Além do Cidadão Kane

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Salário Mínimo de R$600: O engodo de José Serra

Paulo Daniel (*)
A política de Salário Mínimo constitui a base de um processo mais amplo e extremamente complexo de redistribuição de renda, portanto, não se trata apenas e tão somente da simples elevação do valor nominal
O salário mínimo surgiu no Brasil em 1940 dentro do conjunto de regras de política social que constitui a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no período Vargas, com o objetivo de realizar a justiça distributiva pela via do mercado de trabalho.

De seu surgimento, até os dias de hoje, a política do Salário Mínimo foi centrada basicamente de duas maneiras; a primeira durou até 1964. Até o golpe militar, o salário mínimo era o elemento central na constituição da sociedade salarial no Brasil e um parâmetro de homogeneização salarial. Seu valor era definido por comissões tripartites (empresários, trabalhadores e governo), de uma maneira participativa.

Depois de 1964, ele deixou de ser o elemento central da construção de uma sociedade salarial, perdeu sua relação com o custo de vida, com a sobrevivência, e deixou de haver vínculo entre o seu reajuste e a inflação passada. Virou um instrumento para enfrentar a inflação e para o ajuste das finanças públicas.

No governo Lula, particularmente a partir do final de 2004, foi criado um Conselho Nacional quadripartite, que visa discutir e formular uma política nacional de valorização do Salário Mínimo.

Nas eleições deste ano, o candidato do PSDB, José Serra, fez uma promessa: Salário Mínimo de R$600,00 já em 2011. Em um primeiro momento, pode parecer um compromisso interessante e importante com a classe que vive do trabalho, entretanto, sutilmente está embutido um engodo.

Ao adotar esse discurso, Serra pretende dialogar com aproximadamente 23 milhões de pessoas que estão ocupadas e recebem uma remuneração de até 1 Salário Mínimo, tratam-se em sua maioria de empregados por conta própria, empregados sem carteira assinada e do serviço doméstico.

Ao aventar um aumento para o Salário Mínimo, os conservadores diriam que qualquer aumento real, implicaria em um impacto muito forte e destruidor nas contas públicas brasileiras.

Esse argumento foi demonstrado na prática que é falacioso, haja vista, o aumento real em torno de 65% – depende do índice de inflação utilizado – concedido ao Salário Mínimo nos quase oito anos de governo Lula. Em nenhum momento as contas públicas foram afetadas, uma vez que, manteve-se o superavit fiscal e muito menos a Previdência Social e os municípios mais pobres sofreram com tal aumento.

Entretanto, onde está o engodo de José Serra? Primeiro; ao afirmar que somente em 2011 dará aumento ao Salário Mínimo. E os outros anos?

Segundo; e o mais importante, não existe concretamente uma política nacional de valorização do Salário Mínimo, isso em momento nenhum foi dito ou declarado.

A política de Salário Mínimo constitui a base de um processo mais amplo e extremamente complexo de redistribuição de renda, que envolve desde a coordenação de políticas públicas atinentes aos ocupados de salário de base até a realização de reformas sociais em planos distintos, capazes de desbloquear o conjunto de resistências contra a elevação do valor real do mínimo oficial.

Portanto, não se trata apenas e tão somente da simples elevação do valor nominal do Salário Mínimo, mas, sobretudo, da coordenação de distintas áreas de políticas públicas que, em formas e prazos diferentes, constituem as garantias de evolução real efetiva e progressiva da renda dos trabalhadores de salário de base no Brasil, ou seja, requer o estabelecimento de um conjunto de diretrizes de políticas públicas que apontam para a redefinição de uma nova estratégia de desenvolvimento socioeconômico para o país.

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Economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do Blog Além de economia.

Fonte: revista CartaCapital
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