Além do Cidadão Kane

terça-feira, 23 de março de 2010

A lista da “Forbes” e os seus contrastes violentos e chocantes

Aqui no Brasil, a imprensa dominante exulta com a divulgação da “promoção” de um brasileiro que acaba de ser publicada pela revista “Forbes”, especializada na publicidade mediática de bilionários, no seu balanço para 2010. Trata-se de Eike Batista, que acaba de ascender à condição de 8º mais rico homem do mundo, com uma fortuna estimada em 27 bilhões de dólares e galgando muitas posições desde a sua anterior classificação, quando era o 61º.

Ao câmbio do dia, uma verba correspondente a cerca de 19.832 milhões de euros, ou seja, uma riqueza pessoal equivalente, por exemplo, ao salário mínimo português pago durante um ano (quatorze meses!) a 2.982.255 trabalhadores, ou – estas comparações são intermináveis – igual a mais de quatro anos de trabalho garantido para os 700.000 portugueses desempregados.

Além de Eike, entre banqueiros e empresários, o Brasil tem mais 17 pessoas com fortunas acima de US$ 1 bilhão, segundo a mencionada lista anual, divulgada na quarta-feira. O país tem o maior número de bilionários da América Latina.

Claro que, na óptica da comunicação social do capital brasileiro, é uma classificação muito “honrosa”, não obstante o 1º classificado neste escandaloso "ranking" ser um mexicano, Carlos Slim, com uma fortuna calculada em 53,5 bilhões de dólares (*), destronando este ano o anterior “vencedor”, o estadunidense Bill Gates.

Segundo a “Forbes”, o número de bilionários no mundo subiu de 793 no ano passado para 1.101, mas ainda abaixo dos 1.125 contados em 2008 (uma queda dramática!). Atualmente, os bilionários no mundo têm em média 3,5 bilhões de dólares, o que representa um aumento de 500 milhões de dólares sobre o último ano, ano de “crise”, está bem de se ver. Considerados os dez primeiros da lista, o total dos seus "pecúlios" cresceu de US$ 254 bilhões para US$ 342 bilhões, um aumento de 34,6%! Entre estes, há quatro bilionários oriundos de países "emergentes" - além de Slim e de Batista, aparecem os indianos Mukesh Ambani e Lakshmi Mittal, na 5ª e na 6ª posições, respectivamente, com 29 bilhões e 28,7 bilhões -, países "emergentes" que usualmente são considerados os “bons exemplos” para aqueles países que ambicionem conseguir um crescimento econômico “milagroso”...

Numa versão fina do usual “dar lugar aos novos”, sempre segundo aquela revista, este ano entraram na lista 97 novos membros do “clube”, dos quais – atenção, muita atenção mesmo! – estão fazendo a sua estréia (verdadeiros debutantes!) 62 bilionários da Ásia, um "avanço" que permitiu à China fixar-se como o 2º país com o maior número de bilionários - 64! -, logo após os Estados Unidos, isto sem contar com mais outros 25 bilionários originários de Hong Kong.

Voltando ao empresário brasileiro Eike Batista, reza a sua encomiástica biografia que a sua fortuna começou a ser construída no início dos anos 1980, no “ramo” do comércio de ouro e diamantes, com negócios posteriormente estendidos ao petróleo e gás, mineração, energia, logística e estaleiros. Fato carregado de simbolismo, todas as companhias de Eike têm a letra “X” no nome, numa referência descaradamente explícita ao sinal matemático da multiplicação… Nos últimos anos, o bilionário Eike decidiu redirecionar integralmente para o Brasil as suas atividades, pois este país “é um dos melhores lugares do mundo para se fazer negócio”, segundo as suas próprias palavras.

Do ponto de vista do capital, assim parece ser. Só nos primeiros dias deste mês de Março, o saldo positivo na Bolsa brasileira, entre entradas e saídas de movimentações, no investimento em dólares, atingiu os 1.450 milhões, obrigando de novo o Banco Central a comprar 780 milhões da dominante moeda norte-americana, procurando “enxugar” esta nova inundação de dólares da especulação financeira, operada pelo grande capital multinacional.

Entretanto, no país real, outros são os dados da realidade brasileira. Já anteriormente neste espaço ("Davos, os Emergentes...", 31/01/10) se trataram alguns dos seus aspectos econômicos e sociais.

Segundo os números acabados de divulgar pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 12,6% da população total brasileira – cerca de 24 milhões, dos quase 190 milhões de brasileiros - vive em situação de indigência, classificação que no Brasil é dada aos que têm uma renda mensal inferior a 1/4 do valor do salário mínimo - fixado este ano pelo governo em 510 reais (cerca de 210 euros)-, ou seja, pessoas obrigadas a sobreviverem com menos de 128 reais (53 euros), enquanto outros 32% dos brasileiros – cerca de 61 milhões de pessoas – (sobre) vive em situação de pobreza, designação usada para aqueles que têm um rendimento menor que 1/2 do salário mínimo, isto é, 255 reais (106 euros).

Segundo a análise da pesquisadora do IPEA, Luciana Jaccoud, se hipoteticamente fossem retirados três dos principais subsídios sociais de assistência aos mais necessitados – o Bolsa-Família, outros benefícios previdenciários e o BPC (Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social) – os índices de indigência e de pobreza pulariam, passando a representar, respectivamente, 23,4% e 43,7% da população brasileira.

Mesmo consideradas as diferenças nos custos de vida respectivos, dá para nós, portugueses, imaginarmos qual a ”qualidade” de vida a que estão sujeitos, com aqueles níveis de “rendimentos”, tantas dezenas de milhões de brasileiros.

Num país “bonito por natureza”, prenhe de enormes potencialidades econômicas próprias (petróleo, ferro, outros metais, pecuária, agricultura, etc, etc.), são violentos e chocantes estes contrastes, entre os rendimentos do multimilionário Eike Batista e da minoria oligárquica parasitária à qual pertence, e, tantos milhões de compatriotas seus, obrigados pela extrema e desumana exploração capitalista a sobreviverem com tão escassos – verdadeiramente subumanos! - e irrisórios meios de vida, cavando um dos maiores fossos sociais existentes no mundo.

Um contraste violento e uma gritante contradição, a exigirem muitos combates de classe, muita denúncia política e muita luta por parte de todos aqueles que se reclamam comunistas e revolucionários, tal como por parte de todos os verdadeiros democratas e patriotas (com ou sem partido), uns e outros fazendo assim jus à condição de legítimos herdeiros das melhores tradições de luta e de insubmissão do grande povo brasileiro.


(*) Nota: Segundo as notícias oriundas do Chile - que tem quatro bilionários na lista, entre eles o presidente da direita revanchista recém-eleito, Sebastián Piñera - os gastos totais com a reconstrução, para recuperar das destruições ocasionadas pelo grande terremoto que recentemente atingiu o país, cifram-se em 15 bilhões de dólares; isto é, um pouco mais que uma quarta-parte da fortuna unipessoal do bilionário mexicano.

Publicado em O Assalto ao Céu
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