Além do Cidadão Kane

domingo, 14 de março de 2010

EUA: Façam o que eu digo não o que eu faço*

Em 11 de março de 2010, o Departamento de Estado de Estados Unidos publicou seus Informes por Países sobre Práticas de Direitos Humanos correspondentes a 2009, elegendo-se de novo em "juiz mundial dos direitos humanos". Como em anos anteriores, os documentos estão repletos de acusações sobre a situação dos direitos humanos em mais de 190 países e regiões, mas fazem caso omisso, ignoram e inclusive cobrem as violações destes direitos em seu próprio território.

Editorial Jornada

A Agência de Informações do Conselho de Estado de China divulgou um informe, elaborado com base em artigos de imprensa e em dados de organismos não governamentais, sobre as violações aos direitos humanos cometidas pelos Estados Unidos dentro e fora de seu território. No documento, o governo chinês lamenta que Washington use o tema das garantias individuais “como um instrumento político para interferir nos assuntos internos de outros países; difamar a imagem de outras nações e procurar seus próprios interesses estratégicos”, e chamar as autoridades desses países a “tirar lições da história, colocar-se em uma posição correta, esforçar-se para melhorar suas próprias condições dos direitos humanos e retificar seus atos” nessa matéria.

O texto tem especial relevância quando se divulga dois dias depois que o Departamento de Estado de Estados Unidos publicou seu informe anual sobre direitos humanos, no qual se condena os pressupostos abusos cometidos pelos governos de países como Cuba, Coréia do Norte, Venezuela e a própria China, entre outros. Significativamente, tais críticas provêm do regime que mais viola as garantias individuais em escala planetária, como mostram diversos organismos internacionais humanitários e como o documenta agora o relatório do governo de Pequim.

As cruzadas bélicas empreendidas pela Casa Branca e o Pentágono contra Afeganistão e Iraque durante a administração de George W. Bush, e continuadas até agora pelo governo que encabeça Barack Obama, são os exemplos mais claros imediatos da vocação histórica de agressão e barbárie do governo estadunidense, cujo exercício tem significado a deteriorização sustentada da vigência planetária dos direitos humanos. Deve recordar-se que, no contexto destas agressões militares – que tem custado a vida a dezenas de milhares de civis inocentes – o próprio Bush recomendou desconhecer as diretivas vigentes em matéria de prisioneiros de guerra, e outorgou margem de manobra a suas milícias e funcionários civis para seqüestrar e torturar a todos aqueles que foram catalogados de maneira discriminatória como “combatentes inimigos”. Tais regressões judiciais se expressaram nas atrocidades cometidas contra os prisioneiros dos campos de concentração de Abu Ghraib e Guantánamo, e nas redes de vôos secretos da CIA, dedicadas ao seqüestro e traslado de suspeitos de terrorismo.

Portanto, e como assinala o informe do governo de Pequim, os atropelos de Washington às garantias individuais não só ocorrem fora do território estadunidense: dentro dele, e ao amparo da “guerra contra o terrorismo” desencadeada em conseqüência dos atentados de 11 de setembro, o governo de Washington tem vulnerado as liberdades de seus próprios cidadãos, e tem legalizado a espionagem telefônica, a intercepção de correio eletrônico, a apertura clandestina de correspondência e o confisco de documentos pessoais.

Até agora, a administração Obama não tem podido ou não tem querido alterar seus propósitos de mudança nesta matéria no terreno dos fatos, e, ao invés disso, tem mostrado resistência para abandonar as tradicionais políticas intervencionistas, belicistas, hegemônicas e, ao fim das contas, violadoras dos direitos humanos que caracterizaram o seu antecessor.

Com tais antecedentes, e à luz do informe publicado pelo governo chinês, fica claro que Washington carece da qualidade moral necessária para eleger-se em exemplo e juiz em matéria de direitos humanos e que a vigência destes no mundo dificilmente poderá alcançar-se enquanto persistam exercícios de hipocrisia como os reportes elaborados pelo Departamento de Estado. Neste âmbito, como em outros, é necessário avançar para objetivos consensuais entre as nações e não impostos como mero exercício do poder, a hipocrisia e a arrogância imperial.

* Titulo original: Derechos humanos: EU y la paja en el ojo ajeno
 
Publicado em TeleSur         
Traduzido por Rosalvo Maciel
 
Topo

Nenhum comentário:

Copyleft - Nenhum Direito Reservado - O conhecimento humano pertence à Humanidade.