O Brasil e a França reagiram à atitude arrogante dos EUA que, desrespeitando a todos, assumiram unilateralmente o controle do aeroporto do Haiti no final da semana passada. Num atropelo à autoridade da ONU na região, os militares americanos impediram o pouso de aeronaves que traziam ajuda de outros países no aeroporto de Porto Príncipe, capital do país. “Temos que coordenar no terreno a ajuda, com respeito claro à Minustah, que é a força oficial da ONU”, protestou o chanceler brasileiro, Celso Amorim. Para ele, esses obstáculos estavam atrapalhando o trabalho de busca e salvamento das vítimas do maior terremoto ocorrido no Haiti nos últimos 200 anos.
Já o ministro do Exterior da França, Bernard Kouchner, afirmou, segundo relato feito pelo embaixador francês no Haiti, Didier Le Bret, que o aeroporto de Porto Príncipe “não está sendo usado para a comunidade internacional, mas como um anexo de Washington”. O secretário de Estado de Cooperação francês, Alain Joyandet, que foi impedido pelas tropas americanas de pousar na cidade a bordo de um vôo que trazia um hospital móvel francês, disse, após o lamentável episódio, em entrevista à radio Europe 1, que “a ONU deve precisar qual é o papel dos EUA”. “Trata-se de ajudar o Haiti e não ocupar o país”, apontou. Joyandet fez questão de ressaltar que este tipo de comportamento está causando uma frustração crescente nas equipes de resgate e socorro, que dependem da única pista em operação no aeroporto para receber suprimentos.
Em telefonema à secretária de Estado americana, Hillary Clinton, o chanceler brasileiro defendeu que a coordenação dos auxílios internacionais ao Haiti seja feita sob a égide da ONU. “Cada um está fazendo o que pode, o importante é coordenar para evitar problemas no terreno. Às vezes, há muita gente querendo ajudar ao mesmo tempo, esbarra um no outro e não dá certo. Então temos que coordenar no terreno, com respeito claro à Minustah, que é a força oficial da ONU”, frisou Amorim.
Ao desembarcar em Brasília, de volta do país caribenho, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, também criticou a ação dos americanos. Segundo ele, a atitude dos EUA ao assumir o controle do aeroporto foi “unilateral”. “Não dá para se pensar em fazer assistencialismo unilateral. Tem que fazer assistencialismo multilateral”, afirmou o ministro, que não descartou o envio de um número ainda maior de militares brasileiros para a missão da ONU no Haiti.
O general brasileiro Floriano Peixoto, que comanda a força de estabilização do Haiti, reprovou a intenção do Comando Militar do Sul, responsável pelas tropas dos EUA direcionadas para as Américas, de enviar uma brigada de paraquedistas para o Haiti. O momento, segundo Peixoto, é de enviar tropas para reconstrução do país, e não treinadas para combate. O general disse que devido à dificuldade de pouso, a chegada do hospital de campanha brasileiro ao Haiti foi adiada em 24 horas.
As críticas crescentes ao controle unilateral do aeroporto estão sendo feitas exatamente por causa das vidas que estão deixando de ser salvas por conta dessa atuação. Várias aeronaves carregadas com equipamentos, remédios, médicos e especialistas estão sendo impedidas de chegar ao país.
Já desde o início das operações de ajuda à população do Haiti, enquanto o Brasil, além de seus efetivos militares atuando no local, mandava junto com outros países recursos, cães farejadores, bombeiros, medicamentos, alimentos, água, etc, o Pentágono estranhamente anunciou seu “socorro” à ilha com o porta-aviões nuclear USS Carl Vinson, o porta-marines USS Bataan, um cruzador porta-mísseis e mais meia dúzia de destróieres. A comunicação foi feita pelo chefe do Comando Sul, o general Douglas Fraser, em uma entrevista em Miami, conforme a “Associated Press”. Mais parecia uma operação de invasão militar e muito pouco de ajuda humanitária ao país caribenho.
Além do mais, segundo a agência de notícias AFP, diversas pessoas que tentavam deixar o Haiti nos últimos dias reclamavam que os EUA estavam dando prioridade para a retirada de seus cidadãos. Segundo ainda a mesma agência, empresas de telecomunicações e especialistas enviados por vários países para tentar restabelecer a comunicação telefônica no Haiti tiveram seus trabalhos atrasados por causa das proibições de pousos. Quatro voos que traziam equipamentos e técnicos foram desviados, enquanto aviões trazendo autoridades americanas eram autorizados a pousar na capital haitiana.
Fruto dos protestos de Brasil, França e outros países, a situação foi ficando cada vez mais insustentável para as autoridades americanas. Algumas soluções já começaram a ser delineadas numa reunião envolvendo 10 países, a ONU e a OEA, realizada na segunda-feira. Por teleconferência, ficou decidido que a definição de prioridades e a coordenação das operações ficará a cargo da ONU, junto com o governo do Haiti. Além disso, ficou estabelecido que, com o aumento da ajuda internacional e o conseqüente crescimento do número de aeronaves que vão se dirigir ao Haiti, uma ponte terrestre com a vizinha República Dominicana será aberta para ajudar no recebimento de apoio internacional. Segundo avaliação da ONU, o porto da capital haitiana não poderá ser usado porque está completamente inoperável.
SÉRGIO CRUZ
Original em Hora do Povo
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