Além do Cidadão Kane

sexta-feira, 19 de março de 2010

Honduras: A Igreja e os Lobos

Gustavo Zelaya

Parece que Bento XVI e seu irmão George estão com problemas, as acusações sobre abuso sexual e pedofilia vão e vem, desde os Estados Unidos até a Holanda, passando pela Alemanha e México e assim, até o infinito. É a cabeça visível da igreja de Roma e chefiada pelo cardeal Rodríguez. Tal quais os anteriores vigários de Cristo na terra seguem demonstrando os problemas que os envolvem para admitir que seu lugar na vida social não é mais que tentar conduzir espiritualmente aos que elegeram certo corpo de idéias religiosas. Antes se considerava que os hierarcas católicos também tutelavam moralmente os seus paroquianos e por aspirações universalistas entendiam esse papel ao resto da sociedade. Tal guia moral é mais duvidosa que nunca e aí estão os processos milionários por abuso sexual, a fila que arrasta o Papa, os casos de mulheres engravidadas por sacerdotes, a forma cínica com que a igreja que dirige o cardeal hondurenho corrige os erros dos padres mudando-os de paróquia, tirando-os do país até que os rumores diminuam e o garotão tenha refletido, mandando-os para estudar na Europa, promovendo-os a cargos de direção, aos que não aceitam os coloca nas paróquias menos expostas e agora, sobre tudo, participando ativamente no maior ato de corrupção realizado na historia nacional: o golpe de estado de 28 de junho contra o governo de Manuel Zelaya.

Em nosso caso (de Honduras - NT), essa hierarquia, devido ao oportunismo dos políticos que têm governado Honduras desde 1900 até hoje, tem assumido papéis pouco religiosos e se envolvem com os poderes econômicos e políticos pontificando sobre o bem e o mal , colocando-se como uma espécie de juízes que decidem, sugerem, condenam e absolvem sobre todas as coisas terrenas. Das do céu há tempo se esqueceram. É comum encontrar nas hierarquias católicas lúcidas e bem sustentadas reflexões sobre a conservação da vida e os perigos contra ela, a conseqüência dos avanços da ciência e os conflitos bélicos. O mais estranho ocorre quando essa firme defesa e essas obrigações com a vida que se amplia à condenação absoluta do aborto e à proteção das formas embrionárias, não condenem de maneira total a pena de morte já que a aceita para casos de “absoluta necessidade” e não tenham dito uma só palavra de desaprovação contra as mortes ocasionadas pelo golpe de estado. Nem um só documento saiu do palácio episcopal reprovando agressões, torturas, detenções, censuras e perseguições sofridas pela Resistência Popular. É como se estes eventos não estejam ocorrendo. Inclusive, um dos bispos auxiliares está à espera a que haja suficientes mortes para que o conflito desencadeado pelo golpe de estado possa ser classificado de importante. Parece que uma só morte não é suficiente para sacudir a consciência desses personagens.

Todo esse ativismo e compromissos proclamados pela conservação plena da vida caíram em descrédito ao aceitar o fato que alguns seres humanos podem ser privados de sua existência por razões de estado. Podem ser violentados e na prática assim segue ocorrendo para manter a “harmonia” social ao estilo dos católicos e evangelistas fundamentalistas agrupados na Opus Dei e grupos similares. Na boca desse radicalismo religioso a defensa da vida humana não é mais que uma linda expressão que é abandonada quando os interesses empresarial e político que eles representam são ameaçados pelas demandas populares em busca da justiça e da igualdade social.

Por exemplo, a forma obstinada de rechaçar métodos anticonceptivos em defesa da vida e em apego à suposta “lei natural” choca-se com a realidade. Provoca duvidas entre os fiéis que não podem deixar de utilizar esses métodos. Gera conflitos teóricos quando surgem perguntas sobre quê é isso de lei natural, si realmente há leis naturais, até porque o conceito de lei se opõe ao natural; todas as leis são produtos sociais, são históricas, em conseqüência, não são eternas e se modificam segundo transcorre a experiência social. Mas também há inquietudes acerca dessa defesa fundamentalista da vida que dá lugar a crescimentos estadísticos da morte. Isto é muito complexo quando alguém aceita como verdade absoluta que a relação sexual só te, como finalidade a procriação e em nenhuma circunstancia a obtenção de uma forma de prazer. Essas concepções presentes na doutrina da igreja só devem ter validade para os católicos mas a participação eclesiástica em assuntos próprios da atividade política, estatal, legislativa e que afetam à sociedade civil deve ser rechaçada ou, pelo menos, deve discutir-se publicamente e em condições de igualdade.

A história nacional depois de 28 de junho segue pondo em seu lugar pessoas, crenças, instituições e verdades que pareciam absolutas. E delas, princípios e sistemas de valores se quebraram até desmoronar, como se o “prestigio” que supostamente tinham os hierarcas religiosos, e não só católicos, aquela frase repetida de a “reserva moral” manifestada na pessoa do cardeal não era mais que uma flatus vocis, palavras, expressões cujo sentido a dávamos os humanos; um simples convencionalismo sem maior conteúdo e que agora pretende resgatar ao retirar-se desse inútil aparato do Conselho Nacional Anticorrupção. Mas como lavar-se essa face marcada pela mão do golpista cabeça de alho, alias Micheletty? Como desmentir essa cumplicidade com a corrupção desencadeada pelo golpe de estado? Como deixar de lado tantas mortes provocadas e a consolidação do golpe de estado a partir de 27 de janeiro respaldado pela hierarquia religiosa? Não se trata de ocultar-se atrás dos panos para não sair mais na foto. Bem sabemos que têm sido lobos pastoreando ovelhas. Já não lhes serve manter discretos perfis.

Original em Habla Honduras
Tradução Rosalvo Maciel
 
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