Além do Cidadão Kane

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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Capitalismo não apresenta mais saídas para a crise, diz historiador

Por que discutir Marx hoje? Afinal, não diziam que o marxismo está morto e enterrado? Fomos ouvir dois participantes do Congresso Karl Marx sobre esse tema


Cristina PortellaCristina Portella

Lisboa - Por que discutir Marx hoje? Afinal, não diziam (alguns ainda insistem em dizer) que o marxismo está morto e enterrado? Fomos ouvir o que opinam sobre o assunto dois especialistas portugueses e participantes do II Congresso Karl Marx: os historiadores Fernando Rosas, um dos organizadores do congresso e professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e Manuel Loff, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 

Fernando Rosas:  “Capitalismo é incapaz de encontrar saídas para a crise”

Por que mais um Congresso sobre Karl Marx?

É o segundo (o primeiro foi em 2008) e pareceu-nos que era altura de convocar outro numa situação de crise internacional, de crise do capitalismo em grande escala, com reflexos económicos, sociais e políticos tremendos, e em que a leitura, o estudo, o regresso a Marx e aos contributos do marxismo parecem indispensáveis para compreender e atuar nesta situação. E neste sentido achamos que era exatamente este o momento de tornar a realizar um congresso. Tivemos cerca de 70 contribuições, praticamente sobre todos os domínios, economia, política, estética, movimentos sociais, luta de classes, história…

A crise económica iniciada em 2007/2008 comprova a falência do capitalismo e a necessidade de retomar com mais intensidade as ideias marxistas?

Exatamente, ela prova que Marx tinha razão ao dizer duas coisas muito importantes: o capitalismo quanto mais durava, mais putrefacto e parasitário se tornava. O capitalismo deixa sequer de produzir, e a atual crise é uma crise em grande parte fruto do caráter crescentemente parasitário do capitalismo, do caráter puramente especulativo, financeiro. Isso vem ao encontro daquilo que eram uma das grandes linha de previsão de Marx. E que as crises iam se tornando, simultaneamente mais frequentes, e sobretudo mais profundas e prolongadas.

Estamos em crise desde 2007, 2008, sem nenhuma perspetiva de saída fácil à vista, o que coloca o problema de que é preciso apresentar alternativas a este sistema político e buscar no horizonte socialista respostas a esta situação.

Portanto, é nas contribuições de Marx, e de outros também, que temos de buscar muitas das respostas às questões com as quais somos confrontados. 

O que é ser marxista hoje?

Há muitas correntes do marxismo hoje, não há nem nunca houve um marxismo.
Acho que o que unifica essas correntes todas é a conscientização de que o capitalismo é um sistema que chegou ao fim, como capacidade de resposta para os desafios da sociedade, e que temos de procurar uma solução alternativa em sociedades de outro tipo, em sociedades socialistas. Ainda que a própria concepção do socialismo seja objeto de polêmica. Mas que estamos a entrar na época do socialismo parece-me claro. O capitalismo está a entrar numa fase incapaz de encontrar saídas. Portanto, acho que as esquerdas por todo o mundo têm que buscar inspiração no socialismo para ver o caminhos que vêm a seguir. 

Então o neoliberalismo morreu?

O neoliberalismo é a expressão política e ideológica de um capitalismo desesperado e moribundo, disso não tenho dúvida nenhuma. 

Manuel Loff: “As notícias sobre a morte do marxismo eram exageradas”

O marxismo morreu ou renasceu no rescaldo da crise de 2007/2008?

O marxismo é uma proposta de leitura do mundo, que tem, como todas aquelas que resistem ao tempo, características suficientemente flexíveis para poderem ser aplicadas a qualquer contexto histórico. E isso só depende daqueles que quiserem utilizar essa forma de leitura do mundo. Outra história é se me perguntas se o marxismo como produção política, ideológica à escala internacional está renovada ou não. Como proposta de leitura da realidade ela está sempre presente e é evidente que todas as notícias sobre a sua morte algures no final dos anos 80 e início os anos 90 eram claramente exageradas.

E o capitalismo, está no fim? O marxismo pode ser uma ferramenta teórica para a construção de uma alternativa?

É uma ferramenta essencial. De resto, naquela que é uma das pré-condições essenciais para a construção de qualquer alternativa que é a conscientização da exploração, da opressão e da necessidade de emancipação. Agora, o que o capitalismo demonstrou e demonstra nos seus 200 anos, na fase industrial e pós-industrial, é uma enorme capacidade de renovação e resistência. Mas isso já sabíamos desde o início. O que não significa que a interpretação central de Marx das contradições essenciais do sistema capitalista não permaneçam perfeitamente válidas. 

Sim, mas o Marx até agora não conseguiu grande coisa...

Os marxistas conseguiram muitas coisas na transformação do capitalismo.
Conseguiram, em determinados momentos da história, o seu fim, a sua ruptura em várias escalas nacionais e numa grande escala internacional. E conseguiram o mal chamado Ocidente desenvolvido, que deu origem à versão mais consolidada do capitalismo que conhecemos, a partir de meados do século XIX, e que conseguiu transformações essenciais no período posterior à II Guerra Mundial. A tal ponto foram essas transformações importantes na construção de políticas sociais básicas, às quais hoje associamos à versão mais avançada de democracia sob as regras da permanência de um mercado capitalista, o Estado Social, que os neoliberais estão hoje totalmente apostados no seu desmantelamento.

O que é ser marxista hoje?

É antes de mais produto de uma vontade de conhecer de forma crítica o mundo, de nos equiparmos para uma capacidade de leitura independente, autônoma, das formas de ideologia dominantes e hegemônicas, que as nossas próprias condições materiais de vida nos impõem, nos ajudam a reproduzir e sob as quais vivemos. É também um convite, uma necessidade intrínseca à ação política no sentido da transformação. Como dizia o Marx, não basta simplesmente interpretar o mundo, é preciso transformá-lo.


Créditos da foto: Cristina Portella

Fonte: CartaMaior

sábado, 26 de maio de 2012

De ex a anti-esquerdistas

Emir Sader


Isaac Deutscher tem um artigo que ele intitula “De hereges a renegados”, delineando o caminho de gente que começa rompendo com teorias e posições esquerdistas, para terminarem como furibundos anti-esquerdistas. São figuras que povoam a direita de todo o mundo, ao longo do tempo.

Alguns se valeram do stalinismo para terminarem condenando a Lenin e, finalmente, a Marx e ao marxismo. Não por acaso uma proporção não desprezível deles teve origem trotskista, para absolutizar o “totalitarismo stalinista”, passando a identificá-lo com o nazismo e dali estão já a um passo do liberalismo e do anti-comunismo.

Há os tipos padrão, os que foram de esquerda, militantes mesmo, de repente “se arrependem”, largam tudo, renegam, denunciam seu passado e seus companheiros, os ídolos em que acreditaram cegamente, para se entregar de armas, bagagens e, frequentemente, emprego, para a direita.

Alguns se mantem na esquerda, no seu espaço mais moderado, com um tom fortemente anti-esquerdista, denunciando o que não seria “democrático” em correntes da própria esquerda. São adeptos fortes de alianças com correntes do centro e mesmo da direita, tendem a diluir as distinções entre direita e esquerda.

Outros, os casos mais conhecidos, se tornam militantes da direita, de suas correntes mais fundamentalistas, no velho estilo anti-comunista da guerra fria. Ganham espaços na mídia de direita – desde direção de revistas a colunas em jornais, convites para a televisão – como prêmio pela sua adesão.

Há ainda escritores, intelectuais, músicos, decadentes, em triste fim de carreira, que abandonam posturas rebeldes que tiveram no passado para submeter-se aos donos do poder e dos meios de comunicação em troca de espaços para escrever, prêmios, elogios, que confirmam sua perda de dignidade no fim da carreira.

Fonte: Blog do Emir
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segunda-feira, 30 de abril de 2012

O significado vivo do 1º de Maio de 1886 em 2012

Os trabalhadores no Brasil e no mundo se manifestam neste 1º de Maio de 2012, uma vez mais, demonstrando seu vínculo histórico com a luta do 1º de Maio de 1886 em Chicago, EUA, que consistiu em síntese na histórica Greve Geral por redução da Jornada de Trabalho para 8 horas, por aumento de salário e melhores condições de trabalho, cujo desdobramento trágico, por um lado, foi a repressão bestial da classe burguesa culminando na prisão, tortura e execução pública dos líderes grevistas; por outro, na unidade e solidariedade internacional dos trabalhadores em termos econômicos e a elevação desta luta à condição de luta de classe revolucionária quando dirigida para a tomada do poder político e a mudança do regime social do capitalismo para o socialismo. Contudo, considerando as indiscutíveis transformações objetivas e subjetivas no sistema capitalista nos últimos 126 anos, as concessões do movimento operário internacional que se consumam em deserção, traição e capitulação, de suas organizações e líderes, face ao inimigo de classe (a burguesia e suas oligarquias) e a transformação das manifestações do 1º de Maio em festa oficial de governos capitalistas com shows musicais e sorteios de carros, pergunta-se: qual o significado real e a importância histórica do 1º de Maio de 1886, para o movimento e luta dos trabalhadores atuais? Por que as interpretações das transformações nas forças produtivas (força de trabalho e meios de produção) no marco das mudanças nas relações sociais de produção conduziram à divisão e ao enfraquecimento do movimento e luta dos trabalhadores, levando à presente condição? Qual a responsabilidade dos comunistas revolucionários frente a esta realidade do Movimento Operário?

O Partido Comunista Marxista-Leninista (Brasil), considerando os problemas acima enunciados, dirige-se aos Trabalhadores em geral e à Classe Operária, em especial, para expor seu ponto de vista no sentido de contribuir para uma reflexão mais profunda e apropriada às circunstâncias históricas. Nestes termos, inicia a abordagem das questões propostas condensando-as no seguinte problema: até que ponto é possível explicar o surgimento, desenvolvimento e contradições do movimento e da luta dos trabalhadores a partir de si próprios? Naturalmente, a tese da geração espontânea de Labriola rejeitada por inúmeras razões por Plekhanov em seu trabalho A Concepção Materialista da História, como reconheceu Lênin, não tem validade científica para explicar tal fenômeno pertinente às relações sociais. Talvez, quiçá por isso, tenha rejeitado em sua obra O Que Fazer? a tese anarquista e liberal do espontaneísmo do movimento de massas como ideia aplicável a todos os momentos de manifestação, organização e luta operárias.

Assim, é necessário desvendar o segredo das contradições que levaram à divisão e ao enfraquecimento do Movimento Operário tendo em conta a luta pela hegemonia do mesmo, seja entre as correntes, organizações e partidos que atuam no movimento no interesse do proletariado, os de caráter anarquista, socialista, comunista, etc; seja no interesse da classe capitalista burguesa dominante - os partidos liberais, religiosos, nazifascistas, sectários, “democráticos”,etc. Partindo-se deste ponto de vista, embora se pulverizem heterogeneamente as concepções acerca das transformações da realidade objetiva e subjetiva que fundamentam as distintas organizações, é possível identificar os pontos cruciais de unidade e discrepância antagônicas entre estas concepções que explicam, por um lado, a atual situação do Movimento Operário neste 1º de Maio.

Porém, a explicação da presente situação histórica, mesmo que resumida a unidades e divergências das organizações que disputam a hegemonia do Movimento Operário, não se torna crível sem um fundamento teórico reconhecido como verdadeiramente legítimo pelo movimento operário como expressão essencial de seus interesses de classe, o que se pode traduzir por paradigma teórico de classe. É na relação comparativa entre a teoria em abstrato ou entre seu corolário conceitual e suas aplicações práticas programáticas das organizações, que se apresentam como expressão dos interesses de classe, que se pode aferir o grau de desvios ou aporias destas últimas em relação à primeira. Daí, um dos grandes fatores que conduzem a divergência entre as organizações que se supõem defensoras da classe operária, a luta interna ao movimento entre as faixas de domínio daquelas, a divisão, o enfraquecimento e, sobretudo, a crise de paradigma teórico de classe que abre as brechas por onde irrompe o contrabando ideológico da classe burguesa seja através do reformismo e economicismo liberal, fascista ou sectário; seja através do revisionismo de esquerda e de direita. Em ambos os casos, o resultado é o declínio da força e organização dos trabalhadores, no sentido dos seus interesses estratégicos, desfigurando-se sua identidade de classe e luta revolucionária pela pulverização e heterogeneidade do conteúdo das mesmas.

Outro fator que contribui para a dilaceração do Movimento Operário e que resulta diretamente da intervenção das organizações e correntes políticas no mesmo trata-se do método de formulação da análise programática e formas de lutas derivadas desta última. O método, como formulação teórica em si próprio, é pura abstração conceitual desvinculada da vida e do movimento real da realidade concreta e torna-se ainda mais realidade morta quando isolada da análise de totalidade condensada na teoria, ou seja, como método aplicado. Existe uma enorme diferença entre a ideia do método como guia para a ação, defendida por Engels e reafirmada por Lênin, da ideia do método como conceito que se explica a si mesmo, quando entendemos como método a dialética marxista. A própria formulação de Lênin da análise concreta da situação concreta já em si elimina a concepção a priori de um método aplicável uniformemente a todas as situações. Marx na introdução aos Grundrisses também indica claramente a necessidade da concreção da abstração conceitual pela comparação e comprovação da mesma na realidade material em seu movimento histórico. Assim, as formulações programáticas práticas das organizações sofrem discrepâncias e são conduzidas a divergências tendo em vista este aspecto da aplicação do método dialético marxista.

Um terceiro fator a ser considerado saindo das esferas das transformações subjetivas ou mais precisamente, das divergentes concepções em torno daquelas, são as transformações de ordem objetiva, ou seja, as transformações materiais no movimento histórico do modo de produção (forças produtivas materiais) do sistema capitalista, que segundo a teoria marxista como se pode observar em todos os trabalhos pretéritos à formulação da teoria de O Capital em Marx, tais transformações materiais podem e devem ser mensuradas segundo os métodos rigorosos da ciência oficial. Neste caso, para além das formulações marxistas sobre tais mudanças materiais torna-se necessário a aplicação de métodos oficialmente aceitos para que as transformações apontadas não sejam objeto de contestação quanto a sua legitimidade e, portanto, aplicado como fundamento incontestável às conclusões críveis, tais como se pode observar na obra de O Capital quando da aplicação matemática para a comprovação da lei do valor, salários, taxa de lucro e mais-valia, quando das estatísticas que comprovam as mudanças na composição, reprodução e Lei Geral da Acumulação do Capital, bem como das estatísticas demográficas que fundamentam o exército industrial de reserva e a superpopulação relativa. Também se pode comprovar tal aplicação e recurso metodológico na teoria marxista ao se analisar a obra de Lênin O Imperialismo: A Fase Superior do Capitalismo, onde este último recorrendo às estatísticas na literatura econômica burguesa e socialista demonstra a passagem da estrutura material do capitalismo, da “livre iniciativa ou concorrência” ao sistema de monopólio (cartéis, trustes, sindicatos patronais, etc) e no qual conclui por transformações na estrutura de classes da sociedade, formação das oligarquias, e desenvolvimento da aristocracia operária, bem como da reação na política para o neocolonialismo através da guerra e partilha do mundo.

Desta forma, podem-se compreender os três principais obstáculos a serem pensados e solucionados pelo Movimento Operário para a real compreensão e superação de suas dificuldades atuais, que como tal, alimentam o caldo de cultura reacionário que proclama sobre a compreensão racional da profunda crise vivida pelo sistema capitalista em sua estrutura orgânica como capital, uma concepção reacionária metafísica irracional que distorce a realidade objetiva e subjetiva, através do domínio conceitual desta última na interpretação da primeira. Ao substituir a realidade concreta, que exige transformações revolucionárias já desenvolvidas, por uma realidade abstrata e distorcida em absoluto, esconde através de todos os meios de corrupção a realidade de contradições e soluções possíveis. A classe capitalista burguesa atual, em especial suas oligarquias, além da corrupção do sistema econômico fundado na lei do valor, que transforma a força de trabalho potencial precificada em salário sempre inferior à força de trabalho real aplicada na produção no interior da fábrica, encobrindo a mais-valia pelo que denomina lucro, nos dias atuais necessita, além desta corrupção econômica, a corrupção da ciência, cada vez mais convertida em ideologia no sentido de distorção da realidade, pois é com base nesta ciência corrupta que se fundamentam as formulações pseudocientíficas que escondem da realidade a existência da classe operária e da luta de classes como fundamento do desenvolvimento histórico e a razão essencial para a existência desta estrutura de classes e a luta inconciliável entre seus interesses: a mais-valia.

Este fato é ainda mais sintomático quando se investiga a base de dados estatísticos oficiais cientificamente aceitos, a exemplo das estatísticas apresentadas pelos relatórios anuais de desenvolvimento econômico mundial. Um breve olhar sobre os relatórios de 2008 e 2012 demonstra que a população economicamente ativa mundial cresceu de 2,322 bilhões, em 1990, para 2,770 bilhões em 2000, e para 3,223 bilhões em 2010. No Brasil, segundo a mesma fonte, cresceu de 62,6 milhões em 1990 para 83,7 milhões em 2000, chegando a 101,6 milhões em 2010. Somente destes dados, grosso modo, pode-se concluir um crescimento absoluto da força de trabalho no mundo e também no Brasil. Portanto, não é possível concluir-se de tais dados um suposto desaparecimento da classe operária no mundo, mesmo considerando a diminuição relativa do setor manufatureiro na composição dos empregos por atividade produtiva na estrutura da força de trabalho e menos ainda sua importância estratégica na produção do elemento essencial que funda toda a estrutura de produção e reprodução do sistema social do capital, que é a produção de mais-valia. Naturalmente, os teóricos da classe dominante, por sua manipulação das teorias e conceitos constituídos em paradigmas para interpretação da realidade objetiva e subjetiva procuram encontrar discrepâncias na construção das categorias sociais com que interpretam a dinâmica da economia, da política e da sociologia da sociedade atual, mas a fraseologia conceitual e mesmo os sistemas teóricos artificiais fundados nas mesmas não se sustentam ao impacto com a realidade material e histórica, basta comprovar estes fatos com a realidade apresentada pela crise do capital nos países considerados de economia avançada e modelos de desenvolvimento do capitalismo a serem seguidos: Estados Unidos, Europa e Japão.

Como se pode observar durante esta primeira década do século XXI, a teoria do neoliberalismo foi totalmente desmoralizada. A teoria da nova economia sucumbiu no fosso da Nasdaq e o discurso da nova era pós-moderna sucumbiu nas guerras imperialistas e neocoloniais. Sem dúvida, a classe burguesa sofreu transformações, passou a empregar todos os recursos racionais desenvolvidos pela ciência apropriando-se particularmente desta força produtiva social, mas ao mesmo tempo fragilizou mortalmente seu desenvolvimento, tornando-a apêndice do objetivo do lucro e expropriação da mais-valia dos trabalhadores, bem como submetendo-a a uma profunda corrupção ideológica que ao fim e ao cabo apresentou-se diante da crise. Deste modo, apesar de toda a fragilização a que é submetida a teoria de Marx, o próprio movimento de crise a fez reemergir como alternativa real à compreensão teórica e prática da realidade material de crise do capital. E, com ela, a recuperação das categorias e conceitos do marxismo, tais como classe social, consciência e luta de classes com as quais se interpretam as manifestações operárias na Grécia, Espanha, França, a falência política do governo na Holanda, o débâcle da dívida pública na Irlanda e, em síntese, todo default econômico e político dos EUA e as manifestações de caráter social e político dos trabalhadores e juventude acadêmica, a exemplo do processo no Japão.

A Classe Operária e suas organizações de vanguarda devem refletir profundamente sobre este quadro que avança cada vez mais ameaçadoramente sobre o próprio país. Apesar do governo brasileiro desempenhar um papel importantíssimo dentro da geopolítica da América Latina, tendo em vista a situação de fragilidade do processo revolucionário ante a reação neoliberal do imperialismo, não pode pensar que tal condição lhe coloque imune ao movimento objetivo do capital em crise e da realidade subjetiva que lhe é consequente em termos do conflito entre os interesses do Povo Brasileiro e o imperialismo, e menos ainda entre os interesses da Classe Operária e dos Trabalhadores em geral e a classe burguesa e suas oligarquias no país. Esta realidade está chegando mais rápida do que se supõe, e crescerá com a pressão dos trabalhadores sobre objetivos básicos fundamentais a sua existência de classe em contradição com a apropriação monopolista privada do produto social. O conteúdo vivo do Primeiro de Maio de 1886 na organização e luta do Movimento Operário neste Primeiro de Maio de 2012 continua fundado na luta pela redução da jornada de trabalho, elevação dos salários a ganhos reais, e melhores condições de trabalho, tais como a reconquista da estabilidade do emprego e manutenção da Previdência Social pública. Este conteúdo vivo na luta histórica dos trabalhadores não pode ser subestimado, nem apagado por atos oficiais de governos capitalistas, apresentações musicais, sorteios de automóveis, apartamentos ou vagas de emprego, pois presente a este conteúdo está a contradição que eleva a luta real da classe operária, da forma econômica à forma de luta política pelo poder: a Revolução Comunista.

Salve o Dia Internacional dos Trabalhadores!
Salve o Internacionalismo Proletário!
Salve a Revolução Mundial!
Ousar Lutar, Ousar Vencer!

1º de Maio de 2012

Partido Comunista Marxista-Leninista (Brasil)



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Marx e a fábula do lacrau


Aurélio Santos
 
Conta uma velha fábula que o lacrau pediu à rã para o ajudar a atravessar um rio. A meio da cor­rente cravou-lhe no dorso o seu ferrão, dizendo enquanto ambos se afogavam: «Que queres? Eu não posso fugir à minha natureza».

O capitalismo, instalado nas costas do mundo, está fazendo como o lacrau da fábula: Que querem? Ele não pode fugir à sua natureza...

Marx e Engels, no seu «Manifesto do Partido Comunista», essa obra que marcou a nossa época, já apontavam a natureza maléfica do capitalismo:

A burguesia – dizia o Manifesto – «é incapaz de assegurar ao seu escravo (o assalariado) a própria existência no quadro da escravidão, porque é obrigada a deixá-lo afundar-se numa situação em que tem de ser ela a alimentá-lo em vez de ser alimentada por ele». A sua dominação – concluía – «já não é compatível com a sociedade».

Basta um mergulho na história do capitalismo para lhe sentir a natureza exploradora, farejadora de lucros, com o internacionalis­mo latente, permanente e determinado de ladrão profissional.

O capital não possui qualquer ideal que vise o bem estar da sociedade. Nos dias de hoje, como se está vendo, a sua principal produção é a pobreza.

Desde o século XVI ele é o grande roubador da riqueza feita de atividade humana. Roubando trabalho e idéias, que também são trabalho. Faz promessas eufóricas a quem aceite obedientemente a sua natureza: explorar para uns quantos privile­giados; ser explorado para a esmagadora maioria produtora do trabalho real que faz mover o mundo.

Obviamente, o capital concentra no socialismo o alvo preferencial da sua raiva, promovendo com ódio campanhas anticomunistas, que pretende utilizar como vacina pelo terror, caluniando-o como idéia utópica de sonhadores loucos, levada à prática por ditadores cruéis. Campanha que abocanhou raivosamente a experiência breve de construção do socialis­mo em menos de um século, enquanto o capitalis­mo, após quatro séculos de dominação arras­ta o mundo para o seu afogamento: que querem, ele não pode fugir à sua natureza...

Que o nosso mundo não se resigne a ser a rã transportando docilmente no seu dorso o lacrau capitalista.

Original em Avante!
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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Os Indiferentes

Antonio Gramsci

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar.

A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso.

Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então se zangam, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis.

Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir o pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.

CRÉDITOS
Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
HTML de: Fernando A. S. Araújo
Publicado em PCB
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License

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sábado, 19 de junho de 2010

O capitalismo é responsável pela deterioração ambiental

Orfilio Peláez


O capitalismo não pode regulamentar, e muito menos resolver a crise mundial desatada por ele, em particular a ecológica, porque fazê-lo requer pôr limites à acumulação de riquezas e essa opção é inaceitável para um sistema, cuja divisa é crescer ou morrer.

Assim o manifestou o presidente da Academia das Ciências de Cuba, doutor Ismael Clark, em conferência magistral na cerimônia de abertura do 2º Colóquio Internacional José Martí: Por uma cultura da natureza, efetuada na Aula Magna da Universidade de Havana, e à qual assistiu o membro do Bureau Político e ministro da Cultura, Abel Prieto Jiménez.

Clark disse que com a expansão da revolução industrial e a crescente demanda de energia, o meio natural virou um componente mais da riqueza econômica para o desenvolvimento do capitalismo. Isso conduziu a uma marcada deterioração ambiental caracterizada pelo desflorestamento indiscriminado, a poluição, e a perda da biodiversidade, na opinião dos peritos, a mais terrível seqüela devido a sua magnitude e irreversibilidade, sentenciou.

Lembrou que na sua época, Martí alertava sobre os perigos que poderia causar a injustificável agressão humana à natureza, quando expressou: “Comarca sem árvores, é pobre, cidade sem árvores, é malsã, terreno sem árvores, chama a pouca chuva”.

O também presidente do Comitê Científico do 2º Colóquio indicou que hoje a ética científica afronta o desafio de buscar enfoques conforme as necessidades básicas, mas por sua vez, que engrandeçam o bem-estar e a condição humana.

Durante o ato também discursaram o doutor Armando Hart Dávalos, presidente do Comitê Organizador do evento; o diretor do Escritório Regional da Cultura para a América Latina e o Caribe e representante da UNESCO em Cuba, Herman Van Hoff;o reitor da Universidade de Havana, Gustavo Cobreiro e o coordenador executivo deste Colóquio, Gustavo Robreño.

Também marcaram presença delegados e personalidades convidadas ao fórum, familiares dos Cinco Heróis e membros do corpo diplomático credenciado em Cuba.

Original em Granma
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Socialismo científico ou marxismo

Partindo do estudo histórico sobre a transição de umas sociedades a outras, Karl Marx e seu colaborador e amigo Federic Engels realizaram uma análise da sociedade capitalista, investigando as suas contradições e propondo os meios para sua destruição.

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O marxismo se distanciava dos postulados teóricos, reformistas, idealistas e supostamente irrealizáveis do socialismo utópico.

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A Revolução de 1848 constituiu um momento chave no desenvolvimento desta nova corrente socialista, pois, uma vez frustrada, o marxismo substituiu o socialismo utópico como corrente ideológica trabalhista dominante, elegendo-se em motor e referencial de boa parte dos movimentos revolucionários da segunda metade do século XIX y XX. Foi precisamente em 1848 quando se publicou o "Manifesto comunista”, a obra mais conhecida do marxismo.

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As idéias marxistas não se resumem a um bloco unitário, pois os escritos de Marx vêm sendo completados com o tempo e têm sido objeto de profundos estudos.

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O socialismo científico ou marxismo apresenta influencias de correntes anteriores, destacando as que precedem da filosofia alemã hegeliana (materialismo diabético), a do ideário de revolucionários como Babeuf e a de ativistas operários como Blanqui.

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Em seus escritos "Tese sobre Feuerbach" (1845), "Miséria da Filosofia" (1847), o já aludido "Manifesto Comunista" e sobre tudo "O Capital", Marx e Engels desenvolveram uma teoria na qual destacam os seguintes aspectos:

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* O materialismo histórico

* A lei da acumulação do capital

* A mais valia

* A luta de classes

* A ditadura do proletariado

* A sociedade sem classes

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O materialismo histórico

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Para o marxismo, são as circunstâncias materiais e não as idéias ou a vontade dos homens o que determinam os fatos históricos. Em tal sentido, diferencia entre infra-estrutura (a economia) e superestrutura (a organização do Estado, os aspectos políticos, jurídicos, ideológicos, o pensamento filosófico, as crenças religiosas, a produção artística, os costumes, etc.).

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Entre ambas instancias existe uma estreita relação dialética. A infra-estrutura econômica constitui a base da historia e gera umas determinadas relações de produção. As variações na infra-estrutura provocam por sua vez mudanças na superestrutura, mas não de forma mecânica automática, mas que cada instancia exerce uma peculiar influencia sobre a outra. Em longo prazo, no entanto, o papel determinante corresponderá à infra-estrutura.

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Esta dinâmica deve ser situada na ação que exerce sobre o marxismo a teoria do processo diabético de Hegel. Segundo este filósofo cada fato ou circunstancia (tese) leva em seu seio sua própria contradição (antítese). Da luta entre ambas surge uma nova realidade (síntese) que implica na superação das anteriores e que por sua vez se transforma em uma nova tese.

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A humanidade tem passado por vários estágios com diferentes estruturas e suas próprias contradições: sociedade comunitário-tribal, escravista, feudal e capitalista. Nesta última a burguesia criou algumas condições (econômicas, legais, alguns modos de vida e até a religião) que lhe permitem prosperar material e socialmente, mas as custa do proletariado. Do maior ou menor desenvolvimento do movimento operário depende que a classe trabalhadora reconheça quais são realmente seus interesses e lute por eles através da ação revolucionaria.

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A acumulação do capital

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A intensificação da exploração dos operários (aumento do ritmo de trabalho, emprego de mão de obra infantil, jornada de trabalho abusiva, etc.), permite ao capitalista incrementar seus ganhos. No entanto, os lucros se concentram em cada vez menor número de empresários devido a que uma parte destes - os menos competitivos - vão desaparecendo e engrossando as filas dos pobres, o proletariado.

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A mais valia

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Poderia definir-se como a diferença entre a riqueza produzida pelo trabalho do operário e o salário que este recebe do patrão. Essa remuneração serve para fazer frente aos gastos de alimentação, vestuário e moradia que necessita para subsistir e seguir trabalhando, mas não satisfaz o total do valor do trabalho realizado. Este fato implica no enriquecimento do capitalista, produto da apropriação de parte da atividade realizada. A mais valia seria por tanto, a parte do trabalho que o empresário deixa de pagar ao trabalhador.

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A luta de classes

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As classes sociais para o marxismo estão definidas pelas relações de produção, isto é, pela forma como os homens produzem mercadorias. No seio das relações de produção, o papel que ocupa cada individuo está determinado pela divisão do trabalho, isto é, aqueles que desenvolvem uma mesma atividade - e por tanto estão submetidos a idênticas condições - Forman uma classe social. As classes sociais são determinadas pelo lugar que ocupam no processo de produção da riqueza. Alguns a produzem e outros se apropriam de uma porção da mesma. Dessa relação não cabe esperar senão o antagonismo e a hostilidade entre explorados e exploradores. Marx y Engels.

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Ao longo da historia sempre tem havido classes colocadas frente a frente. Nas sociedades escravistas (Grécia e Roma na Antiguidade) foram antagônicos os proprietários livres e os escravos; no seio da sociedade feudal o enfrentamento se estabeleceu entre nobres e eclesiásticos por um lado e servos por outro.

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No seio da sociedade capitalista ocorre igual: a luta de classes é protagonizada pela burguesia, proprietária dos meios de produção (capital, fábricas, máquinas, transportes, etc.) e pelo proletariado que, ao dispor unicamente de sua força de trabalho, se vê obrigado a vender-la em troca de um salário que escassamente serve para satisfazer a sobrevivência.

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Os interesses de ambas as classes são antagônicos e incompatíveis e conduzirão inevitavelmente ao enfrentamento. À medida que o capitalismo vá se desenvolvendo o número de operários aumentará o que, unido à deterioração de suas condições de vida, conduzirá à revolução.

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A revolução terá como objetivo conseguir uma sociedade perfeita onde não existam nem exploradores nem explorados. Para isso será imprescindível a abolição da propriedade privada, isto é, a socialização dos meios de produção, evitando a mera substituição dos antigos proprietários por outros novos.

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A ditadura do proletariado

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Uma vez que a classe operaria tenha tomado consciência da exploração e opressão que sofre, se organizará entorno de partidos de caráter revolucionário, sendo dirigida por uma vanguarda especialmente capacitada e ativa, empenhada em planificar a destruição do sistema capitalista.

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Essa ação que não deveria limitar-se a um só país já que, sendo as condições e os interesses da classe trabalhadora idênticos em todo o mundo capitalista, deveria ser solucionada internacionalmente.

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Através da ação revolucionaria os operários devem derrubar o governo da burguesia e substituí-lo por um de caráter proletário. Isso pode requerer o uso da violência, pois os trabalhadores se encontram em oposição da classe dominante (¹).

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Uma vez conseguido o controle do Estado será necessário salvaguardar as conquistas realizadas mediante o exercício de uma ditadura dos trabalhadores (²), constituindo este o primeiro passo para a construção de uma sociedade comunista sem classes.

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O novo Estado que surge da revolução deverá suprimir a propriedade privada dos meios de produção (elemento primordial na exploração da classe operaria) e substituí-la pela propriedade coletiva.

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A tese da ditadura do proletariado tem sido uma das mais controvertidas do marxismo, já que implica na conquista de uma das chaves da superestrutura social: o Estado. O modo de consegui-lo tem sido criticado por alguns autores posteriores a Marx, chamados pelos marxistas clássicos de revisionistas.

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A sociedade sem classes

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Uma vez consolidado o novo Estado, o peso deste tenderá a diminuir até desaparecer, pois ao haver desaparecido as ameaças que posavam sobre ele, o aparato opressor deixará de ter sentido e cada individuo trabalhará voluntariamente em beneficio da comunidade.

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As relações de produção se terão transformado e os meios de produção não estarão concentrados nas mãos de uma minoria, pois que serão coletivos. Por tanto, já não haverá nem opressores nem oprimidos, tão somente uma classe social, a trabalhadora. Em seu seio reinará a solidariedade e a harmonia entre homem e trabalho, este já não será fonte de sofrimento e desequilíbrio. Dissipar-se-ão por isso mesmo as diferenças entre campo e cidade, entre trabalho manual e intelectual. Em suma, se terá alcançado uma espécie de paraíso na terra, o da sociedade comunista.

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(¹) A colocação pode parecer um tanto forte, mas não é também uma violência a exploração sem limites da classe operária por parte da burguesia? A operária que não pode ficar cuidando filho doente sob pena de demissão, não é uma violência? E o salário de fome, não será uma violência? (NT)

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(²) O termo “ditadura dos trabalhadores” é utilizado em contraposição à “ditadura da burguesia” que rege a sociedade capitalista. (NT)

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Original em Tribuna Popular

Tradução Rosalvo Maciel

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A lição da RBS

O trabalho duro e comprometido junto às empresas capitalistas não nos garante qualquer compaixão
Elaine Tavares

.Eu tinha pouco mais de 20 anos quando comecei a trabalhar na televisão. Era uma empresa da RBS em Caxias do Sul. Encantada com o mundo do jornalismo, o qual eu perseguia desde menina, “vestir a camisa” da empresa me parecia a coisa mais certa a fazer. O trabalho passou a ser minha própria vida. Não havia separação. E era comum fazer milhares de horas extras sem ganhar nada, trabalhar nos finais de semana, feriados. Eu amava o Otaviano, meu chefe direto, que era um competente jornalista e me ensinou quase tudo o que eu sei, tinha profundo carinho pelo diretor da TV, o seu Ênio e atuava com companheiros do mais alto gabarito, seja no nível da reportagem (Britto Jr) ou da imagem (Vaderlei, Dino, Luis). Não via qualquer contradição entre capital X trabalho. Era uma alegre e bem comportada funcionária da RBS. Até que um dia, e própria empresa me deu uma lição que jamais pude esquecer.

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Dentre os trabalhadores da rede, havia um por quem eu tinha muita ternura. Não vou aqui dizer o seu nome, mas ele atuava na área da engenharia. Era um pouco assim como eu. A empresa era sua primeira pele. Tudo fazia por ela e os colegas diziam que ele tinha trabalhado com Maurício (o criador da RBS) desde os tempos de Passo Fundo. Amava a RBS mais que a si mesmo, mas era totalmente puxa-saco. Como ele vinha muito à Caxias a gente sempre conversava muito e eu, espevitada, me irritava um pouco com aquilo. A gente brigava.

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Naqueles dias de 1983 eu já incursionava pelas reuniões de sindicato da cidade, por conta das reportagens e admirava uma mulher, presidente do sindicato dos gráficos, que iniciava a construção do Partido dos Trabalhadores por lá. Foi quando comecei a me enredar nestas coisas da política e a perceber que as empresas capitalistas existem para sugar o sangue dos trabalhadores. Comecei a observar melhor minha relação com a RBS. Entrei para o sindicato dos radialistas e passei a exercer a função de delegada sindical. Tudo mudou pra mim e nas conversas que eu tinha com esse amigo, ele me dizia: “Olha, tu deixa isso pra lá, tu vai te queimar. A empresa te dá um pé na bunda. Larga de política e vai trabalhar”. Óbvio que não larguei, ao contrário, e quem me incentivou a mergulhar nisso foi a própria RBS.

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Ocorre que esse meu amigo estava para se aposentar. Ele fazia planos, mas sofria por se saber fora daquele lugar que era a sua vida. E a gente falava muito sobre isso. Então, um dia, sem mais, nem porquê, nos chegou a notícia: o companheiro havia sido demitido. Tinha mais de 25 anos na empresa, a um passo da aposentadoria. Ficou sem eira nem beira, no chão. A RBS era seu mundo. Estava acabado. Cheguei a vê-lo meses depois, um homem arruinado. Então, na aurora do despertar da minha consciência de classe eu percebi: quando a gente vende a força de trabalho para uma empresa capitalista, duas coisas podem acontecer.

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1 – Tu luta, e é demitido.

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2 – Tu não luta, se esforça, defende e ama a empresa, e é demitido também.

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A empresa me ensinou. Nunca mais tive dúvidas. E desde então, onde quer que vá, estou sempre na luta, no sindicato, nos movimentos. Porque o sistema que nos oprime não tem compaixão. O grande jornalista José Martí já educava. Melhor morrer de pé que viver ajoelhado.

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No último mês de janeiro deste 2010 vários companheiros jornalistas desta mesma empresa foram demitidos. Muitos deles com mais de 15 anos de casa. Gente que deu seu sangue, sua vida pela RBS. Foram mandados embora assim, sem mais, nem menos. Talvez a empresa os considere velhos, sem criatividade e afinal, há um exército de meninos e meninas à espreita, esperando uma vaga na prima-irmã da platinada. Estes companheiros e companheiras fizeram tudo certinho, trabalharam com afinco e dedicação, raros se meteram em lutas laborais. E esta é paga. Eu aqui me solidarizo com estes companheiros, por quem tenho profundo respeito e admiração. Posso imaginar a dor e a perplexidade, assim como senti naquele longínquo amigo.

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Então escrevo essas linhas, para lembrar aos jovens esta triste lição: o trabalho duro e comprometido junto às empresas capitalistas não nos garante qualquer compaixão. Neste sistema perverso só a luta coletiva nos leva a conquistas de vida digna. Só a luta solidária nos aproxima e nos irmana na busca de um mundo novo. Estarmos juntos e em comunhão é nossa única opção contra a rapina do capital!

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Elaine Tavares é jornalista.

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Original em Brasil de Fato

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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Força de vontade, a falácia capitalista

Para ser eficaz, a ideologia de dominação capitalista deve impregnar o sujeito dominado, contaminá-lo com suas premissas e torná-lo um de seus divulgadores. Para isto é vital que este sujeito sinta-se incluído no seleto rol dos que merecerão alguma recompensa, que o fará distinguir-se dos demais.

Semelhante à religião, o capital cria seus dogmas e ritos de conduta, que são reproduzidos e reafirmados até tornarem-se aceitos como verdades, fazendo de quem deles discorde alguém passível de exclusão do modelo proposto e aceito. Só assim para justificar e respaldar a ferocidade competitiva e os valores distorcidos necessários ao ganho e acumulação de capital.

Por isto o capitalismo produz seus mitos. Talvez um dos piores e mais cruéis, a nefasta teoria da força de vontade. Segundo este dogma basta querer e trabalhar muito e qualquer um pode tornar-se rico, realizar seus sonhos, entrar no pequeno círculo dos poderosos. A saída é individual; as chances são para os melhores. Quem já participou de algum workshop de vendas quase se convenceu que, vendendo cabides inteligentes, descascadores de ovos ou assinaturas de revistas, pode, em curto prazo, tornar-se um empreendedor de sucesso e enriquecer. É só força de vontade: O capitalismo é o sistema onde quem quer, consegue, dizem eles.

Aqui não se fala em fortunas seculares e acumuladas as custas de exploração e sacrifício de trabalhadores, de heranças indecentemente não tributadas, de especulação financeira. Pessoas com força de vontade não prescindem de dinheiro familiar, nem privilégios: trabalham e constroem suas próprias fortunas, tendo como ponto de partida a premissa da sociedade de chances, maior esforço e talento nato. Alguns, segundo eles, nascem para a riqueza, outros para o trabalho. Como se alguém tivesse vocação nata para ser explorado. E os (milhões) que não alcançam o sucesso, afinal, podem sempre contentar-se em ser pobres, porém felizes.

A força de vontade como panacéia universal encontra terreno fértil no neoliberalismo dos dias atuais, quando depois de toda a luta do movimento sindical para reduzir a jornada, o trabalho a mais é vendido como alternativa para aumentar os ganhos e impulsionar carreiras. Com a precarização do trabalho e burlando a legislação vigente, os trabalhadores transformados em colaboradores dedicam horas a mais sem remuneração, já que se sentem parte integrante da engrenagem. E é justamente nestas empresas que se verifica a maior incidência dos casos de assédio moral, capazes de levar os trabalhadores da depressão ao suicídio.

A força de vontade, porém, cria outras exigências: Ela deve excluir do trabalhador seu sentimento de classe, transformá-lo num aspirante a executivo, um crítico contundente às entidades de classe e a sentimentos para eles piegas, como solidariedade. O bom futuro capitalista não deve envolver-se em política, ou caso isto ocorra, deve encarar este contato como possível carreira, como se políticos fossem todos ou corruptos ou fonte inesgotável de favores pessoais. Deve tratar algum favor pessoal prestado por ele aos superiores como uma oportunidade de reconhecimento e demonstração de sua boa vontade. Outros trabalhadores são seus concorrentes, e, na medida do possível, devem ser deixados para trás.

Força de vontade, segundo o capitalismo, é o que falta aos moradores de rua, aos desempregados, aos excluídos. Quem tem força de vontade não precisa nem mesmo de cotas para entrar na universidade. Prisões estão lotadas de seres sem... força de vontade. Força de vontade supera a falta de boas escolas, de boa alimentação ao longo da vida, assistência médica de qualidade. Força de vontade não leva em consideração nem mesmo a lógica dos cálculos que atestam falta de vagas, a precariedade dos empregos, a concentração de renda, ou seja, a impossibilidade de atender a todas as demandas criadas pelo capitalismo.

Enquanto lutamos pela redução da jornada, por condições de trabalho, pela solidariedade entre trabalhadores, por políticas inclusivas, vemos cada dia mais trabalhadores, geralmente os mais jovens, caírem no engodo da saída individual, de necessidades criadas que lhes consomem o salário do mês, da falácia de um dia tornar-se um dos vencedores. Mas a triste realidade para eles é que o máximo atingido em suas carreiras é algum posto de chefete, trabalhando horas a mais sem nada ganhar por isto, fazendo o papel de feitor moderno, oprimindo seus iguais enquanto sonha com a grande chance que o imperialismo nunca vai lhe conceder.
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* Funcionária pública, direigente municipal do PCdoB de Porto Alegre, estudante de ciências sociais da UFRGS. Dirigente da Semapi - RS
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Original em Vermelho

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

TEORIA MARXISTA

O Capitalismo e a Natureza

Abordar as «alterações climáticas» deve (…) ser uma tarefa de capital importância desde que desvendemos desde já as «armadilhas ideológicas» que estão montadas na tese catastrofista e da sua origem antropogênica. A encruzilhada em que a Humanidade se encontra é a que resulta das limitações históricas do capitalismo e que serão apenas solucionadas pelo poder criativo dos homens e das mulheres, superando a forma de organização social, econômica e política do capitalismo e capitalizando todos os meios já hoje disponíveis e os que mais possamos desenvolver no caminho da luta para substituir o capitalismo pelo socialismo, rumo ao comunismo”.

Miguel Tiago*

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A Natureza é o substrato do desenvolvimento e o meio em que se desenvolve a luta de classes. É também na relação com os recursos naturais que se trava uma disputa de interesses de classe antagônicos, na medida em que a utilização desses recursos é uma base fundamental da construção da sociedade humana.


A atual fase do capitalismo, de evidente aproximação dos seus limites históricos, tem agravado os impactos da exploração capitalista também no quadro da relação entre as sociedades e a Natureza. A apropriação da produção é acompanhada por uma apropriação direta dos recursos, mercantilizando mesmo os bens ambientais, o que bem demonstra o caráter predatório do sistema capitalista e a urgente necessidade de o ultrapassar, na medida em que a Natureza contém o conjunto de recursos finitos que são fundamentais para o desenvolvimento integrado da Humanidade. O seu esgotamento, ou destruição têm implicações diretas sobretudo nas camadas trabalhadoras, tendo em conta a elitização galopante do acesso à qualidade de vida e ambiental. A luta dos trabalhadores e dos comunistas é, por isso mesmo, também uma luta em defesa da preservação e da gestão racional dos recursos naturais, subordinando a sua gestão aos interesses comuns e não à acumulação de lucros.


A atual campanha mediática e política em torno das preocupações ambientais não deve pois passar ao lado das preocupações do Partido, numa abordagem crítica e transformadora. Um dos eixos principais daquilo a que a Resolução Política do XVIII Congresso do PCP descreve como o «dogma ambientalista» é a campanha política em torno das «alterações climáticas». Significará essa nossa análise uma secundarização das preocupações ambientais? Antes pelo contrário, a desmistificação desse «dogma» é a única forma de intervir realmente sobre os problemas que cada vez mais se agudizam na relação capitalismo – Natureza. Esses problemas, traduzidos na dilapidação dos recursos e no conseqüente empobrecimento das camadas trabalhadoras que deles dependem direta ou indiretamente, são fruto de características intrínsecas ao funcionamento do sistema capitalista. Decorre da lei da baixa tendencial da taxa de lucro e das suas contradições internas, a necessidade de o capital [1] continuar permanentemente o seu esforço de expansão – o que é bem sintetizado por Engels quando afirma «[O capital] tem de permanecer em crescimento e expansão, ou terá de morrer.» [2], permitindo assim a continuidade da sua força motriz: a taxa de lucro. Isso tem implicações muito concretas na gestão de recursos naturais e na sua apropriação, sendo que são, em grande medida, a fonte de toda a matéria-prima ou elementos fundamentais à vida de todos os seres humanos. Nesse caminho de crescimento e acumulação, os bens ambientais tornaram-se mercadorias à luz da perspectiva da classe dominante.

É neste quadro que se torna decisiva a inclusão das questões ambientais na luta de massas e na luta dos trabalhadores. No atual cenário de crise global da economia capitalista, o próprio sistema é confrontado com um momento de decisões críticas em torno dos paradigmas produtivos, econômicos e financeiros que sustentam o capitalismo na sua fase de desenvolvimento atual. Depois de ampla e claramente falhada qualquer conseqüência positiva visível do Protocolo de Quioto, seria de esperar uma reavaliação dos instrumentos de intervenção por parte dos organismos internacionais, nomeadamente da Convenção Quadro para as Alterações Climáticas (UNFCCC), organismo das Nações Unidas. Ao invés disso, a Conferência das Partes dessa Convenção em Copenhagen assume-se como a clara sucessora de Quioto e Bali, mantendo precisamente os mesmos instrumentos, e centrando a intervenção das sociedades humanas nos aspectos meramente financeiros, sem assumir e, mais grave ainda, mascarando a necessidade urgente de proceder a profundas transformações de natureza anticapitalista.


É certo que após a explosão da crise econômica e estrutural do capitalismo, muitos são os que falam de «novo paradigma» e de «maior intervenção e regulação» do Sistema, acompanhados dos que supostamente promovem o «novo paradigma energético». No entanto, é revelador que sejam esses os primeiros a dogmatizar o funcionamento da economia capitalista como ponto de partida para qualquer «novo paradigma». Na esteira dos ensaios em torno de «sustentabilidade», «desenvolvimento sustentável» (ver Relatório Brundtland [3]), surgem as novas diversões ideológicas do sistema capitalista orientadas no essencial sempre pelo mesmo objetivo central: permitir a continuidade e aprofundamento da apropriação de mais-valias através da exploração do Trabalho. O equilíbrio em que o capital vai jogando estes novos «trunfos» da ofensiva ideológica é, porém, cada vez mais instável, tendo em conta as flagrantes assimetrias na distribuição dos benefícios tecnológicos, dos recursos naturais e da riqueza produzida.

Chegados a este ponto da História, dos seres humanos e do planeta, torna-se evidente a necessidade de harmonização entre as atividades humanas e a dinâmica da Natureza mas, ainda assim, muitas dúvidas, nomeadamente científicas, persistem sobre as formas e a extensão das influências de cada uma das atividades humanas na Natureza e, particularmente, no clima, sobre o qual recai grande parte do arsenal ideológico do capitalismo. Nesta sua fase de desenvolvimento, no limiar desse «novo paradigma econômico e energético», importa essencialmente desmontar as suas contradições inerentes.

No seguimento do Protocolo de Quioto, da criação dos mercados de licenças de emissão de Gases com Efeito Estufa (GEE), das negociações internacionais, surgem novas ofensivas globais que visam essencialmente apropriar a Natureza e o Meio Ambiente como mercadoria e filão de negócios absolutamente incomensuráveis, por um lado e servir de argumento para-científico de chantagem e de diversão ideológica, por outro. O sistema capitalista busca agora em cenários de alterações climáticas (depois de «aquecimento global» se ter revelado um termo equívoco) o elemento de distração sobre os reais problemas que se colocam no plano político e econômico-social. A solução para os problemas da relação entre o ser humano e a Natureza não reside em alterações de fachada no sistema, mas sim na ruptura radical com o próprio funcionamento do sistema, superando-o historicamente.


A comunicação social tem desempenhado um papel fundamental na difusão de um dogma ambientalista que, não funcionando como argumento em si mesmo, é revelador das pressões que existem para a criação de uma cultura supostamente científica em torno de um alarmismo e histeria que é contraditada por dúvidas e outros estudos científicos convenientemente escondidos pela comunicação social dominante. É importante ter a consciência de que a Investigação Científica é também um processo social, sujeito a instrumentalização pela classe dominante. Não é descartável o fato de existirem estudos diversos que não reconhecem existência de relação causa-efeito entre a concentração atmosférica de CO2 e a temperatura à superfície da Terra, da mesma forma que devemos ter presente a evidência segura de muitas variações climáticas ao longo da história do planeta, determinadas por fatores muito diversos. No que toca ao Ártico, por exemplo, o atual alarmismo deve ser questionado quando olhamos para a série de dados que retrata os mínimos de área de mar gelado e verificamos que não existe uma tendência tão alarmante quanto isso, sendo que o mínimo de 2007 (cerca de 4.200.000 km2) é bem inferior ao mínimo de 2009 (5.249.844 km2)[4]. Na verdade, muitos outros dados apontam para uma variabilidade climática do planeta muito significativa ao longo da sua história de mais de 4,6 mil milhões de anos, sem qualquer ligação que comprove dependência relativa às concentrações de CO2.


A climatologia e a paleo-climatologia não são propriamente ciências simplistas como se tem vindo a tentar fazer crer e não se compadecem com modelações baseadas em «regras de três simples» tão elementares quanto as que deram origem à tese ultrapassada do aquecimento global em «hockey-stick» (a primeira hipótese de subida de temperatura quase como se fosse diretamente proporcional às concentrações atmosféricas de CO2). É também urgente denunciar que, ao contrário do que se assume muitas vezes publicamente, o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) – ainda que constituído por uma vasta rede de investigadores – não é um organismo científico, mas político, do qual não resultam necessariamente conclusões científicas na verdadeira acepção do conceito, ou seja, os relatórios finais do IPCC não são alvo de avaliação independente nem sujeitos a confronto em testes experimentais, como se exige a qualquer trabalho científico para ser validado.


A mercantilização dos bens ambientais, a diversão ideológica, o branqueamento das responsabilidades de classe são todos efeitos diretos da histeria de massas que se pretende agudizar com a generalização do «dogma».


É, por exemplo, paradoxal que mesmo quando os custos de produção energética são menores cresçam os seus custos finais. Essa relação entre custos de produção e preço revela bem o inquantificável aumento de lucro que as companhias de produção energética obtêm da chantagem ambientalista, importante componente desse aumento de preço, aliada obviamente à pressão especulativa que controla todo o mercado dos combustíveis fósseis com repercussões nos custos da produção e distribuição de energia final. A alteração de «paradigma econômico e energético» de que a classe dominante tanto fala é, no essencial, resumida a um conjunto de alterações na produção, mas mantendo perfeitamente intocada a matriz que reside, não na produção mas na organização e posse dos meios de produção, ou seja, no modo de produção. O que está hoje em causa é mais do que saber se a energia pode ou não ser obtida de fontes renováveis e limpas, mas sim até que ponto o capital se apropria da produção energética proveniente dessas fontes. O grau de apropriação capitalista determinará o grau de utilização dessas fontes e dessas tecnologias e é essa barreira que os trabalhadores de todo o mundo devem vencer, sob pena de subsistir, não apenas a injustiça inerente à exploração capitalista, mas também a dilapidação da Natureza e dos seus recursos na medida em que constituem, não recursos econômicos comuns, mas apenas mercadorias a valorizar e a gerar lucro.


O mecanismo subjacente ao Protocolo de Quioto e, ao que tudo indica, ao futuro de Copenhagen está longe de ser uma solução para a diminuição da emissão de GEE, mas poderá vir a ser, sem dúvida, um dos mais importantes mercados da atualidade, na medida em que a bolsa de carbono poderá representar a curto prazo um mercado de mais de 700 mil milhões de dólares. Não podemos ignorar que a constituição de uma bolsa de licenças de emissão significa a transferência de riqueza entre diferentes sectores sociais e produtivos, bem como o aumento dos custos do consumo da energia, através da transferência de custos em torno de mecanismos não produtivos (como a transação em bolsa de licenças de emissões) para o consumidor.


Com esta política, não só se escamoteiam as reais responsabilidades de classe, como se dão os primeiros passos para a privatização dos recursos atmosféricos, como é o ar que respiramos. É absolutamente inaceitável que a resposta a uma hipotética influência antropogênica no clima seja resolvida com a privatização da atmosfera. Com essa estratégia o capital também encobre os mais graves impactos da poluição atmosférica, que são bastante mais vastos que os que se crêem existir sobre o clima, nomeadamente no que toca à saúde, aos equilíbrios ecológicos, à qualidade das águas e do ar. Pretende a classe dominante que se ignore que o uso dos solos, as impermeabilizações, os desmatamentos, a desertificação, são causas muito significativas no que toca às transferências de calor entre atmosfera, geosfera e Sol, assim contribuindo também para a agudização de fenômenos climáticos extremos.


Abordar as «alterações climáticas» deve, da nossa parte, ser uma tarefa de capital importância desde que desvendemos desde já as «armadilhas ideológicas» que estão montadas na tese catastrofista e da sua origem antropogênica.


A encruzilhada em que a Humanidade se encontra é a que resulta das limitações históricas do capitalismo e que serão apenas solucionadas pelo poder criativo dos homens e das mulheres, superando a forma de organização social, econômica e política do capitalismo e capitalizando todos os meios já hoje disponíveis e os que mais possamos desenvolver no caminho da luta para substituir o capitalismo pelo socialismo, rumo ao comunismo. Não será outra senão essa a resposta que os trabalhadores poderão dar aos grandes problemas que hoje se nos colocam. É essencial, pois, colocar a discussão da relação da Humanidade com a Natureza no espaço a que pertence: no espaço da luta de classes e da disputa do poder político e da posse dos bens e recursos naturais, com a plena consciência de que só o socialismo poderá criar as condições para a construção de uma relação harmoniosa entre a Humanidade e a Natureza.



Notas:
(1) Marx, Karl – O Capital, Vol. III, Livro III, Capítulo XV.

(2) Engels, Friederich - Prefácio à Segunda Edição Alemã (1892) de «A situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra» (1845).

(3) Relatório da ONU, sob o título «O Nosso Futuro Comum, onde se define pela primeira vez o conceito de «desenvolvimento sustentável».

(4) De acordo com os dados IARC (International Arctic Research Center) - JAXA (Japanese Aeorospace Exploration Agency), com análise de dados no IJIS (sistema de computação da IARC-JAXA), disponíveis em e

http://www.ijis.iarc.uaf.edu/en/home/seaice_extent.htm


* Membro da Comissão Política da Direção Nacional da JCP e deputado do PCP à Assembléia da República


Este texto foi publicado em “O Militante” nº 304 de Janeiro-Fevereiro de 2010.

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