por Rick Wolff [*]
Em termos marxistas, a crise atual emergiu do funcionamento da estrutura de classe capitalista. A história do capitalismo revela repetidos booms, quebras e bolhas pontuais. Os ciclos do capitalismo variam de forma imprevisível desde o local e superficial até ao profundo, longo e global. Manter o capitalismo é sofrer a sua instabilidade crônica. Lidar efetivamente com as crises recorrentes do capitalismo implica a mudança para uma estrutura de classe não-capitalista. Desde meados dos anos 70 os salários médios reais dos trabalhadores [nos EUA] cessaram de subir. Isto deveu-se em parte à deslocação de trabalhadores pela computadorização da produção capitalista. Os capitalistas também decidiram mudar mais produção para países estrangeiros a fim de obterem maiores lucros. Como os empregadores passaram então a precisar de menos trabalhadores nos EUA, puderam e concretizaram o fim da subida histórica (1820-1970) dos salários americanos. Contudo, a produtividade dos trabalhadores continuou a subir (mais máquinas, mais pressão e mais técnica). Produziram sempre mais para os seus empregadores venderem, ainda que os empregadores não lhes pagassem mais por isso. A mais-valia extraída (explorada) pelos empregadores capitalistas – o valor em excesso produzido por cada trabalhador sobre o valor pago a esse mesmo trabalhador – subiu. Os últimos 30 anos foram a realização dos mais altos sonhos capitalistas. Contudo, salários estagnados e mais-valias crescentes também mergulharam o capitalismo americano na grave crise de hoje. Os principais capitalistas de hoje – os membros dos conselhos de administração corporativos – receberam a maior parte desse rápido aumento de mais-valias. A forma como as distribuíram molda a nossa história. Uma enorme porção foi para pagamentos a executivos de topo . Outra porção aumentou dividendos dos acionistas das corporações (que, afinal de contas elegeram as administrações). Outras porções ainda, financiaram a transferência de produção para fora do país, o avanço da computadorização para reduzir folhas de pagamentos e ainda lobbys para apoiar ações estatais favoráveis (ex: redução dos impostos para a empresas e permissão do aumento da imigração para baixar salários). As corporações depositaram mais-valias crescentes nos bancos. Os bancos cresceram e inventaram novos instrumentos financeiros para lucrar ainda mais com essas mais-valias. Novos instrumentos incluíram títulos como "obrigações de dívida colateralizada" (dívidas relativas a hipotecas, cartões de crédito, corporativas e empréstimos para estudantes); "credit default swaps" (seguros desses novos produtos); e outros "derivados" para distribuir os riscos da rápida multiplicação de novos instrumentos de crédito entre aqueles com mais-valias para investir. Devido a estes novos instrumentos operarem completamente fora das regulações existentes, num "sistema de crédito sombra" , cada vez maiores riscos foram assumidos para a obtenção de lucros cada vez maiores. Empresas especializadas como os hedge funds, surgiram para investir os crescentes mais-valias corporativos e fazer explodir os rendimentos de executivos nas sombras nebulosas da alta finança. Fizeram-se enormes lucros nos últimos 20 anos, mas a exuberância capitalista daí resultante, mais uma vez superou os seus limites. Os lucros financeiros dependiam da subida do aumento das mais-valias, que dependiam de salários estagnados. Os lucros financeiros também dependiam do reverso da medalha dos salários estagnados, nomeadamente dos maciços empréstimos contraídos pelos trabalhadores . Como o aumento do consumo tornou-se a medida do êxito pessoal na vida, a estagnação dos salários desde os anos 70 tornou a maioria dos trabalhadores americanos extraordinariamente vulneráveis às novas ofertas de crédito para consumo. Entram aí os bancos, implacavelmente, a oferecerem cartões de crédito, empréstimos sobre a situação líquida das casas hipotecadas, empréstimos a estudantes e muito mais. Os trabalhadores endividaram-se numa soma recorde. Os bancos empacotaram essas dívidas em novos títulos (os agora infames produtos MBS e CDO) e venderam-nos a todos os que procuravam investir seu mais-valias crescentes. Efetivamente, o capitalismo americano substituiu assim o aumento dos salários pelo aumento dos empréstimos aos trabalhadores. Tirou-lhes duas vezes: em primeiro lugar, o mais-valia que o seu trabalho produziu; em segundo lugar, o juro sobre as mais-valias emprestadas de volta aos mesmos. Este duplo esmagamento dos trabalhadores foi o fundamento do boom americano entre os anos 70 até 2006. Finalmente, a ascensão dos custos deste duplo esmagamento estrangulou o boom. O endividamento crescente das famílias significava que doenças, perdas de emprego e divórcios somavam-se agora, agravando-a, a tragédia dos incumprimentos de dívidas. A subirem firme e ameaçadoramente ao longo de 2007, os incumprimentos sobre cartões de crédito, empréstimos para automóveis, empréstimos para estudantes e hipotecas levantaram voo em 2008. As novas espécies de títulos baseados nas dívidas dos trabalhadores começaram a perder valor nos mercados. Bancos, hedge funds, e outros titulares desses produtos enfrentavam perdas crescentes. As corporações que seguraram estes títulos através de credit default swaps, etc não puderam pagar quando o valores de muitos deles entraram em colapso. Os bancos tinham de usar o dinheiro dos seus depositantes e tomarem emprestado ainda mais para comprar tais títulos. As perdas dos bancos impediam-nos de reembolsar aqueles empréstimos ou garantir o dinheiro dos seus depositantes. Os mercados financeiros congelaram quando prestamistas e prestatários deixaram de confiar uns nos outros e reduziram drasticamente as transações. A quebra seguiu-se à bolha após o boom, mais uma vez. Os conselhos de administração corporativos americanos haviam tomado três medidas interligadas para produzir esta seqüência. Congelaram o salário real dos trabalhadores, extraíram demasiado mais-valia da sua produtividade crescente, e distribuíram essas mais-valias crescentes de formas cumulativamente insustentáveis. A exuberância capitalista irracional mais uma vez extravasou os seus limites. O sistema capitalista de produção e distribuição de mais-valias demonstrou-se mais uma vez fundamentalmente propenso a crises. Se este sistema capitalista tivesse sido substituído por outro, um em que os trabalhadores que produziram a mais-valia em cada empresa também funcionasse como o apropriador e distribuidor coletivo dessas mesmos mais-valias, a história dos Estados Unidos desde os anos 70 teria sido muito diferente. Trabalhadores que se apropriassem da sua própria mais-valia provavelmente NÃO congelariam os seus salários reais (consequentemente não haveria explosão da dívida relativa ao consumo). Trabalhadores que coletivamente se apropriassem da sua própria mais-valia provavelmente NÃO dariam imensos novos pagamentos aos administradores de topo. A distribuição do rendimento pessoal portanto NÃO se tornaria tão desigual ao longo dos últimos 30 anos. Trabalhadores que se apropriassem da sua própria mais-valia NÃO aplicariam imensas porções da mesmo para transferir os seus empregos para o outro lado do oceano. E por aí afora. É claro que uma tal estrutura de classe teria suas próprias contradições e problemas. Iria interagir com instituições políticas de maneiras diferentes da forma como o fazem nas estruturas de classe capitalistas. Igualdade de sexo, sustentabilidade ambiental e muitos outros problemas ainda precisariam de atenção, mas não seriam agravados, entretanto, pelo duplo esmagamento acima mencionado. Assim, as questões urgentes são: Irão as respostas a esta última crise capitalista continuar a ignorar ou a negar o papel da estrutura de classe no capitalismo? Será que a causa da crise – a permissão dada aos conselhos de administração capitalistas para se apropriarem e distribuírem mais-valias – permanecerá não reconhecida? Se assim for, as perdas pessoais, políticas, econômicas e culturais infligidas por esta mais recente crise capitalista falharão no ensino da lição chave: a solução genuína exige progresso para além da estrutura de classe capitalista.
[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst.
Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (com Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).
Tradução de José Magalhães .
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
topo
Nenhum comentário:
Postar um comentário