Além do Cidadão Kane

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Itália se nega a extraditar ex-capitão da ditadura uruguaia

O governo italiano, tão empenhado na extradição de Cesare Battisti, adota postura diferente no caso do uruguaio Jorge Troccoli.

Capitão da marinha uruguaia, Troccoli teve uma atuação bastante ativa na tristemente famosa “Operação Condor” (que contou com a participação das ditaduras militares do Uruguai e de outros países sul-americanos), tendo sido responsável pela tortura e morte de mais de uma centena de opositores desses regimes, entre 1975 e 1983. Em 2002, o governo do Sr. Silvio Berlusconi – em sua segunda passagem pela chefia do gabinete de ministros da Itália - concedeu cidadania italiana ao Capitão Troccoli, mesmo sabendo das acusações de crime contra a humanidade que pesavam contra ele.

Em setembro do ano passado, o ministro da justiça da Itália, Angelino Alfano, negou-se à extraditar Troccoli para o Uruguai, alegando que ele é cidadão italiano, tomando como base jurídica um tratado assinado entre os dois países em 1879. Portanto, o mesmo governo que nega-se a extraditar um notório torturador, utilizando dessas filigranas jurídicas, é o mesmo que se considera ofendido pela não-extradição de Battisti, que seguiu todas as normas da legislação brasileira, que por sua vez se baseia em uma série de convenções internacionais.

"O curioso é que o governo de Berlusconi negou a extradição de Troccoli para o Uruguai, alegando dupla cidadania", comentou o editor da página Gramsci e o Brasil, Luiz Sérgio Henriques. Henriques argumenta que o caso Troccoli tem "muitas semelhanças" com o de Battisti: "não faltaram pressões diplomáticas do governo uruguaio, recursos às instâncias do Judiciário italiano, etc.", e conclui: "mas o governo de Berlusconi parece irredutível na sua decisão sobre Troccoli, 'o Battisti uruguaio', no dizer do jornal L’Unità. E se trata de um episódio recente, cujas escaramuças diplomáticas e judiciárias mais dramáticas ocorreram em 2008".

Original em Vermelho

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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

No-B day

Saramago

Se Cícero ainda vivesse entre vós, italianos, não diria “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, mas sim: “Até quando, ó Berlusconi, atentarás contra a nossa democracia?” Disso se trata. Com a sua peculiaríssima ideia sobre a razão de ser e o significado da instituição democrática, Berlusconi transformou em poucos anos a Itália numa sombra grotesca de país e uma grande parte dos italianos numa multidão de títeres que o seguem de rastos sem se aperceberem de que caminham para o abismo da demissão cívica definitiva, para o descrédito internacional, para a irrisão absoluta.

Com a sua história, a sua cultura, a sua inegável grandeza, Itália não merece o destino que Berlusconi lhe traçou com criminosa frieza e sem o menor vestígio de pudor político, sem o mais elementar sentimento de vergonha própria. Quero pensar que a gigantesca manifestação contra a “coisa” Berlusconi, na qual estas palavras irão ser lidas, se converterá no primeiro passo para a libertação e a regeneração de Itália. Para isso não são necessárias armas, bastam os votos. Ponho em vós toda a minha esperança.

Original em O Caderno de Saramago

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domingo, 24 de janeiro de 2010

Direita usa extradição de Battisti para atingir Lula

Conservadores procuram usar o caso para "enquadrar" o presidente nas vésperas das eleições deste ano


Achille Lollo


Nunca a direita brasileira havia explorado uma questão jurídica Para alcançar dois objetivos eleitorais. O primeiro é a Possibilidade de desqualificar uma Autoridade do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e conseqüentemente retirar-lhe parte do poder que a própria Constituição Determinou. Por isso, a Legislação do Supremo Tribunal Federal (STF), invocada "ad hoc" pelo seu presidente, Gilmar Mendes, é utilizada para desarmar Lula de seu poder político de impedir uma extradição de Cesare Battisti, apesar deste reclamar ser perseguido pelo governo italiano Em função de sua militância política revolucionária. Para concretizar esse paradoxo de Jurisprudência, Gilmar Mendes, em conúbio com os jurídicos Representantes do governo italiano, inventou outro julgamento para retirar ao presidente o poder constitucional de abrigar Battisti não políticos capítulo dos "perseguidos".


Uma espécie de mini-golpe branco que pode até ser considerado um crime contra uma soberania brasileira, uma vez que o STF, com sua segunda sentença, apenas os satisfazer Pretende Interesses políticos de um Estado estrangeiro que já ameaçou represalias caso suas Exigências não FOREM garantidas pelo governo brasileiro.


É evidente que o Esforço de Gilmar Mendes em desqualificar Lula foi muito bem visto pela oposição tucana e os alemães, que pretendem usar uma extradição de Battisti para "Lula" enquadrar na véspera das campanhas eleitorais deste ano. E o segundo alvo da direita brasileira é provocar uma quebra de confiança não seio do governo Lula com um dos Procedimentos deslegitimação do ministro da Justiça, Tarso Genro, que, com base nos poderes constitucionais conferidos na pasta da Justiça, concedeu o asilo político
um Battisti. É bom lembrar que Tarso Genro é o candidato do PT mais Apropriado para derrotar a atual governadora tucana Yeda Crusius (PSDB colocar) e, de novo, uma bandeira petista não Palácio Piratini.


A ajuda de Carta Capital


É imperativo que dizer, quando Battisti foi preso no Rio de Janeiro, a direita brasileira eo próprio Gilmar Mendes nunca planejavam transformar esse processo em um grande "caso nacional", já que o próprio STF, anteriormente, havia criado uma jurisprudência específica sobre o crime político ao Rejeitar os quatro processos de extradição que o governo italiano intentou contra militantes revolucionários italianos refugiados no Brasil. Na realidade, os estrategistas da oposição admitiram que uma Possibilidade de desqualificar uma Autoridade política do presidente em um período pré-eleitoral surgiu quando a revista Carta Capital (notoriamente Aliada do governo Lula) negociava com o governo italiano de Romano Prodi (centro-esquerda) O Empenho dessa revista - sempre premiada com muita publicidade do governo federal - na campanha pela extradição de Cesare Battisti. Assim, depois da visita em São Paulo do ex-Subsecretário de Relações
Exteriores italiano, Donato Di Santo, uma Edição n º 453 de Carta Capital, excepcionalmente, dedicava seis páginas para justificar uma extradição de Battisti, começando, também, um daqueles virtual alimentar um expurgo ideológico setores do PT ainda libertários demasiado e pouco entrosados com os Interesses políticos do governo Prodi.

A ênfase manipuladora de Carta Capital foi tanta que chegou a coroar com uma foto de meia página o então ministro da Justiça italiano, Clemente Mastella, apresentando-o aos seus leitores como principal representante o "progressista" do Estado de direito italiano quando, na realidade, naquela redação era sabido que Mastella principal era o político corrupto da cidade de Caserta e que o jornal La Republica já havia DENUNCIADO por fazer negócios com os diferentes clãs da máfia napolitana (Camorra). Para finalizar o quadro, é bom lembrar que Clemente Mastella foi o responsável pela queda do governo Prodi, em 2008, no momento em que "vendeu" Toda a bancada da sua UDC um Berlusconi, aliado de quem continua.


"Estratégia da Tensão"


Em 1996, Giorgio Napolitano (ex-comunista do PCI e hoje presidente da República Italiana) assumia o Ministério do Interior no governo de centro-esquerda de Romano Prodi, visando, antes de tudo, deslegitimar uma campanha pela anistia política lançada por Toni Negri e , conseqüentemente aprofundar, um caça "no exterior aos ex-guerrilheiros comunistas dos anos 70 que", desde 1980, era o cavalo de batalha da direita italiana.


Para o ex-democrata-cristão Prodi e seus aliados do Partido da Esquerda Democrática (ex-comunistas que haviam renegado o socialismo), um caça não exterior aos ex-guerrilheiros das Brigadas Vermelhas e de outros grupos armados foi uma opção política obrigatória para ganhar uma sustentação dos eleitores moderados ea confiança política do empresariado italiano, que pressionavam para que o governo Prodi programasse como neoliberais "reformas" - em particular, uma desregulamentação do contrato de trabalho, conquistado em 1972 pelo movimento operário após intensas lutas.


Praticamente, foi a partir de 1996 que todos os Governos que permitiram italianos alimentasse uma mídia - direta ou indiretamente - uma perigosa "guerra permanente" contra os ex-guerrilheiros refugiados vermelhos na França, na Nicarágua ou no DA, Brasil com o objetivo de apagar Memória dos italianos como responsabilidades políticas e jurídicas do
Partido que hegemonizou uma política dos anos de 1970 - A Democracia Cristã de Clemente Mastella - e que manobrou silenciosamente uma "Estratégia da Tensão" eo relacionamento com a máfia siciliana "Cosa Nostra". De fato, os Governos liderados por Romano Prodi e também por enterrar conseguiram Berlusconi não da história lodo uma responsabilidade do Estado de Direito que, na década de 1980, específico Criou um "Direito do Estado" para JAF seus serviços secretos, policiais, seus, seus tribunais e os neofascistas na continuação da chamada "Estratégia da Tensão".


Um conceito de luta política e militar apto um impedir o avanço das Organizações da esquerda revolucionária e, assim, Garantir uma tranqüila Implementação do processo de reestruturação industrial. Foi nesse âmbito que o povo italiano Sofreu autênticos massacres, tais como o atentado na Estação Ferroviária de Bolonha, que, em 1980, foi
planejado pelos serviços secretos e realizado pelos neofascistas, matando
85 italianos.


Atentados Destinados a Criar um clima de pânico generalizado que vários setores da mídia para Promover exploravam uma militarização do Estado ea afirmação do pensamento conservador e sobretudo anticomunista. Um contexto que contribuiu bastante para que uma proposta de anistia, apresentada no Parlamento em 1993, fosse congelada em 1996 pelo próprio governo "progressista" de Romano Prodi. Aliás, foi a centro-esquerda que Introduziu No cenário político italiano uma "ausência de excessos na luta contra o terrorismo por parte dos carabineiros, polícia, exército, juízes e serviços secretos".


Dessa forma a história dos anos de chumbo foi manipulada um ponto de conseguir Apresentar os grupos da esquerda armada como os únicos Responsáveis pelos 20 anos de instabilidade econômica e política e imortalizar os militantes da luta armada como desprezíveis Criminosos comuns. Foi nesse cenário que se iniciou o drama de Battisti, tornando-se alvo de "colaboradores que" Arrependidos, em troca de bombásticas Acusações contra o escritor, ganharam do Ministério do Interior, salários polpudos, nova
Identidade, Passaportes e residências na Alemanha e na Inglaterra. Não foi por acaso que o ex-ministro do Interior e depois presidente da República, Francesco Cossiga, escreveu uma carta a Battisti, explicando que ele foi um dos tantos "excessos Judiciários".


Justiça?


Quando o réu é um revolucionário comunista ou anarquista, o Estado de direito italiano utiliza a mão forte dos Tribunais ea retórica demagogia de seus jornais para Governos Pressionar e Opinião Pública um Fim de Obter uma extradição a todo custo. Porém, quando o réu é um dos tantos membros de grupos neofascistas ou agentes secretos ou políticos que cumpriram Tarefas nos anos da "Estratégia da Tensão", então o Estado italiano perde por completo a façanha de heróico e justiceiro silencioso vira um "direito de
Estado "que oculta tudo para não abrir Brechas com o passado comprometer POSSAM que uma política nova nomenclatura.


Parece ficção, mas, na Itália, os 20 anos de história política (1969/1989) nos Quais se registraram cerca de 8 mil Operações de guerrilha urbana, com um saldo de quase 450 mortos, mil feridos, 25 mil Procedimentos Judiciários, 4.500 presos políticos, 1.500 exilados políticos, na prática não existem,.


Os únicos retalhos dessa memória histórica são usados para celebrar uma vitória militar de um Estado de Direito Imaculado "e, também, para manter vivo nos italianos um forte sentimento de ódio e de vingança contra todos Aqueles que se atreveram a sonhar com uma utopia revolucionária . Por isso tudo a extradição de Battisti não é mais uma Necessidade da Justiça. É, antes de tudo, uma "questão de Estado", pela qual é a soberania do Brasil não vale nada.


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Achille Lollo é jornalista italiano, autor do documentário "Palestina, Nossa Luta, Nossa Terra".

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domingo, 27 de dezembro de 2009

O Caso Battisti e a politização do Judiciário

O governo Berlusconi silenciou quando, muito recentemente, o Presidente francês Sarkozy negou-se a extraditar Marina Petrella, ex-militante das Brigadas Vermelhas. No caso Battisti, exigiu a extradição como se o Brasil fosse uma republiqueta sulamericana.

Enquanto Cesare Battisti esteve exilado na França, o governo italiano não ousou pedir sua extradição. Bastou ser detido no Brasil para o governo Berlusconi exigir a extradição, como se o Brasil fosse uma republiqueta sul-americana. Lembremos que o governo Berlusconi silenciou quando, muito recentemente, o Presidente francês Sarkozy negou-se a extraditar Marina Petrella, ex-militante das Brigadas Vermelhas.

As ações atribuídas a Battisti pela delação premiada de um prisioneiro – não há provas além da testemunhal – configuram crime político, anistiável pela lei brasileira, e já prescrito. A pressão do governo italiano, por si só, já mostra que o caso é político, por mais que o chamem de terrorista. Durante a ditadura militar, os exilados brasileiros também foram chamados de terroristas sanguinários.

Em qualquer país civilizado, questões de política internacional, inclusive conceder ou não asilo político, são da alçada do poder Executivo e não do poder Judiciário. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal entendeu que devia antes examinar se havia ou não pressupostos legais para uma possível extradição. Na realidade, parte do STF tentou negar o fundamento da decisão do Ministro da Justiça que concedera refúgio a Battisti, interrompendo, assim, o processo de extradição.

Sem entrar no mérito da distinção técnica entre refúgio e asilo, é importante assinalar que o fato de existir tratado de extradição entre a Itália e o Brasil obriga o governo brasileiro a examinar o pedido de extradição, mas não necessariamente a concedê-la.

O STF concluiu que não havia impedimento legal para uma eventual extradição que, entretanto, só poderia ser decidida pelo Poder Executivo.

Daí a decisão da maioria na segunda votação, que causou celeuma e certa incompreensão, apesar de existir precedentes no próprio STF em relação à extradição de um israelense acusado de maltratar crianças. Naquela ocasião, conforme esclareceu o ministro Ayres Britto, o Supremo Tribunal entendeu que caberia ao presidente da República a decisão final.

Preocupante, na verdade, foi o voto vencido de que o STF poderia decidir a extradição, usurpando prerrogativa constitucional do Executivo. Já são numerosos, no Brasil, os casos de judicialização da política. A parte vencida do Supremo Tribunal queria avançar ainda mais, na direção do que seria um caso flagrante de politização do Judiciário.

Prevaleceu o bom senso e o respeito à Constituição. Cabe ao presidente da República, legitimamente eleito, a decisão de conceder ou não o asilo político. Isso é o que está na Constituição. O resto são lamentações de fundo político ou ideológico.

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Liszt Vieira é antigo exilado político, Professor da PUC-Rio, atualmente Presidente do Jardim Botânico.

Original em Carta Maior

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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Caso Battisti: manipulações e factóides na nova história política italiana

Entre 1972 e 1989, Itália viveu um conflito que muitos analistas definem como “guerra civil de baixa intensidade”

Achille Lollo

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NO DIA 12 DE dezembro, será o 40º aniversário dos trágicos massacres de Praça Fontana, em Milão (17 mortos e 88 feridos); e no Banco Nacional do Trabalho e Praça Veneza, em Roma (17 feridos), que foram planejados, em fevereiro de 1969, pelos homens do serviço secreto italiano (SID) e realizados pelos neofascistas ligados à Célula Veneta de Freda e Ventura, em coligação com os grupos neofascistas de Ordine Nuovo e de Avanguardia Nazionale, liderados por Pino Rauti e Stefano delle Chiaie. Esses atentados a bomba – que foram monitorados por David Carret da Base de Operações da CIA na Itália e apoiados pela Célula maçônica P2 de Licio Gelli – marcaram o início da “Estratégia da Tensão”, na Itália, que os centros de inteligência dos então governos democrata-cristãos (Giulio Andreotti, Taviani, Rumor e Fanfani) introduziram no contexto político do país com o objetivo de utilizar a direita neofascista para romper a inesperada evolução das lutas do movimento sindical e popular, após a criadora efervescência política, em 1968, do movimento estudantil. Por sua parte, a CIA acreditava que a existência de diferentes projetos eversivos (o Plano Solo do general do SID, Vito Miceli; o Plano Gládio de Edgardo Sonho; a intentona golpista de Valério Borghese; e o bombismo de Ordine Nuovo e Avanguardia Nazionale) podia acelerar o processo de desestabilização política do governo de centro-esquerda e determinar a mesma situação de crise política que, na Grécia, no dia 21 de abril de 1967, abriu as portas ao golpe de Estado sob a liderança do coronel Georgios Papadopoulos. De fato, após os atentados de Milão e Roma, a polícia, a Justiça e a mídia afirmavam que a matriz política dos atentados era esquerdista, e que seus autores materiais eram militantes anarquistas, abrindo assim a “caça ao vermelho”.

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Intentonas golpistas

Foi nesse clima de atentados e agressões aos militantes do movimento estudantil e sindical por parte dos grupos neofascistas que, na noite do dia 7 de dezembro de 1970, Junio Valério Borghese, líder da organização neofascista Fronte Nazionale, com o apoio do Ministério do Interior, de vários setores das Forças Armadas, da Polícia Florestal, do SID e, evidentemente, da CIA, iniciava um golpe de Estado em Roma e Milão que duraria somente oito horas, porque os golpistas não aceitavam entregar o poder ao ministro democrata-cristão Giulio Andreotti. De fato, no momento de legitimar a intentona com a adesão das unidades de elite da Otan, a CIA exigia que o poder fosse entregue a Andreotti para que ele pudesse jogar o papel de pacificador nacional. A derrota política da intentona golpista virou uma piada judiciária, e por isso os grupos da esquerda extra-parlamentar (Potere Operaio e Lotta Continua) lançaram, junto ao movimento popular, palavras de ordem revolucionárias em favor de uma ruptura insurrecional, tendo em conta a paralisia dos partidos da esquerda reformista, o PCI (comunista), o PSI (socialista) e o PSDI (social-democrata).

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Cesare Battisti viveu aquele contexto histórico e, em vez de se fechar “no pessoal das drogas e das diversões tecnológicas” escolheu “a opção das lutas políticas”

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A “Estratégia da Tensão” foi abrilhantada com cinco tentativas de golpe de Estado para acelerar a militarização da parte oculta do estado de direito e para “educar” os grupos dirigentes do PCI, do PSI e das confederações sindicais (CGIL/CISL e UIL). No momento, a “autonomia operária” havia tomado conta das fábricas do norte e das universidades das grandes cidades, tornando-as autênticos vulcões prontos a explodir em todo o território nacional. Assim, quando, em 1972, a reestruturação capitalista – com o silencioso monitoramento dos dirigentes e sindicalistas do PCI – começou a entrar nas fábricas italianas, a resposta dos operários foi excepcional e, por isso, uma parte da esquerda revolucionária começou a acreditar na possibilidade da “ruptura revolucionária”, aceitando um combate armado que, inicialmente, foi fácil e brando, para depois endurecer e ocupar 17 longos anos da história italiana em um conflito que muitos analistas definem como “uma guerra civil de baixa intensidade”. É nesse clima que, em 1972, começaram as primeiras operações de guerrilha urbana das Brigadas Vermelhas.

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Os Anos de Chumbo

Todos os governos italianos e sua classe política negaram as responsabilidades políticas do Estado na implementação da “Estratégia da Tensão”, que, de 1968 até 1972, organizou e fomentou a violência dos grupos paramilitares neofascistas. Igualmente negam que, de 1973 até 1989, ficou legitimado o “Direito do Estado de direito” em abusar no uso de seus ditos “corpos separados” (serviços secretos, unidades antiterrorismo, tribunais especiais, leis especiais antiterrorismo). Também negam que esse aparelho repressivo ainda continue em atividade. A mídia corporativa se especializou em manipular e reduzir esses 17 anos de história e violência política em poucos factóides que os juízes do antiterrorismo elegeram como “casos especiais”. Por outro lado, todos os procedimentos judiciários nos quais estava demonstrada a mão oculta do Estado desapareceram. Por exemplo, o Tribunal Supremo italiano (Cassazione) e a Corte de Apelação anularam cinco dos sete julgamentos do massacre de Piazza Fontana, que condenavam agentes secretos e neofascistas, para declarar que “não havia culpados para aquele massacre” e obrigar os familiares das vítimas a pagar as despesas judiciárias. Cesare Battisti viveu aquele contexto histórico e, em vez de se fechar “no pessoal das drogas e das diversões tecnológicas”, escolheu “a opção das lutas políticas”, aderindo ao PAC, um pequeno grupo clandestino do qual ele – diferentemente do que juízes e delatores dizem – nunca foi dirigente ou ideólogo. No dia 23 de novembro, esse militante dos anos de 1970 encerrou uma greve de fome de protesto contra uma classe política que, 20 anos após o fim da luta armada, ainda utiliza a lógica e os fundamentos da “Emergência Antiterrorista” para desviar a atenção do povo dos problemas reais da sociedade italiana e propor julgamentos e vinganças virtuais contra o último dos 140 “Judas Taddeo” da luta armada, ainda vivos no exílio.

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O novo Coliseu

Foi nesse contexto que, no dia 26 fevereiro de 2008, os deputados Giuliano Cazzola (PdL) e Giovanni Bachelet (PD), representando o governo e a oposição, elaboravam um documento sobre o caso judiciário de Battisti para que, em nome do Parlamento italiano, não fosse reconhecida a autoria política dos crimes pelos quais foi condenado e, assim, evitar que nos fóruns internacionais fosse sublevada a tese do crime político pelo qual quatro tribunais italianos o condenaram. Por isso, a Embaixada italiana em Brasília “ofereceu” ao relator Cezar Peluso e ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o documento do Parlamento. Por “mera casualidade”, esses juízes do STF formularam suas teses acusatórias da mesma forma e com a mesma conceituação jurídica elaborada pelos deputados italianos Cazzola e Bachelet. Alguém escreveu na revista Carta Capital que o estado de direito italiano não vai permitir vinganças e persecuções contra os antigos “terroristas”. Porém esse alguém não tem a coragem de revelar que todo o Parlamento italiano, ao conhecer o voto de Gilmar Mendes, se levantou de pé para bater palmas e gritar frases de vingança e desejo de morte para Battisti nas prisões italianas. Tanto é que o próprio deputado Bachelet, diante dessa escandalosa manifestação de vingança política, logo declarava textualmente “Peço desculpa a Cesare Battisti pelos tons que foram utilizados na aula do Parlamento”. Na verdade, o deputado Bachelet manifestou sua desculpa apenas para esconder o real sentimento de vingança e de perseguição que uma classe política inteira (incluindo os ditos progressistas do PD) evidenciou, ainda, contra quem não aceitou o papel do arrependido, além de criticar o autoritarismo do Estado neoliberal italiano. É bom lembrar que, em 1999, a proposta de lei de anistia foi deliberadamente afastada em função da renúncia do então PDS (ex-PCI), o qual decidiu não se posicionar para não quebrar o arranjo eleitoreiro com os setores moderados da sociedade italiana. Por isso, Olga D’Antona, outra deputada do “progressista” PD, empolgada com o voto de Gilmar Mendes, logo propôs ao Parlamento: “vamos recomeçar a ofensiva contra a França para obter a extradição da ex-brigadista Marina Petrella” (que foi negada pelo presidente Nicolas Sarkozy por motivos humanitários). Quer dizer, depois de Battisti, também a morta-viva Marina Petrella deverá ser sacrificada nas prisões italianas! Diante desse quadro, é evidente que Battisti não vai ficar “vivo” por mais de seis meses nas prisões italianas, apesar do artigo 27 da Constituição dizer que “as condenações visam à reeducação do condenado”. Isto porque Battisti vai sofrer com o sentimento de vingança de um Estado (e de seus corpos separados) que nos últimos dez anos perdeu todos os processos de extradição na Nicarágua, no Brasil, na Argentina e na Espanha.

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Morte Branca

Um sentimento de vingança e de perseguição que passa pelo encarceramento nas prisões especiais com a aplicação do artigo do Código de Procedimento Penal 41Bis, com base no qual o preso sofre com as normas do isolamento especial – que prevê rígidas restrições, tais como visita mensal só com parentes diretos e em locais separados por vidros; veto de usar computador, rádio, televisão; de receber livros, jornais, revistas e alimentos e de preparar sua comida; de ter um “banho de sol” de uma hora por dia em locais com apenas dois presos; de não ter direito à assistência médica externa; de ter a correspondência previamente lida por agentes do antiterrorismo; e de ter as conversas com os advogados gravadas. Alguns comentaristas brasileiros – ao assumirem as “pautas editoriais do governo italiano” – argumentaram que as prisões italianas são “um hotel” e que Battisti, em poucos anos, vai ganhar a liberdade. Na realidade, a situação dos presos nas penitenciárias italianas é, de fato, dramática e se torna pública somente quando os familiares denunciam o “assassinato” ou o “suicídio” de seus parentes presos. Casos como estes ocorreram no dia 16 de outubro, quando Stefano Cucchi, dependente químico de 25 anos, foi torturado até a morte pelos agentes penitenciários na prisão de Roma; no dia 2 de novembro, quando Diana Blefari Melazzi, ex-militante das Brigadas Vermelhas, de 38 anos, não suportando mais o isolamento do 41Bis, se suicida na prisão romana de Rebibbia; no dia 19 de novembro; quando Giovanni Lorusso, de 41 anos, após protestar porque os agentes penitenciários “seguravam” sua ordem de soltura do tribunal, foi encontrado enforcado na prisão de Palmi; e no dia 20 de novembro, quando M. A., menor marroquino, foi encontrado enforcado na ducha do instituto penitenciário de Florença.

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No sistema penitenciário italiano, nos últimos 11 meses, houve 62 suicídios de presos comuns e um de preso político, além de outras 243 mortes por “fatores naturais”, muitas delas por falta de assistência médico-hospitalar. Além disso, o atual governo modificou a metodologia da redução de pena (Lei Gozzini), que já não é um benefício automático, e que agora depende do parecer dos juízes do tribunal. No caso dos presos políticos que não colaboraram com a polícia ou que continuam enquadrados no 41Bis, são suspensas as normas da Lei Gozzini, bem como todas as formas de recuperação mencionadas pelo artigo 27 da Constituição. Para os condenados ao ergástolo (prisão perpétua), a referida Lei Gozzini de redução de pena é aplicada somente após 25 anos de prisão. Finalmente, os juízes italianos, por mera implacabilidade judiciária, não unificaram as quatro condenações de Battisti, de forma que, se ele conseguir continuar “vivo” no período de 25 anos do primeiro ergástolo, continuaria preso para cumprir o segundo e depois o terceiro e o quarto. Isto é, seria solto após 100 anos de prisão!

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Achille Lollo, jornalista italiano, é autor do documentário “Palestina, Nossa Terra, Nossa Luta”.

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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Mais um suicídio de preso político nas prisões italianas! Por quê?

Na Itália, nos primeiros dez meses deste ano, 61 presos optaram pelo suicídio no lugar de ficar nas “seções especiais de isolamento”

Achille Lollo

Na Itália, nos primeiros dez meses deste ano, 61 presos optaram pelo suicídio no lugar de ficar nas “seções especiais de isolamento” que os Tribunais impõem através do artigo 41bis a todos os presos considerados “perigosos”. Agora o 62º suicídio por enforcamento foi da militante das Brigadas Vermelhas, Diana Blefari Melazzi, (38), por não agüentar mais o sistemático isolamento, após seis anos e meio de prisão.

Apesar do que foi veiculado na revista Carta Capital (a mando do então Sub-Secretário das Relações Exteriores italiano, Donato di Santo e do então embaixador italiano, Valensise) para os terroristas o 41bis é obrigatório e a cadeia perpetua (ergástulo) é mantida para todos os presos políticos que não colaboraram durante as investigações.

Para Diana Blefari Melazzi (38) o suicídio por enforcamento foi a trágica saída do regime de isolamento especial. Presa em 2003 e condenada à prisão perpétua em 2005, a ex-brigatista, Diana Blefari Melazzi começou logo a manifestar “problemas psicofísicos”; tanto que nos últimos quatros anos foi submetida a 30 perícias psiquiátricas, além de várias “medicações” no hospital psiquiátrico penitenciário de Montelupo Fiorentino, depois na prisão de Sollicciano, na penitenciária de L’Aquila e por último no complexo penitenciário de Roma (cárcere de Rebibbia).
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Seus advogados e os familiares pediam, apenas, uma transferência para uma clínica psiquiátrica onde poderia ser feito um tratamento específico para, uma vez curada, voltar na penitenciária. Pediam, também, que em função de sua doença lhe fosse retirado o 41bis, isto é: o isolamento nas seções especiais para “terroristas”.

Após o suicídio da ex-brigatista, Luigi Manconi, Sub-Secretário de Justiça do anterior governo de centro-esquerda, declarou ao jornal La Repubblica, “No meu tempo foram feitas dezenas de perícias psiquiátricas, segundo as quais resultou, sem nenhuma dúvida, que a Blefari sofria com graves distúrbios mentais. Mesmo assim a magistratura nunca quis tomar conta disso”.

O atual ministro da Justiça do governo Berlusconi, Angelino Alfano, após o anúncio do suicídio declarou em conferência de imprensa que “a estabelecer que Diana Blefari Melazzi pudesse suportar a prisão, mesmo tendo em conta seu estado psicofísico, foram os magistrados do Tribunal, visto que não é o ministro que decide quem deve ficar ou não nas prisões”.

Por isso, Caterina Calia e Valerio Spigorelli, os advogados de Diana Blefari Melazzi, no dia 2 de Novembro convocaram uma conferência de imprensa para denunciar que “ Diana Blefari Melazzi não foi tratada porque era uma terrorista das Brigadas Vermelhas: e foi por isso que ela chegou facilmente ao suicídio, sem alguma intervenção por parte do tribunal e das autoridades penitenciárias. Se ela fosse acusada de crimes comuns, certamente teria sido tratada, mas por ser acusada de terrorismo prevaleceu a tendência do Estado de optar pelo poder da punição, esquecendo o direito de salvar uma pessoa”.

Os advogados, diante dos jornalistas, acusaram o sistema judiciário e penitenciário italiano de ter implementado, desde 1978, um regime de isolamento especial para os presos políticos que prevê uma destruição psicofísica, sobretudo, no caso daqueles que não colaboraram com os investigadores. De fato, o suicídio da brigatista acontece 15 dias após o interrogatório dos agentes da polícia política, na prisão Rebibbia. Será apenas uma casualidade?

O regime especial do 41Bis não provocou apenas o suicídio de Diana Blefari Melazzi. Desde 1974 até hoje foram registrados 13 “suicídios” de presos políticos (Bruno Valli, 1974; Lorenzo Bortoli, 1981; Francesco Berardi, 1979; Eduardo Arnaldi, 1980; Marino Pallotto, 1980; Alberto Buonoconto, 1980; Manfredi De Stefano, 1984; Dario Bertagna, Mario Scrocca, 1987; Claudio Carbone, 1993; Edoardo Massari, 1998; Maria Soledad Rosas, 1998). Sem considerar os outros presos políticos que morreram por “causas naturais”, apesar de seus advogados dizerem que isto aconteceu por falta de tratamento médico nas prisões especiais onde estavam, como ficou evidente nos casos de Fabrizio Pelli (leucemia) e Nicola Giancola (enfarte).

Diferentemente do juiz Franco Ionta, responsável do DAP (Departamento Penitenciário), Angiolo Marroni, responsável da situação dos presos na região Lazio sublinha “ninguém quis tomar conta do caso, de fato em 2007 foi lançado o alarme quando eu denunciei que a condição física da Blefari havia piorado tornando-se um sujeito esquizofrênico e inabilitado psiquicamente”. (tradução do jornal La Repubblica de 02/11/2009).

O suicídio anunciado de Diana Blefari Melazzi obriga a fazer uma reflexão sobre o suicídio anunciado de Cesare Battisti. De fato, por uma vez, apenas uma vez é necessário perguntar: se as prisões italianas são assim róseas e humanitárias, tal como foram apresentadas por um ex-juiz brasileiro, hoje comentarista da revista Carta Capital. Também é necessário perguntar por que nos últimos nove anos, nas prisões italianas se registraram 510 suicídios de presos por enforcamento?

Se os presos políticos (não arrependidos) e condenados à prisão perpétua teriam possibilidade de sair em apenas 12 anos, tal como escreveu o comentarista da revista Carta Capital, porque a cada ano se registra o suicídio de um ou dois deles?

Será que tudo isso é casual? Ou será que a condenação à cadeia perpétua, associada ao isolamento especial do 41Bis, é, ainda, a “solução ideal” para provocar a destruição psíquica e a conseqüente auto-eliminação dos antigos inimigos do Estado?
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Achille Lollo é jormalista italiano e membro do- Comitê de Apoio aos Refugiados Políticos, Rio de Janeiro
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Original em Brasil de Fato

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

ABAIXO-ASSINADO INTERNACIONAL EM DEFESA DA LIBERDADE DE CESARE BATTISTI


O escritor e perseguido político Cesare Battisti ainda está preso no Brasil, ao arrepio da Lei e da jurisprudência, embora já em janeiro/2009 devesse ter sido libertado em função do reconhecimento de sua condição de refugiado político por parte do governo brasileiro. E a Italia continua movendo céus e terras para impor sua extradição, numa campanha que mobiliza recursos astronômicos e utiliza pressões as mais descabidas para vergar as autoridades brasileiras a seus desígnios.
Pedimos aos cidadãos com espírito de justiça, no Brasil e no mundo, que divulguem este abaixo-assinado para a libertação de Cesare Battisti. E, também, que façam chegar sua tomada de posição aos seguintes endereços:

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LIBERDADE PARA BATTISTI

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Sr. Presidente da República Federativa do Brasil,
Sr. Presidente do Supremo Tribunal,
Sr. Ministro da Justiça,
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.........................................nós, abaixo-assinados, pedimos-lhes solenemente que não extraditem Cesare Battisti, que lhe ofereçam o refúgio político humanitário e que lhe permitam viver no seu país, como ele disse desejar.

A decisão tomada pelo ministro da Justiça em 23/01/2009, de atribuir-lhe o refúgio político humanitário, honra o seu país e o povo brasileiro. Honra todo o Brasil, não somente pelo seu alcance individual, mas, sobretudo, pelo seu alcance universal -- até porque, como sublinhou a ONU, existe um real perigo de que se esvazie a instituição do refúgio.

Apesar desta decisão soberana, a Itália continua fazer pressão sobre o vosso governo para exigir a extradição de Cesare Battisti. Frente a essa pressão reiterada, sem considerar o conjunto do processo agora conhecido, desejamos retomar alguns elementos que devem permitir compreender-se que, além do caso Cesare Battisti (que não é unico), é da defesa das liberdades democráticas que se trata.

Não é o caso de discutir o carácter democrático ou não da Itália. É indispensável recordar que este país foi objeto de numerosas denúncias por parte do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e de organizações reconhecidas em nível internacional, relativas à tortura, bem como à implicação dos diferentes serviços policiais e judiciais em casos de suspensão e desrespeito das regras do Direito internacional em matéria de direitos humanos.

Desde 1979, os relatórios da Anistia International referem alegações de tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, tanto nas detenções como em prisão preventiva, além da prestação de cuidados médicos insuficientes aos detidos.

Até hoje, no seu último relatório de 2009, a Anistia Internacional destaca: as autoridades italianas ainda não inscreveram a tortura entre os crimes sancionados pelo Código Penal. Também não instauraram mecanismo eficaz que assegure que a polícia preste conta dos seus atos.

Os anos de chumbo, na Itália, inscrevem-se num contexto internacional em que, do México à França, passando pela Checoslováquia, milhões de pessoas manifestam contra o autoritarismo e procuram construir um mundo ideal de liberdade e de justiça.

A América Latina pagará muito caro esta sede de liberdade. Os sucessivos golpes de estado fomentados pelos Estados Unidos para extirpar os movimentos que prejudicavam os seus interesses seriam apoiados pelos países da Otan, e a França. Estratégia do terror, tortura, desaparecimentos e eliminação sistemática dos oponentes foram então erigidos em método de governo. A Europa não escapou a este processo; e a Itália, sem dúvida, menos ainda que os outros países.

Aí está porque é necessário recordarmos que, precisamente, estas estratégias de tensão e terror, bem como os riscos de golpe de estado fascista, tomaram corpo naquele país, como testemunham os atentados e massacres perpetrados pelo grupo Loja P2, os circulos fascistas e os serviços de informação italianos.

Piazza Fontana (1969 - 17 mortos, 88 feridos), Brescia (1974 - 8 mortos, 94 feridos), Bolonha (1980 - 85 mortos, 200 feridos) são os atentados mais notáveis desse período, mas estão longe de ser os únicos.

No decreto de novembro de 1995, O tribunal supremo italiano revelou a existencia de uma vasta associacão subversiva composta, de uma parte por elementos provenientes de movimentos neo-facistas dissolvidos, como Paolo Signorelli, Massimiliano Fachini, Stefano Delle Chiaie, Adriano Tilgher, Maurizio Giorgi e Marco Ballan; e, por outra parte, Licio Gelli (chefe do grupo Loja P2), Francesco Pazienza, o colaborador do diretor geral do serviço de informação militar SISMI, e dois outros oficiais do serviço a saber, o general Pietro Musumeci e o coronel Giuseppe Belmont.

É nesse contexto que mais de 400 organizacões estruturaram-se para lutar contra o fascismo; e que dezenas de milhares de italianos foram às ruas e atacaram tais milícias. Milhares de opositores do fascismo foram condenados a seculos de prisão.

Sustentar-se hoje que estas condenações não se inscreveram num contexto político e que foram decretadas apenas contra qualquer malfeitor sem fé nem lei, revela simplesmente uma negação da realidade. Ou, mais precisamente, um disfarce da História, que serve para ocultar as razões pelas quais, ainda hoje, o risco fascista persiste na Itália.

A recaída no fascismo ameaça a Europa democrática desde a primeira eleição de Silvio Berlusconi em 1994. Este aliou-se a um partido abertamente xenófobo e federalista, a Liga do Norte; e, na Aliança Nacional , retomou o chefe do MSI Giorgio Almirante (chefe de gabinete de ministro da Cultura popular de Mussolini e membro da guarda nacional da República de Salò). A página mussolineana está longe de ser página virada.

As últimas leis votadas pela Itália são também objeto de preocupações crescentes entre os organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, devido ao seu carácter racista e xenófobo, bem como ao descumprimento de suas obrigações internacionais (vide o relatório da Anistia Internacional de 2009 e os comunicados de imprensa de 07.05.09 e 03.07.09, dentre outros).

Numerosas são as acusações de maus tratos, tortura e violação da dignidade humana que continuam a pesar sobre o sistema carcerario italiano. Ainda em julho de 2009 a Itália voltou a ser condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pelas condições de detenção julgadas degradantes.

Nessas condições, é evidente que a extradição de Cesare Battisti e sua condução às prisões italianas colocariam em efetivo perigo a sua integridade física e psicologica.

Os fatos pelos quais Cesare Battisti foi condenado situam-se claramente num contexto político e a obstinação vingativa da qual é objeto revela-se igualmente politica. É por isso que, seguindo a decisão do Ministro da justiça, rogamos-lhe liberar Cesare Battisti e garantir-lhe o refúgio político humanitário político que lhe foi outorgado em janeiro de 2009.

O seu país faz, doravante, parte de um continente no qual a esperança renasce. São nações que, afirmando a sua independência, libertaram-se das tutelas estrangeiras.

Estamos convencidos que vocês não voltarão ao passado, extraditando Cesare Battisti, o que seria uma reincidência na terrível decisão do governo que entregou Olga Benario, companheira de Luiz Carlos Prestes, à Alemanha nazista.

Estamos certos que reafirmarão a independência do seu país e sua adesão aos ideais de liberdade e de justiça.

Cremos que colocarão Cesare Battisti em liberdade.
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Em: agosto/2009
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Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti

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Original em O Rebate

domingo, 9 de agosto de 2009

Exploração indigna: Itália escraviza imigrantes

Milhares de imigrantes vivem em condições próximas da escravatura, segundo um estudo da Organização Internacional para as Migrações (OIM), divulgado no dia 28.

O documento apresentado pelo organismo intergovernamental com sede em Genebra descreve as condições desumanas em que vivem cerca de 1200 pessoas no centro de reagrupamento, situado perto de San Nicola Varco, no Sul de Nápoles.

Neste acampamento de barracas miseráveis, sem água corrente ou eletricidade e rodeadas de lixo, a maioria dos residentes são jovens de origem marroquina. Todos foram para Itália ao abrigo de um programa do Governo como trabalhadores sazonais.

Muitos destes imigrantes pagaram até oito mil euros aos intermediários no seu país de origem em troca de uma promessa de emprego sazonal. Todavia, uma vez chegados, aperceberam-se de que os supostos empregadores tinham desaparecido ou que afinal não desejavam contratá-los, impossibilitando-os de obter a preciosa autorização de trabalho.

Forçados a uma situação de ilegalidade, tornaram-se vítimas da mais vil exploração, recebendo entre 15 a 25 euros por 12 horas de trabalho diário, sem contrato, nas estufas e explorações agrícolas da região. Além disso, ainda lhes são descontados três euros pela água que precisam para suportar os trabalhos mais penosos sob a abrasadora canícula.

Emergência Humanitária

Nas palavras do representante da OIM em Itália, Flavio Di Giacomo, trata-se de uma «emergência humanitária uma vez que estas pessoas vivem, em condições insuportáveis. Recebem salários muito abaixo do mínimo legal, é uma forma de escravatura».

O campo de San Nicola Varco não é o único do gênero. Há muitos outros, tanto no Mezzogiorno (Sul) como no próspero Norte de Itália, afirmou Giacomo, garantindo que «esta situação afeta milhares e milhares de imigrantes».

Todos os anos, a Itália fixa uma quota de trabalhadores imigrantes autorizados a entrar no país para trabalhos sazonais na agricultura. Contudo, apesar desta cobertura legal que os devia proteger, a grande maioria vê-se obrigada a trabalhar sem contrato. Segundo as estatísticas oficiais, o trabalho não declarado na agricultura representa entre 15,9 e 17,6 por cento do Produto Interno Bruto.
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Original em Avante!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Itália

Tribunal prova subornos de Berlusconi


O Tribunal de Milão deu como provado que o atual primeiro-ministro italiano subornou em 1997 com 600 mil dólares (444 mil euros) o advogado britânico David Mils, e que este prestou «falso testemunho» com o objetivo de «proporcionar impunidade a Berlusconi e ao grupo Fininvest».

O documento de 400 páginas, apresentado dia 19, contém a argumentação da sentença pronunciada em Fevereiro que condenou Mils a quatro anos e meio de prisão por corrupção em ato judicial. Nele afirma-se que o advogado recebeu «durante anos enormes somas de dinheiro» da Fininvest e que, ao fazer falsas declarações aos juízes, o argüido permitiu a Berlusconi «manter os ingentes lucros» obtidos em paraísos fiscais, para além de «infringir abertamente as leis anti monopólio dos meios de comunicação».

Apesar das provas, o Tribunal não pôde condenar o corruptor, uma vez que o seu julgamento continua adiado até o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre a lei aprovada no ano passado que garante a imunidade a quatro altas figuras do Estado, entre elas o chefe do Governo.

Desde o processo «Mãos Limpas», no início dos anos 90, que Berlusconi e Mils estão implicados em processos de corrupção, alguns deles ligados ao então primeiro-ministro socialista, Bettino Craxi. A presente sentença recorda que já nessa altura Mils, enquanto argüido, encobriu sistematicamente Berlusconi perante o tribunal e apagou «todos os vestígios financeiros que relacionavam Berlusconi com as sociedades» visadas pela Justiça.

Esses fatos só foram reavivados em 2004, depois de o Fisco britânico ter descoberto nas contas do advogado uma quantia de 600 mil dólares sem justificativo. Mils alegou que tinha sido uma oferta de Carlo Bernasconi, um administrador da Fininvest, falecido em 2001. O caso chegou à Justiça italiana e gerou um escândalo político no Reino Unido que forçou a esposa de Mils a demitir-se do cargo de ministra da Cultura do governo de Blair.

Por seu lado, Berlusconi desmentiu furiosamente os magistrados, alegando que a sentença «contraria a realidade», no entanto recusou o desafio lançado pelo Partido Democrático de renunciar à imunidade e sujeitar-se ao julgamento «como qualquer cidadão normal».

Original em Avante!
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terça-feira, 5 de maio de 2009

ONU ALERTA STF: Decisão sobre Battisti pode abrir precedente negativo

Celso Lungaretti *
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) encaminhou documento aos ministros do Supremo Tribunal Federal alertando-os de que a decisão a ser por eles tomada no caso do escritor e perseguido político italiano Cesare Battisti "pode influenciar a maneira pela qual as autoridades de outros países aplicam a definição de refugiado e lidam com casos de extradição que envolvam refugiados reconhecidos formalmente".

Ou seja: o Brasil, por meio do Ministério da Justiça, já concedeu o refúgio humanitário a Battisti; se o STF modificar esta decisão, poderá estimular outros países a reabrirem casos igualmente finalizados.

O Acnur, enfim, teme que o Brasil descumpra a regra prevista na convenção da ONU de 1951, por ele ratificada, que impede a extradição de refugiados, pois isto abriria um precedente negativo capaz de desencadear um retrocesso em escala mais ampla.

O receio é compartilhado pelo presidente do Comitê Nacional para Refugiados, Luiz Paulo Barreto. Segundo ele, se tomar neste caso uma decisão diferente da que vinha adotando em todos os episódios semelhantes, o STF substituirá o Ministério da Justiça como última instância nos processos de refúgio humanitário, sem ser a instituição mais apta para cumprir tal função:

- Nem sempre o Judiciário tem condições de avaliar todos os detalhes de um processo de refúgio. P. ex., no caso do Sudão, da Eritreia, da República Democrática do Congo, o Supremo tem condições de saber que neste momento e nesses países há perseguição? Talvez não, porque o Supremo não é órgão especializado para dar refúgio.

A avaliação do Conare é idêntica à do Acnur: até agora não tem havido o apelo às Cortes Supremas nas nações que admitem o refúgio humanitário porque a lei impede a entrega de refugiados e estabelece que os processos de extradição são arquivados quando há o reconhecimento do refúgio pelo Executivo; uma reviravolta no enfoque da questão por parte do STF poderá levar mais países a recorrerem ao Judiciário, debilitando internacionalmente a instituição do refúgio.

Fui dos primeiros a alertar para as consequências nefastas dos malabarismos propostos pelo presidente do Supremo, num artigo de janeiro: Gilmar Mendes quer que STF usurpe prerrogativa do Executivo ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/01/gilmar-mendes-quer-que-stf-usurpe.html ). Está lá:

"Será a segunda tentativa que Gilmar Mendes fará, no sentido de convencer o STF a usurpar essa prerrogativa do Executivo: em 2007, (...) ele foi o único ministro a sustentar que o Supremo deveria discutir se os crimes atribuídos a Olivério Medina (...) eram políticos ou comuns.

"Na ocasião, o STF reconheceu que a decisão do governo brasileiro, concedendo o status de refugiado político a Medina, havia sido juridicamente perfeita (...).

"Mendes agora pedirá aos ministros do STF que voltem atrás no seu entendimento anterior (...).
"A Lei do Refúgio é claríssima, não dando margem a nenhum contorcionismo jurídico que possa compatibilizá-la com a pretensão de Mendes. O que ele quer, em última análise, é alterá-la em essência, o que não é nem nunca será atribuição do STF.

"Espera-se que os ministros do Supremo rejeitem mais uma vez o casuísmo proposto por Mendes."

O Conare espera a mesma coisa. O Acnur, idem. Assim como os cidadãos com sentimentos humanitários e espírito de justiça.

* Jornalista e escritor, mantém os blogs
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
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sexta-feira, 13 de março de 2009

A democracia num táxi


Por José Saramago
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O eminente estadista italiano que dá pelo nome de Silvio Berlusconi, também conhecido pelo apodo de il Cavaliere, acaba de gerar no seu privilegiado cérebro uma ideia que o coloca definitivamente à cabeça do pelotão dos grande pensadores políticos. Quer ele que, para obviar os longos, monótonos e demorados debates e agilizar os trâmites nas câmaras, senado e parlamento, sejam os chefes parlamentares a exercer o poder de representação, acabando-se ao mesmo tempo com o peso morto de umas quantas centenas de deputados e senadores que, na maior parte dos casos, não abrem a boca em toda a legislatura, a não ser para bocejar. A mim, devo reconhecê-lo, parece-me bem. Os representantes dos maiores partidos, três ou quatro, digamos, reunir-se-iam num táxi a caminho de um restaurante onde, ao redor de uma boa refeição, tomariam as decisões pertinentes. Atrás de si teriam levado, mas deslocando-se em bicicleta, os representantes dos partidos menores, que comeriam ao balcão, no caso de o haver, ou numa cafetaria das imediações. Nada mais democrático. De caminho poderia mesmo começar a pensar-se em liquidar esses imponentes, arrogantes e pretensiosos edifícios denominados parlamentos e senados, fontes de contínuas discussões e de elevadas despesas que não aproveitam ao povo. De redução em redução confio que chegaríamos ao ágora dos gregos. Claro, com ágora, mas sem gregos. Dir-me-ão que a este Cavaliere não há que tomá-lo a sério. Sim, mas o perigo é que acabemos por não tomar a sério aqueles que o elegem.

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Publicado em O Caderno de Saramago

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Que fazer com os italianos?

José Saramago
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Reconheço que a pergunta poderá soar de maneira algo ofensiva a um ouvido delicado. Que é isto? Um simples particular a interpelar um povo inteiro, a pedir-lhe contas pelo uso de um voto que, para gáudio de uma maioria de direita cada vez mais insolente, acabou por fazer de Berlusconi amo e senhor absoluto de Itália e da consciência de milhões de italianos? Ainda que, em verdade, quero dizê-lo já, o mais ofendido seja eu. Sim, precisamente eu. Ofendido no meu amor por Itália, pela cultura italiana, pela história italiana, ofendido, inclusive, na minha pertinaz esperança de que o pesadelo venha a ter um fim e de que a Itália possa retomar o exaltador espírito verdiano que foi, durante um tempo, a sua melhor definição. E que não me acusem de estar a misturar gratuitamente música e política, qualquer italiano culto e honrado sabe que tenho razão e porquê.
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Acaba de chegar aqui a notícia da demissão de Walter Veltroni. Bem-vinda seja, o seu Partido Democrático começou como uma caricatura de partido e acabou, sem palavra nem projecto, como um convidado de pedra na cena política. As esperanças que nele depositámos foram defraudadas pela sua indefinição ideológica e pela fragilidade do seu carácter pessoal. Veltroni é responsável, certamente não o único, mas na conjuntura actual, o maior, pelo debilitamento de uma esquerda de que chegou a apresentar-se como salvador. Paz à sua alma.
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Nem tudo foi perdido, porém. É o que nos vêm dizer o escritor Andrea Camilleri e o filósofo Paolo Flores d’Arcais num artigo publicado recentemente em “El País”. Há um trabalho a fazer conjuntamente com os milhões de italianos que já perderam a paciência vendo o seu país a ser arrastado em cada dia que passa à irrisão pública. O pequeno partido de Antonio di Pietro, o ex-magistrado de Mãos Limpas, pode tornar-se no revulsivo de que a Itália necessita para chegar a uma catarse colectiva que desperte para a acção cívica o melhor da sociedade italiana. É a hora. Esperemos que o seja.
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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

SAN REMO: O QUE ESTÁ ACONTECENDO NA EUROPA?

A abertura do 59º Festival de San Remo no dia de ontem, mostrou, nos detalhes, que a Europa está, de fato, muito preocupada com o rumo político que as coisas estão tomando por lá.

O que sempre foi um oba-oba de futilidades e glamour, abriu espaço para duas coisas que chamaram a atenção dos mais atentos. Primeiro, a entrevista com o Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Miguel d’Escoto que, se pouco acrescentou, serviu para chamar a atenção sobre o fato de que, como disse Vandré, a vida não se resume a festivais.

O segundo fato, esse sim de uma relevância extremamente grande, a presença de Roberto Benigni que, de forma sutil e polida, ironizou a figura bizarra de Berlusconi que hoje ocupa o centro das atenções da porção civilizada da Europa, tanto pelo seu posicionamento retrógrado de extrema direita, como pelas acusações que sofre pelo seu envolvimento em grandes esquemas de corrupção.

Esse espetáculo de fino humor que atingiu em cheio o "stablishiment" italiano já provocou hoje, um dia após a apresentação de Benigni, a manifestação de Maurizio Gasparri, líder do "Popolo della Libertà" (PdL), partido de direita italiano, que diz ter a intenção de ajuizar ação legal contra Claudio Cappon, diretor geral da RAI.

Mas o mais marcou politicamente a participação de Benigni, em um momento em que os movimentos neo nazistas crescem de modo assustador por toda a Europa e agridem violentamente as minorias representadas pelos negros, judeus, estrangeiros e homossexuais, aproveitando as dificuldades criadas pela crise econômica que atinge os países desenvolvidos, foi a alocução dirigida a favor da liberdade de opção sexual.

No texto, o coerente ator italiano faz a explanação didática e poética do que representa o o direito de amar, independente do fato de ser homo ou heterossexual, e finaliza com um dos poemas escritos por Oscar Wilde da prisão para o Lord Alfred Douglas.

A politização, embora tímida, do Festival da Música Italiana é um fato absolutamente inédito dentro de uma sociedade secularmente conservadora e dentro de um evento que sempre se caracterizou por duas coisas: as belas músicas que apresenta e pela não tomada de posições que possam ser consideradas como polêmicas.

Mesmo que se observe apenas as músicas apresentadas ao longo desses 58 anos que precederam o atual festival, vemos que poucas são as canções que foram apresentadas com algum conteúdo social ou de posicionamento definido - uma delas "Ciao, Amore, Ciao" de Luigi Tenco - sem que jamais alguma tenha ocupado, mesmo que fosse o terceiro lugar.

Rosalvo Maciel

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Itália esconde Jorge Troccoli.

O que a "imprensa livre" brasileira não mostra: o caso Jorge Troccoli.

Nas últimas semanas, o caso Cesare Battisti vem ocupando um grande espaço nos principais "veículos de comunicação" do país e a cobertura dada ao mesmo - para variar - tem sido extremamente tendenciosa. De modo geral, a grande imprensa brasileira tem feito coro às alegações do governo italiano de que o Brasil está concedendo o status de refugiado político a um "terrorista", condenado por quatro homicídios, em seu país natal.
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No entanto, esta mesma imprensa - que se diz neutra, livre e isenta - esquece deliberadamente um episódio ocorrido no ano passado na "democrática" Itália e que merece ser lembrado, no momento em que acontece este contencioso entre o Brasil e o governo do Sr. Berlusconi: o caso do militar uruguaio Jorge Troccolli. Capitão da marinha uruguaia, Troccoli teve uma atuação bastante ativa na tristemente famosa “Operação Condor” (que contou com a participação das ditaduras militares do Uruguai e de outros países sul-americanos), tendo sido responsável pela tortura e morte de mais de uma centena de opositores desses regimes, entre 1975 e 1983. Em 2002, o governo do Sr. Silvio Berlusconi – em sua segunda passagem pela chefia do gabinete de ministros da Itália - concedeu cidadania italiana ao Capitão Troccoli, mesmo sabendo das acusações de crime contra a humanidade que pesavam contra ele.
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Em setembro do ano passado, o ministro da justiça da Itália, Angelino Alfano, negou-se à extraditar Troccoli para o Uruguai, alegando que ele é cidadão italiano, tomando como base jurídica um tratado assinado entre os dois países em 1879. Portanto, o mesmo governo que nega-se a extraditar um notório torturador, utilizando dessas filigranas jurídicas, é o mesmo que se considera ofendido pela não-extradição de Battisti, que seguiu todas as normas da legislação brasileira, que por sua vez se baseia em uma série de convenções internacionais.
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A mídia golpista brasileira, interessada em atacar o governo Lula, opta por dar razão a um governo com notórias ligações com grupos neo-fascistas e com o crime organizado na Itália, como é o governo Berlusconi, ao invés de cobrir o caso Battisti com a isenção que seria necessária. E se é para dar opiniões pessoais e subjetivas - que é o que tem feito a maior parte dos principais articulistas da grande imprensa - eu prefiro concordar com a bela Carla Bruni, que apóia Battisti, do que com a deputada neo-fascista Alessandra Mussolini (neta do próprio), que faz parte da base de apoio de Berlusconi!!
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Maiores informações sobre o caso Troccoli podem ser encontradas em um artigo publicado recentemente no jornal italiano do L'Unitá.
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Vista de perto, a Itália de 2009 dá medo

Franco Berardi (Bifo)
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Franco Berardi (mais conhecido pelo apelido, Bifo), 60, é filósofo, escritor e agitador cultural italiano
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Após conduzir um ataque insano contra os trabalhadores, depois de ter levado a termo a criminosa operação Alitalia com a ajuda da oposição de Sua Majestade, após haver tentado (e parcialmente realizado) um ataque mortal contra o que resta da escola Pública, agora – com o pacote de segurança – o governo Berlusconi toma decididamente o caminho da violência autoritária.
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O que podemos imaginar nesse momento? Podemos imaginar que esse governo dure por mais quatro anos devastando para sempre qualquer esperança de vida civil. Ou podemos imaginar que a situação se precipite em direção ao banho de sangue, à guerra civil inter-étnica, à catástrofe civil dolorosa. Que outra coisa se pode imaginar?
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Se olhamos a situação de perto, se experimentamos olhá-la de Roma, ou de Milão – onde a EXPO 2015 virou pretexto para fechar todos os locais de encontro livre dos trabalhadores precários e da cultura dissidente, como os grupos paramilitares fascistas de 1922 fecharam as associações sindicais operárias – não há esperança.
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Mas não é de perto que se deve olhar o que acontece na Itália hoje, nem de Roma, nem de Milão. Tentemos mudar o nosso ponto de observação e olhar a Itália de fora, a partir do mundo. Então compreenderemos melhor e nos livraremos da angústia.
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No final de novembro de 2008, a classe política que se reuniu em torno de Berlusconi mostrava-se vencedora. No final de novembro de 2008, parecia que o rei-caricatura e sua gentalha estivessem destinados a cavalgar alegremente, sem obstáculos.
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O que os jornalistas que cobrem o Parlamento chamam de "oposição" (o Partido Democrático, moribundo desde antes de nascer) é, em realidade, uma heterogênea tropa de apoio.
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Os Colaninno[1] que compõem aquele partido nada são, senão sócios nos negócios, do presidente do Conselho. Os Bassolini e os Cofferati contribuíram para tornar odioso aquele amontoado de perdedores arrogantes que o pobre Veltroni não conseguiu governar.
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Por isso Berlusconi ria feliz: tinha vencido e não havia oposições no horizonte.
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Mais tarde a atmosfera mudou, porque três eventos epocais modificaram o horizonte.
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(1): O cataclismo econômico por longo tempo anunciado e por muito tempo ignorado desembarcou nos EUA e está lambendo a península com tempestades das quais, até agora, só vimos os primeiros ventos.
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(2): A Onda Anômala[2] de centenas de milhares de estudantes, professores, pesquisadores, trabalhadores do precariato ocupam as escolas, as universidades, as ruas, as praças e rejeitam a "Reforma Gelmini". A inteligência mobiliza-se contra a ignorância; e é só o começo de um movimento destinado a corroer, profundamente, as bases do poder obscurantista.
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(3): A vitória de Barak Hossain Obama nos EUA abre nova fase histórica no planeta inteiro. Não podemos saber quais direções tomará, efetivamente, a nova presidência americana. Não podemos saber quão profunda será a mudança que Obama imprimirá ao seu país e ao mundo inteiro.
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Mas não se pode, por isso, esquecer dos criminosos que governaram o mundo no último decênio. A classe incompetente que levou o mundo à catástrofe econômica e ecológica começa a ser desprezada, amaldiçoada e derrotada pelos homens e pelas mulheres que iniciam a nova história.
Desde novembro de 2008, quando o cataclismo econômico, a Onda Anômala e o presidente negro mudaram os rumos do mundo, os rostos pálidos que estão no poder na Itália aparecem como são: criminosos incompetentes inimigos da sociedade da inteligência.
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A partir daquele momento, tornaram-se perdedores. Nem por isso são menos perigosos. Ao contrário, tornaram-se ainda mais perigosos, como já se vê. Desde então, puseram-se a incitar o ódio étnico, o ódio religioso, transformaram em lei a sua vontade de assassinar a liberdade de manifestação política, introduziram leis de segurança que lembram de perto os momentos mais obscuros da história do século XX. São até mais perigosos hoje, porque vivem seus últimos momentos, são existências destinadas a desaparecer com a avalanche que se aproxima.
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Protegem-se agressivamente, mostram a feição descarada da arrogância clerical-fascista e racista. Mas perderam.
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Podem ainda produzir muita dor, podem provocar uma guerra racial e podem produzir uma guerra social que levaria a Itália ao precipício. Mas perderam.
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Agora, é hora de tomarmos a iniciativa, com calma, com prudência e espírito de paz.
Toca-nos dizer que não se deve aceitar os tons de cruzada, porque as cruzadas são coisas da Idade Média e, para nós, a Idade Média acabou. Goffredo da Buglione morreu. George W Bush morreu. Dick Cheney morreu. E Berlusconi está destinado a segui-los logo.
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Assisto a um telejornal. Ouço que Famiglia Cristiana, jornal de pessoas de bem que vivem a fé com caridade e respeito, acusa o governo de fomentar o ódio racial. Ouço que o ministro Maroni ameaça com retaliação 'legal' o jornal mais lido pelos italianos crentes. Depois, vejo que os fascistas no parlamento atiram-se contra o corpo de uma moça que morreu há 17 anos, gritam impropérios, porque querem expropriar os homens e as mulheres do direito de dispor do próprio corpo e da própria alma.
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Depois, ouço que o Instituto de Estatística nos dá as cifras da catástrofe. No mês de novembro, a produção industrial italiana caiu 14% – 50% no setor de automóveis. Dos EUA chegam notícias de que, no último mês, desapareceram 600 mil postos de trabalho.
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Essa é a realidade que a classe criminal dos Berlusconi e dos Bush produziu. Essa é a realidade que a classe criminal que provisoriamente governa a Itália procura esconder, agitando cruzes de fogo e urrando maldições.
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Mas para eles acabou. Do abismo a que nos levaram, devemos nos levantar com as nossas forças e sobretudo com a nossa inteligência. E evitar a guerra civil à qual querem nos arrastar. E evitar a angústia na qual querem nos sufocar.
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Porque nós somos a inteligência coletiva. A ignorância privatista não prevalecerá.
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[Tradução: coletivo de tradutores attraverso]
Original em NovaE

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Carta Capital e o país de Pinocchio

Os artigos de Mino Carta e Walter Maierovitch, contra o refúgio a Cesare Battisti, ferem a tradição da revista que os publica. Como textos jornalísticos, são desinformados e omissos. Politicamente, sugerem que todos podem rever suas posições – exceto os revolucionários italianos dos anos 1970

Giuseppe Cocco
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No Brasil, as vivas polêmicas suscitadas pelo caso Cesare Battisti foram e são atravessadas por dois grandes vieses. Obviamente, um deles tem origem na Itália. O outro, só um pouco menos óbvio, é fato da conjuntura política brasileira.
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A violenta reação da classe política italiana à decisão brasileira de conceder “refúgio” a Battisti tem dois determinantes. O primeiro diz respeito à composição fortemente reacionária do atual Executivo, presidido por Silvio Berlusconi. Se o berlusconiano ministro do exterior, Franco Frattini, chamou de volta o embaixador, foram os pós-fascistas a ameaçar com a suspensão do amistoso de futebol entre Brasil e Itália; e um deputado da "Lega Nord" a declarar que o Brasil é conhecido por suas dançarinas e não por seus juristas.
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O segundo determinante diz respeito à composição da classe política italiana, considerada em conjunto. Apesar de seu pouco peso (o regime italiano é parlamentar, e quem “manda” é o primeiro-ministro), até o presidente italiano, o pós-comunista Giorgio Napolitano, protestou veementemente e de maneira deselegante, em carta aberta ao presidente brasileiro.
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A cobertura da grande mídia brasileira não traz nenhuma novidade. Quando se trata de Bolívia e Equador, ela prega firmeza e critica a postura conciliatória do governo brasileiro. Quando se trata de Itália, ela repercute (e dá legitimidade) à pressão italiana, sem nenhuma preocupação com a firmeza “nacional” que prega nos outros casos. A elite é isso mesmo: “forte com os fracos e fraca com os fortes”!
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Mas, há uma segunda vertente de críticas à decisão brasileira no caso Battisti: trata-se das colunas de Mino Carta, o editor-proprietário de Carta Capital, e de um magistrado, ex-chefe da repressão ao narcotráfico (sob FHC) que publica colunas no mesmo semanário. Na realidade, a atitude de Mino e Walter Maierovitch flerta com a histeria da direita anti-Lula e mancha a postura de independência editorial que Carta Capital ostentar. Há dois traços específicos nessa segunda vertente.
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Em primeiro lugar, Mino Carta e Walter Maierovitch pretendem-se inseridos no cenário político brasileiro nacional, no campo progressista, até de centro-esquerda. Em segundo lugar, ambos apresentam-se como profundos conhecedores da realidade italiana — sabe-se lá se por suas origens familiares, ou por algum outro critério pessoal indecifrável. E é assim que se lê, na Cartado Mino (de 28 de janeiro de 2009 ) que “o ministro Tarso Genro expõe ignorância em relação à história recente da Itália”.
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Por que esse tratamento desigual, em artigo de jornalista tão bem informado? Será que Mino não sabia como resolver a incongruência dessa unanimidade entre “comunistas” e “fascistas”? O jornalista omitiu um fato que atrapalhava sua coreografia
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As colunas desses dois autores atacam a decisão de Tarso com argumentações supostamente mais rigorosas no plano histórico, jurídico e político. Muitos, na esquerda, ficaram perplexos com o que leram essa semana. fato é que aqui se viu uma interpretação reacionária à brasileira do balé reacionário encenado por praticamente toda a classe política italiana. Em outro site, Walter chega a formulações de bem baixo nível, que deixamos que o leitor avalie: “Caso Battisti: Tarso Genro protagoniza tragicomédia e vai do masturbador a Bobbio”.
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Mas em italiano existe uma frase bem adequada ao paradoxo aparente dessa situação: non tutto il male vien per nuocere –nem todo o mal vem (só) para o mal! A postura dos dois colunistas nesse caso é uma boa ocasião para ver, por um lado, que, nesse caso, seu jornalismo não é tão independente como eles desejariam que fosse; por outro, que eles são incapazes de apreender as dimensões políticas dos processo sociais e de seus conflitos.
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Grosso modo, Mino mobiliza três argumentos.
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Um, geral, que diz muito sobre sua visão dos problemas do Brasil: trata-se de um país que deve firmar-se em nível internacional – ou seja, ser sério, nos termos dos palpiteiros que decidem sobre "níveis de risco".
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Assim, para Mino, o que pensa The Economistconstituiria alguma espécie de Magna Carta – ou seja uma Carta Capital... decisão sobre Battisti é ruim, diz ele, também porque The Economistnão gostou. Para Mino o Brasil ainda seria uma criança que “vive em estado de ignorância”.
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O segundo argumento mobiliza um método jornalístico estranho. Afirmando-se como especialista dos detalhes da vida política italiana e de sua história, Mino elogia a carta aberta enviada a Lula pelo presidente italiano – o “comunista” (diz ele) Giorgio Napolitano. Mino não chama de pós ou de ex-comunistas os membros do Partido Democrático (para onde convergiram os ex-membros do PDS (antes Partido Comunista Italiano) e os ex-membros da Democrazia Cristiana, DC). Tudo bem: até aí, nada de grave.
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Mas logo depois, Mino fala de uma outra carta, dessa vez enviada pelo presidente da Camera dei Deputati , Gianfranco Fini, a seu homólogo Arlindo Chinaglia. Ora, no Brasil, todo mundo sabe que Chinaglia é do PT. Mas ninguém sabe de que partido é Fini. Se usamos o mesmo critério pelo qual Mino apresentou Napolitano ("comunista"), Fini tem de ser apresentado como "fascista": é dirigente do partido (MSI) criado pelos sobreviventes do regime mussoliniano no imediato pós-guerra. Partido que, recentemente, se transformou em "Alleanza Nazionale". Diante disso, o que pensar?
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Por que esse tratamento desigual, em artigo de jornalista tão bem informado? Será que Mino não sabia como resolver a incongruência dessa unanimidade entre “comunistas” e “fascistas”? O nariz de Pinocchio não cresceu. O jornalista não escreveu uma mentira.
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Simplesmente omitiu o fato que atrapalhava sua coreografia. E isso depois de anunciar que, “como recomendaria Hannah Arendt, vamos à verdade factual”(sic). Ou ignorância da situação italiana, ou por ter-se atrapalhado com tantos malabarismos jornalísticos, Mino surrupia ao leitor um elemento importante: o drama da classe política italiana está justamente no fato de que comunistas e fascistas têm idêntica opinião sobre os anos 1970, sobre o Brasil de hoje e sobre várias outras coisas. Pobre Hannah Arendt, condenada à revelia a nos ensinar esse tipo de “verdade”.
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Ninguém aqui pretende mobilizar Gramsci em prol de Battisti. Mas o que pensaria o filósofo sobre o apoio dos ex-comunistas italianos às guerras do Afeganistão e do Kosovo; ou sobre direita e esquerda italianas estarem hoje unidas numa furiosa discriminação dos imigrantes?
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A “verdade” que Mino noticia nada é além da “verdade” de todos os ex-comunistas e ex-fascistas que negam aos militantes revolucionários dos anos 1970 a possibilidade de, hoje, quase 40 anos depois, serem diferentes do que foram. Por que tantos são hoje “pós”... e os militantes revolucionários daquela época não podem ser?
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Por que, em outro parágrafo, falar do fato de que o advogado de Battisti defende também Dantas, e não lembrar que o mesmo advogado defendeu também o MST? MST que assinou manifesto em favor de Battisti e ocupa oito páginas do mesmo número do semanário? Por que quando fala do Tortura Nunca Mais pelo avesso que haveria na Itália, não citar o detalhe de que o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro apoiou a decisão do Ministro Tarso?
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No mesmo numero do semanário, Walter começa sua coluna falando de Gramsci morto na prisão, por mãos dos fascistas. Não faz a pergunta indispensável: o que pensaria o pobre Gramsci, se visse uma situação na qual pós-comunistas e pós-fascistas andam juntinhos?
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Não: ninguém aqui pretende mobilizar Gramsci em prol de Battisti. Mas haveria boa coluna a escrever, sim, sobre o que pensaria Gramsci a respeito de dois votos dos ex-comunistas italianos: a favor da guerra do Afeganistão e da guerra Kosovo. E o que pensaria ele sobre direita e esquerda italianas estarem hoje unidas numa furiosa discriminação dos imigrantes estrangeiros? E sobre a imposição das bases militares dos EUA em Vicenza, algo que a população daquela cidade rejeitou em plebiscito legal (e estamos falando de 2008!) e que direita e esquerda italianas aprovaram? E o que pensaria Gramsci sobre o ex-comunista Walter Veltroni, líder do “Partido Democratico”, que, quando prefeito de Roma, ante um fato de delinqüência sexual praticado por um grupo de imigrantes romenos, clamou por punição coletiva, étnica, para todos os “roms” (quer dizer, todos os ciganos)?
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Mino e Walter falam da volta do “Febeapá do Lalau” e se pretendem conhecedores finos da realidade italiana. Walter nos explica que as leis especiais de repressão da luta armada não eram “de exceção” mas de “emergência” – sutileza equivalente ao requinte busheano de chamar a tortura praticada em Guantanamo de “novos métodos de interrogatório”. E então vem Mino e nos diz que “a Itália (...) não alterou uma única, escassa vírgula da sua Constituição para combater o terrorismo”.
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Difícil supor que Mino não saiba que a Constituição italiana co-habitou por muito tempo não apenas com a máfia e a corrupção, mas, sobretudo, com o "Códice Rocco" – que leva o nome do jurista fascista que o redigiu durante o período mussoliniano. Assim também, as relações entre Estado e Igreja continuaram sob o marco do também mussoliniano “concordato”, sem que a Constituição representasse obstáculo a qualquer daquelas legislações fascistas. Até a discriminação atual dos imigrantes é constitucional.
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A Itália inteira sabe: a explosão de Piazza Fontana, em 1969, foi o primeiro de uma série de atentados cometidos por fascistas ou agentes de Estado ligados à Gladio (uma organização paralela à OTAN), como parte da strategia della tensione
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Walter afirma-se profundo conhecedor da vida política italiana e escreve: پg[na Itália] o terror começou em dezembro de 1969 com a explosão de Piazza Fontanaپh. Não. A Itália inteira sabe que esse atentado, conhecido como strage di Stato (massacre praticado pelo Estado), está na base da chamada strategia della tensione – uma série de atentados (nos trens, em manifestação em Brescia, na estação de trens de Bologna) cometidos por fascistas ou agentes do Estado ligados a uma organização paralela da OTAN, chamada "Gladio", dirigida por Licio Gelli entre outros.
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O que fez a Itália supostamente democrática dos anos 1970 – a Itália do tão elogiado presidente Pertini – para salvar as centenas de italianos e milhares de descendentes de italianos que eram torturados e exterminados na Argentina? Será que a seleção nacional italiana se recusou a jogar o mundial argentino por causa disso? Será que Walter sabe nos dar alguma resposta?
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A Itália dos anos 1960 e dos anos 1970 era assim: políticos da Democrazia Cristianamisturados com mafiosos, generais golpistas, logiasmaçônicas, bancos do Vaticano e bombas cegas destinadas a ameaçar o movimento operário e estudantil. Afirmação política que chegou à imortalidade na peça de teatro “Morte acidental de um anarquista” de Dario Fo, Pêmio Nobel literatura. É essa verdade política nossos dançarinos optaram por não revelar a seus leitores.
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O primeiro ato violento (armado) da esquerda foi – em 1972 – o homicídio do Delegado Calabresi, acusado de ter defenestrado o anarquista Pinelli para acusar o movimento desse horror. O intelectual Adriano Sofri, na época dirigente do grupo "Lotta Continua" (que tinha 20 mil militantes e publicou ao longo da década um jornal quotidiano do mesmo nome), está pagando, com longos anos de prisão, uma condenação por responsabilidade moral nesse assassinato. E isso não é político? E Feltrinelli, editor, homem de esquerda e amigo pessoal de Fidel Castro, que morreu também em 1972, tentando sabotar uma torre de energia para tentar acordar os grupos de resistência contra as ameaças fascistas? Feltrinelli foi criminoso comum?
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Essa verdade política estava na rua, nas manifestações de milhões de italianos ao longo de toda a década. O Estado italiano nunca desvelou as conspirações e cumplicidades que o ligaram à estratégia da desestabilização strategia della tensione. Aliás... por que os ministros italianos fascistas não mandam chamar de volta o embaixador italiano no Japão, para conseguir prender, afinal, um dos acusados por vários atentados?
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Mino e Walter não lembram do clima daqueles anos? O golpe militar contra Allende (em 1973), o esmagamento da revolta dos estudantes gregos pelos tanques não teria tido, para eles, nenhum impacto nos movimentos de toda a Europa? Não eram pequenos grupos. Eram manifestações oceânicas, sistemáticas e repetidas, manifestações de rua que diziam: Grecia, Chile: mai piú senza fucile[Grécia, Chile, nunca mais sem fuzil]. O próprio compromisso histórico não foi, pelo menos em parte, fruto do veto norte-americano à chegada ao poder do Partido Comunista Italiano? Para não falar de Ustica: será que Mino e Walter ouviram falar de Ustica?
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Se sim, como justificam que o Estado italiano tenha acobertado todos os elementos que indicavam que o avião foi derrubado por um míssil, em acidente que matou 81 pessoas? Por que a Itália nunca chamou o embaixador dos Estados Unidos, quando Washington retirou clandestinamente de território italiano os pilotos militares que derrubaram a cabine de um teleférico (“bondinho”), matando 20 italianos? Por que não se romperam relações diplomáticas com os Estados Unidos quando norte-americanos metralharam um carro do serviço secreto italiano, cujos ocupantes participavam de uma operação de libertação de uma refém em Bagdá, matando um agente italiano e ferindo a refém?
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Para além de seus graves erros políticos, na Itália como no mundo todo, o ciclo revolucionário da década de 1970 está presente – inclusive nos governos democráticos de América do Sul. A decisão do ministro Tarso é uma dessas dinâmicas radicalmente democráticas
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Por que as mortes ligadas a Battisti seriam mais pesadas de todas as outras? Não é problema de justiça, ainda menos de moral. Trata-se afirmar uma razão de Estado.
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A Itália quer afirmar sua razão de Estado como a única, para que ninguém ouse mais contestá-la. Mino e Walter dançam por essa música.
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Chegamos assim à terceira argumentação. Mino e Walter tentam demonstrar tecnicamente que Battisti seria delinquente comum. Usando magistralmente os relatórios de polícia (que, diga-se de passagem, denominava-se na época"polícia política"; passando depois a ser designada por uma sigla, DIGOS), Mino e Walter dizem que Battisti teria sido recrutado pelas organizações armadas, depois de ter sido preso por crimes comuns.
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Aí, Mino e Walter têm de se decidir, uma coisa ou outra: se na Itália daquela época não havia crimes políticos... quando ter-se-ia dado a mágica de se transformar o crime de Battisti, de crime comum em crime político? Por que os relatórios de polícia tanto se empenhariam para estabelecer o momento e a forma de sua “politização”?
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O fato é que Mino e Walter estão constrangidos numa visão da história que – por mais crítica que por vezes seja à histeria anti-Lula da elite brasileira, não tem nenhuma dimensão política. Além disso, tampouco têm capacidade de apreender o papel constituinte das lutas sociais, inclusive quando são violentas.
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Será preciso lembrar a Constituição dos Estados Unidos que prevê o direito à revolta contra o poder constituído? Thomas Jefferson, agora, mais um perigoso terrorista?
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Bem mais recentemente, em seu discurso sobre a questão do racismo, o atual presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, não reivindicou explicitamente as lutas dos negros, inclusive das revoltas violentas? Não tentou a direita republicana usar contra ele sua relação com um antigo militante dos weathermen(movimento de guerrilha contra a guerra do Vietnam)?
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Battisti – e, com ele centenas de milhares de jovens operários, estudantes, desempregados na Itália dos 1970 – participou de um movimento revolucionário, que atacava as bases do sistema de acumulação capitalista e alimentou, até meados dos anos 1970, um processo de libertação que a normalização pós-comunista e pós-fascista ainda não zerou.
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Sim, os operários italianos lutavam contra a ordem fabril e contestavam a constituição italiana “fundada sobre o trabalho” — ou seja, sobre a exploração do trabalho. Sim, os novos movimentos contestavam a sociedade disciplinar como um todo e construíram a base da abolição dos hospitais psiquiátricos, das lutas pela democratização das prisões, contra o serviço militar autoritário, pela universalização do acesso horizontal ao ensino superior, pela habitação popular e a gratuidade dos serviços. Essas lutas conquistaram o direito ao divórcio, os direitos das mulheres ao aborto e até as vitórias do Partido Comunista nas eleições municipais de 1975.
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Depois, as mesmas lutas foram derrotadas pela espiral dos massacres perpetrados pelo Estado e das respostas armadas que militarizavam o movimento. A repressão desse movimento, pela qual optou a esquerda institucional (por meio do “compromisso histórico”, ou seja, a conciliação com o histórico partido de poder, a Democrazia Cristiana), não significou apenas a derrota do movimento: significou a derrota da própria esquerda.
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Um ano depois da grande operação política de repressão do dia 7 de abril de 1979, a Fiat demitiu dezenas de milhares de operários e embarcou na contra-revolução neoliberal que se tornaria hegemônica mundialmente. Resultado: a esquerda institucional italiana não existe mais!
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Os pobres que lutam todos os dias – renovando os princípios éticos, ou constituintes, dos direitos e do direito – entendem muito bem que, para além do graves erros políticos da década de 1970, na Itália como no mundo todo, aquele ciclo revolucionário está presente. Inclusive, e sobretudo, nos governos democráticos de América do Sul, nas dinâmicas de radicalização democrática que os atravessam. A decisão do ministro Tarso é uma dessas dinâmicas radicalmente democráticas.
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