Além do Cidadão Kane

sábado, 13 de junho de 2009

O sorriso na cara do tigre

por John Pilger

Às 7h30 da manhã de 3 de Junho um bebê de sete meses morreu na unidade de cuidados intensivos do Hospital Europeu de Gaza, na Faixa de Gaza. O seu nome era Zein Ad-Din Mohammed Zu'rob e sofria de uma infecção nos pulmões que era tratável.

Recusado equipamento básico, os médicos em Gaza nada puderam fazer. Durante semanas os pais da criança solicitaram uma autorização dos israelenses que lhes permitisse levá-la a um hospital em Jerusalém, onde teria sido salva. Como muitas pessoas desesperadamente doentes que requerem estas permissões, disseram aos pais que eles nunca as haviam requerido. Mesmo que eles tivessem chegado Passagem de Erez com um documento israelense nas mãos, as probabilidades são de que teriam sido mandados voltar por recusaram exigências de oficiais para espiarem ou colaborarem de alguma forma.

"Será um exagero irresponsável", perguntou Richard Falk, o relator especial das Nações Unidas para direitos humanos nos territórios palestinos ocupados e professor emérito de direito internacional na Universidade de Princeton, que é judeu, "associar o tratamento de palestinos com o criminalizado registro nazi de atrocidade coletiva? Eu penso que não".

Falk estava descrevendo o massacre de Israel, em Dezembro e Janeiro, de centenas de civis indefesos em Gaza, muitos deles crianças. Repórteres chamaram a isto de "guerra". Desde então, a normalidade retornou a Gaza. A maior parte das crianças está mal nutridas e doentes, e quase todas exibem os sintomas de perturbação psiquiátrica, tais como pesadelos horrendos, depressão e incontinência. Há uma longa lista de itens que Israel bane de Gaza. Isto inclui equipamento para limpar os detritos tóxicos das munições estado-unidenses de Israel, os quais são a causa suspeita do aumento das taxas de câncer. Brinquedos e equipamentos de parques infantis, tais como escorregas e balouços, são também proibidos. Eu vi as ruínas de um parque de diversões, despedaçado com buracos de balas, os quais os "colonizadores" israelenses utilizaram como alvo.

No dia seguinte à morte em Gaza do bebê Zu'rob, o presidente Barack Obama fez o seus "histórico" discurso no Cairo, "estendendo a mão ao mundo muçulmano", relatou a BBC. "Assim como devasta famílias palestinas, a contínua crise humanitária em Gaza", disse Obama, "não serve à segurança de Israel". Isso foi tudo. A matança de 1300 pessoas no que é agora um campo de concentração mereceu-lhe 17 palavras, moldadas como preocupação pela "segurança" dos assassinos. Isto foi compreensível. Durante o massacre de Janeiro, Seymour Hersh relatou que "a equipe de Obama deixou saber que não objetaria ao planejado reabastecimento de 'bombas inteligentes' e outras munições de alta tecnologia que já estavam a fluir para Israel", para utilização em Gaza.

A única crítica de Obama a Israel foi que "os Estados Unidos não aceitam a legitimidade das continuadas colônias israelenses... Já é tempo destas colônias pararem". Estas fortalezas sobre a terra palestina, guarnecidas de fanáticos religiosos da América e de outras partes, foram postas fora da lei pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas pelo Tribunal de Justiça Internacional. Propositadamente, Obama não mencionou as colônias que já infestam os territórios ocupados e tornam impossível um estado palestino independente, o que é o seu objetivo.

Obama disse que o "ciclo de suspeição e discórdia deve acabar". Todo ano, durante mais de uma geração, a ONU apelou a Israel para finalizar a sua ocupação ilegal e violenta da Palestina pós-1967 e votou pelo "direito do povo palestino à autodeterminação". Todo ano, aqueles que votam contra estas resoluções têm sido os governos de Israel e dos Estados Unidos e uma ou duas dependências da América no Pacífico; no ano passado o Zimbabwe de Robert Mugabe juntou-se-lhes.

Este é o verdadeiro "ciclo" no Médio Oriente, o qual raramente é relatado como a rejeição implacável da regra da lei por parte de Israel e dos Estados Unidos: uma lei em cujo nome a ira de Washington foi descarregada sobre Saddam Hussein quando ele invadiu o Kuwait, uma lei que, se apoiada e honrada, traria paz e segurança tanto à Palestina como a Israel.

Mas Obama falou no Cairo como se a sua e as anteriores administrações da Casa Branca fossem neutras, quase corretores divinos da paz, ao invés de apoiadores dos opressores e abastecedores do invasor (juntamente com a Grã-Bretanha). Esta ilógica orwelliana é o padrão do que os jornalistas ocidentais chamam de "conflito Israel-Palestina", o qual quase nunca é relatado nos termos da lei, do certo e do errado, da justiça e da injustiça — Darfur, sim, Zimbabwe, sim, mas nunca a Palestina. O fantasma de Orwell movimentou-se outra vez quando Obama denunciou "extremistas violentos no Afeganistão e agora no Paquistão, os quais estão determinados a matar tantos americanos quanto puderem". A invasão da América e a carnificina nestes países ficaram sem ser mencionada. Ela, também, é divina.

Naturalmente, ao contrário de George W. Bush, Obama não diz "você está conosco ou contra nós". Ele sorriu o seu sorriso e exprimiu "parágrafos muito eloqüentes e rudimentos de citações do Corão Sagrado", notou o advogado internacional americano John Whitbeck. Além disto, Obama não ofereceu mudança, nem plano, apenas um "cansada e moralmente em bancarrota lengalenga americana [a qual] argumenta essencialmente que apenas os ricos, os fortes, os opressores e os aplicadores da injustiça (nomeadamente os americanos e israelenses) têm o direito de utilizar violência, ao passo que os obres, os fracos, os oprimidos e as vítimas da opressão devem... submeter-se ao seu destino e aceitar sejam quais forem as migalhas que os seus superiores possam magnanimamente considerar adequado deixar cair da sua mesa". E ele não ofereceu nem o mais ligeiro reconhecimento de que a maior parte das numerosas vítimas de terrorismo do mundo são pessoas de fé muçulmana — um terrorismo de origem ocidental que não ousa dizer o seu nome.

No seu "estender a mão" do Cairo, tal como no seu discurso "anti-nuclear" em Berlim, tal como na "esperança" com que ele acenou na sua posse, este esperto jovem político está a desempenhar o papel para o qual foi recrutado e promovido. Este é apresentar uma face benigna, sedutora e mesmo de celebridade da potência americana, a qual pode então prosseguir no rumo do seu objetivo estratégico de dominação, sem levar em conta os desejos do resto da humanidade e os direitos e as vidas dos nossos filhos.

O original encontra-se em Johnpilger.com
Este artigo encontra-se em Resistir.info

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