Nidia Díaz
CONCLUIU o ano 2009 e o panorama internacional oferece um interessante leque de conflitos, encruzilhadas, frustrações e situações limites que se misturam com esperanças positivas e desenvolvimentos, tudo em companhia da grave crise econômica global, provocada pelos Estados Unidos, e cujo efeito devastador se espalhou pelo resto do planeta, a partir dos países capitalistas desenvolvidos, causando os maiores estragos nas nações do Terceiro Mundo.
Em meio ao desmoronamento dos indicadores econômicos internacionais e suas conseqüências sociais, que levaram a um crescimento da pobreza, da fome e das doenças — segundo foi confirmado pelos organismos internacionais e pelas agências especializadas das Nações Unidas, — o ano que terminou também esteve marcado pela continuação das guerras de agressão e pela ocupação militar no Iraque e Afeganistão, estendida perigosamente ao Paquistão, pelo golpe de Estado militar-oligárquico contra o governo constitucional de José Manuel Zelaya, em Honduras e pela instalação de sete bases militares estadunidenses na Colômbia.
A maior frustração do ano foi, sem dúvida, a gestão presidencial de Barack Obama, que tomou posse no mês de janeiro, cercado de uma auréola que parecia pressagiar a possibilidade de algumas mudanças, embora mínimas — tal como prometera na sua espetacular campanha — e que em poucos meses, com suas ações, mostrou a verdadeira essência do que será sua administração, confirmando as previsões daqueles que sempre duvidaram dessa eventualidade, levando em conta a natureza inalterável e invariável do fenômeno imperialista e sua necessidade de guerras, agressões, dominação e saque para subsistir e impor-se ao mundo como tal.
A impossibilidade de reverter esses propósitos ficou a nu, em poucos meses, se não bastasse, o novo presidente dos EUA tomou medidas e deu passos agressivos muito similares aos do seu nefasto antecessor.
Se o fez sob brutais pressões, ou como fruto das contradições internas do próprio governo, ou na busca de assegurar uma eventual reeleição, tudo isso, atualmente, é alvo de debate e discussão mundial, mas, que em nada mudam os resultados.
O certo é que os meses decorridos com o novo inquilino da Casa Branca mostram a necessidade de continuar enfrentando com novos brios as políticas do império, particularmente por parte dos países da Ásia, África, América Latina e o Caribe, que continuam sendo o terreno preferido e propício para o exercício do hegemonismo e do saque.
A crise econômica global veio acompanhada de uma crise ambiental, cujo elemento mais visível e ameaçador é a mudança climática, que avança inexorável e que não tem sido possível deter nem sequer com o maltratado Protocolo de Kyoto, nem com as Cúpulas, como a de Copenhague, cujo desenvolvimento e resultados vergonhosos mostraram que os Estados Unidos e o mundo capitalista desenvolvido pouco se importam destes perigos que podem derivar no fim da humanidade.
As nações do Terceiro Mundo pagarão as culpas dos depredadores do capitalismo mundial e os pequenos estados insulares vão desaparecer, aos poucos, não se põe fim à poluição irresponsável do meio ambiente por parte daqueles que hoje a praticam criminosamente para enriquecer seus bolsos, acelerando o degelo e a elevação do nível dos mares, a seca e os desastres naturais.
A crise econômica global também veio acompanhada de uma crise energética, que já se vislumbrava como conseqüência dos altos preços do petróleo e que, estimulada pela voracidade insaciável dos EUA, trouxe em conseqüência o auge indiscriminado dos chamados biocombustíveis, que com o pretexto de substituir o petróleo e evadir os altos preços, provocou uma crise alimentar que também afetou os países mais pobres e as populações mais vulneráveis.
A pandemia da influenza A, conhecida como A H1N1, também atingiu este ano, acrescentando uma calamidade mais para os habitantes da terra, que ainda não se libertaram da AIDS e que lutam contra a dengue nas regiões tropicais. A crise econômica, acompanhada da negligência, da abulia e do desvio de recursos, por parte de governos insensíveis e irresponsáveis, fez com que, nalguns países, os efeitos destes flagelos fossem particularmente graves.
A União Europeia finalmente concordou que entrasse em vigor o chamado Tratado de Lisboa, que substituiu o tratado constitucional que infrutuosamente durante anos tentaram aprovar, e depois das reticências derradeiras da Polônia e da República Tcheca, que deste modo conseguiram algumas concessões, foi assinado este novo tratado jurídico para a União de 27 países.
Contudo, o papel político independente que a União Européia poderia desempenhar no mundo — e dentro da própria Europa — continua sem se manifestar, e em 2009 continuou afastando-se de seus propósitos originais, tornando-se cada vez mais dependente das posições do governo dos EUA, quer Bush quer Obama, às quais praticamente se subordina nas mais importantes conjunturas internacionais. A existência, no seu seio, de uma maioria de governos de direita: as relações que muitos dos integrantes da União são obrigados a manter com Washington, como membros do pacto político-militar da OTAN, bem como o elevado grau de dependência econômica e cultural dos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial e o colapso da URSS e do campo socialista europeu, são fatores que, de uma forma ou outra, se combinam e impedem à União Européia um protagonismo próprio mais relevante.
No Japão, pelo contrário, a chegada ao governo do Partido Democrático e seus aliados, pôs fim a 50 anos quase ininterruptos do Partido Liberal Democrático, estreitamente ligado aos EUA durante esse período, razão dos acordos assinados em matéria de defesa, que tornaram essa nação num porta-aviões asiático das forças armadas norte-americanas. Como anunciou durante sua campanha eleitoral, o novo primeiro-ministro Hatoyama discutirá com Washington outras modalidades que transformem e regulamentem de maneira mais efetiva para o país do Sol Nascente a numerosa presença militar estadunidense.
Durante o ano, continuaram tendo lugar processos iniciados com anterioridade, mas que, em 2009, mereceram destaque e foram fatores de incidência regional e mundial. Um deles foi, apesar da crise mundial, o crescimento da economia da República Popular da China e sua consolidação como grande potência econômica, que leva muitos especialistas a considerá-la a segunda economia do mundo.
Por sua vez, a África continuou se tornando grande fornecedor de petróleo, mediante contratos e acordos de caráter diferente, segundo o país do qual se tratar, aumentando a presença das multinacionais petroleiras e seus lucros, bem como as receitas dos governos locais beneficiados com o auge petroleiro.
Contudo, não se informa que, na mesma medida, se tenha conseguido um notável aumento do nível de vida desses povos e uma constante diminuição da pobreza e do subdesenvolvimento.
Um raio de esperança, junto a múltiplas realidades, continua iluminando a América Latina e o Caribe. Os processos de transformações econômicas, políticas e sociais, que de diversa forma, abrangem numerosos países latino-americanos e caribenhos se consolidaram e, apesar dos efeitos da crise econômica e da política premeditada do governo dos EUA e das oligarquias locais associadas e dependentes para obstaculizá-los e eliminá-los, avançaram em várias esferas de cooperação e integração.
A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), criada há cinco anos, a partir dos acordos entre Cuba e Venezuela, assinados pelos presidentes Fidel Castro e Hugo Chávez, surgiu como esquema sem precedentes de integração solidária e de benefício recíproco, além dos puramente comerciais que caracterizaram outros esforços integradores na região. Os sucessos da ALBA tornaram-se evidentes com rapidez e isso marcou a extensão da Aliança a outros países como Bolívia, Equador, Nicarágua, Dominica, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas e Honduras. Sucessos que foram comemorados, neste ano, com novas metas e aspirações, sob os princípios bolivariano e martiano da construção da Pátria Grande.
O golpe de Estado de 28 de junho, em Honduras, contra o presidente constitucional, José Manuel Zelaya, foi atribuído, entre outras coisas, à decisão do governo de incorporar-se à ALBA e tentar guiar o país pelo caminho da soberania e do desenvolvimento próprios, à margem da oligarquia local e de algumas famílias que exploraram o país durante séculos. Como todos sabemos, este foi um golpe contra a ALBA, ao qual os EUA não são alheios, pois eles sentiam a necessidade de tornar pública sua rejeição a esta Aliança e deixar claro que estavam dispostos a enfrentá-la, no que consideraram seu elo mais fraco.
Na contramão das suas aspirações, o ano que termina viu renascer um movimento de resistência popular, disposto a converter este revés em vitória, e para isso contam com a firme decisão de não desmobilizar-se e continuar lutando, como dignos herdeiros de Francisco Morazán.
Com certeza, a América Latina e o Caribe vivem momentos de mudanças, onde nada é nem será como antes. O fracasso de Washington em impor a chamada Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) marcou uma guinada definitiva da situação, acompanhada de sucessivas tomadas de poder de diversas forças progressistas, nacionalistas, populares e, inclusive, antiimperialistas de diferentes signos e composição, mas unidas em um denominador comum que as integra e as aproxima.
A entrada de Cuba no Grupo de Rio e o cessar das sanções que os Estados Unidos lhe impunham no seio da OEA, expressaram a decadência do poder do império e a perda de sua influência abrangente em seu outrora "quintal".