Além do Cidadão Kane

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CIA faz devassa em busca do mapa da mina



A notícia de que a CIA realizou uma verdadeira devassa no Ministério das Minas e Energia, agora num mutirão com o serviço secreto canadense, confirma uma tradição. A agencia é um labrador dos interesses norte-americanos em busca do mapa da mina brasileira –no caso, mais literal que metafórico. 

Um livro de mil páginas lançado no Brasil em 1998,"Seja Feita a Vossa Vontade”, dos jornalistas americanos Gerard Colby e Charlotte Dennett , detalha, sem muita repercussão então, a abrangência, os métodos e a intensidade das violações cometidas pelos EUA para avaliar e controlar recursos do subsolo brasileiro. 

O livro foi lançado num momento sensível, digamos assim, o que talvez explique sua repercussão contida na emissão conservadora.

Um ano antes, o governo FHC havia privatizado a Vale do Rio Doce, o primeiro e um dos mais polêmicos episódios de uma série. 

O valor da venda, em torno de R$ 3,3 bi então, seria superado, com folga, pelo lucro anual de uma das maiores mineradoras e detentoras de jazidas do planeta.

Em "Seja Feita a Vossa Vontade", Colby e Charlotte não tratam da Vale.
Mas mostram o entrelaçamento entre a cobiça privada de Nelson Rockefeller e os serviços de espionagem dos EUA na rapinagem das riquezas minerais do país. 

Nessas investidas , Rockefeller e a CIA não hesitariam em recorrer a missionários para dominar áreas indígenas , bem como agir para derrubar governos que colocassem obstáculos às suas operações e negócios. 

Os golpes, de 1954, contra Getúlio, frustrado pelo seu suicídio, e aquele contra Jango, dez anos mais tarde, segundo os jornalistas, tiveram o dedo de Rockefeller diretamente. 

As denúncias atuais, baseadas em informações vazadas por Edward Snowden, que vem se somar às já veiculadas tendo como alvo a Petrobrás, mostram uma grau de ousadia ímpar.

A desfaçatez, no caso do pente fino nas Minas e Energia, pode estar associada à pressa em obter informações estratégicas, antes da votação do novo Código Mineral proposto pelo governo.

Ademais de elevar alíquotas de royalties, o projeto em negociação no Congresso, transfere a uma estatal o gerenciamento público da pesquisa no país. 

Hoje vale a lei do velho oeste: quem chegar primeiro, registra e tem o direito de lavra. E pode dormir sobre uma reserva de mercado à espera de valorização das cotações, frequentemente em detrimento das urgências do país. Como aconteceu durante anos com minas de fosfato detidas pela iniciativa privada.

Talvez a devassa da CIA e dos canadenses tenha exatamente o objetivo de abastecer os congêneres atuais de Rockefeller com o máximo de informações possíveis para obtenção de registros. Antes de vigorar a nova lei.

Em 2000, Colby e Charlotte concederam uma entrevista a Kátia Melo, da ISTOÉ, sobre suas investigações. Alguns trechos, abaixo, revelam a extensão dos interesses por trás de uma ação da CIA:

Colby – Como presidente do Grupo Especial do Conselho Nacional de Segurança, (Nelson Rockefeller) conhecia todos os segredos da CIA e suas atividades, incluindo tentativas de assassinatos, experimentos de controle da mente, envolvimentos em golpes. 

Charlotte – Se você quer ter recursos naturais e expandir seus negócios, precisa do serviço de inteligência. Precisa saber com quem está lidando e quais são os obstáculos que irá enfrentar. E fica claro no livro que Rockefeller obteve um considerável avanço em seus negócios depois de conseguir essas informações como coordenador das políticas interamericanas. 

Colby – Em cada país, incluindo o Brasil, Rockefeller instaurou um conselho local administrativo formado por empresários dos países latinos e empresários americanos que nesses países residiam. Eram essas pessoas que passavam a ele informações sobre como atuar no país e como implementar seus programas. Mas o mais importante era como ganhar suporte dos governos para seus projetos. Esses contatos que ele fazia se estenderam para a área militar, como com o general Eurico Gaspar Dutra, que foi operacional no golpe de 1945 contra o presidente Getúlio Vargas. Quando assumia cargos públicos, Rockefeller estabelecia contatos que depois ele usava como empresário.

Colby – (...) a CIA ainda retém em seu poder a maior parte desses documentos. Nos papéis que conseguimos, descobrimos que os homens de Rockefeller no Brasil tinham entre 1964 e 1969 uma ligação direta com o Serviço Nacional de Informação (SNI). 

Charlotte – Rockefeller estava sempre nos bastidores nos grandes momentos da política brasileira. Em 1945, no golpe que depôs Vargas, a pessoa-chave era Adolf Berle, o embaixador americano no Brasil e o protegido de Nelson Rockefeller. Depois veio o golpe de 1964 e lá estava ele agindo novamente.

Charlotte – Vargas e Jango foram os grandes obstáculos para Rockefeller realizar o que chamava de o “sonho brilhante”, o plano de desenvolvimento da Amazônia. Jango o incomodava muito porque denunciava os ricos na Amazônia, entre eles o coronel John Caldwell King, que mais tarde tornou-se o grande homem da CIA em toda a América Latina. 

Colby – King também era o chefe da operação que mandava dinheiro dos EUA para o Brasil para financiar os projetos aos golpistas. A CIA também controlava as operações de financiamento para projetos no Nordeste. E a Corporação Internacional de Economia Básica (Ibec), comandada por Rockefeller no Brasil, também foi acusada de distribuir dinheiro antes do golpe contra Jango (um relatório da CIA menciona em até US$ 20 milhões). 

Inclusive foi a Ibec que escreveu as leis bancárias do Brasil para estabelecer linhas de crédito mais flexíveis a negociações para continuar com as operações na Amazônia, anunciada pelos generais brasileiros. 

Charlotte – Ele (Rockefeller) acreditava que o desenvolvimento da Amazônia daria um novo respiro econômico aos EUA, assim como foi a colonização do Oeste americano. 

Charlotte – Cheguei a ler memorandos de Rockefeller para seus assessores em 1963 que diziam que Kennedy não estava cooperando. E ele colocava Kennedy e João Goulart na lista das pessoas que eram obstáculos para seus objetivos. Kennedy morreu em novembro de 1963 e Goulart sofreu um golpe em março de 1964.

Charlotte – Simplesmente a proteção dos interesses americanos. E isso faz parte da História. As corporações americanas sempre quiseram estabilidade para seus investimentos. E por isso apóiam os governantes que se alinham com o pensamento americano. Caso saiam da linha, pagam as consequências. 

Saul Leblon

Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/blogMostrar.cfm?blog_id=6&alterarHomeAtual=1

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

TREMEI ASSASSINOS!

Justiça Federal aceita acusações contra militares por crimes da ditadura


A Justiça Federal aceitou as denúncias contra dois militares da reserva acusados de sequestros de membros da Guerrilha do Araguaia, crimes perpetrados durante a ditadura militar, informaram nesta quinta-feira fontes oficiais. A juíza Nair Pimenta de Castro, da Seção Judiciária do Pará, na cidade de Marabá, aceitou as acusações apresentadas contra o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura e o major da reserva Lício Augusto Maciel. Segundo um comunicado do Ministério Público Federal (MPF), a magistrada "considerou presentes os requisitos para transformar os militares nos primeiros réus da Justiça brasileira por crimes cometidos durante a ditadura". A decisão representa a primeira ação penal por um delito cometido durante a ditadura brasileira (1964-1985), já que as tentativas de processo anteriores tinham sido rejeitadas por prescrição do delito ou porque os acusados podiam se valer da Lei da Anistia. A Guerrilha do Araguaia foi um movimento armado organizado pelo então clandestino Partido Comunista do Brasil e pelo menos 62 dos cerca de 80 membros do grupo morreram ou desapareceram na Amazônia em combates com forças do regime militar. Segundo o MPF, Curió foi um dos chefes militares que comandou as tropas que combateram a guerrilha e é acusado do sequestro de Maria Célia Correa, Hélio Luiz Navarro Magalhães, Daniel Ribeiro Calado, Antonio de Pádua Costa e Telma Regina Cordeira Correa. De acordo com essa versão, as vítimas foram sequestradas entre janeiro e setembro de 1974, levadas a bases militares e submetidas "a grave sofrimento físico e moral" antes de seu desaparecimento. Lício Augusto Maciel, por sua vez, é acusado de ser o responsável pela captura ilegal de Divino Ferreira de Souza durante uma emboscada em 1973 e por seu desaparecimento. O órgão havia apresentado as acusações contra Curió em março, mas foram rejeitadas, por isso decidiu recorrer da decisão judicial e acrescentar a denúncia de Maciel. A Lei da Anistia de 1979 perdoou os crimes cometidos por militares e guerrilheiros durante a ditadura, e em 2010 o Supremo Tribunal Federal (STF) a ratificou. No entanto, a juíza considerou que o crime de sequestro se mantém vigente porque as vítimas não foram encontradas e portanto seus supostos responsáveis não podem se amparar nessa lei.

Título: BVC
Fonte: R7

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Aos crimes da ditadura, tolerância zero

Izaías Almada


A intransigência costuma ser um sentimento ou uma atitude humana mais arraigada entre nós do que propriamente a tolerância. Arriscaria a dizer que, em algumas situações, a intransigência é até mais apreciada, em particular quando se reveste de manifesto confrontamento às injustiças sociais. Ou contra as injustiças de modo geral, embora nem sempre seja fácil no mundo de hoje, dominado pela informação parcial e irresponsável, pela quase total mercantilização das relações humanas, abaixarmos o polegar acusador com a segurança de um imperador da Roma antiga.

Não transigir pode significar, por exemplo, ser coerente na defesa de determinados princípios, de determinadas ideias; significa ter força de caráter. Digamos que seria esse o lado positivo da intransigência, bem consideradas as circunstâncias em que ela se dá. Mas como tudo na vida, a intransigência tem também o seu lado nocivo, prejudicial ou até mesmo irracional. Nesse caso, o uso do antídoto da tolerância como remédio é sempre recomendável.

Tais reflexões, até comezinhas para espíritos mais eruditos, vêm a propósito de um tema bastante delicado na atual conjuntura política brasileira, qual seja, o início dos trabalhos da “Comissão da Verdade” na área dos Direitos Humanos e a esperada solução para os crimes de tortura e sequestro de cidadãos brasileiros durante a ditadura civil/militar de 64/68.

Tema delicado, espinhoso para muitos, mas que deve ser enfrentado com serenidade e determinação pelo novo governo da presidenta Dilma Roussef. Não se trata, e aqui faço coro com muitos defensores da tese, de revanchismo ou coisa do gênero, mas de justiça. Justiça não apenas aos que foram torturados, mas, sobretudo, aos mortos e desaparecidos políticos, pois para esses a tortura significou o seu assassinato.

A prática da tortura é um crime contra a Humanidade e, como tal, abominável e imprescritível. Cometido em que tempo for e sob qualquer condição, não se extingue e será passível de punição. Crime que não se beneficia de anistias, a não ser aquelas ainda geridas impropriamente num contexto de ilegalidade constitucional.

No caminho de uma possível e desejável maturidade democrática, o Brasil ainda se comporta como adolescente, com os problemas próprios inerentes a essa fase da vida. Contudo, torna-se imperioso que a nova geração de militares brasileiros, muitos deles já conscientes de que pertencem a um novo país, já muito diferente daquele herdado na vigência da guerra fria e de um conceito de segurança nacional ultrapassado, torna-se imperioso – repito – que trabalhem junto aos colegas ainda renitentes para apagar essa mancha na história do país.

Esse novo país que precisa ajustar-se internamente para fazer frente aos grandes desafios que se avizinham. Erradicar a pobreza, ampliar o emprego formal e distribuir a riqueza com mais justiça social, conquistar em definitivo sua soberania, defender a Amazônia, o Pré Sal, os Aquíferos, amazônico e guarani, estimular a cidadania e a convivência democrática, ampliar o acesso aos estudos, intervir na vergonhosa mercantilização da saúde, combater firmemente a corrupção e a impunidade.

Tarefa hercúlea, mas não impossível. E para isso, um bom começo é ajustar contas com o passado. Sob certos aspectos, em particular nessa questão de punição aos torcionários, penso que o bordão do momento deveria ser: tolerância zero.

Original em O Escrevinhador
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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Resgate Histórico

Que Tuma fique, para sempre, na nossa memória

 Leonardo Sakamoto, no Blog do Sakamoto

Romeu Tuma faleceu no conforto do Hospital Sírio-Libanês, como senador da República e com poder político (ainda que declinante), enquanto muitos opositores da ditadura militar, que ele defendeu, amargaram a escuridão das celas e o desaparecimento. Manteve cativa uma legião de fãs, parte dela saudosa de uma época em que a liberdade tinha que prestar continência para poder passar. E plantou sementes que se mantiveram após a redemocratização, pois o Brasil segue vasto em terreno fértil para intolerância.

Respeito o sofrimento de sua família. Mas todos – políticos, jornalistas, cientistas sociais – os que foram críticos a ele em vida não podem se atirar na estúpida condescendência para com os mortos, seja atrás de sua herança eleitoral, seja em nome de uma demagogia barata ou do apaziguamento tupiniquim. Não nos esqueçamos que ele dirigiu o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) durante a ditadura, instituição que moeu gente contrária aos verde-oliva e ao “Ame-o ou Deixe-o” dos anos de chumbo. Isso só para citar um ponto de sua controversa biografia, agora incensada.

Lembrar é fundamental para que não deixemos certas coisas acontecerem novamente. Que a história do delegado/senador seja contada e comentada como ela realmente foi, sem os retoques bonitos dos discursos políticos que começaram a florescer na tarde desta terça.

PS: Ao menos, Tuma era um rosto conhecido, público. Quantos outros delegados de órgãos de repressão da ditadura, sem contar torturadores, seguem anônimos, protegidos pela Lei da Anistia?

Publicado em Escrevinhador
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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Zé Agripino e o regime militar

Antonio Capistrano

O senador José Agripino concedeu uma entrevista, no último domingo (13), ao jornalista Bruno Barreto, editor político do jornal O Mossoroense. Indagado se ele se arrependeu de ter apoiado o Regime Militar, ele respondeu: “Eu não apoiei o Regime Militar. Nunca apoiei o Regime Militar. Pelo contrario. Eu fui prefeito no final do Regime Militar. Eu teria razões para me orgulhar de ter sido artífice da transição e da redemocratização. Ao romper com o meu partido, passando a apoiar, no Colégio Eleitoral, o nome de Tancredo Neves para presidente da república, do ponto de vista político e administrativo paguei um preço alto, na época eu era governador e muito do que estava comprometido de verbas para a minha ação no governo, foi cortada. Além do desgaste político de apoiar o mesmo candidato do meu adversário Aluízio Alves”.

Essa é a versão do senador José Agripino Maia. Mas, a verdade é outra, existem alguns equívocos ou inverdades nessa história, vamos aos fatos.

José Agripino foi escolhido, pela Assembleia Legislativa, prefeito de Natal em 1979, portando em pleno Regime Militar e não no final do Regime como ele disse na entrevista. O seu nome foi encaminhado para ser homologado pelo Poder Legislativo Estadual, pelo seu primo Lavoisier Maia que substituiu o seu pai, Tarcisio Maia, no governo do Estado, vale salientar, os dois foram nomeados governadores pelo Regime Militar com a concordância de Aluízio Alves, naquele momento seu correligionário político (Quem não se lembra da famosa Paz Pública que resultou na escolha de: Lavoisier Maia para o governo do estado, Geraldo Melo para vice-governador, Jessé Pinto Freire para o senado e José Agripino Maia para prefeito da Capital.).

José Agripino exerceu a função de prefeito biônico de Natal de 1979 a 1982. O Regime Militar implantado em 1964 teve como último Presidente o general João Batista Figueiredo que governou até 1984, portanto Zé Agripino Maia foi prefeito de Natal durante o Regime Militar.

Só para lembrar. Tarcisio Maia foi nomeado governador biônico, substituindo Cortez Pereira, que era biônico também, por indicação do general Golbery do Couto e Silva, com o apoio decisivo de Aluízio Alves, que vetou o nome de Dix-huit Rosado Maia, um dos cotados para o cargo. A escolha se deu em 1974. Aluízio ainda participou da indicação do vice, indicando o médico e ex-reitor da Ufrn, Genibaldo Barros.

Outro fato narrado pelo senador que merece um esclarecimento, a sua eleição para o governo em 1982 e a derrota de Aluízio Alves.

Aluízio era um candidato considerado por muitos, imbatível. Zé Agripino não disse, na entrevista, que essa eleição foi viciada por uma legislação eleitoral casuística que dificultou a escolha livre do cidadão. O Regime Militar criou o voto vinculado, de vereador a governador só podia votar em candidato do mesmo partido, além da figura do senador biônico. Tudo com um objetivo, prejudicar a oposição, principalmente no nordeste. Cito como exemplo os casos de Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte e o de Marcos Freire, em Pernambuco. Os dois estavam disparados na preferência popular, mas foram derrotados pela legislação eleitoral imposta pelo governo militar.

O filho de Tarcisio Maia, José Agripino Maia foi o candidato de Figueiredo ao governo do estado, Carlos Alberto de Souza foi o escolhido para concorrer uma vaga ao senado e o velho Dinarte Mariz, já no fim da sua liderança política, foi contemplando com a vaga de senador biônico. Carlos Alberto que era deputado federal foi premiado por ter sido relator da CPI do atentado terrorista ao Rio Center, fato ocorrido no Rio de Janeiro e, como relatou inocentou os militares envolvidos nesse ato. Além da vaga de senador, Carlos Alberto, ganhou a concessão de um canal de televisão.

Portando, José Agripino Maio surgiu na política potiguar graças ao Regime Militar de 1964, ele é filho político desse período da história brasileira, ele não pode nega a sua origem e trajetória política, pode até renegar a ditadura militar, mas não pode simplesmente dizer que não foi beneficiário do Regime Militar, ele e a sua família.

O ex-governador Aluízio Alves, nesses últimos 50 anos, o maior líder político do Rio Grande do Norte, conta essa história, bem direitinho, no seu relato, “O que eu não esqueci”, livro publicado em 2001 pela editora Leo Christiano Editorial - RJ.

Agora, o senador não explicou o porquê da divisão dos Maias no colégio eleitoral que escolheu o último presidente de forma indireta. Tarcisio Maia ficou com Mário Andreazza; Lavoisier Maia, com Paulo Maluf e, José Agripino Maia com Tancredo Neves. Qualquer um que fosse eleito, os Maias ficariam por cima.

Não se pode nega a história, sei que ela é feita pelos vencedores e que as versões às vezes valem mais do que os fatos, mas, a verdade é essa, José Agripino Maia não pode desvencilhar a sua história política da ditadura militar, ele é fruto, por obra e graça, do Regime Militar. Claro, que ele tem seus méritos, soube consolidar uma liderança que se iniciou biônica e depois se popularizou com a força e os instrumentos do poder.


Antonio Capistrano foi deputado estadual é filiado ao PCdoB


Publicado em Jan Varela
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domingo, 24 de janeiro de 2010

A quem interessa manter o esquecimento?

No dia 15 de janeiro último, no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, no centro do Rio de Janeiro, foi realizado um ato em homenagem ao militante político, Carlos Marighella, além de outros brasileiros que morreram resistindo à ditadura civil-militar.
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O evento foi organizado pelos grupos Tortura Nunca Mais/RJ, Marighella Vive e Exposição Marighella. Cerca de 150 pessoas compareceram.
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O ato teve início com a exibição do filme "O Retrato Falado do Guerrilheiro" sobre a vida de Carlos Marighella, dirigido pelo cineasta Sylvio Tendler, seguido de debate. Quase ao final da primeira parte do evento o coordenador da mesa, Carlos Fayal, foi informado pela gerência do Centro Cultural de que através de um telefonema anônimo uma bomba teria sido colocada no prédio. Rapidamente homenagearam-se outros militantes mortos, sendo que a determinação dos responsáveis era deixar o edifício vazio o mais rápido possível.
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Estávamos atônitos e perplexos e nos perguntávamos: de onde essas vêm as ameaças de bombas? Quem tem medo dessas homenagens? Quem tem medo da verdade? A quem interessa manter o esquecimento?
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O episódio, sem dúvida, foi uma tentativa de intimidar os movimentos que constantemente se manifestam contra as violações dos direitos humanos e tentam trazer para sociedade brasileira o que foi o terrorismo de Estado implantado em nosso país de 1964 a 1985.
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Não podemos aceitar estes fatos em um país que se diz democrático e de direito.
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Não serão tais ameaças e intimidações fascistas que nos farão desistir da nossa luta pela verdade e pela justiça!
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Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2010
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Pela Vida, Pela Paz! Tortura Nunca Mais!
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Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
Marighella Vive/RJ

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APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!

Exmo. Sr. Dr. Presidente do

Supremo Tribunal Federal

Ministro Gilmar Mendes

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......................Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.

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....................Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto-anistia.

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....................O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.

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....................A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.

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....................Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.

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....................Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.

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....................Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.

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....................Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.

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....................Não à anistia para os torturadores, seqüestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.

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Comitê Contra a Anistia aos Torturadores

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Para assinar:

http://www.ajd.org.br/contraanistia_port.php

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Paulo Rogério Ferreira

pela coordenação da ASCJM RG/RS

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O perdão dos criminosos da ditadura é irreversível

Por Mário Maestri, de Porto Alegre

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Na Argentina, Chile e Peru, a Justiça alcança criminosos dos regimes ditatoriais. No Brasil,considera-se que crimes políticos de morte, tortura e seqüestro podem ser esquecidos e perdoados para sempre.

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Do alto dos seus 62 anos como advogado, evocando mestres falecidos mas não esquecidos, colegas, juízes e desembargadores exemplares com quem conviveu, Paulo Brossard pontificou, na Zero Hora (4/1/2010), com a gravidade do patriarca entre os senadores, ao pronunciar-se já mais para a história do que para seus pares e ouvintes: “A anistia é irreversível”. O ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal referia-se, é claro, à Lei nº 6.683, apresentada e sancionada pelo general em turno, em agosto de 1979, anistiando parcialmente os atos de resistência à ditadura e, em forma plena, total e irrestrita, os crimes por ela cometidos contra a população brasileira.

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Literalmente liquidando a proposta de violação da anistia, “concebida nos altos escalões do governo federal ou quem sabe dos baixos [sic]”, invocou seu mestre José Frederico Marques que “ensina o que é corrente entre tratadistas”, – a anistia é “ato legislativo em que o Estado renuncia ao direito de punir”. Uma “verdadeira revogação parcial, hic et nunc, de lei penal”. Competindo ao Legislativo a concessão da anistia, após a promulgação, nem por ele pode ser revogada, sob pena de inconstitucionalidade. Interdição que eleva a “dogma” jurídico, pois a “lei penal só retroage quando benéfica ao acusado [...]”. Daí a “irrevogabilidade”. Apagado para sempre, o delito não será restabelecido, sob pena de “retroatividade”.

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Não haveria dúvidas. O constitucionalista lembra que a norma jurídica não se regeria-imporia por sua justiça, mas por sua vigência. Propõe até mesmo que a “anistia pode ser mais ou menos justa” e, portanto, até mesmo injusta. Definitivamente, o “expediente articulado nos meandros [sic] do Planalto”, constituiria, para ele, o que em Direito denomina-se de inépcia. Coisa, folga dizer, de ineptos. Porém, para Brossard, a justiça não seria o “caráter marcante” da anistia, o qual se encontraria na obtenção da “paz” – um efeito que escaparia, assim, da esfera jurídica para se realizar na esfera social. Lembra que a versão da anistia aprovada em 1979, proposta sobretudo pela oposição consentida, defendia “anistia recíproca” para, segundo ele, pacificar as “duas partes em que o país fora dividido”.

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Destaque-se a contradição dessa última leitura: uma anistia, apesar de irrevogável, caso comprometesse a “paz social”, perderia sua principal razão de ser! E, desnecessário dizer, se concordamos com o juridicismo geral de Brossard, teríamos que aceitar que, após uma hipotética vitória ou empate do nazismo na IIª Guerra Mundial, uma auto-anistia, através de ato legislativo, asseguraria para Hitler, Goebbels, Himmler e caterva o direito, sob a proteção da lei, devido à extinção dos crimes para todo o sempre, de morrerem em suas camas, após gozarem de polpudas aposentadorias de ex-dirigentes do Estado. E sem sequer a obrigação de indicar onde enterraram as cinzas dos milhões de martirizados!

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Justiça e Injustiça

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Erra Paulo Brossard, no geral e particular. Não há normas e dogmas jurídicos por sobre os direitos dos homens e mulheres, reconhecidos e materializados na e através da história.. Exemplifico com realidades conhecidas até mesmo pelos não “tratadistas”. No Brasil, o direito do negreiro sobre o cativo foi a base objetiva do estatuto da propriedade, reafirmado pelos costumes e disposições jurídicas e constitucionais. Nos tribunais do Rio Grande do Sul, por ofensas à ordem escravista, trabalhadores escravizados eram condenados a 1.500 chicotadas e lanhados como uma peça de charque até a morte. Apesar de atos jurídicos perfeitos, aquela propriedade e aquelas penas terroristas eram social e moralmente ilegais, crimes cometidos sob a vigência das leis de então.

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Apoiados na lei, os escravizadores lembraram que o fruto da propriedade não podia ser expropriado sem indenização. Que lhes foi concedida, parcialmente, quando a lei de 1871 determinou a liberdade condicional dos filhos das cativas nascidas após aquele ato. Em 1888, os escravistas não discutiam a moralidade da propriedade sobre o cativo, lembrando apenas, com razão, que era preceito legal e constitucional, portanto, necessariamente indenizável, no caso de extinção. Naquela vez não levaram nada – governantes e forças mais “vivas da nação” preocupavam-se já com o financiamento da vinda dos novos negros, os imigrantes, e despreocupavam-se com a indenização legal da “lavoura andrajosa”.

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Naqueles tempos, o negro Luís Gama, após fugir ao cativeiro ilegal, cursou parcialmente como ouvinte a Escola de Direito do Largo de São Francisco e, já advogado provisionado, libertou talvez um milhar de cativos. Ele defendia que o "escravo que” matasse o “senhor” praticava “ato de legítima defesa". À margem de todas as normas jurídicas de então – e atuais –, apenas reafirmava o direito social e histórico do homem de lutar por sua liberdade essencialmente violada, com as armas de que dispuser e crer necessárias.

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Em 1888, devido à nova correlação social de forças, a propriedade sobre o trabalhador, ato legal e constitucional perfeito, foi violada e enterrada inapelavelmente, aflorando em maior grau, ainda que imperfeito, a justiça social e histórica, própria aos homens. Abandonemos, portanto, o filisteísmo e fetichismo da lei petrificada por sobre os direitos dos povos à justiça.

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Ato imperfeito

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Porém, Brossard erra em forma mais substancial. A anistia de 1979 constituiu um ato imperfeito, nascido e corrompido pela situação de exceção, em que a ordem militar mantinha-se pela força da violência e do apoio dos grandes proprietários do país e do mundo. Ela foi apenas uma iniciativa parida pela necessidade de garantir, ainda que em forma limitada, os direitos violados de milhares de homens e mulheres.

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Em um sentido essencial, estes últimos não foram perdoados e não tiveram ações criminosas e delitivas extintas. Não havia o que perdoar, extinguir ou esquecer, ao não terem cometido qualquer crime e delito. Haviam sido e eram perseguidos por ações legítimas, necessárias, morais e ética de oposição aos agressores dos direitos da população brasileira. Tinham exercido o direito e o dever inarredável do oprimido de levantar-se, de todas as formas, contra a opressão grave, referido por Luís Gama. Ato de anistia ao quais os responsáveis máximos pela violação dos direitos cidadãos e nacionais tentaram astutamente enganchar o perdão das ações suas e de seus agentes, essas sim social e historicamente criminosas.

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O preclaro Paulo Brossard certamente escutou, ainda adolescente, nos bancos ginasiais, quando das aulas de religião, a lição de que o sacerdote não pode absolver a si e a quem com ele peca. Não podiam absolver nem que fosse por tabela, através do parlamento concedido, emasculado e moldado pela ditadura, em 1979. Não há auto-anistia, ainda mais quando se trata de atos cometidos à sombra da proteção do Estado, de tal gravidade que já são considerados pelo pensamento jurídico internacional como imprescritíveis e não anistiáveis, em uma indiscutível procura de adequação aos direitos sociais e históricos dos povos.

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Um crime sem fim

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O princípio da imprescritibilidade e inextinguibilidade de crimes de Estado – genocídio, tortura, assassinato, desaparecimento, etc. – tem sido materializado, ali onde a população mobilizada alcança fazer valer em forma mais perfeita a punição de seus ofensores. Nos últimos anos, têm sido anuladas anistias de crimes de Estados concedidas pelos próprios governos criminosos ou por administrações e parlamentos democraticamente eleitos, lançando-se na lixeira das justificativas jurídico-ideológicas os casuísmos com os quais se pretende defender aqueles crimes e criminosos.

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É o caso da Argentina, onde ditadores, militares e policiais são levados à Justiça, devido à anulação de leis de anistia como a da “Obediência devida”, do “Ponto Final” e os indultos de Carlos Menem (1989-1999). A mesma responsabilização judicial de criminosos de Estado se procede, ainda em forma mais parcial, no Chile e Peru, onde o ex-presidente Fujimori encontra-se já condenado e preso.

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Paulo Brossard não se engana apenas por defender casuisticamente a vigência e inarredabilidade de lei imperfeita, que agride a essência da justiça e a legalidade. Erra, sobretudo, por tentar resgatar indiretamente a ação da ditadura. O que registra, em forma clara e explícita, ao propor que aquele diploma legal buscasse a paz, ao enterrar as divergências e os eventuais excessos das “duas partes em que o país foi dividido”.

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Identifica, em forma inaceitável, a vítima ao vitimador, o violentador ao violentado, como na Europa atual procura-se confundir os partigiani aos fascistas italianos; os maquisards aos vichistas franceses; os republicanos aos falangistas espanhóis. Procura-se resgatar, desse modo, lá e aqui, a ação e os atos dos criminosos de Estado, preservando seus quadros, ainda vivos e, em especial, suas memórias, com as decorrências políticas e sociais inevitáveis para o presente e futuro.

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As propostas de revisão da anistia do Plano Nacional dos Direitos Humanos, apenas apresentado, quanto aos crimes e criminosos da ditadura militar (1964-1985), são atrozmente limitadas, principalmente em relação aos avanços realizados em alguns países da América Latina. Não almejam mais do que a revelação dos destinos dos desaparecidos pela ditadura e eventual nominação dos responsáveis diretos.

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Em parte, a enorme resistência que enfrentam essas tímidas respostas deve-se às posições institucionais que ocupam ainda responsáveis diretos e indiretos por aqueles atos. Sobretudo, ela nasce da vontade dos núcleos centrais das grandes classes proprietárias de manter intocado o direito de impor a exceção e a violência direta e geral sobre a população, quando seus privilégios estejam ameaçados ou assim o exijam. Razão que explica o amplo esforço de apoio à impunidade de oficiais e policiais torturadores, estupradores e assassinos, em alguns casos, confessos.

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Fonte: ViaPolítica/O autor

Mário Maestri, 61, rio-grandense, historiador, é doutor em História pela Université Catholique de Louvain (UCL), Bélgica, e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Passo Fundo (UPF). Participou, como estudante, da resistência contra a ditadura. Foi preso em 1969, e viveu no exílio, de 1971 a 1977.

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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A ópera-bufa da crise militar

É preciso dar um basta aos que, se dizendo ameaçados de revanche, a ela se antecipam vislumbrando nos defensores dos Direitos Humanos uma motivação “terrorista". Essa é a mesma linguagem que os jornais reproduzem docilmente desde os anos mais duros da ditadura.

Por Gilson Caroni Filho*

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A reação dos comandantes do Exército, general Enzo Martins Peri, e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ameaçando pedir demissão caso o presidente da República não revogue alguns trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3- que cria a Comissão de Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar, revela a triste face de um estamento que ainda não se deu conta que a reconstituição da guerra dos porões é um desafio que não mais comporta tutelas.

O inferno foi aqui, faz parte do domínio da história. É necessário revolvê-la, vasculhá-la pela ótica dos carcereiros, para que a sociedade reencontre sua memória para a desejável consolidação da democracia profunda. É preciso dar um basta aos que, se dizendo ameaçados de revanche, a ela se antecipam vislumbrando nos defensores dos Direitos Humanos uma motivação “terrorista". Sintomático é que essa é a mesma linguagem que os jornais reproduzem docilmente desde os anos mais duros da ditadura.

As palavras do ministro da Justiça, Tarso Genro, em entrevista ao Jornal do Brasil (edição de 3/01/2009) não deixam margem para qualquer dúvida:

"Não se trata de uma prestação de contas das Forças Armadas. Os torturadores são indivíduos que montaram aparatos paralelos e a grande maioria deles era civil. É bom lembrar também para quem os defende que a primeira pessoa que desmontou um aparelho paralelo foi o general Ernesto Geisel ao extinguir a Operação Bandeirantes. Se o chefe de um regime autoritário teve a coragem de fazer, como é que os civis da democracia não têm coragem de prosseguir esse trabalho?"

A tarefa requer apenas vontade política para se resolver um dos vértices da questão da anistia. Por mais ampla e recíproca que ela tenha sido, como afirmam seus defensores, isso não elimina o direito das famílias de saber o que aconteceu com seus desaparecidos- e encaminhar os processos no sentido de identificar os autores dos crimes contra presos políticos, remetendo-os á Justiça. Caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se pune os responsáveis ou aplica o entendimento inicial da Lei, arquivando os casos - seja por considerar a anistia recíproca em seu sentido mais amplo, seja por classificar tortura e assassinatos cometidos no período como “crime político conexo".

Salvaguardar as Forças Armadas não é acobertar os crimes de uma camarilha fascista que nelas se alojou para saciar suas patologias e as do empresariado que a financiava. Pelo contrário, a forma mais radical de fortalecê-las é reforçar seu papel de guardiãs do Estado Democrático de Direito.

Os comandos militares não podem esquecer os princípios mais elementares de legalidade- ou iludir-se com velhos castelos de sofismas- porque não se suprime por decreto uma consciência histórica construída em tantas crises constitucionais, uma a uma duramente superadas. Do contrário a ordem institucional brasileira forjada pela ditadura não será plenamente substituída, mas readaptada com a conivência inclusive de quem se proclama democrata convicto.

Disso tudo deveria saber, entre outros, o ministro Nelson Jobim, antes de encenar sua última ópera-bufa no governo. Mais uma vez aqui se impõem as lições da história. A crise é o momento de emergência do novo. O que a ele se opõe é da ordem da teratologia política.
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* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

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Original em Vermelho

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sábado, 14 de novembro de 2009

Araguaia: mortos que caminham

Por Osvaldo Bertolino

As marcas das lutas populares estão gravadas na história do Brasil de forma indelével. E a Guerrilha do Araguaia é, sem dúvidas, uma das principais delas. Tanto que os acontecimentos recentes sobre o episódio — principalmente a determinação judicial para que os arquivos referentes ao caso fossem abertos — estão no centro dos noticiários.

Mas, como convém aos que analisam os acontecimentos históricos à luz dos interesses ideológicos dominantes, a resistência à ditadura militar organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) é majoritariamente apresentada como um fato passageiro em nossa história — um mero choque entre grupos extremados à esquerda e à direita, deflagrado com a opção pela luta armada feita pelos primeiros.

Essa é uma versão que precisa ser persistentemente desmascarada. Na verdade, havia ali, condensados, dois veios cujas nascentes remontam aos primórdios de nossa existência como nação. Essa tese de que a defesa enérgica das idéias progressistas é coisa de “fanáticos” é antiga em nossa história.

Foi assim com a Inconfidência Mineira, que para certos historiadores só teve repercussão devido à morte violenta de Tiradentes — ignorando a clareza de objetivos e a amplitude do movimento mineiro. Felipe dos Santos, cujo corpo arrastado por cavalos banhou de sangue as ruas de Vila Rica, é outro exemplo.

E a conspiração dos Alfaiates, na Bahia, que nos legou quatro mártires da forca, também. Foi igualmente assim com Canudos e Contestado, revoltas populares impiedosamente esmagadas. Essa lógica repressiva demonstra mais do que qualquer palavra a importância desses movimentos. Os repressores não eram imbecis, sabiam perfeitamente o que faziam — ao punir com rigor os revoltosos tinham consciência do que estava em questão.

Decisão progressista do Exército

Do mesmo modo, não correspondem aos fatos históricos certas interpretações que procuram apresentar a truculência do Estado no Sul do Estado do Pará — o local dos combates — e na base de apoio à Guerrilha do Araguaia em São Paulo e no Rio de Janeiro — onde foram assassinados Carlos Danielli, Luiz Guilhardini, Lincoln Oest e Lincoln Bicalho Roque — como meramente coisa dos militares.

Os porta-vozes dessa tese esquecem que as Forças Armadas não formam algo à parte na sociedade nem tampouco em relação ao poder político. Se nas duas décadas pós-1964 a função principal das instituições militares foi a de executar o serviço sujo determinado pelos altos interesses econômicos que estavam em jogo, no movimento abolicionista o Exército desempenhou um papel sumamente importante ao recusar-se a caçar escravos fugidos.

Aquela decisão da oficialidade do Exército foi uma verdadeira insubordinação, mas foi sobretudo uma atitude digna — essencialmente progressista. E se podemos buscar características para as Forças Armadas do Brasil, principalmente do Exército, ela é precisamente esta: militância política. Se alguns altos mandatários militares ao longo da história procuraram fazer a política das oligarquias, o mesmo não se pode dizer da massa do Exército.

Em todos os movimentos revolucionários do nosso país, das fileiras das Forças Armadas surgiram personagens que são verdadeiras legendas das lutas populares. Maurício Grabois, o principal comandante da Guerrilha do Araguaia, por exemplo, tem origem militar. Assim como Tiradentes, Pedro Ivo e Luiz Carlos Prestes — para lembrar alguns.

Distinção social marcada

A predominância dessas versões maniqueístas sobre os combates entre a Guerrilha do Araguaia e os militares, portanto, não chega à profundidade dos fatos — que deve ser buscada na nossa formação histórica. Ainda hoje o Estado brasileiro tolera práticas de coronéis violentos, ícones das tradições de um país elitizado e fendido em dois extremos. Tanto que até nos dramas produzidos pela televisão o mote é recorrente.

Já escrevi que a estrutura oligárquica brasileira pode ser comparada ao shogunato japonês, sociedade tradicionalmente hierarquizada e belicosa que resolvia qualquer desentendimento ou divergência de opiniões via katana (o sabre dos samurais).

Não há um só momento em que os líderes oligárquicos aceitem negociar sinceramente. Idéias como diálogo e contemporização não fazem parte da elite brasileira.

O episódio da escassez de escravos e da chegada dos novos colonos poderia ter sido uma grande esquina na história brasileira. O esforço dos que dirigiam o Estado em manter a ordem estabelecida, no entanto, acabou garantindo a sobrevivência da estrutura oligárquica no país: antes o dono da terra tinha escravos, agora ele tinha vassalos. E, desde então, sua condição de senhor feudal praticamente não se alterou.

Ainda hoje, jagunços são utilizados para dirimir as diferenças de opinião no campo. E coronéis seguem solidamente representados em todas as esferas da política nacional. O retrato mais nítido dessa situação é a enorme distância que separa patrão e trabalhador, proprietário e despossuído. Poucos países no mundo convivem pacificamente com uma distinção social tão marcada. A elite brasileira espera de seus subordinados uma reverência inaceitável.

Ideal político bem definido

Do ponto de vista político, essa herança feudal apresenta-se em uma dicotomia clara: de um lado há uns poucos ricos e poderosos que lutam para manter privilégios. De outro, há uma massa imensa que vira e mexe chacoalha a ordem estabelecida. Essa elite não tem um projeto honesto de desenvolver o país e prefere o latifúndio, o monopólio e o cartel.

Desgosta de uma economia mais dinâmica, marcada pela profusão de livres iniciativas, porque isso significaria alargar o clube dos proprietários. Em sua concepção, novos jogadores não iriam multiplicar a riqueza mas dividir a já existente. O Estado, tradicionalmente vinculado ao poder econômico, não funciona como elemento de equilíbrio nessa dicotomia e assim contribui para o acirramento das posturas.

A estrutura oligárquica, que pesa sobre o país como um fardo insuportável, esmaga o consumo ao inibir o crescimento das forças produtivas e limitar a divisão social do trabalho. (É preciso ver que os consumidores não são apenas, nem principalmente, os que compram bens de consumo, mas também e sobretudo os que compram matérias primas e máquinas.) Esse é o ponto.

Ele motivou o agravamento da situação política que resultou no golpe militar de 1964 e continua presente em nosso cotidiano, cada dia mais roto e abandonado. As causas da condensação dos dois veios históricos em 1964, portanto, estão aguardando solução. A luta dos guerrilheiros do Sul do Pará e dos demais democratas que deram a vida por elas continua hoje por outros meios. É, a rigor, a mesma luta de Tiradentes, Frei Caneca, Cipriano Barata e tantos outros valentes que tinham um ideal político muito bem definido.

Original em O Outro Lado da Notícia

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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Justiça condena União a devolver documentos de Cabo Anselmo


Agente duplo mais famoso da ditadura militar (1964-85), Cabo Anselmo, como entrou para história José Anselmo dos Santos, ganhou na Justiça o direito de voltar a ter, 45 anos depois, sua própria identidade.

Em sentença publicada nesta sexta-feira, a 8ª Vara da Justiça Federal de São Paulo condenou a União a apresentar em dez dias “documento militar pertinente e compatível com o status do autor expulso do serviço ativo da Marinha do Brasil”. A partir dessa identificação militar, Anselmo vai tirar carteira de identidade, CPF e título de eleitor, cassados desde 1964.

No ano do golpe, o ex-marujo (posto que ocupou na Força, não o de cabo) foi preso, expulso da Marinha e seu nome constava na lista dos primeiros brasileiros cassados pelo AI-1, o primeiro ato de exceção editado pelos militares.

Não se tem notícia de outro personagem da ditadura militar que precisasse recorrer à Justiça para ter direito a sua própria identidade.

O advogado de Anselmo, Luciano Blandy, afirmou que vai recorrer da decisão para que ele seja reconhecido como “militar reformado”, e não expulso, como está descrito na sentença.

José Anselmo foi um dos líderes da rebelião dos marinheiros, em 1964, ato que precipitou a queda do então presidente João Goulart. Na clandestinidade, ele militou em organizações da esquerda armada como VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e treinou guerrilha em Cuba.

Como agente da repressão, Anselmo atuou para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo, ao lado do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Ele entregou vários ex-companheiros de luta armada, como a própria mulher, assassinada (junto com mais cinco pessoas) em uma chácara em Pernambuco, em 1973. Após esse episódio, Cabo Anselmo saiu de cena. Durante muitos anos usou identidade falsa, o que nega fazer atualmente.

A dúvida, contudo, é se Anselmo já era um colaborador da ditadura antes mesmo do golpe. Ele sustenta que passou a colaborar com a repressão somente quando foi preso, em 1971, e que fez isso para não morrer.

Em agosto, o jornal “Folha de S.Paulo” publicou entrevista com o diretor do Dops do Rio à época do golpe militar, o policial Cecil Borer (morto em 2003), em que ele afirma que José Anselmo dos Santos já era informante da Marinha e da polícia política antes da deposição de Goulart.

Vivendo atualmente escondido, Anselmo reivindica anistia política e quer indenização do governo, pois alega ter sido perseguido pelo Estado. Ele protocolou processo na Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, em 2004. A ausência de seus documentos oficiais impedia a comissão de analisar o caso. (Último Segundo iG)

Podem até ressuscitar a identidade civil de Cabo Anselmo, mas sua identidade moral e humana continuará ‘enterrada’ para sempre, como um dos maiores traidores da história recente deste País. Judas Iscariotes e Joaquim Silvério dos Reis são ‘café pequeno’ diante deste grande canalha e seus pares, como Brilhante Ustra, Sérgio Paranhos Fleury, Garrastazu Médici, entre tantos outros…

Publicado em BZB

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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

“QUEM PAGOU A CONTA?”

Obra da pesquisadora inglesa Frances Stonor Saunders.
(editada no Brasil pela Record, tradução de Vera Ribeiro)

Nunca engoli essa história de Fernando Henrique exilado. Não me passava pela cabeça que um filho de um graduado militar do exército (General) viesse a ser exilado. Exilado para o Chile, onde outra ditadura militar governava? Porque não teve o destino dos outros exilados, tal como: Cuba, União Soviética etc? Isto sempre me cheirou mal. Hoje tenho absoluta convicção que ele sempre esteve a serviço de interesses outros que não os do Brasil. Vou providenciar a compra imediata desse livro, com certeza.

É SEMPRE BOM LEMBRAR O QUE FEZ O FHC NA PRESIDÊNCIA!

FHC enterrou o sonho de todo brasileiro da minha geração. O "maior estadista do mundo" foi apenas, e tão somente, leiloeiro do Brasil no pós guerra fria, o cara que entregou o controle de nossa economia ao Império Anglo-saxão.

DEVEMOS LER ESTE LIVRO!!!
OBRA DE UMA PESQUISADORA INGLESA

Abaixo, informe do jornal Correio do Brasil sobre um livro recém editado por uma pesquisadora inglesa que abre algumas caixas pretas das ligações entre o alto tucanato e a CIA.

LIVRO BOMBA ACUSA FHC DE RECEBER
MILHÕES DE DÓLARES DA CIA!

Mal chegou às livrarias e Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura já se transformou na gazua que os adversários dos tucanos e neoliberais de todos os matizes mais desejavam. Em mensagens distribuída, neste domingo, pela internet, já é possível perceber o ambiente de enfrentamento que precede as eleições deste ano. A obra da pesquisadora inglesa Frances Stonor Saunders (editada no Brasil pela Record, tradução de Vera Ribeiro), ao mesmo tempo em que pergunta, responde: Quem "pagava a conta" era a CIA, a mesma fonte que financiou os US$ 145 mil iniciais para a tentativa de dominação culturale ideológica do Brasil, assim como os milhões de dólares que os procederam, todos entregues pela Fundação Ford a Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do país no período de 1994 a 2002.

O comentário sobre o livro consta na coluna do jornalista Sebastião Nery, na edição deste sábado do diário carioca Tribuna da Imprensa.

"Não dá para resumir em uma coluna de jornal um livro que é um terremoto. São 550 páginas documentadas, minuciosa e magistralmente escritas: "Consistente e fascinante" (The Washington Post). "Um livro que é uma martelada, e que estabelece em definitivo a verdade sobre as atividades da CIA" (Spectator). "Uma história crucial sobre as energias comprometedoras e sobre a manipulação de toda uma era muito recente" (The Times).

DINHEIRO DA CIA PARA FHC

"Numa noite de inverno do ano de 1969, nos escritórios da Fundação Ford, no Rio, Fernando Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o representante da Fundação Ford no Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe oferece uma ajuda financeira de 145 mil dólares. Nasce o Cebrap". Esta história, assim aparentemente inocente, era a ponta de um iceberg. Está contada na página 154 do livro "Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível", da jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni (Editora Nova Fronteira, Rio, 1997, tradução de Dora Rocha). O "inverno do ano de 1969" era fevereiro de 69.

FUNDAÇÃO FORD

Há menos de 60 dias, em 13 de dezembro, a ditadura havia lançado o AI-5 e jogado o País no máximo do terror do golpe de 64, desde o início financiado, comandado e sustentado pelos Estados Unidos. Centenas de novas cassações e suspensões de direitos políticos estavam sendo assinadas. As prisões, lotadas. Até Juscelino e Lacerda tinham sido presos. E Fernando Henrique recebia da poderosa e notória Fundação Ford uma primeira parcela de 145 mil dólares para fundar o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O total do financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo, sabia-se e se dizia que o compromisso final dos americanos era de 800 mil a um milhão de dólares.
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AGENTE DA CIA
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Os americanos não estavam jogando dinheiro pela janela. Fernando Henrique já tinha serviços prestados. Eles sabiam em quem estavam aplicando sua grana. Com o economista chileno Faletto, Fernando Henrique havia acabado de lançar o livro "Dependência e desenvolvimento na América Latina", em que os dois defendiam a tese de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam desenvolver-se mantendo-se dependentes de outros países mais ricos. Como os Estados Unidos. Montado na cobertura e no dinheiro dos gringos, Fernando Henrique logo se tornou uma "personalidade internacional" e passou a dar "aulas" e fazer "conferências" em universidades norte-americanas e européias. Era "um homem da Fundação Ford". E o que era a Fundação Ford? Uma agente da CIA, um dos braços da CIA, o serviço secreto dos EUA.
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MILHÕES DE DÓLARES
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1 - "A Fundação Farfield era uma fundação da CIA... As fundações autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível de disfarce para os financiamentos... permitiu que a CIA financiasse um leque aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras instituições privadas" (pág. 153).

2 - "O uso de fundações filantrópicas era a maneira mais conveniente de transferir grandes somas para projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de 50, a intromissão no campo das fundações foi maciça..." (pág. 152). "A CIA e a Fundação Ford, entre outras agências, haviam montado e financiado um aparelho de intelectuais escolhidos por sua postura correta na guerra fria" (pág. 443).

3 - "A liberdade cultural não foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares... Ela funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos... com a organização sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos" (pág. 147).
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FHC FACINHO
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4 - "Não conseguíamos gastar tudo. Lembro-me de ter encontrado o tesoureiro. Santo Deus, disse eu, como podemos gastar isso? Não havia limites, ninguém tinha que prestar contas. Era impressionante" (pág. 123).

5 - "Surgiu uma profusão de sucursais, não apenas na Europa (havia escritorios na Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha, na Suécia, na Dinamarca e na Islândia), mas também noutras regiões: no Japão, na Índia, na Argentina, no Chile, na Austrália, no Líbano, no México, no Peru, no Uruguai, na Colômbia, no Paquistão e no Brasil" (pág. 119).

6 - "A ajuda financeira teria de ser complementada por um programa concentrado de guerra cultural, numa das mais ambiciosas operações secretas da guerra fria: conquistar a intelectualidade ocidental para a proposta norte-americana" (pág. 45). Fernando Henrique foi facinho.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Duas trajetórias distintas

Em que mãos você gostaria que estivesse o Brasil? Qual o verdadeiro diploma que cada um tem e que conta para construir um país justo, soberano e humanista?
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Emir Sader
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Nas horas mais difíceis se revela a personalidade – as forças e as fraquezas - de cada um. Os franceses puderam fazer esse teste quando foram invadidos e tinham que se decidir entre compactuar com o governo capitulacionsista de Vichy ou participar da resistência. Os italianos podiam optar entre participar da resistência clandestina ou aderir ao regime fascista. Os alemães perguntam a seus pais onde estavam no momento do nazismo.
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No Brasil também, na hora negra da ditadura militar, formos todos testados na nossa firmeza na decisão de lutar contra a ditadura, entre aderir ao regime surgido do golpe, tentar ficar alheios a todas as brutalidades que sucediam ou somar-se à resistência. Poderíamos olhar para trás, para saber onde estava cada um naquele período.
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Dois personagens que aparecem como pré-candidatos à presidência são casos opostos de comportamento e daí podemos julgar seu caráter, exatamente no momento mais difícil, quando não era possível esconder seus comportamentos, sua personalidade, sua coragem para enfrentar dificuldades, seus valores.
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José Serra era dirigente estudantil, tinha sido presidente do Grêmio Politécnico, da Escola de Engenharia da USP. Já com aquela ânsia de poder que seguiu caracterizando-o por toda a vida, brigou duramente até conseguir ser presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo e, com os mesmos meios de não se deter diante de nada, chegou a ser presidente da UNE.
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Com esse cargo participou do comício da Central do Brasil, em março de 1964, poucas semanas antes do golpe. Nesse evento, foi mais radical do que todos os que discursaram, não apenas de Jango, mas de Miguel Arraes e mesmo de Leonel Brizola.
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No dia do golpe, poucos dias depois, da mesma forma que as outras organizações de massa, a UNE, por seu presidente, decretou greve geral. Esperava-se que iria comandar o processo de resistência estudantil, a partir do cargo pelo qual havia lutado tanto e para o qual havia sido eleito.
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No entanto, Serra saiu do Brasil no primeiro grupo de pessoas que abandonou o país. Deixou abandonada a UNE, abandonou a luta de resistência dos estudantes contra a ditadura, abandonou o cargo para o qual tinha sido eleito pelos estudantes. Essa a atitude de Serra diante da primeira adversidade.
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Por isso sua biografia só menciona que foi presidente da UNE, mas nunca diz que não concluiu o mandato, abandonou a UNE e os estudantes brasileiros. Nunca se pronunciou sobre esse episódio vergonhoso da sua vida.
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Os estudantes brasileiros foram em frente, rapidamente se reorganizaram e protagonizaram, a parir de 1965, o primeiro grande ciclo de mobilizações populares de resistência à ditadura, enquanto Serra vivia no exílio, longe da luta dos estudantes. Ficou claro o caráter de Serra, que só voltou ao Brasil quando já havia condições de trabalho legal da oposição, sem maiores riscos.
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Outra personalidade que aparece como pré-candidata à presidência também teve que reagir diante das circunstâncias do golpe militar e da ditadura. Dilma Rousseff, estudante mineira, fez outra escolha. Optou por ficar no Brasil e participar ativamente da resistência à ditadura, primeiro das mobilizações estudantis, depois das organizações clandestinas, que buscavam criar as condições para uma luta armada contra a ditadura militar.
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No episódio da comissão do Senado em que ela foi questionada por ter assumido que tinha dito mentido durante a ditadura – por um senador da direita, aliado dos tucanos de Serra -, Dilma mostrou todo o seu caráter, o mesmo com que tinha atuado na clandestinidade e resistido duramente às torturas. Disse que mentiu diante das torturas que sofreu, disse que o senador não tem idéia como é duro sofrer as torturas e mentir para salvar aos companheiros. Que se orgulha de ter se comportado dessa maneira, que na ditadura não há verdade, só mentira. Que ela e o senador da base tucano-demo estavam em lados opostos: ela do lado da resistência democrática, ele do lado da ditadura, do regime de terror, que sequestrava, desaparecia, fuzilava, torturava.
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Dilma lutou na clandestinidade contra a ditadura, nessa luta foi presa, torturada , condenada, ficando detida quatro anos. Saiu para retomar a luta nas novas condições que a resistência à ditadura colocava. Entrou para o PDT de Brizola, mais tarde ingressou no PT, onde participou como secretária do governo do Rio Grande do Sul. Posteriormente foi Ministra de Minas e Energia e Ministra-chefe da Casa Civil.
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Essa trajetória, em particular aquela nas condições mais difíceis, é o grande diploma de Dilma: a dignidade, a firmeza, a coerência, para realizar os ideais que assume como seus. Quem pode revelar sua trajetória com transparência e quem tem que esconder momentos fundamentais da sua vida, porque vividos nas circunstâncias mais difíceis?
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Original no Blog do Emir

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

“Todos cometeram crimes” – Todos quem Cara Pálida?

“A expressão «todos cometeram crimes» é cínica, covarde e revela o inteiro teor dos golpistas. Todos quem cara pálida? Desde quando resistir a golpes de estados, a violência e a boçalidade de regimes totalitários, é crime?

Existe ainda um longo caminho a ser trilhado na luta popular. Para que se conheça esse rio de sangue de milhares de brasileiros vítimas de 1964 e que permanece com seu curso oculto e escondido na costumeira covardia que é marca registrada de golpistas em qualquer lugar do mundo. Como desaparecidos, portanto ocultos, estão os corpos de brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura. E órfãs as suas famílias. É a história do Brasil, logo, o povo brasileiro.

Essa história não pode ficar insepulta. Muitos dos seus protagonistas, do lado da ditadura, estão vivos e ativos…”

Laerte Braga*
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Em abril de 1964 militares comandados pelo general Vernon Walthers e subordinados no todo ao embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, com apoio da IV Frota daquele país, em águas territoriais brasileiras, depuseram o presidente constitucional do Brasil João Goulart e tomaram de assalto o poder. Iniciava-se um período de vinte anos de ditadura cruel e sanguinária, num processo de transformação do Brasil em colônia de interesses dos grandes grupos econômicos que controlam o mundo a partir de Washington e Wall Street.
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O Brasil foi um dos muitos países latino-americanos onde os EUA compraram parte expressiva das forças armadas para sustentar ditaduras de extrema-direita. Esse tipo de ação aconteceu na África e na Ásia e obedecia à chamada doutrina de segurança nacional formulada numa comissão conhecida como Tri-lateral (AAA – América, África e Ásia). Da comissão, entre agências do governo dos EUA, faziam parte fundações como a FORD e a ROCKFELLER, representando interesses de grupos privados. A Fundação FORD hoje tenta controlar a Conferência Nacional de Comunicação convocado no Brasil para dezembro.
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Quer ajudar a manter o monopólio da mentira, a chamada grande mídia.
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Um ano após o golpe militar eleições para governador de dois dos maiores estados brasileiros, Minas e o antigo estado da Guanabara, mostraram que os ditadores não conseguiriam manter a farsa democrática que revestiu o golpe e foram extintos partidos políticos, imposto o bi-partidarismo, as eleições indiretas para governos estaduais, criados mecanismos para o controle do Parlamento e de assembléias legislativas e acelerado o processo que montou um impressionante aparelho repressivo, sem o qual a ditadura não teria conseguido sobreviver.
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Milhares de resistentes foram presos, outros se buscaram asilo em países mundo afora e muitos torturados, estuprados e assassinados em prisões brasileiras. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife eram os principais centros de tortura. O aparelho repressivo foi montado numa espécie de complexo entre militares, policiais estaduais sob controle de Brasília e empresa privada. Um deles, a OBAN – OPERAÇÃO BANDEIRANTES – teve a participação de empresas como a Mercedes Benz, a Supergasbrás, jornais como a FOLHA DE SÃO PAULO (emprestava seus veículos para o transporte de presos torturados e que eram assassinados e desovados em partes da capital paulista e do seu entorno).
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O DOI/CODI, departamento e centro de operações repressivas, que juntava todo o conjunto das forças ditatoriais na área, mais tarde, sob a coordenação do governo dos Estados Unidos, somou-se a aparatos semelhantes de países do chamado CONE SUL (BRASIL, ARGENTINA, URUGUAI e incluía também CHILE e PARAGUAI, todos sob ditaduras militares) na OPERAÇÃO CONDOR. Líderes de oposição eram presos e assassinados, um deles em New York (Orlando Letelier, consultor da ONU e ex-chanceler do governo deposto de Salvador Allende, no Chile). Outros eram presos, torturados e entregues em seus países de origem, caso do major Joaquim Cerveira. Preso na Argentina, levado para o Uruguai e entregue ao DOI/CODI de São Paulo, então comandado pelo coronel Brilhante Ulstra, um dos mais covardes e sanguinários torturadores brasileiros. Cerveira oficialmente foi morto no Rio de Janeiro.
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Dan Mitrione, que chegou a virar nome de rua no Brasil (não é mais), foi um dos agentes enviados pelos EUA para treinar e instruir torturadores no Brasil, no Chile, na Argentina e no Uruguai. Foi capturado por forças resistentes em Montevidéu, julgado e executado.
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A anistia concebida e formulada pelo regime militar tinha um objetivo principal, já que percebida a repulsa do povo ao governo ditatorial e a impossibilidade mantê-lo por um tempo maior. O de evitar, no caso do Brasil, a prisão e o julgamento de torturadores, caso do próprio Brilhante Ulstra, ou de figuras consideradas dentro da caserna, sob controle dos golpistas, como «patriotas» e «democratas».
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Se na Argentina, no Chile e no Uruguai os principais agentes da repressão foram presos e julgados, o próprio Pinochet foi preso no exterior e em seu país, no Brasil permanecem impunes. E escondidos. A história da repressão, da boçalidade do regime militar, do caráter abjeto dessas figuras, entre nós, tem sido revelada em pingos de conta gotas, arrancada a fórceps diante da intransigência de boa parte dos militares de deixar vir a público os documentos oficiais desse período.
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E da obstinação que compromete a própria instituição forças armadas, em manter impunes os responsáveis por essa fase sombria e repugnante da história do Brasil.
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Casos como o da estilista Zuzu Angel, morta em condições misteriosas depois de denunciar ao mundo o caráter despótico e sanguinário do regime (seu filho Stuart Angel foi preso, torturado e assassinado pelos militares) chegaram a virar filme e a comover a opinião pública do País. Ou o do jornalista Wladimir Herzog, do operário Fiel Filho, mortos já no chamado período de distensão, nas dependências do DOI/CODI de São Paulo.
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O que, aparentemente, era um instrumento legal destinado a permitir a volta de brasileiros que estavam no exílio, ou o fim dos crimes contra a «segurança nacional», numa pressuposta condição de «maturidade do povo brasileiro», para tomar em suas mãos o seu destino através de uma nova constituição, eleições diretas para presidente e governos estaduais, fim da censura da imprensa, ou do caráter de imprensa oficial da ditadura, REDE GLOBO, era e continua sendo uma forma de garantir a impunidade de torturadores.
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A expressão «todos cometeram crimes» não tem sentido e implica na admissão de crimes por parte da ditadura militar. Se o regime foi oriundo de um golpe contra instituições em pleno funcionamento, contra um governo legal, a resistência não se constitui crime e nem pode. A tortura, à luz do direito internacional, é crime hediondo e imprescritível. E até porque a repressão começa no próprio golpe, no dia do golpe, com as prisões das principais lideranças de oposição, lideranças populares, e muitas vezes meros desafetos, em fatos que revelaram de imediato a natureza e os propósitos do golpe. As cassações em massa. Deputados, senadores, professores, cientistas de renome internacional, figuras como Celso Furtado, Oscar Niemeyer, foram postos à margem da «lei» da estupidez e da boçalidade dos que tomaram o poder.
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A história não contada da guerrilha do Araguaia e da execução de guerrilheiros a sangue frio e depois de incontáveis sessões de tortura e todo o regime de horror montado contra populações da área na sanha repressiva dos homens e instrumentos da ditadura.
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A anistia foi uma conquista da luta como um todo e os golpistas no poder trataram de estendê-la aos seus carrascos. De torná-la ampla, geral e irrestrita, palavras que na verdade, antes de se referirem a resistentes políticos, opositores, garantiam a impunidade a figuras da repressão em todo o processo.Os trinta anos da lei da anistia nos remetem à necessidade de rediscutir esse período da nossa história. Trazer a público toda a inteira dimensão da violência que foi o golpe de 1964 e levar ao banco dos réus os torturadores.
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Não como ação de vingança ou revanche, rótulos que esses “patriotas” costumam usar para esconder as práticas covardes e desumanas. Mas como exigência de algo maior, a História. Para que toda a prática estúpida e golpista dos militares responsáveis por 1964 seja pública. Para que não se repitam anos de horror e crueldade, para que se puna o crime da tortura em todos os seus espectros, origem e conseqüência, já que, em si, descaracteriza o ser humano como espécie racional.
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A reação e a resistência ao golpe militar foi uma conseqüência legítima e uma luta de bravura, dada até a correlação de forças, como agora em Honduras, onde saem das catacumbas os “célebres” generais do patriotismo canalha atrelado a interesses de grupos econômicos. Os trinta anos da lei de anistia sinalizam na necessidade de ruptura com o passado golpista e ditatorial e essa ruptura passa por revelar toda a inconseqüência bestial do regime. Do contrário permanecem impunes assassinos, estupradores, escondidos sob o manto de uma lei que não pode permitir que um período de barbárie vivido por uma Nação permaneça oculto e seja desconhecido de boa parte do seu povo.
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A expressão «todos cometeram crimes» é cínica, covarde e revela o inteiro teor dos golpistas.
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Todos quem cara pálida? Desde quando resistir a golpes de estados, a violência e a boçalidade de regimes totalitários, é crime?
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Existe ainda um longo caminho a ser trilhado na luta popular. Para que se conheça esse rio de sangue de milhares de brasileiros vítimas de 1964 e que permanece com seu curso oculto e escondido na costumeira covardia que é marca registrada de golpistas em qualquer lugar do mundo. Como desaparecidos, portanto ocultos, estão os corpos de brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura. E órfãs as suas famílias. É a história do Brasil, logo, o povo brasileiro.
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Essa história não pode ficar insepulta. Muitos dos seus protagonistas, do lado da ditadura, estão vivos e ativos, caso do presidente do Senado José Sarney, dos ex-presidentes da República Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (o falso preso político, cabo Anselmo com “patente” de general Anselmo) e continuam causando males ao Brasil e aos brasileiros.
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* Laerte Braga é jornalista
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Original em O diário.info

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