Além do Cidadão Kane

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

EUA retarda apoio internacional para entupir o Haiti de marines

A secretária de Estado Hillary apareceu em Porto Príncipe e sugeriu, piamente, mais poder ao presidente Préval, citando o poder de decretar toque de recolher. “Um decreto assim lhe daria uma autoridade enorme, que seria delegada para os EUA”

A Sem autorização da ONU, o Pentágono mandou para o Haiti 10 mil soldados e marines, e uma frota capitaneada por um porta-aviões nuclear. Ocupou o aeroporto de Porto Príncipe e impediu o desembarque de médicos, equipes de resgate, hospitais de campanha, remédios e alimentos, provocando a condenação da França, do Brasil e de organizações internacionais, como a Cruz Vermelha e o Programa de Alimentos da ONU. Vôos com médicos e remédios foram desviados para a vizinha República Dominicana, advertiu a Cruz Vermelha Internacional. Também o Programa de Alimentos da ONU denunciou que “a maioria dos vôos são para os militares dos EUA”.

Assim, nos seis dias imediatamente após o terremoto, cruciais para que houvesse, ainda, chances de encontrar sobreviventes sob os escombros, a ação do Pentágono esteve concentrada não em liberar o máximo de recursos para o resgate, mas em estender a ocupação. O porto da capital também foi ocupado. O comandante da força invasora, tenente-general Ken Keen, prometeu que, assim que dispuser de mais material de transporte terrestre, irá “estender nossos tentáculos ao interior”. Das embarcações da 4ª Frota enviadas ao Haiti arrasado pelo terremoto, a última a partir foi o navio-hospital. A parca “ajuda” distribuída pelos marines, uns pacotes de ração com biscoito ressecado, foi lançada sobre uma ou outra multidão, causando tumultos.

TOQUE DE RECOLHER

Só na sexta-feira dia 15 os EUA se deram ao desfrute de oficializar a ocupação do aeroporto com a assinatura do presidente René Préval em um documento redigido em Washington. No sábado dia 16, a secretária de Estado Hillary Clinton apareceu em Porto Príncipe, ao lado do chefe do Pentágono, Robert Gates, para ver de perto como andava a ocupação. Foi logo propondo que o parlamento, aliás destruído, aprovasse “novos poderes” para o presidente Préval, que nem palácio mais tem. Em primeiro de tudo, o poder de decretar toque de recolher. Esses novos poderes deveriam, claro, ser repassados para a tropa invasora. “Um decreto daria ao governo uma autoridade enorme, a qual, na prática, eles delegariam para nós”, afirmou Hillary ao “The New York Times”.

Durante o voo para Porto Príncipe, Hillary asseverou aos jornalistas que o governo do Haiti havia dado aos EUA “liberdade de ação para trabalhar”. Aliás, acrescentou, praticamente “pedira” a ocupação e a “segurança”. Também, pudera: tão gentilmente convidado por 10 mil marines, um porta-aviões nuclear e todo o charme de Obama, um gentleman como Préval – talhado na gelatina - não iria se omitir, ao final da visita, em assinar um “comunicado conjunto”. Mas o “comunicado conjunto” não resolve nada. Sob a pressão dos países que constituem a força de paz, começaram a ser esboçados pontos como o estabelecimento de dois corredores humanitários, para que possa ser distribuída ajuda em larga escala e prestado socorro médico ao grande número de feridos.

Quanto às relações entre os EUA e o Haiti, ninguém melhor que o único militar duas vezes condecorado com a Medalha de Honra do Congresso, o general de marines Smedley Butler. “Eu ajudei a fazer o Haiti e Cuba um lugar decente para os rapazes do National City Bank coletar receitas. Eu ajudei a estuprar meia dúzia de repúblicas centro-americanas em benefício de Wall Street. A lista de extorsões é longa”, afirmou Butler, ao se dar conta de que, diante do ele que havia executado para as corporações dos EUA, Al Capone “era um amador”. Além do Citibank, a outra grande beneficiária da invasão de 1916 – que durou até 1934 – foi a Haitian American Sugar Co. A constituição da invasão revogou artigo em vigor desde a independência, que só permitia a posse de terra aos haitianos.

“LAGO AMERICANO”

Antes, no século XIX, uma intervenção armada após outra. Além da doutrina do “Destino Manifesto”, que pretendia o Caribe como um “lago americano”, o Haiti tinha um significado particular: os escravagistas dos EUA jamais engoliram aquela república negra de escravos libertos. Na origem do estrangulamento sobre a jovem república, a indenização imposta pela França, após bloqueio naval à venda do açúcar haitiano, e cujo pagamento só acabou em 1947. Dívida que abriu caminho ao Citibank no país.

Nos anos 50, os monopólios dos EUA patrocinaram a ditadura de Duvalier – o Papa Doc – e seu rebento, Baby Doc. O regime dos tonton-macoutes desabou em 1986. Em 1994, os planos de “ajuste” do FMI chegaram ao Haiti, embutidos no apoio de Washington a Aristide, que havia sido derrubado por um general golpista. Umas poucas unidades da Disney e a Levis foram instaladas: salários de fome para costurar bolas de beisebol, calças jeans e minnies. Mas a agricultura, num país com 70% de habitantes nas áreas rurais, foi dizimada pelo dumping – um sub-Nafta -, e o Haiti virou importador de alimentos dos EUA, que também controla seu comércio exterior. Para aumentar a desorganização do estado nacional, sob o pretexto de evitar a “corrupção”, Ongs estrangeiras passaram a canalizar as verbas da “ajuda humanitária”.

Como Aristide não aceitou os “ajustes” na íntegra, e já no governo de W. Bush, os EUA financiaram e armaram bandos de neo-macoutes, que serviram de fachada para o seqüestro e expulsão do presidente em 2004, levada a cabo por marines e agentes da CIA. A ação da diplomacia brasileira e francesa, que deu origem a uma força de paz comandada pelo Brasil, esvaziou a invasão e forçou a retirada dos EUA três meses depois. Como se vê, eles tiveram de se retirar, mas teimam em não admitir a derrota.

ANTONIO PIMENTA

Original em Hora do Povo

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