Além do Cidadão Kane

sábado, 31 de julho de 2010

Venezuela e Colômbia: Conflito versus Integração

Beto Almeida*

Terminou sem solução a reunião da Unasul, com a participação de chanceleres, destinada a debater o conflito instalado entre Venezuela e Colômbia. Uma proposta apresentada pelo Brasil com um conjunto medidas para a normalização das relações biletqarais foi rejeitada pela Colômbia no último instante. Em razão disto, decidiu-se pela convocação de nova reunião com a presença dos presidentes. A dificuldade para um consenso talvez esteja de fato expressando o antagonismo de projetos e de expectativas entre os países citados sobre qual destino histórico almejam para a América do Sul, especialmente sobre os passos já dados para a integração do continente, sendo a própria constituição da Unasul uma prova de que algo caminha, aos trancos e barrancos, apesar dos esforços do neocolonialismo para sabotar a idéia da cooperação sul-americana.

Notoriamente, localizam-se na Colômbia os maiores obstáculos para o desenvolvimento das políticas de integração. Ainda que muitas das iniciativas energéticas, econômicas de cooperação incluam a pátria de Gabriel Garcia Marquez no projeto, apesar da canina obediência de seu governo à ideologia que preservaria, na América do Sul, os “interesses vitais” dos Estados Unidos. Em outras palavras, um confronto de vida e morte está instalado no coração na Colômbia, produzindo uma situação socialmente catastrófica para a maioria de sua população e sendo parte dos fatores que ajudariam a explicar as acusações grosseiras feita pelo governo Uribe à Venezuela. Maior presença militar estadunidense na Colômbia só podera agravar tal situação e ameçar, concretamente, o curso da integração continental, que pressupõe soberania e autonomia em relação aos EUA.

Vale lembrar, primeiramente, que Álvaro Uribe, que deixa o cargo em 7 de agosto próximo, tentou durante seus dois mandatos manter uma estratégica política de conflito permanente e regulado com a Venezuela e também com o Equador. Mas, por que somente a apenas 15 dias do fim de seu mandato lançaria um ataque midiático de tal porte contra o governo Chávez? Já encontramos aí um sinal de sua própria debilidade, já que contra o Equador, em março de 2008, suas forças militares primeiro atacaram e só depois apresentaram o que chamaram "provas" de uso de território equatoriano por guerrilheiros das Farc, até hoje sem uma comprovação cabal que as retire da sombra da manipulação e da falsificação. Já as “provas” apresentadas recentemente contra a Venezuela em tudo e po r tudo guardam semelhança com as chamadas “armas de destruição em massa de Sadam Husseim”, esgrimidas com estardalhaço midiático mundialmente para justificar a sangrenta invasão e as encomendas da indústria bélica, até hoje banhadas em lucro estupendo.

Outro sinal das dificuldades do uribismo para cumprir sua função de ser tocador dos tambores de guerra sul-americana, impedindo qualquer projeto de integração ou até mesmo uma simples nornalização de relações políticas, que também podem levar a planos de cooperação já que a Colômbia também foi afetada pela crise mundial do capitalismo, é a derrota do presidente em duas ações centrais: primeiro, não conseguiu apoio para um terceiro mandato; segundo, também não conseguiu que a Suprema Corte anistiasse seus correligionários mais próximos, inclusive alguns familiares, das robustas acusações de vínculo com o paramilitarismo colombiano e, também, como desdobramento, com o narcotráfico que ,retóricamente, anuncia combater.

Discensões no uribismo?

Embora Santos, o presidente eleito, tenha sido seu minitro da defesa, suas primeiras declarações após a vitória eleitoral, cuja abstenção atingiu quase 60 por cento do eleitorado , chamaram a atenção por indicar interesse em normalizar as relações com os governos chamados bolivarianos, ou seja, com a Venezuela e o Equador. Além deste sinal, há poucos dias houve a troca de toda cúpula militar colombiana, e já após o ataque circense-midiático feito pelo embaixador colombiano na OEA contra a pátria de Bolívar. Sem contar, que já foram nomeados pelo menos três ministros que são claros desafetos de Uribe, entre eles o novo chanceler.

Tais fatos não devem ser menosprezados e podem estar revelando as dificuldades do uribismo para tentar manter intacta a mesma linha política no governo que se inicia. Se por um lado a oligarquia, especialmente a cafeeira, pode contentar-se com a posição subalterna ante os planos estadunidenses de transformar a Colômbia simplesmente num novo Israel, por outro, para a burguesia industrial colombiana, a Venezuela é um excelente mercado para seus produtos, sobretudo automóveis, têxteis, calçados, laticíneos. Portanto, não dispondo de espaços no mercado dos EUA e outros, sabe que a normalização das relações com a Venezuela lhe assegura acesso a um mercado consumidor em fortalecimento, já que o salário mínimo venezuelano é hoje o mais elevado de toda a América Latina.

São contradições desta natureza que fazem com que esteja em construção um gasotudo ligando Colômbia e Venezuela, ou seja, um plano concreto de integração energética e econômica, apesar de no plano político os dois países estarem sempre em posição de embate. Cabe assinalar, também, a presença de pelo menos 4 milhões de colombianos vivendo hoje na Venezuela, onde recebem documentação, cidadania, tratamento médico e dentário gratuitos, com especialistas cubanos, educação gratuita e uma razoável segurança para trabalhar, o que haviam perdido nas áreas de conflito entre as Farc, o exército e os paramilitares em sua terra colombiana Não teriam direito a nada disso caso - numa hipótese remotíssima - emigrassem par os EUA, onde, se entrassem, seriam tratados como sub-cidadãos. O próprio povo estadunidense não dispõe, ainda hoje, em sua maioria, de uma saúde e previdência públicas...

Uribe versus Lula

Por fim, o protesto de Uribe contra as declarações de Lula não poderiam ser mais ridículo. Lula, deixando claro de que lado está, aposta na integração sul-americana, sua política externa e os investimentos estatais e privados brasileiros o indicam concretamente. Mas, para que esta integração avance é necessária a consolidação das iniciativas de cooperação. Elas estão em curso, muito embora o uribismo que grassa, inclusive, na própria mídia comercial brasileira diga tratar-se apenas de “retórica itamarateca”. A cooperação energética entre Brasil, Argentina e Bolívia, para dar apenas um exemplo, já permitiu que uma importante crise no abastecimento de gás do país de Gardel fosse contornada com sucesso por meio do redirecionamento transitório para l á do gás boliviano que viria para o Brasil. Cooperação, planejamento e integração.

Porém, iniciativas desta natureza defrontam-se com obstáculos para serem implementadas, entre eles o governo da Colômbia, muito embora sua população, pelos indicadores sócio-econômicos negativos que ostenta, também delas necessitem. A instalação de sete bases militares estadunidenses pode fortalecer enormemente os sinistros planos da oligarquia colombiana, mas não expandem a indústria, o mercado, portanto, não geram emprego, nem fortalecem as políticas públicas de saúde, educação e democratização cultural, como as que foram instaladas na Venezuela mas também no Equador, no Uruguai, Bolívia, Argentina e Brasil.

Ao credenciar-se compor o tabuleiro mundial do xadrez estadunidense como um peão belicista tal como Israel, Coréia do Sul e o Paquistão, a Colômbia caminha na contra-mão do processo de integração da América do Sul. Mas, deve considerar que a própria Turquia, que adotava posições também recalcitrantes, foi obrigada pelo curso do processo a dar uma virada radical em sua política externa em relação ao Irã, a Israel, à Palestina e também em relação à Rússia e OTAN, Veremos até onde a Colômbia poderá caminhar nesta rota de contramão, um verdadeiro beco sem saída, que desemboca inevitavelmente na guerra. E no seu próprio isolamento. Enquanto isto, Raul Castro já declarou que Cuba, que foi à África de armas nas mãos para derrotar o regime do aparthei e defender Angola, estará, obviamente, ao lado da Venezuela. O caminho está na integração e na cooperação sul-americanas.

*Diretor da Telesur

Correio Caros Amigos
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