Além do Cidadão Kane

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Azaleia: Demissão em Parobé e contratação na Índia

“Está difícil de acreditar, ver todo mundo saindo junto, parece que estão todos indo para férias, mas não é. Estão todos demitidos”, diz Cleomar Mattiello, 15 anos de empresa.

No final da tarde de 09 de maio, uma segunda-feira, centenas de operários deixaram o portão principal da Vulcabras/Azaleia, em Parobé, no Vale do Paranhana, no Rio Grande do Sul, com o aviso prévio em mãos: encerravam ali décadas de dedicação à calçadista referência para toda a região e o Brasil.

A empresa - símbolo cinquentenário da indústria calçadista gaúcha – inesperadamente anunciou o fechamento da linha de produção no município e colocou 800 trabalhadores na rua. Parobé, berço da matriz da Azaleia, não produzirá mais calçados da empresa. A produção foi deslocada para o Nordeste do Brasil e para a Índia.

“Foi uma medida necessária, o Brasil não tem sido um país que proporciona competitividade ao setor”, justificou o presidente da Vulcabras/Azaleia e da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – Abicalçados, Milton Cardoso.

“Ganância”, reagiu o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Calçadista de Parobé, João Nadir Pires em entrevista ao IHU: Segundo ele o fechamento se deve “a ganância pelo lucro” e acrescenta: “Em média uma empresa gasta 19% do que arrecada em mão de obra, então não é problema. Sobre os impostos, as grandes empresas estão indo conversar com o governo exatamente na intenção de explorar a mão de obra barata e de ter o lucro”, disse ele.

O governador Tarso Genro reagiu com indignação ao anúncio de fechamento da empresa: ''Irresponsável e desrespeitoso''. “Não fomos comunicados sobre a decisão da empresa, que recebeu benefícios fiscais homéricos do Estado. Portanto, recebeu dinheiro do povo gaúcho”, criticou o governador.

O fechamento da Azaleia pegou todos de surpresa. A empresa foi considerada nas últimas décadas um sucesso empresarial. Era um dos “cases” exemplares do mundo bussiness e objeto de estudo nas melhores faculdades de administração e economia do país.

Demissão em Parobé e contratação em Chennai. A Azaleia/Vulcabras comprou uma fábrica em Chennai na Índia – próxima a Nova Délhi, faz alguns meses. A unidade de Chennai emprega mil pessoas, porém pretende aumentar esse número para 5 mil em um ano e meio. As razões do deslocamento é a baratíssima mão de obra do país. “A ida da empresa para a Índia foi a gota d'água para que extinguissem a produção do município", disse Gaspar de Mello Nehering, da diretoria do Sindicato dos Sapateiros de Parobé.

O deslocamento da produção do sul do Brasil para outras localidades começou nos anos 1990: “Lá nos anos 1990 começou esse movimento de deslocar as unidades de produção de calçado aqui do RS para o Nordeste”, afirma Achyles Barcelos, professor da UFRJ, entrevistado pelo IHU.

Esse movimento de deslocamento é conhecido como “forças correstritivas da concorrência”, afirma o professor da UFRJ. Segundo ele, “a tendência de maior globalização do mercado tem se intensificado nos últimos anos. Às vezes, as empresas são empurradas a fazer a internacionalização de sua produção. Se o teu concorrente faz um movimento e vai para fora e for bem sucedido, o outro tem que acompanhar. Quando algumas empresas aqui do Vale dos Sinos foram para o Nordeste e se deram bem por lá, outras acompanharam esse movimento. Como os custos de produção lá eram mais baixos, os concorrentes têm que fazer o mesmo. É como usar a tecnologia. Se a fábrica usa tecnologia, vai desempregar. Porém, se não usar, vai desempregar mais ainda porque vai quebrar”.

As “forças correstritivas da concorrência” fizeram com o Rio Grande do Sul perdesse em cinco anos 40 mil empregos no pólo calçadista. “Em 2004, o Rio Grande do Sul tinha 143 mil trabalhadores diretos na indústria de calçados. Em 2009, esse número caiu para 101 mil”, afirma Achyles Barcelos.

Esse diagnóstico de crise no pólo calçadista do Vale do Sinos já foi amplamente abordado em uma edição da revista IHU On-Line – 25-06-2007.

Mesmo no contexto do aquecimento da economia nacional nos últimos anos e de forte incentivo fiscal recebido – que será apurado pelo Ministério Público Federal (MPF) gaúcho –, a empresa optou por sacrificar a planta industrial no lugar em que nasceu. A justificativa foi a perda da competitividade: “Entre as fábricas que temos no Brasil, era a de maior custo e de menor escala. Por isso a opção pelo encerramento”, justificou o presidente da Vulcabras/Azaleia e da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – Abicalçados, Milton Cardoso.

As vítimas foram os trabalhadores. “Estávamos trabalhando, e mandaram parar a produção porque a empresa estava sendo fechada. Ficou todo mundo apavorado e começou a choradeira. Tinha gente com 30 anos de casa, pessoas mais idosas passando mal, tiveram que ser levadas para o ambulatório. Fomos todos pegos de surpresa”, conta Oziel Santos de Jesus, 28 anos, funcionário da montagem, que trabalhava na empresa há 10 anos.

Trabalhadores da melhor qualidade que foram descartados: “A respeito da mão de obra calçadista aqui de Parobé, eu costumo dizer que é a melhor do estado. O trabalhador da Azaleia tem capacidade de fazer uma sandália e um tênis de alta qualidade e tecnologia; são trabalhadores muito especializados. Eles não podem ser jogados em qualquer lugar...”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Calçadista de Parobé, João Nadir Pires.

Original em Vermelho
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