemplo da República de Nasser, a Líbia foi proclamada República Árabe, tendo como organização dirigente a União Árabe Socialista. Quando no Egito o capitalismo burocrata-comprador tomou as instâncias superiores, os revolucionários líbios responderam com o desenvolvimento "incondicional da democracia". Em 1977 foi criado um novo órgão dirigente do Estado com a participação coletiva dos sindicatos e das organizações camponesas - o Congresso Geral Popular. Este órgão elegeu um dirigente - o Secretário geral. Nas localidades se instituíram as assembléias populares que formam os órgãos executivos do governo - os comitês populares. O país se proclama então Jamairia Popular Socialista da Líbia (Jamairia significa literalmente "poder das massas populares"). Kaddafi é escolhido secretário geral do Congresso, mas recusa a todos os cargos oficiais, permanecendo o "líder informal da revolução". Na condição de reserva, diz que não assume nenhum posto com o qual possa ter de entrar na reserva. Será que só resta ao povo se levantar para melhorar suas condições de vida diante de uma ditadura dessas? Mesmo olhando para o "florescimento" dos vizinhos que se encontram sob condições políticas e sociais completamente diferentes?

Mais uma diferença radical. Os regimes na maioria dos países árabes conduziram, especialmente durante a última década, uma política externa benéfica aos EUA e a seus aliados na OTAN. A Líbia, durante o primeiro ano de sua revolução conseguiu a retirada das bases militares da Grã-Bretanha e dos EUA de seu território. Já por isso Washington e Londres não gostaram de Kaddafi. Depois da nacionalização do petróleo então, ele se tornou para os imperialistas "persona non grata". Ainda mais pelo fato de que a nova Líbia se associou durante décadas com o movimento antiimperialista mundial. A Líbia desenvolveu uma relação de amizade com a URSS e com outros países socialistas. A primeira sessão do Congresso Geral Popular contou com Fidel Castro como convidado. A Jamairia conseguiu consolidar a integração política e econômica do mundo árabe e ativamente ajudava aos palestinos e aos combatentes anti-apartheid da África do Sul, aos guerrilheiros latino-americanos e à Nicarágua sandinista. Por tudo isso é que na Líbia não existe o catalisador de ódio popular que são o sentimento de humilhação nacional e o esmagamento da soberania. E por isso mesmo entre os monopólios do imperialismo e seus governos se nota um seríssimo desejo à liquidação do "regime de Kaddafi".

Não se pode, no entanto, considerar a Líbia o paraíso e seu líder o líder popular ideal. Até o boom do petróleo, a Líbia era um dos países mais atrasados da região e, até hoje, são fortes as rivalidades tribais, que não conseguiram se transformar em contradições de classe mais desenvolvidas. Daí advém a rarefação da base social da revolução, a falta de uma cultura política madura, e as concepções meio patriarcais e meio anarquistas sobre a democracia direta, à qual seria oposto o conceito de partido político como tal. Daí também a tentativa de substituir a vanguarda pela autoridade pessoal do líder e a constituição - o "Livro Verde", ideologia científica - por improvisações utópicas. Daí o compromisso com a religião ao nível da proclamação da Sharia como legislação fundamental e a adoção da bandeira verde do Islã como bandeira estatal (ainda que o regime líbio tenha sempre se posicionado contra o fundamentalismo como movimento político). A democracia revolucionária líbia ainda olhava com inimizade para o movimento comunista nos países árabes, criando obstáculos para sua criação em seu território e ajudando a sua repressão nos países vizinhos. Assim, graças a esta limitação histórica, refletida pelo atraso da sociedade líbia,a Jamairia e seu povo se viram obrigados a pagar um preço demasiado cruel com a entrada em crise dos recursos propiciados pelo socialismo real.

Nos anos 1980, Washington e seus aliados acusaram a Líbia (sem provas) de ligação com o "terrorismo internacional". Durante muitos anos impuseram-se ao país sanções econômicas cruéis e, em 1986, houve uma agressão direta dos EUA. A residência de Kaddafi foi bombardeada por mísseis e sua filha adotiva foi morta; ele mesmo escapou apenas pelo fato de que, segundo as tradições beduínas, não vivia em casa, mas numa tenda no quintal. Mas na época ainda existiam a URSS e o Pacto de Varsóvia, e o agressor teve de recuar.

Assim como aconteceu com Cuba, a Jamairia viu-se momentaneamente sob bloqueio após a destruição da URSS e do Campo Socialista. E claro, isto teve influência na vida de seu povo e em sua economia. O governo revolucionário, ao contrário daquilo que ocorreu na Ilha da Liberdade, não possuía uma envergadura de classe, e a partir dos anos 1990, teve que fazer uma série de concessões. Em 1999, depois das agressões da OTAN aos Balcãs, obviamente fugindo da mesma sorte para a Líbia, Kaddafi assumiu a culpa pela explosão de um avião na Escócia, sob acusações da justiça britânica. Aceitou entregar a esta mesma justiça dois dos acusados e levou um sério golpe em sua autoridade aos olhos de seus compatriotas, especialmente dos beduínos, que tradicionalmente consideram ações deste tipo como traição. Em 2001, após as provocações de 11 de setembro, Kaddafi, tentando mais uma vez escapar de ser colocado no mesmo saco, entra em aliança com os EUA e seus aliados na "luta contra o terrorismo internacional". As estruturas de força da Líbia começaram então a lutar junto com os colegas dos países da União Européia contra a imigração ilegal da África para a Europa. Os vizinhos nórdicos se alegraram com o fato de que a Líbia não deixava que passassem através de seu território pessoas desnecessárias, mas em momento algum deixaram de notar o quão cruel era o "ditador Kaddafi"com tais pessoas.

Em 2005, as sanções foram oficialmente removidas. A direção líbia acabou com a maioria das barreiras aos investimentos estrangeiros e realizou uma aproximação com os países capitalistas, especialmente com os da Europa Ocidental. As riquezas petrolíferas da Líbia, a grande necessidade de obras e de construção de fábricas e estradas despertaram o maior interesse dos gerentes das corporações transnacionais destas áreas e todos se puseram em fila para realizar negócios com Kaddafi. Nem Aznar, nem Blair e muito menos Berlusconi se envergonharam de manter diálogo com o "ditador". No entanto, a saída do isolamento mostrou-se uma faca de dois gumes: começou a crescer na Líbia uma camada da burguesia burocrática ligada ao capital transnacional. Tal camada, sabemos, é o berçário da corrupção e da restauração política, é a fonte da crise social e do descontentamento popular: é a base em potencial da contrarrevolução.

E mesmo com todas as mudanças de caráter econômico, a estrutura política identificada pelo líder da Revolução manteve uma forte tendência antiimperialista. Kaddafi mantinha uma crítica aguda ao imperialismo internacional, o que se pôde verificar em parte na Cúpula de Copenhague de dezembro de 2009. Conseguiu criar para os países do "terceiro mundo" um precedente importante e ao mesmo tempo completamente indesejável para as potências imperialistas - compensações da Itália pelos danos causados à Líbia nos anos em que era colônia (o então presidente do Haiti, Aristide, apresentou o mesmo tipo de reivindicações à França, que então passou a desempenhar um papel significativo na sua derrubada). Foi Kaddafi também o iniciador da reformulação da Organização da Unidade Africana numa união para a integração - a União Africana.

Nos últimos anos, o líder da Jamairia começou a diversificar as ligações da economia exterior. Rússia e China fizeram enormes investimentos na Líbia. Em outubro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi à Jamairia imediatamente depois de ter visitado a Rússia, Belarus, a Ucrânia, o Irã e a Síria. Ambos os líderes falaram publicamente sobre a luta conjunta contra o imperialismo e concordaram com um programa massivo de cooperação. Um pouco antes do "levante", o presidente da Federação Russa assinou na Itália um contrato de investimentos conjuntos na Líbia. Também o Brasil realizou projetos imensos na Líbia. A força principal, criada por iniciativa de Kaddafi, a nova União das Repúblicas Africanas entrou por esses dias para o grupo dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A Líbia havia começado a construir um sistema de relações internacionais que seria capaz de limitar seriamente a liberdade de ação da reação imperialista. E, em caso de mudanças revolucionárias no mundo árabe, capaz de disseminar o "levante de esquerda" para além das fronteiras da América Latina.

E eis que aparece o contra-golpe. Exatamente no momento em que começam as revoluções egípcia e tunisiana. Exatamente quando a bandeira do protesto popular se aproxima da principal bacia petrolífera da região - a Arábia Saudita. Exatamente quando os palestinos conseguem o reconhecimento diplomático de por muitos países, em sua maioria latino-americanos. Quando os Estados Unidos são obrigados a lançarem sozinhos o veto na resolução da ONU que condena a construção de assentamentos israelenses em terras palestinas, aprovada por mais de 100 países. Quando o maior país da União Africana, o Sudão foi levado à divisão em dois Estados, quando o país mais populoso da África, a Nigéria, se aproxima de suas eleições presidenciais. A pergunta dos juristas romanos "Quo bono?" (“Quem se beneficia?”) se faz, diante de tal situação, meramente retórica.

O desenvolvimento da tragédia na Líbia se diferencia bastante dos acontecimentos nos países vizinhos. Na Tunísia e no Egito, assim como em outros países, houve muitas vítimas, mas os manifestantes continuaram os protestos pacíficos, ocupando as praças centrais das capitais e se relacionando com a sociedade nacional e internacional. Na Líbia, se formos acreditar no "ódio justo" dos políticos burgueses e dos meios massivos de comunicação, o regime de Kaddafi ordenou às forças de segurança e ao exército que atirassem contra os "manifestantes pacíficos", que, em resposta, pegaram em armas. Ora, se tratassem mesmo de manifestantes pacíficos tal ordem de atirar, ou mesmo de bombardear numa situação similar poderia ser fruto apenas de um louco doente ou de um provocador, cujo objetivo fosse levantar o povo contra o governo. A repentina mudança de lado do ex-ministro do interior levanta algumas suspeitas: não foi ele mesmo quem ordenou atirar - se é que atiraram mesmo - nos manifestantes? As mesmas suspeitas podem ser levantadas a respeito dos vôos sobre Malta realizados pelos pilotos da aeronáutica, como se se recusassem a bombardear as "cidades pacíficas" - não foram eles mesmos quem soltaram as primeiras bombas, numa imitação dos trânsfugas-"gusanos" ante a derrota dos contrarrevolucionários em Playa Girón? E se realmente se tivesse utilizado o bombardeio aéreo contra as cidades insurretas, como fizeram na Nicarágua em 1978-79, não chegariam os alvos nas casas dos milhares ao invés de ficar apenas nas dezenas e centenas que se contam até agora?

Acreditaremos em tal "história da carochinha"? Dificilmente manifestantes pacíficos conseguiriam tão facilmente ter acesso a armas, quanto mais tanques, e dificilmente os recrutas do exército passariam tão rápido para o seu lado - isto não aconteceu em nenhum outro dos países tomados recentemente por ondas de protesto. Antes de mais nada, estamos lidando não com manifestantes, mas sim com soldados muito bem armados e preparados, enviados pelas fronteiras abertas, assim como num motim militar igualmente bem preparado.

A quinta coluna na Líbia, especialmente em Cirenaica foi preparada não há um ou dois anos. Sua atuação foi preparada ainda em 1986, ano em que se precisou recuar pois a intervenção fracassou. No início dos recentes acontecimentos, a agência líbia comunicou a prisão de cidadãos estrangeiros que estavam no país para dirigir os atos da "oposição".

Seguem o mesmo esquema muitas contrarrevoluções e levantes, que vão da Guatemala de 1954 à Romênia de 1989, de Moscou em 1991 e 1993 à Belgrado no ano 2000, da Venezuela em 2002 à Bolívia em 2008. Mesmo nos quadros filmados pelos próprios "manifestantes" líbios se vê que estes se parecem muito mais com soldados do que com cidadãos pacíficos. O método de "soldados pela democracia" é o mesmo de Kishniev e Teerã em 2009, o mesmo do Equador em setembro e de Belarus em dezembro de 2010. Destruição e incêndio de prédios públicos, a invasão de comitês populares, de meios de comunicação e - muito sintomaticamente - de empresas chinesas. Há um terrorismo aberto: certo pregador islâmico do canal "Al-Jazeera" já conclama "cada muçulmano capaz de apertar um gatilho" a matar o líder líbio.

Quem faz os protestos pacíficos são os aliados da Jamairia. Já se viu coisa parecida durante a história do mundo árabe. Em junho de 1967, a República Árabe Unida - hoje em dia, Egito - foi submetida à agressão de Israel. A quinta coluna estava pronta para jogar o país aos pés do inimigo, se apenas conseguissem derrubar Nasser. E ele realmente renunciou. Mas o povo não aceitou a renúncia, foi às ruas e levou seu líder de volta ao poder. Os líderes da quinta coluna foram presos e começou a radicalização da revolução, interrompida apenas pela morte antecipada de Nasser sob circunstâncias duvidosas.

Depois que Kaddafi se voltou ao povo conclamando à resistência e anunciou precisamente que não deixará seu país, o apoio do povo, pelo visto, tende para seu lado. Mesmo o "New York Times" escreve que no lado oeste do país os aliados da Jamairia ganham posições. Mas o país corre o risco de uma separação nos moldes do Sudão. Oficiais e burocratas compõem o campo da "revolução" de bandeira monarquista, assim como os chefes tribais e o alto clero, os comandantes da polícia e os diplomatas de carreira. Na linha de frente, encontram-se os embaixadores em Londres (!), em Washington (!!), em Pequim (?!) e o representante da Líbia da ONU. Este último inclusive pediu que o Conselho de Segurança desta organização se pronunciasse sobre a questão líbia, dando sinal verde para a intromissão nos assuntos internos de seu próprio país.

Põe-se a nu também a "oposição" emigrante - a "Frente para a Salvação Nacional" de Londres (se alguém esqueceu, assim se chamava o grupelho que chegou ao poder na Romênia após a derrubada e o assassinato de N. Ceausescu, aliás, amigo e aliado de Kaddafi), e o "Partido do Renascimento Islâmico". E ambos imediatamente pediram aos governantes dos países da OTAN que aplicassem sanções fortes. Kaddafi avisa que ante uma ameaça de invasão serão queimados os poços de petróleo, o mesmo aviso feito pelo general Candido Aguilar no México em 1916, futuro ministro de relações exteriores, acabando com a intenção dos interventores de capturar as fontes de petróleo de seu país.

Os líderes burgueses e seus lacaios esbravejam sobre a necessidade de fechar o espaço aéreo da Líbia, para interromper a chegada de "mercenários". Dizem isso por conta própria. São eles que não possuem outras reservas além dos mercenários, acompanhados das prostitutas políticas e ordinárias de ambos os sexos. Por enquanto ainda não mostraram ao mundo nenhum dos "mercenários de Kaddafi". E é realmente um fato concreto que se possa achar gente na África ou em qualquer outro lugar que vá não por dinheiro, mas motivados por idéias, a lutar pela soberania da Líbia contra a agressão imperialista. A Jamairia ajudou em tempos difíceis, e alguns anos atrás, quando a República Democrática do Congo sofria agressões, vieram em sua ajuda soldados de alguns dos países da União Africana. Por que então agora não ajudariam ao país que iniciou o processo de descolonização e integração do continente?

O mais importante hoje é impedir a intervenção da OTAN na Líbia. O primeiro a se levantar a plenos pulmões sobre esta ameaça foi Fidel Castro. É preciso impedir a intervenção enquanto ela ainda não começou. Trata-se de uma ameaça não apenas à Líbia. Os organizadores do motim e da intervenção têm planos de controlar toda região fervilhante do mundo árabe. Conquistando o petróleo líbio depois do iraquiano, pretendem regular os preços e os consumidores, assim como a produção. Vejam que não é a imprensa marrom, mas sim o próprio ministro de relações exteriores da Grã-Bretanha que deixa escapar o medo de que Kaddafi fuja... para a Venezuela! Não se agüenta e faz uma provocação à República Bolivariana, que detém as maiores reservas de petróleo do mundo. Já mandam sua quinta coluna para as ruas de Teerã, e tentam tomar as ruas chinesas e norte-coreanas. Washington e Seul já alertam para novas manobras nos limites da RPDC.

E a Rússia não está em último lugar na fila. Não parece ser acidental que nestes dias ouvem-se explosões e tiros no Cáucaso e a secretária de Estado dos EUA pela primeira vez anuncia as pretensões do Japão sobre as Ilhas Curilas.

Um dos líderes da oposição de direita brasileira compara os acontecimentos atuais com a queda do muro de Berlim - símbolo da contrarrevolução global dos anos 1990. Trata-se realmente de uma nova tentativa de levantar mais uma onda de contrarrevolução mundial, oprimindo a toda a humanidade. Lembremos: a intervenção fascista na República Espanhola aconteceu com a participação silenciosa de todo o mundo imperialista, e precedeu a Segunda Guerra Mundial. Então, os fascistas se utilizaram de uma senha transmitida por rádio, que avisava a todos sobre o motim franquista que abriu caminho para a intervenção: "Sobre toda a Espanha o céu está sem nuvens".

A destruição da URSS foi precedida por uma operação coordenada pelo imperialismo mundial contra o governo da Unidade Popular no Chile. Há um bom filme sobre isto, que foi nomeado com a senha utilizada pelos amotinados: "Chove sobre Santiago".

Hoje a chuva cai sobre Trípoli e Benghazi. Amanhã, em algum outro lugar provavelmente teremos um dilúvio ou um massacre sangrento sob um céu sem nuvens.

Fiquemos atentos!

A. V. Kharlámenko

Publicado em Inverta

A grande manobra diversionista na Líbia

O conflito líbio deste último mês, olhado em sua totalidade – a guerra civil na Líbia, a ação militar contra Kadafi liderada pelos EUA -, não tem a ver com questões humanitárias nem tampouco com o fornecimento mundial de petróleo na atualidade. O que de fato está acontecendo é uma grande manobra diversionista, incentivada pelos sauditas, que tem como objetivo deixar na penumbra a principal batalha política que está ocorrendo na região: uma série de revoltas que afetam a Arábia Saudita, os países do Golfo e o mundo árabe em seu conjunto. O artigo é de Immanuel Wallerstein.

Immanuel Wallerstein - Znet

O conflito líbio deste último mês, olhado em sua totalidade – a guerra civil na Líbia, a ação militar contra Kadafi liderada pelos EUA -, não tem a ver com questões humanitárias nem tampouco com o fornecimento mundial de petróleo na atualidade. O que de fato está acontecendo é uma grande manobra diversionista – uma distração deliberada – que tem como objetivo deixar na penumbra a principal batalha política que está ocorrendo no mundo árabe. Há algo em torno do que tanto Kadafi como os líderes ocidentais, independentemente de sues pontos de vista políticos, estão totalmente de acordo. Todos querem desacelerar, canalizar, cooptar, limitar a segunda onda revolucionária árabe e evitar que mudem as realidades políticas fundamentais do mundo árabe e seu papel atual no teatro geopolítico do sistema-mundo.

Para ter isso claro, é preciso seguir a sequência cronológica dos acontecimentos. Ainda que os rumores políticos nos Estados árabes e as tentativas por parte de diversas forças externas de apoiar uns ou outros elementos dentro de certos Estados venham de longo tempo, o suicídio de Mohamed Bouazizi, no dia 17 de dezembro de 2010, marcou o início de um processo bem diferente.

Na minha opinião, este processo é a continuação do espírito da revolução mundial de 1968. Em 1968, do mesmo modo que vem ocorrendo no mundo árabe nestes últimos meses o grupo que teve o valor e a vontade para iniciar os protestos contra os poderes estabelecidos foi o dos jovens. Eles eram motivados por várias cosias: a arbitrariedade, a crueldade, a corrupção dos que estão no poder, sua empobrecida situação econômica e, sobretudo, a busca de seu direito moral e político de serem os atores principais de seu próprio destino cultural e político. Além disso, eles protestaram contra a estrutura geral do sistema-mundo e contra o modo pelo qual seus líderes tinham se curvado às pressões externas das grandes potências.

Estes jovens não estavam organizados, ao menos no princípio. E nem sempre foram completamente conscientes de seu entorno político. Mas introduziram valor nele. E, como em 1968, suas ações tiveram um efeito contagiante. Em muito pouco tempo ameaçaram a ordem estabelecida de quase todos os países árabes independentemente de critérios de política externa. Quando mostraram sua força no Egito, ainda o principal país árabe, todo o mundo começou a levá-los a sério. Há duas maneiras de levar estas revoltas a sério: uma é unir-se a elas e tentar controlá-las desde dentro; a outra é tomar as medidas que sejam necessárias para sufocá-las. As duas coisas foram tentadas.

Três grupos se uniram aos protestos, como observa Samir Amin em sua análise sobre o Egito: a ressuscitada esquerda tradicional, os profissionais de classe média e os islamistas. A força e o caráter destes grupos variaram dependendo do país. Amin considera a esquerda e a classe média profissional (na medida em que são nacionalistas e não neoliberais transnacionais) como elementos positivos, e os islamistas, os últimos a subirem no trem, como elementos negativos. E depois ainda temos o exército, bastião permanente da ordem, que se uniu à revolta no último momento, precisamente para limitar seus efeitos.

Assim, quando iniciou o levante na Líbia, ele foi consequência direta do êxito das revoltas nos países vizinhos, Tunísia e Egito. Kadafi é um líder particularmente desapiedado e fez declarações terríveis sobre o que ia fazer com os “traidores”. Se desde cedo se ouviram vozes na França, Inglaterra e nos Estados Unidos defendendo uma intervenção militar, não era porque Kadafi fosse um anti-imperialista infiltrado. Ele vendeu o petróleo líbio para o Ocidente por um bom dinheiro e se jactava de ter ajudado a Itália a conter a maré da imigração ilegal. Além disso, possibilitou acordos lucrativos para as empresas ocidentais.

No campo dos partidários da intervenção podiam se ver dois tipos de atitudes: aqueles para quem todas as intervenções militares do Ocidente são irresistíveis, e os que tratavam o assunto como um caso de intervenção humanitária. Houve uma forte oposição à intervenção por parte do exército estadunidense, que via a guerra na Líbia como algo impossível de ganhar além de trazer mais uma enorme tensão militar para os Estados Unidos. O último grupo parecia estar ganhando quando, de repente, a resolução da Liga Árabe mudou o equilíbrio de forças.

Como isso aconteceu? O governo saudita moveu-se com determinação e eficácia para obter uma resolução favorável ao estabelecimento de uma zona de exclusão aérea. Com o fim de obter a unanimidade entre os estados árabes, os sauditas fizeram duas concessões. A intervenção se limitaria somente ao estabelecimento de uma zona de exclusão aérea e, em uma segunda resolução, se acordou a oposição unânime à intervenção de forças terrestres ocidentais.

O que levou os sauditas a propor tais resoluções. Alguém telefonou dos Estados Unidos para a Arábia Saudita e solicitou esse movimento? Creio que foi exatamente o contrário. Foram os sauditas que trataram de influenciar a posição estadunidense. E funcionou. A balança se inclinou.

O que os sauditas queriam, e obtiveram, foi uma manobra magistral que distraísse a atenção daquilo que os próprios sauditas consideravam como algo prioritário, algo no que já estavam trabalhando – a repressão da revolta árabe, na medida em que ela está afetando a Arábia Saudita em primeiro lugar, em segundo, aos países do Golfo e, por último, o mundo árabe em seu conjunto.

Do mesmo modo que em 1968, este tipo de rebelião contra a autoridade cria estranhas divisões nos países afetados e cria alianças inesperadas. Particularmente os chamamentos em favor das intervenções humanitárias provocam divisões. O problema que tenho com as intervenções humanitárias é que nunca estou seguro que sejam de fato humanitárias.

Os defensores sempre assinalam os casos onde ela não ocorreu, como Ruanda. Mas nunca levam em conta as ocasiões quando ocorreram. Sim, no curto prazo, pode-se evitar o que de outro modo seria um massacre. Mas no longo prazo é realmente efetiva? Para evitar matanças iminentes de Saddam Hussein, os Estados Unidos invadiram o Iraque. Massacrou-se menos gene nos dez anos transcorridos desde a ocupação? Parece que não.

Os defensores da intervenção humanitária parecem ter um critério quantitativo. Se um governo mata dez manifestantes, isso é “normal” ou, em todo caso, só algo digno de uma declaração de condenação. Se 10 mil pessoas são mortas, isso já é um crime e requer uma intervenção humanitária. Quantas pessoas precisam morrer antes que o normal se converta em criminal? 100, 1000?

Agora, as potências ocidentais estão se lançando em uma guerra na Líbia cujo resultado é incerto. É provável que se converta em um atoleiro. A intervenção teve êxito em distrair o mundo da revolta árabe em curso? Talvez. Não sabemos ainda. Ela terá êxito em derrotar Kadafi. Talvez. Não sabemos ainda. Se Kadafi se for, o que acontecerá depois? Inclusive os porta-vozes estadunidenses estão preocupados com a possibilidade de que seja substituído por um de seus velhos camaradas de armas, pela Al Qaeda, ou por ambos.

A ação militar dos Estados Unidos na Líbia é um erro, inclusive desde o estreito ponto de vista dos EUA, e também do ponto de vista humanitário. Não terminará logo. O presidente Obama explicou suas ações de uma maneira complicada e sutil. O que disse, em essência, é que se o presidente dos EUA, após uma avaliação minuciosa da situação, considera que a intervenção serve aos interesses dos Estados Unidos e do mundo, ela pode e deve ser realizada. Não duvido que tenha sido uma decisão dura para ele. Mas isso não é suficiente. É uma decisão terrível, odiosa e, em última instância, contraproducente.

Enquanto isso, a melhor esperança para todos é que a segunda onda de revoltas no mundo árabe recupere força – talvez uma possibilidade muito remota agora – e avance, em primeiro lugar, na direção dos sauditas.

Fonte: Znet

Tradução: Katarina Peixoto

Agencia Carta Maior

Publicado em Pátria Latina

Líbia: Obama e a defesa da 'rebelião'

James Petras [*]

Nas últimas duas semanas a Líbia sofreu o mais brutal ataque imperialista, por ar, por mar e por terra, da sua história moderna. Milhares de bombas e de mísseis, lançados de submarinos, vasos de guerra e aviões de guerra, americanos e europeus, estão a destruir as bases militares líbias, os seus aeroportos, estradas, portos, depósitos petrolíferos, posições de artilharia, tanques, porta-aviões blindados, aviões e concentrações de tropas. Dezenas de forças especiais da CIA e do SAS têm andado a treinar, a aconselhar e a apontar alvos para os chamados 'rebeldes' líbios empenhados numa guerra civil contra o governo de Kadafi, as suas forças armadas, as milícias populares e os apoiantes civis ( NY Times 30/03/11).

Apesar deste enorme apoio militar e do total controlo dos céus e da linha costeira da Líbia pelos seus 'aliados' imperialistas, os 'rebeldes' ainda não foram capazes de mobilizar o apoio de aldeias e cidades e encontram-se em retirada depois de enfrentarem as tropas governamentais da Líbia e as milícias urbanas, fortemente motivadas ( Al Jazeera 30/03/11).

Uma das desculpas mais idiotas para esta inglória retirada dos rebeldes, apresentada pela 'coligação' Cameron-Obama-Sarkozy, e repetida pelos meios de comunicação, é que os seus 'clientes' líbios estão 'menos bem armados' ( Financial Times, 29/3/11). Obviamente, Obama e companhia não contabilizam o grande número de jactos, as dezenas de vasos de guerra e de submarinos, as centenas de ataques diários e os milhares de bombas lançadas sobre o governo líbio desde o início da intervenção imperialista ocidental. A intervenção militar direta de 20 potências militares estrangeiras, grandes e pequenas, flagelando o estado soberano da Líbia, assim como o grande número de cúmplices nas Nações Unidas não contribui com nenhuma vantagem militar para os clientes imperialistas – segundo a propaganda diária a favor dos rebeldes.

Mas o Los Angeles Times (31/Março/2011) descreveu como “… muitos rebeldes em caminhões com metralhadoras deram meia-volta e fugiram… apesar de as suas metralhadoras pesadas e espingardas antiaéreas serem parecidas com qualquer veículo governamental semelhante”. De facto, nenhuma força 'rebelde' na história moderna recebeu um apoio militar tão forte de tantas potências imperialistas na sua confrontação com um regime instituído. Apesar disso, as forças 'rebeldes' nas linhas da frente estão em plena retirada, fugindo desordenadamente e profundamente descontentes com os seus generais e ministros 'rebeldes' lá atrás em Bengazi. Entretanto, os líderes 'rebeldes', de fatos elegantes e de uniformes feitos por medida, respondem à 'chamada para a batalha' assistindo a 'cimeiras' em Londres onde a 'estratégia de libertação' consiste no apelo, perante os meios de comunicação, de tropas terrestres imperialistas ( The Independent, Londres) (31/03/11).

É baixa a moral dos 'rebeldes' na linha da frente: Segundo relatos críveis da frente da batalha em Ajdabiya, “Os rebeldes… queixaram-se de que os seus comandantes iniciais desapareceram. Acusam camaradas de fugirem para a relativa segurança de Bengazi… (queixam-se de que) as forças em Bengazi monopolizaram 400 rádios de campo oferecidos e mais 400… telemóveis destinados ao campo de batalha… (sobretudo) os rebeldes dizem que os comandantes raramente visitam o campo de batalha e exercem pouca autoridade porque muitos combatentes não confiam neles” ( Los Angeles Times , 31/03/2011). Segundo parece, os 'twitters' não funcionam no campo de batalha.

As questões decisivas numa guerra civil não são as armas, o treino ou a chefia, embora evidentemente esses fatores sejam importantes: A principal diferença entre a capacidade militar das forças líbias pró-governo e os 'rebeldes' líbios apoiados por imperialistas ocidentais e por 'progressistas', reside na sua motivação, nos seus valores e nas suas compensações materiais. A intervenção imperialista ocidental exaltou a consciência nacional do povo líbio, que encara agora a sua confrontação com os 'rebeldes' anti-Kadafi como uma luta para defender a sua pátria do poderio estrangeiro aéreo e marítimo e das tropas terrestres fantoches – um poderoso incentivo para qualquer povo ou exército. O oposto também é verdadeiro para os 'rebeldes', cujos líderes abdicaram da sua identidade nacional e dependem inteiramente da intervenção militar imperialista para os levar ao poder. Que soldados rasos 'rebeldes' vão arriscar a vida, a lutar contra os seus compatriotas, só para colocar o seu país sob o domínio imperialista ou neo-colonialista?

Finalmente, as notícias dos jornalistas ocidentais começam a falar das milícias pro-governo das aldeias e cidades que repelem esses 'rebeldes' e até relatam como “um autocarro cheio de mulheres (líbias) surgiu repentinamente (de uma aldeia) … e elas começaram a fingir que aplaudiam e apoiavam os rebeldes…” atraindo os rebeldes apoiados pelo ocidente para uma emboscada mortal montada pelos seus maridos e vizinhos pró-governo ( Globe and Mail, 28/03/11 e McClatchy News Service, 29/03/11).

Os 'rebeldes', que entram nas aldeias, são considerados invasores, que arrombam portas, fazem explodir casas e prendem e acusam os líderes locais de serem 'comunistas da quinta coluna' a favor de Kadafi. A ameaça da ocupação militar 'rebelde', a detenção e a violência sobre as autoridades locais e a destruição das relações de família, de clã e da comunidade local, profundamente valorizadas, levaram as milícias líbias e os combatentes locais a atacar os 'rebeldes' apoiados pelo ocidente. Os 'rebeldes' são considerados 'estranhos' em termos de integração regional e de clã; menosprezando os costumes locais, os 'rebeldes' encontram-se pois em território 'hostil'. Que combatente 'rebelde' estará disposto a morrer em defesa de um território hostil? Esses 'rebeldes' só podem pedir à força aérea estrangeira que lhes 'liberte' a aldeia pró-governo.

Os meios de comunicação ocidentais, incapazes de entender essas compensações materiais por parte das forças pró-governo, atribuem o apoio popular a Kadafi à 'coerção' ou 'cooptação', agarrando-se à afirmação dos 'rebeldes' que 'toda a gente se opõe secretamente ao regime'. Há uma outra realidade material, que muito convenientemente é ignorada: A verdade é que o regime de Kadafi tem utilizado a riqueza petrolífera do país para construir uma ampla rede de escolas, hospitais e clínicas públicas . Os líbios têm o rendimento per capita mais alto de África com 14 900 dólares por ano ( Financial Times, 02/04/11).

Dezenas de milhares de estudantes líbios de baixos rendimentos receberam bolsas para estudar no seu país e no estrangeiro. As infra-estruturas urbanas foram modernizadas, a agricultura é subsidiada e os pequenos produtores e fabricantes recebem crédito do governo. Kadafi promoveu esses programas eficazes, para além de enriquecer a sua própria família/clã. Por outro lado, os rebeldes líbios e os seus mentores imperialistas prejudicaram toda a economia civil, bombardearam cidades líbias, destruíram redes comerciais, bloquearam a entrega de alimentos subsidiados e assistência aos pobres, provocaram o encerramento das escolas e forçaram centenas de milhares de profissionais, professores, médicos e trabalhadores especializados estrangeiros a fugir.

Os líbios, mesmo que não gostem da prolongada estadia autocrática de Kadafi no cargo, encontram-se agora perante a escolha entre apoiar um estado de bem-estar, evoluído e que funciona ou uma conquista militar manobrada por estrangeiros. Muito compreensivelmente, muitos deles escolheram ficar do lado do regime.

O fracasso das forças 'rebeldes' apoiadas pelos imperialistas, apesar da sua enorme vantagem técnico-militar, deve-se a uma liderança traidora, ao seu papel de 'colonialistas internos' que invadem as comunidades locais e, acima de tudo, à destruição insensata de um sistema de bem-estar social que tem beneficiado milhões de líbios vulgares desde há duas gerações. A incapacidade de os 'rebeldes' avançarem, apesar do apoio maciço do poder imperialista aéreo e marítimo, significa que a 'coligação' EUA-França-Inglaterra terá que reforçar a sua intervenção, para além de enviar forças especiais, conselheiros e equipas assassinas da CIA. Perante o objectivo declarado de Obama-Clinton quanto à 'mudança de regime', não haverá outra hipótese senão introduzir tropas imperialistas, enviar carregamentos em grande escala de caminhões e tanques blindados e aumentar a utilização de munições de urânio empobrecido, profundamente destrutivas.

Sem dúvida que Obama, o rosto mais visível da 'intervenção armada humanitária' em África, vai recitar mentiras cada vez maiores e mais grotescas, enquanto os aldeões e os citadinos líbios caem vítimas da sua força destruidora imperialista. O 'primeiro presidente negro' de Washington ganhará a infâmia da história como o presidente americano responsável pelo massacre de centenas de líbios negros e da expulsão em massa de milhões de trabalhadores africanos subsaarianos que trabalham para o atual regime ( Globe and Mail, 28/03/11).

Sem dúvida, os progressistas e esquerdistas anglo-americanos vão continuar a discutir (em tom 'civilizado') os prós e os contras desta 'intervenção', seguindo as pisadas dos seus antecessores, os socialistas franceses e os 'new dealers' americanos dos anos 30, que debateram nessa época os prós e os contras do apoio à Espanha republicana… Enquanto Hitler e Mussolini bombardeavam a república por conta das forças fascistas 'rebeldes' do general Franco que empunhava o estandarte falangista da 'Família, Igreja e Civilização' – um protótipo para a 'intervenção humanitária' de Obama por conta dos seus 'rebeldes'.

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[*] Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Binghamton, Nova Iorque. É autor de 64 livros publicados em 29 línguas, e mais de 560 artigos em jornais da especialidade, incluindo o American Sociological Review, British Journal of Sociology, Social Research, Journal of Contemporary Asia, e o Journal of Peasant Studies. Já publicou mais de 2000 artigos. O seu último livro é War Crimes in Gaza and the Zionist Fifth Column in America.

Tradução de Margarida Ferreira.

Publicado em Resistir.info
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Algumas mentiras sobre a guerra na Líbia

Thierry Meyssan*

Thierry Meyssan apoiou a insurreição do povo líbio contra o regime de Mouammar Kadhafi, no entanto opõe-se á resolução 1973 e á guerra. Em artigos anteriores ele descreveu quais eram os objetivos imperialistas desta intervenção. Agora reconsidera as principais mentiras da propaganda atlantista.

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Hillary Clinton, Nicolas Sarkozy e Alain Juppé, na cimeira de Paris para a Líbia. Diz-se que a primeira vítima de uma guerra é a verdade. As operações militares na Líbia e a resolução 1973, que lhe serve de base jurídica, não fogem á regra. Esta operação é apresentada ao público como necessária para proteger a população civil das repressões cegas do coronel Kadhafi. No entanto, a realidade mostra que existem objetivos imperialistas clássicos. Eis alguns elementos esclarecedores.

Crimes contra a humanidade

Para agravar o cenário, a imprensa atlantista tentou fazer acreditar que as centenas de milhares de pessoas que fugiam da Líbia procuravam escapar a um massacre. Agências de imprensa evocaram milhares de mortes e falaram em « crimes contra a humanidade ». A resolução 1970 entrou no Tribunal Penal Internacional denunciando possíveis «ataques sistemáticos ou generalizados dirigidos contra a população civil».

Na realidade, o conflito líbio pode ser considerado tanto em termos políticos como em termos tribais. Os trabalhadores imigrantes foram as primeiras vítimas desse conflito. Foram forçados a deixar o país. Os combates entre leais ao regime e insurgentes foram certamente fatais, mas não nas proporções anunciadas. Nunca houve repressões sistemáticas contra a população civil.

Apoio á «primavera árabe»

No seu discurso ao Conselho de segurança, o ministro dos negócios estrangeiros francês Alain Juppé elogiou a «primavera árabe» em geral e a insurreição líbia em particular.

Este discurso lírico escondia, no entanto, más intenções : não foi dito uma única palavra acerca das repressões sangrentas no Iémen e no Bahrein e, além disso, ainda louvou o rei Mohammed VI de Marrocos como sendo um dos militantes revolucionários [1]. Assim sendo, o ministro contribuiu em denegrir a imagem já desastrosa da França que se instalou no mundo árabe com a presidência Sarkozy.

Apoio da União Africana e da Liga Árabe

Desde o início dos acontecimentos que a França, o Reino-Unido e os EUA não cessam de afirmar que esta não é uma guerra do Ocidente (mesmo tendo ouvido, da parte do ministro da Administração Interna francês Claude Guéant declarar que se tratava de uma «cruzada» de Nicolas Sarkozy) [2]. Adiantam-se então em afirmar que detêm do apoio da União Africana e da Liga Árabe.

Na realidade, a União Africana condenou a repressão e afirmou a legitimidade das reivindicações democráticas, mas sempre se opôs a uma intervenção militar estrangeira. [3]. Quanto á Liga Árabe, esta reúne principalmente países com regimes ameaçados de revoluções idênticas. Estes apoiaram o princípio de contra-revolução ocidental (em que alguns até participam no Bahrein), no entanto nunca poderão apoiar uma guerra ocidental sem acelerar os movimentos contestatários internos susceptíveis de os destronar.

Reconhecimento do CNT

Existem três zonas insurgentes na Líbia. Um Conselho Nacional de Transição foi constituído em Benghazi. Este foi agregado com um Governo provisório estabelecido pelo ministro da justiça de Kadhafi que se juntou aos insurgentes [4]. Ministro esse que, segundo autoridades búlgaras, organizou as torturas das enfermeiras búlgaras e do médico palestiniano que foi durante um longo período de tempo detido pelo regime.

Reconhecendo este CNT e descriminando o seu novo presidente, a coligação pode escolher os seus interlocutores e impõe-nos como dirigentes aos insurgentes. Isto permite que revoluções Nasserianas, comunistas ou khomeinistas sejam descartadas.

Trata-se de tomar as rédeas a fim de evitar o que aconteceu na Tunísia e no Egipto quando os Ocidentais impuseram um governo ADC (Agrupamento Constitucional Democrático) sem Ben Ali, ou um governo Suleiman sem Mubarak, mas que revolucionários derrubaram igualmente.

Embargo sobre o armamento

Se o objectivo fosse proteger as populações, um embargo deveria ter sido instituído sobre os mercenários e as armas destinadas ao regime de Kadhafi. Em vez disso, este foi estendido aos insurgentes de forma a impossibilitar a sua vitória. Trata-se assim de impedir uma revolução. Zona de exclusão aérea

Se o objetivo fosse proteger as populações, a zona de exclusão aérea limitar-se-ia aos territórios insurgentes (como tinha sido o caso no Iraque com o Curdistão). Os voos em toda a superfície do país estão impedidos. Assim, a coligação espera imobilizar as forças no terreno causando assim divisão em quatro do país (as três zonas insurgentes e a zona leal ao regime). Esta partição da Líbia deverá ser posta na perspectiva das outras referentes ao Sudão e á Costa do Marfim, as primeiras etapas da «remodelação da África».

Congelamento de bens

Se o objetivo fosse proteger as populações, somente os bens pessoais da família Kadhafi e dignitários do regime teriam sido congelados de forma a impedir o contorno do embargo sobre as armas. Mas este bloqueio foi estendido aos bens do estado Líbio. Ora, a Líbia, sendo um Estado detentor de petróleo, possui um tesouro considerável que foi parcialmente colocado no Banco do Sul, uma instituição financiadora de projectos de desenvolvimento no terceiro mundo. Já Hugo Chávez tinha referido que este bloqueio não iria de forma alguma proteger os civis. Este visa sim restabelecer o monopólio do Banco Mundial e do FMI.

Coligação de voluntários

Se o objectivo fosse proteger as populações, a resolução 1973 teria sido posta em prática pelas Nações Unidas. Em vez disso, as operações militares são coordenadas pelo Africom dos EUA e deverão ser passadas para as mãos da NATO [5]. É por isso que o ministro turco dos negócios estrangeiros, Ahmet Davutoglu, ficou indignado com a iniciativa francesa e exigiu explicações á NATO.

De forma mais áspera, o primeiro-ministro russo Vladimir Putin, declarou que a resolução está «viciada e é inadequada. Assim que se lê, torna-se evidente que autoriza qualquer um a tomar medidas contra um estado soberano. No seu conjunto, isto lembra-me as Cruzadas da época medieval» [6].


*Analista político, fundador do Réseau Voltaire. Último livro publicado: L’Effroyable imposture 2 (a remodelação do Oriente Próximo e a guerra israelense contra o Líbano).

Tradução David Lopes

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[1] « Résolution 1973 », Réseau Voltaire, 17 mars 2011.
[2] « La croisade de Nicolas Sarkozy », Réseau Voltaire, 22 mars 2011.
[3] « Communiqué de l’Union africaine sur la Libye », Réseau Voltaire, 10 mars 2011.
[4] « Proche-Orient : la contre-révolution d’Obama », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 16 mars 2011.
[5] « Washington regarde se lever "l’aube de l’odyssée" africaine », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 19 mars 2011.
[6] « Remarks on the situation in Libya », par Vladimir V. Poutine, Réseau Voltaire, 21 mars 2011.

Publicado em Rede Voltaire
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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Retomando a campanha pelo desarquivamento do Brasil

Niara de Oliveira

Terceira edição da blogagem coletiva pela abertura dos arquivos secretos da ditadura militar

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Ao final da segunda edição da blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura militar ficou a sugestão de retomarmos a campanha no final do mês de março e aqui estamos. Já me revoltei sabendo das iniciativas costumeiras de generais saldosistas do tempo da repressão realizando eventos e seminários para “comemorarem” a “revolução de 64″, e já me animei sabendo da possibilidade da Comissão da Verdade ser lançada/oficializada justo no dia do 47º aniversário do golpe. É a proximidade com o dia 31 de março/1º de abril que está motivando a terceira edição da BLOGAGEM COLETIVA PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA.

Na edição anterior da blogagem a tônica era cada blogueira(o) produzir um texto próprio sobre a abertura dos arquivos da ditadura e sobre a influência que a não punição dos torturadores tem no Brasil de hoje e nos casos de tortura tão comuns dentro de delagacias e prisões país afora. Dessa vez estou apresentando algumas propostas – são apenas indicações, cada um contribui como achar melhor e possível -: 1) que os blogues escolham um caso entre os mortos e desaparecidos políticos para lembrar e manter viva sua memória; 2) se estiver ao alcance, colher o depoimento de um familiar de desaparecido político; 3) continuar postando a campanha da OAB do Rio Janeiro para colher assinaturas pela abertura dos arquivos, divulgando os seis vídeos disponíveis; 4) trazer algum autor, biógrafo dos militantes assassinados na ditadura ou coordenador de ONGs e entidades como o Grupo Tortura Nunca Mais para entrevistarmos coletivamente no twitter e; 5) entrevistar militantes, ex-torturados e/ou jornalistas que tenham vivido a ditadura militar no Brasil e no Cone Sul (o golpe argentino aniversariou em 24 de março).

Lembrando que no site dos mortos e desaparecidos tem a ficha completa dos militantes vítimas da ditadura e sua trajetória até desaparecerem sob a tutela do Estado. Relembrar a trajetória e vida esses militantes é se contrapor ao princípio básico do desaparecimento político que é relegar a história, o futuro e continuidade a essas pessoas. Peço que não deixem também de divulgar os textos da direita e dos militares defendendo o golpe com o nosso contraponto. Da revolta nascem textos e iniciativas que podem ajudar a finalmente termos acesso aos arquivos secretos da ditadura, para sabermos como esses desaparecidos foram mortos e para suas famílias terem o direito de os enterrarem e encerrarem seu luto infinito.

Fiz uma nova leitura do banner da campanha a partir da charge feita pelo quadrinista Ton nOise (@tonoise) que usamos na edição anterior. Afinal, esse desenho é a nossa principal luta: Que a presidenta Dilma Rousseff reclassifique os arquivos secretos como públicos e passe a limpo essas páginas vergonhosas da nossa história. Estou propondo UMA SEMANA (sugestão – dentre outras – do Pádua Fernandes, do blog O Palco e o Mundo) de blogagem, tuitagem e feicebucagem pela abertura dos arquivos da ditadura. Começamos nessa segunda-feira 28/03 e vamos até domingo, 03/04. Bóra lá?

Peço aos blogues que aderirem à campanha #desarquivandoBR, por favor, que avisem ou comentem nesse post. É importante a visualização da rede para qualquer campanha. Quem precisar de ajuda nas entrevistas (nem todo blogueiro é jornalista) ou para colher os depoimentos posso ajudar com um roteiro básico, é só pedir.


Texto do Marcelo Rubens Paiva publicado em 25/03/2011, em seu blog no Estadão.

Primeira blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura militar brasileira em 12/01/2010.

hEntrevista com Criméia Almeida e Suzana Lisbôa, da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos em 12/01/2010.

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