Além do Cidadão Kane

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Mundo deve dizer "Não" ao nazismo judaico antes que seja tarde demais

Por Khalid Amayreh

O genocida ataque israelita contra o povo palestino na Faixa de Gaza é extremamente semelhante ao blitz alemão na fase inicial da Segunda Guerra Mundial. Os pretextos são praticamente os mesmos e os comportamentos de ambas as liderança política e militar dos nazis e do israelitas são quase idênticos. E, como a Alemanha nazista tentou justificar as suas blitz contra os seus vizinhos a leste, com uma argumentação de mentiras e pretextos cuidadosamente preparados, Israel está fazendo praticamente a mesma coisa. No entanto, ao contrário do nazismo cuja agressão gratuita foi amplamente condenada em todo o mundo, o atual ataque israelita contra a Faixa de Gaza está sendo tolerado, e ainda celebrado, por uma enorme rede de comunicação social em todo o mundo ocidental de Sydney a Los Angeles. Hoje, Israel está destruindo Gaza embora afirme que está apenas lutando Hamas. A força aérea israelita está alvejando e destruindo escolas, mesquitas, casas particulares, instituições de caridade, edifícios públicos, hospitais, colégios e universidades, tudo sob o falso pretexto da luta contra o Hamas . Esta não é uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra o povo palestino, como é evidente o fato de que a maior parte das vítimas são civis inocentes. E como todos os criminosos, Israel está recorrendo à fabricação de mentiras e meias verdades para justificar a sua guerra genocida contra uma população essencialmente desprotegida. Muitos, provavelmente a maioria dos judeus em Israel e em todo o mundo, se gabam sobre o "heróico" exército israelita e as suas "realizações" contra o Hamas. Alguns judeus têm descrito os ataques, como o"melhor presente de Hanukkah* ." Bem, eu realmente não vejo qualquer heroísmo na utilização de máquinas da morte, tais como o caça F-16, helicópteros Apache e bombas guiadas a laser contra um povo que não possui um exército ou uma força aérea ou defesas anti-aéreas. Não há heroísmo, mas pura covardia, no lançamento dessas bombas mortíferas em edifícios civis desprotegidos , tal como não houve heroísmo no assassinato de civis desarmados pela máquina de guerra nazista. Com certeza, até mesmo as mais fracas forças aéreas do mundo poderiam bombardear e destruir edifícios desprotegidos e matar tantos civis quanto entendesse a mórbida mente de Ehud Barak. Em suma, o ataque israelita contra um povo que não possuem os meios para se defender e não pode proteger seus filhos da brutalidade de Israel é um ato de pura covardia. Ela pode ser comparada com a SS nazista matando manifestantes judeus com tiros de metralha. Israel e seus porta vozes no Ocidente afirmam que o exército israelita, uma Wehrmacht judaica por qualquer padrão de análise objetiva, está apenas reagindo à projéteis que palestinos de Gaza dispararam sobre os colonos israelitas fora de Gaza. Bem, este é apenas um pretexto por duas razões: Os chamados projeteis Oassam são armas que fazem mais barulho do que prejuízos. Durante os últimos oito anos, menos de duas dezenas de israelenses foram mortos por esses projéteis. Entretanto, milhares de palestinos, principalmente crianças e outros civis inocentes, foram aniquiladas indiscriminadamente pelos bombardeios israelitas. Estes são crimes, porque, mesmo em guerra, não existe proporcionalidade e usando de força excessiva, principalmente contra civis, em reação à menor provocação, Israel se coloca em pé de igualdade com a barbárie nazi. Existem aqueles que afirmam que Israel tem o direito e o dever de defender os seus cidadãos. Bem, não é esse o verdadeiro problema, porque pode-se argumentar que mesmo o pior Estado no mundo tem o direito de defender os seus cidadãos. Mas Israel tem sido extremamente violento com um povo inteiro, impondo um cerco, como os nazistas, por nenhum outro motivo a não ser para puni-los por eleger um governo que tanto Israel como o seu guardião-aliado, os Estados Unidos, não gostam. Em suma, Israel tem sido efetivamente claro ao dizer aos palestinos, tanto com palavras como com documentos, que eles se defrontam com duas opções: ou morrer de fome, ou ser exterminados pela máquina de guerra israelense. Em outras palavras, os palestinos têm de morrer se resistir e morrer se não o fizerem. Isto ocorre, enquanto a máquina israelita de propaganda se mantém dizendo ao mundo que Israel está apenas lutando contra o Hamas e defendendo os seus cidadãos. Bem, o Hamas não pode ser completamente inocente em um certo sentido. No entanto, é imperativo lembrar ao mundo que o movimento islâmico tem reiteradamente manifestado a sua vontade de parar os tiros de "todos" os projéteis de Gaza se Israel retribuir e levantar o cerco nazistóide. E como todos sabemos, Israel consistentemente recusou, insistindo arrogantemente, que tem o direito de matar os palestinos e invadir seus territórios, sempre que considere necessário. Escusado será dizer que este é exatamente o mesmo tipo de arrogância, insolência e belicosidade que caracterizou o comportamento nazista. Há poucos dias, analistas israelenses descreveram o genocida ataque israelita contra Gaza como a versão americana do "bombardeamento choque-e-terror", no início da invasão e posterior ocupação norte-americana do Iraque. Choque e terror contra pessoas que são atormentadas e completamente humilhadas por um odioso bloqueio, sem precedentes na sua crueldade e maldade. Eu não posso compreender por que razão os judeus se comportam da forma como se comportam. Será que as cenas de devastação, destruição e morte, nas ruas e nos campos de refugiados da Faixa de Gaza dar-lhes auto-confiança? Será que eles gozam assistindo crianças palestinas mutiladas por estes infernais fragmentos de mísseis lançados de alta altitude em prédios e casas? Será que faz com que sintam estar finalmente derrotando Hitler? Estou fazendo estas perguntas porque tenho visto judeus dançando e celebrando com alegria ao ver a carnificina em Gaza. Com efeito, uma fugaz observação da mídia israelita nestes últimos dias revela uma doentia e canibalesca sociedade que é tão bestial quanto a Alemanha nazista foi durante o holocausto. Talvez eu esteja fazendo alguma injustiça contra os alemães. Afinal, os alemães estavam vivendo sob uma ditadura cruel e odiosa que teria brutalmente esmagado quaisquer protestos dos cidadãos conscientes. Mas, ao contrário da Alemanha nazista, Israel afirma ser "uma luz sobre as nações", "a única democracia no Oriente Médio " e uma nação civilizada ocidental. Bem, se for esse o comportamento "democrático" de Israel, dá para imaginar como o Estado judeu se comportaria se caísse nas mãos de uma entidade terrorista ou de Partidos manifestamente fascistas. Tenho advertido repetidamente nos meus escritos que Israel é capaz de cometer um genocídio ou um holocausto contra o povo palestino e outros povos do Médio Oriente. Minhas advertências não são propaganda vazia destinada a manchar a imagem de Israel. Da mesma forma, elas não são motivadas pelo anti-semitismo ou ódio ao povo judeu, muitos dos quais eu respeito e admiro. Mas o chocante ataque em Gaza deve ser visto como um claro indicador das minhas advertências. Israel simplesmente representa os nazistas do nosso tempo. Sei que muitas pessoas em todo o mundo, especialmente no Ocidente, perceberam a veracidade da analogia no fundo em seus corações. Mas elas têm medo de chamar a espada de espada para que não lhes seja manchada a reputação e perseguidos e assediados pela poderosa mídia judaica, que mais ou menos controla a informação em muitas nações ocidentais. Mas a timidez desses covardes não vai ajudá-los. Hoje, os palestinos são as vítimas. Mas, sem dúvida, o amanhã vai trazer consigo mais vítimas, e os europeus e norte-americanos, em particular não serão imune. Suas vidas podem não estar sob ameaça imediata agora. Mas certamente suas liberdades estão. Lembremo-nos nesta sombria ocasião das palavras de Martin Niemoller, que lamentou a falência da intelectualidade alemã nos últimos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial:

"Quando os nazis levaram os comunistas, eu me calei, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu me calei, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse".

Por Deus, vamos aprender com a história, porque hoje Israel é extremamente semelhante à Alemanha de 1936.

Por favor, diga não ao nazismo judaico antes que seja tarde demais.

*Festa judaica da Consagração ou das Luzes, celebrada no fim de dezembro e comemorativa da reconsagração do Templo de Jerusalém após a vitória de Judas, o Macabeu, sobre Antíoco Epífano.

Original em The Palestianian Information Center

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domingo, 28 de dezembro de 2008

«Sapatos» da contestação

Inicia-se no próximo dia 31 o julgamento do jornalista que insultou George W. Bush durante uma conferência de imprensa em Bagdad. Contrariamente às autoridades iraquianas, para os povos al-Zaidi é um herói e os sapatos um símbolo de resistência à ocupação.

O anúncio do início do processo foi feito, segunda-feira, por fonte oficial, a qual explicou ainda que Muntazer al-Zaidi será julgado pelo Tribunal Criminal Central do Iraque, órgão encarregado de apreciar os atentados terroristas. Esta decisão foi tomada apesar da defesa ter pedido a transferência do caso para um tribunal comum. Muntazer al-Zaidi, acusado de agressão a um chefe de Estado estrangeiro durante uma visita oficial, enfrenta uma pena que pode ir de cinco a 15 anos de prisão por violação do artigo 223 do código penal iraquiano.
A notícia do início do julgamento surgiu depois do advogado de al-Zaidi ter informado que o repórter vai processar a segurança do presidente iraquiano por agressão. De acordo com o seu irmão, al-Zaidi tem várias costelas partidas, uma mão fraturada, e diversos hematomas num dos olhos e no corpo, resultantes das agressões a que teria sido sujeito durante e após a detenção na «zona verde» de Bagdad.

Solidariedade crescente

O gesto contra Bush tornou Zaidi reconhecido mundialmente, mas segundo a televisão al-Jazeera, o iraquiano era já conhecido das autoridades de Bagdad pela sua militância política. O jovem de 29 anos, garante a estação do Qatar, é membro do Partido Comunista do Iraque e teria pertencido à União dos Estudantes Iraquianos, uma das organizações ligadas aos comunistas locais.
A filiação de Zaidi não é, no entanto, obstáculo para que no mundo árabe cresça a onda de solidariedade para com o jornalista, movimento que, para além de exigir a sua libertação, reclama o fim da ocupação norte-americana do Iraque e faz dos sapatos objetos simbólicos de protesto.
Aos mais de 200 advogados dispostos a defender gratuitamente Muntazer al-Zaidi, juntam-se milhares de iraquianos nas ruas das principais cidades. De sapatos na mão, em Bagdad, no campos universitário e nos bairros da capital, em Fallujah, em Diyala ou em Baquba as manifestações sucedem-se.
Fora do Iraque, também ecoam os protestos. No Líbano e na Palestina realizaram-se concentrações de apoio e solidariedade. Em Bilin e Nilin, na Cisjordânia, o habitual protesto semanal contra o Muro do Apartheid construído por Israel separando o território, revestiu-se a semana passada de uma dinâmica inovadora. No lugar das pedras, os palestinianos atiraram sapatos aos soldados ocupantes.
Já em Washington, a organização anti-guerra Code Pink promoveu uma concentração de apoio a Muntazer al-Zaidi e de repúdio a Bush, que acusam de «crimes de guerra» e, por isso, pretendem que seja julgado. Também na capital norte-americana, familiares e amigos de soldados mortos no Iraque empilham sapatos frente à Casa Branca.
Ainda no Médio Oriente, o Festival de Cinema do Dubai fica marcado este ano pela dedicatória da vencedora do prémio para o melhor argumento. «Dedico este prémio ao jornalista que atirou os sapatos a Bush», disse a realizadora palestiniana Annemarie Jacir, presente no certame com o filme «Sal deste Mar».

Efeito dominó

A par dos protestos, o efeito dominó provocado pelo gesto de al-Zaidi alarga-se, dos negócios ao entretenimento. Na Internet surgiram vários jogos que permitem atirar sapatos a Bush. Quanto aos negócios, a coisa parece bem mais séria, sobretudo para o fabricante dos sapatos de al-Zaidi.
O turco Ramazan Baydan, proprietário da Baydan Shoes Company diz já ter recebido mais de 300 mil encomendas do modelo mais famoso do mundo, de sua autoria, adianta, e agora rebatizado de «sapato de Bush».
Em declarações recolhidas pela imprensa turca, Baydan disse sentir-se orgulhoso por o modelo se ter «convertido num símbolo de democracia para o povo do Iraque».

Golpe falhado

Entretanto, no Iraque, a aproximação das eleições provinciais de Janeiro avolumam as tensões no seio do poder. No final da semana passada, pelo menos meia centena de funcionários do Ministério do Interior, entre os quais altas patentes do exército, desde tenentes a brigadeiros, foram detidos alegadamente por tentativa de golpe de Estado com o intuito de derrubar o governo.
O executivo de Nuri al-Maliki acusa os revoltosos de pertencerem ao Al-Awda (Regresso), grupo descendente do ilegalizado Partido Baas. Se o objetivo era de fato provocar a substituição do governo, ninguém o admite abertamente. O que já foi confirmado é que os insurrectos pretendem quebrar a ostracização a que foram levados desde 2003. No início deste ano, o parlamento de Bagdad votou uma lei que permite aos antigos membros do Baas regressar aos cargos públicos e ao funcionalismo estatal, mas os militantes e dirigentes da antiga formação política dominante no país parecem não se conformar com a falta de liberdade de ação e intervenção política.
Original em Avante

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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A crise capitalista numa perspectiva marxista

por Rick Wolff [*]


Em termos marxistas, a crise atual emergiu do funcionamento da estrutura de classe capitalista. A história do capitalismo revela repetidos booms, quebras e bolhas pontuais. Os ciclos do capitalismo variam de forma imprevisível desde o local e superficial até ao profundo, longo e global. Manter o capitalismo é sofrer a sua instabilidade crônica. Lidar efetivamente com as crises recorrentes do capitalismo implica a mudança para uma estrutura de classe não-capitalista. Desde meados dos anos 70 os salários médios reais dos trabalhadores [nos EUA] cessaram de subir. Isto deveu-se em parte à deslocação de trabalhadores pela computadorização da produção capitalista. Os capitalistas também decidiram mudar mais produção para países estrangeiros a fim de obterem maiores lucros. Como os empregadores passaram então a precisar de menos trabalhadores nos EUA, puderam e concretizaram o fim da subida histórica (1820-1970) dos salários americanos. Contudo, a produtividade dos trabalhadores continuou a subir (mais máquinas, mais pressão e mais técnica). Produziram sempre mais para os seus empregadores venderem, ainda que os empregadores não lhes pagassem mais por isso. A mais-valia extraída (explorada) pelos empregadores capitalistas – o valor em excesso produzido por cada trabalhador sobre o valor pago a esse mesmo trabalhador – subiu. Os últimos 30 anos foram a realização dos mais altos sonhos capitalistas. Contudo, salários estagnados e mais-valias crescentes também mergulharam o capitalismo americano na grave crise de hoje. Os principais capitalistas de hoje – os membros dos conselhos de administração corporativos – receberam a maior parte desse rápido aumento de mais-valias. A forma como as distribuíram molda a nossa história. Uma enorme porção foi para pagamentos a executivos de topo . Outra porção aumentou dividendos dos acionistas das corporações (que, afinal de contas elegeram as administrações). Outras porções ainda, financiaram a transferência de produção para fora do país, o avanço da computadorização para reduzir folhas de pagamentos e ainda lobbys para apoiar ações estatais favoráveis (ex: redução dos impostos para a empresas e permissão do aumento da imigração para baixar salários). As corporações depositaram mais-valias crescentes nos bancos. Os bancos cresceram e inventaram novos instrumentos financeiros para lucrar ainda mais com essas mais-valias. Novos instrumentos incluíram títulos como "obrigações de dívida colateralizada" (dívidas relativas a hipotecas, cartões de crédito, corporativas e empréstimos para estudantes); "credit default swaps" (seguros desses novos produtos); e outros "derivados" para distribuir os riscos da rápida multiplicação de novos instrumentos de crédito entre aqueles com mais-valias para investir. Devido a estes novos instrumentos operarem completamente fora das regulações existentes, num "sistema de crédito sombra" , cada vez maiores riscos foram assumidos para a obtenção de lucros cada vez maiores. Empresas especializadas como os hedge funds, surgiram para investir os crescentes mais-valias corporativos e fazer explodir os rendimentos de executivos nas sombras nebulosas da alta finança. Fizeram-se enormes lucros nos últimos 20 anos, mas a exuberância capitalista daí resultante, mais uma vez superou os seus limites. Os lucros financeiros dependiam da subida do aumento das mais-valias, que dependiam de salários estagnados. Os lucros financeiros também dependiam do reverso da medalha dos salários estagnados, nomeadamente dos maciços empréstimos contraídos pelos trabalhadores . Como o aumento do consumo tornou-se a medida do êxito pessoal na vida, a estagnação dos salários desde os anos 70 tornou a maioria dos trabalhadores americanos extraordinariamente vulneráveis às novas ofertas de crédito para consumo. Entram aí os bancos, implacavelmente, a oferecerem cartões de crédito, empréstimos sobre a situação líquida das casas hipotecadas, empréstimos a estudantes e muito mais. Os trabalhadores endividaram-se numa soma recorde. Os bancos empacotaram essas dívidas em novos títulos (os agora infames produtos MBS e CDO) e venderam-nos a todos os que procuravam investir seu mais-valias crescentes. Efetivamente, o capitalismo americano substituiu assim o aumento dos salários pelo aumento dos empréstimos aos trabalhadores. Tirou-lhes duas vezes: em primeiro lugar, o mais-valia que o seu trabalho produziu; em segundo lugar, o juro sobre as mais-valias emprestadas de volta aos mesmos. Este duplo esmagamento dos trabalhadores foi o fundamento do boom americano entre os anos 70 até 2006. Finalmente, a ascensão dos custos deste duplo esmagamento estrangulou o boom. O endividamento crescente das famílias significava que doenças, perdas de emprego e divórcios somavam-se agora, agravando-a, a tragédia dos incumprimentos de dívidas. A subirem firme e ameaçadoramente ao longo de 2007, os incumprimentos sobre cartões de crédito, empréstimos para automóveis, empréstimos para estudantes e hipotecas levantaram voo em 2008. As novas espécies de títulos baseados nas dívidas dos trabalhadores começaram a perder valor nos mercados. Bancos, hedge funds, e outros titulares desses produtos enfrentavam perdas crescentes. As corporações que seguraram estes títulos através de credit default swaps, etc não puderam pagar quando o valores de muitos deles entraram em colapso. Os bancos tinham de usar o dinheiro dos seus depositantes e tomarem emprestado ainda mais para comprar tais títulos. As perdas dos bancos impediam-nos de reembolsar aqueles empréstimos ou garantir o dinheiro dos seus depositantes. Os mercados financeiros congelaram quando prestamistas e prestatários deixaram de confiar uns nos outros e reduziram drasticamente as transações. A quebra seguiu-se à bolha após o boom, mais uma vez. Os conselhos de administração corporativos americanos haviam tomado três medidas interligadas para produzir esta seqüência. Congelaram o salário real dos trabalhadores, extraíram demasiado mais-valia da sua produtividade crescente, e distribuíram essas mais-valias crescentes de formas cumulativamente insustentáveis. A exuberância capitalista irracional mais uma vez extravasou os seus limites. O sistema capitalista de produção e distribuição de mais-valias demonstrou-se mais uma vez fundamentalmente propenso a crises. Se este sistema capitalista tivesse sido substituído por outro, um em que os trabalhadores que produziram a mais-valia em cada empresa também funcionasse como o apropriador e distribuidor coletivo dessas mesmos mais-valias, a história dos Estados Unidos desde os anos 70 teria sido muito diferente. Trabalhadores que se apropriassem da sua própria mais-valia provavelmente NÃO congelariam os seus salários reais (consequentemente não haveria explosão da dívida relativa ao consumo). Trabalhadores que coletivamente se apropriassem da sua própria mais-valia provavelmente NÃO dariam imensos novos pagamentos aos administradores de topo. A distribuição do rendimento pessoal portanto NÃO se tornaria tão desigual ao longo dos últimos 30 anos. Trabalhadores que se apropriassem da sua própria mais-valia NÃO aplicariam imensas porções da mesmo para transferir os seus empregos para o outro lado do oceano. E por aí afora. É claro que uma tal estrutura de classe teria suas próprias contradições e problemas. Iria interagir com instituições políticas de maneiras diferentes da forma como o fazem nas estruturas de classe capitalistas. Igualdade de sexo, sustentabilidade ambiental e muitos outros problemas ainda precisariam de atenção, mas não seriam agravados, entretanto, pelo duplo esmagamento acima mencionado. Assim, as questões urgentes são: Irão as respostas a esta última crise capitalista continuar a ignorar ou a negar o papel da estrutura de classe no capitalismo? Será que a causa da crise – a permissão dada aos conselhos de administração capitalistas para se apropriarem e distribuírem mais-valias – permanecerá não reconhecida? Se assim for, as perdas pessoais, políticas, econômicas e culturais infligidas por esta mais recente crise capitalista falharão no ensino da lição chave: a solução genuína exige progresso para além da estrutura de classe capitalista.
[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst.

Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (com Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).

Tradução de José Magalhães .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


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domingo, 21 de dezembro de 2008

Mulheres protestam contra criminalização do aborto durante a XI CNDH

Em protesto à estratégia de criminalização e perseguição das mulheres com a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do aborto e o processo envolvendo cerca de 10 mil mulheres do Mato Grosso do Sul, indiciadas pelo crime de aborto, os movimentos de mulheres denunciaram - diante de entidades nacionais dos direitos humanos, que participavam da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos (CNDH) – as violações aos direitos humanos das mulheres.

Os movimentos de mulheres vivem intensa perseguição e criminalização das mulheres, reforçada e legitimada pela recente criação da CPI do aborto pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, e o processo envolvendo quase 10 mil mulheres em Campo Grande-MS, pela suposta prática de aborto, tendo suas vidas e intimidades expostas. Essas atitudes reforçam a estratégia de criminalização e perseguição às mulheres e aos movimentos sociais, configurando uma verdadeira violação aos direitos humanos e contrariando o que preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos.



Relatório aponta violações sofridas por 10 mil mulheres investigadas pela prática de aborto em MS



Entidades entregam ao ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, e a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), durante a XI CNDH, relatório que aponta violações sofridas por 10 mil mulheres investigadas pela prática de aborto
O relatório “Processos judiciais envolvendo abortamento: Negação dos direitos reprodutivos das mulheres em Mato Grosso do Sul”, que mostra as irregularidades na ação policial com a apreensão e manuseio dos prontuários médicos e o posterior processamento das mulheres em Campo Grande. O relatório será lançado nesta terça-feira, 16 de dezembro, às 16h30h, em Brasília. No processo são violados o direito à privacidade, o direito à saúde, à liberdade, e ao devido processo legal, entre outros direitos, previstos na Constituição Federal e nos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Os agentes policiais não respeitaram a privacidade das mulheres, não impediram a exposição indevida do conteúdo das fichas médicas e o seu manuseio por pessoal não qualificado. A legislação brasileira prevê procedimento específico para a investigação de registros médicos de pacientes, exigindo que as autoridades judiciais apontem um especialista para manusear os prontuários, com o objetivo de preservar o sigilo médico. Ignorando este procedimento, a polícia utilizou os registros médicos apreendidos de forma ilegal para investigar criminalmente milhares de mulheres suspeitas de terem se submetido a abortamentos ilegais.
Estes acontecimentos afetaram as vidas de milhares de mulheres que, hoje, estão sob investigação. Setenta delas já receberam sua sentença, e outras mais são acusadas diariamente. Muitas que ainda não foram processadas vivem com medo de serem investigadas criminalmente, podendo ter a sua vida privada revelada para suas famílias, seus colegas de trabalho ou o público de forma geral. Atualmente, a polícia planeja investigar cerca de duas mil mulheres cujos casos ainda não estariam prescritos.O relatório foi organizado pelo Ipas Brasil a partir de visitas de campo a Campo Grande e baseia-se em entrevistas com pessoas-chave envolvidas no caso, em documentos oficiais e na imprensa, pesquisados e sistematizados por um grupo de entidades e redes que atuam pela promoção e defesa dos direitos reprodutivos: Antígona/CLADEM – Comitê Latino Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher, CCR - Comissão Cidadania e Reprodução, CFEMEA, Ipas Brasil, Themis, Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Reprodutivos e Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro.

Questão de saúde pública tratada como questão de polícia



A interrupção da gravidez é um grave problema de saúde pública e de direitos humanos no Brasil. Apesar de o Código Penal brasileiro criminalizar o procedimento, estima-se que ocorram 1.054.243 abortamentos a cada ano no país. O abortamento inseguro está entre as principais causas de mortalidade materna. Aproximadamente 250.000 mulheres são atendidas anualmente nos hospitais brasileiros com complicações decorrentes de abortamentos inseguros.
A criminalização do aborto tem um efeito perverso na saúde pública e não previne a sua prática. O caso de Mato Grosso do Sul é emblemático e demonstra que o Estado deve buscar resposta fora da esfera penal para lidar com a questão.

Original em CFEMEA


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Líderes da América Latina pedem fim de embargo a Cuba

Líderes dos países da América Latina e do Caribe reunidos na Costa do Sauípe, na Bahia, pediram nesta quarta-feira o fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos.

Em uma declaração divulgada ao final da Cúpula da América Latina e do Caribe, os representantes dos 33 países reunidos pediram o fim das sanções impostas a Cuba desde 1962.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, chegou a pedir aos líderes latino-americanos que expulsem os embaixadores americanos de seus países até que os Estados Unidos suspendam o embargo.

Na noite de terça-feira, uma reunião extraordinária formalizou a entrada de Cuba no Grupo do Rio. A decisão já havia sido aprovada em reunião ministerial no México, em novembro.

"Não sei o que pensarão vocês, mas, para nós, é um momento transcendental de nossa história", disse o presidente de Cuba, Raúl Castro.

O presidente Lula saudou o "retorno" de Cuba e disse que o ingresso do país no grupo é conseqüência das mudanças políticas e ideológicas vividas pela América Latina nos últimos anos.

Com a entrada de Cuba, o grupo criado em 1986 passa a ter a participação de 19 países da América Latina mais a Comunidade do Caribe.

Crise

Os dois dias de encontro na Bahia foram marcados também por discussões sobre a crise financeira mundial.

O presidente do Equador, Rafael Correa, propôs ao Mercosul a criação de um fundo regional de reservas para enfrentar a crise.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os países da região devem se unir para enfrentar a crise e ter maior participação nas decisões internacionais.

Segundo Lula, os países devem tentar evitar que "a crise nascida no seio dos países ricos" atinja com força os países que não a provocaram.

O presidente afirmou ainda que, com a crise, os países da região estão descobrindo oportunidades entre si.

"O que estamos descobrindo é que, entre nós, existem outras oportunidades que até então não conhecíamos, não discutíamos, porque era muito mais fácil recorrer ora aos Estados Unidos, ora à União Européia", disse.

Defesa

A cúpula na Bahia foi a primeira em que os países da região se reuniram sem a presença de representantes dos Estados Unidos ou da União Européia.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse que a cúpula é uma demonstração de que os Estados Unidos "não mandam" na região e sugeriu a realização do encontro a cada um ou dois anos.

Além da Cúpula da América Latina e do Caribe e da reunião do Grupo do Rio, foram realizadas também a reunião de chefes de Estado do Mercosul e um encontro extraordinário da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

No encontro de terça-feira, os países da Unasul aprovaram a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, proposta do Brasil que havia sido apresentada formalmente ao grupo em maio.

A Unasul também aprovou a criação do Conselho Sul-Americano de Saúde. No entanto, a escolha do secretário-geral do bloco foi adiada para abril.

Uruguai e Argentina divergem sobre o tema, e o governo uruguaio chegou a considerar a hipótese de abandonar o grupo caso a Argentina insista no nome do ex-presidente Néstor Kirchner como candidato ao cargo.

Original em Portal do MST


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sábado, 20 de dezembro de 2008

Militantes são espancados e presos durante manifestação no Rio contra leilão do petróleo

APNDa Agência Petroleira de Notícias



Cerca de 50 feridos e três pessoas detidas. Esse é o saldo deixado pela violenta reação da Polícia Militar do Rio de Janeiro e da Guarda Municipal, durante uma manifestação pacífica, ocorrida por volta de meio dia, nesta quinta-feira (18/12), na Avenida Rio Branco, em protesto contra a 10ª Rodada de Licitação do Petróleo.Depois de receberem uma ordem de despejo, ontem à noite (17/12) para desocupar o Edifício Sede da Petrobrás, no Rio, os manifestantes – cerca de 500 pessoas - dirigiram-se para a Candelária, que fica perto da ANP (Agência Nacional do Petróleo), responsável pela realização dos leilões das áreas petrolíferas. Em seguida, a manifestação prosseguiu pela Avenida Rio Branco, em direção à Cinelândia.A violenta reação da Polícia Militar e da Guarda Municipal surpreendeu os manifestantes que foram espancados durante toda a caminhada pela Avenida Rio Branco. Até agora os organizadores da manifestação, convocada pelo Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás, que reúne dezenas de entidades, confirmam a detenção de três pessoas: Emanuel Cancella, coordenador do Sindipetro - RJ (Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro); Gualberto Tinoco (Piteu), da Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas): Thaigo Lúcio Costa, estudante de jornalismo da Universidade de Santa Cecília, de Santos. Dentre os feridos, está hospitalizado, com um corte na cabeça, no Souza Aguiar, o diretor do Sindipetro-RJ Eduardo Henrique Soares da Costa. Um militante do MST quebrou o braço, ao ser espancado pela PM. As entidades que compõem o Fórum ainda estão fazendo o levantamento do número de feridos e estão tentando localizá-los. Muitos ainda não foram encontrados.Desde a ordem de despejo, vinda da presidência da Petrobrás, ontem à noite, os manifestantes sentiram a animosidade das forças de repressão, mas não esperavam ação tão agressiva, contra uma simples manifestação de protesto. Um dos detidos, o coordenador do Sindipetro-RJ, Emanuel Cancella, declarou:“Nós acabamos de viver um momento que remonta à sombria época da ditadura militar. O Capitão Moreira me deu ordem de prisão, mesmo eu dizendo que era advogado. Ele bateu muito em mim. Algemou o Pitel e o estudante e os policiais feriram gravemente nosso companheiro Eduardo Henrique”. Emanuel Cancella está com um braço fraturado e costelas. Por de 14 horas estava concluindo o seu depoimento na 1ª DP, na Rua Relação, 42. Logo seria encaminhado para exame de corpo delito. A partir das 14h30, a Rádio Petroleira transmitirá flashes ao vivo.Participavam da manifestação no Rio, parte de uma jornada de Lutas pela suspensão do leilão do petróleo, iniciada desde o dia 14 – no dia 15, houve a ocupação do Ministério das Minas e Energia, em Brasília, pela Via Campesina e petroleiros – representantes de dezenas de entidades que compõem o Fórum, dentre as quais: Sindipetro-RJ, Sindipetro-Litoral Paulista, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) , MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados), FIST (Federação Internacionalista dos Sem Teto), FOE (Frente de Oposição de Esquerda da União Nacional dos Estudantes), as centrais sindicais Conlutas, Intersindical e CUT, a FUP (Federação Única dos Petroleiros), a FNP (Frente Nacional dos Petroleiros), o Centro Estudantil de Santos, movimentos de estudantes secundaristas do Rio de Janeiro. A campanha “O Petróleo Tem que ser nosso” continua.Veja a cobertura completa na página da Agência Petroleira de Notícias

MOÇÃO CONTRA AÇÃO VIOLENTA DA POLÍCIA DURANTE MANIFESTAÇÃO DO PETRÓLEO NO RIO

Para assinar essa moção, mande um e-mail para APN: agencia@apn.org.br

As entidades abaixo assinadas vêm repudiar a violenta e desastrosa ação da polícia militar e da guarda municipal do Rio de Janeiro, que deixou cerca de 50 feridos e três pessoas detidas durante uma manifestação pacífica, por volta de meio dia, da quinta-feira dia 18/12, na Avenida Rio Branco,em protesto contra a 10ª Rodada de Licitação do Petróleo.Depois de receberem uma ordem de despejo na noite do dia 17 para desocupar o Edifício Sede da Petrobrás, as 500 pessoas presentes na manifestação retornaram na manhã do dia 17, para a Candelária, que fica perto da Agência Nacional do Petróleo (ANP), responsável pela realização dosleilões das áreas petrolíferas. Em seguida, a manifestação prosseguiria pela Avenida Rio Branco, em direção à Cinelândia.A violenta reação da Polícia Militar e da Guarda Municipal surpreendeu os manifestantes que foram espancados durante toda a caminhada pela Avenida Rio Branco. Até agora os organizadores da manifestação, convocada pelo Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás, que reúne dezenas de entidades, confirmam a detenção de três pessoas: Emanuel Cancella, coordenador do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ); Gualberto Tinoco (Piteu), da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas): Thiago Lúcio Costa, estudante de jornalismo da Universidade de Santa Cecília, de Santos. Dentre os feridos, esteve hospitalizado, com um corte na cabeça, no Souza Aguiar, o diretor do Sindipetro-RJ Eduardo Henrique Soares da Costa. Um militante do MST quebrou o braço, ao ser espancado pela PMDesde a ordem de despejo, vinda da presidência da Petrobrás os manifestantes sentiram a animosidade das forças de repressão, mas não esperavam ação tão agressiva, contra uma simples manifestação de protesto.A ação absurda da polícia remonta à sombria época da ditadura militar, impedindo a liberdade de manifestação e o democrático direito de defesa da soberania nacional e dos recursos naturais brasileiros. Por esse motivo repudiamos a ação violenta da polícia e exigimos imediato fim dacriminalização dos movimentos sociais.

Sindipetro-RJ

Sindipetro-Litoral Paulista

MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)

MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados)

FIST (Federação Internacionalista dos Sem Teto)

FOE (Frente de Oposição de Esquerda da União Nacional dos Estudantes)

Conlutas

Intersindical

CUT

Federação Única dos Petroleiros (FUP)

Frente Nacional dos Petroleiros (FNP)

Centro Estudantil de Santos

Movimentos de estudantes secundaristas do Rio de Janeiro

Original em MST


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Que venha o jornalismo

Elaine Tavares *

O Jornalismo no Brasil é uma vergonha. Quase tudo o que se vê na TV ou se lê nos jornais e revistas semanais pouco tem a ver com a vida das gentes. As fontes são as oficiais e raros são os que se aventuram pelas estradas vicinais, poeirentas, da vida real. Melhor é ficar no gabinete, nas salas acarpetadas, com ar condicionado, a sorver cafezinho e ouvir, reverente, a voz do poder. Isso dá muito mais lucro. Pode colocar um jornalista nas graças dos que mandam. Isso significa verbas adicionais e fama. Quem não quer?
O ser humano normal sonha com isso. Trabalhar na Globo, aparecer em rede nacional, ser reconhecido no supermercado. E, de quebra, ainda ter uma boa poupança para os tempos difíceis. Para isso, só vale uma regra: não brigar com o poder. Servilismo, servidão. Dar murro em ponta de faca pra quê? Bobagens de quem não tem família para sustentar.
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Pois o jornalista iraquiano Muntadar al-Zeidi fez o improvável. Ele não escreveu qualquer matéria, não ficou perdido entre anotações, não usou câmera escondida, não foi para frente de batalha, não mergulhou em documentos, sequer narrou a vida desgraçada dos seus compatriotas, acossados pela ganância estadunidense. Ele apenas arremessou um sapato contra o rei. Numa situação absolutamente normótica, quando os jornalistas se aglomeram para fazer perguntas idiotas a um energúmeno completo como é o presidente estadunidense, sem que absolutamente seja aventada qualquer possibilidade de um questionamento embaraçoso paro o poder, o homem, jornalista, explodiu.
Não era terrorista, nem homem-bomba, nem nada. Só uma pessoa, cansada de servir àquele que nada mais era do que um gangster de terceira classe. Mas que, por tanto tempo nos píncaros da gloria, comandando o exército mais poderoso da terra, havia de ser temido. E assim, não bastando ter destruído toda a cultura do Iraque, matado sua gente, destruído sua auto-estima, massacrado sua honra, ainda se deu ao luxo de ir dizer "goodbay". Tripudiava, pisoteava, humilhava um pouco mais aquele povo que até hoje, passados cinco anos, ainda morre pelo simples fato de ser o que é.
O jornalista não ouviu os dois lados, não contou histórias, não checou informações. Ainda assim merece ganhar todos os prêmios do mundo. E por quê? Porque num tempo em que o normal é servir ao poder ele disse: Não! Sem armas, mas sem medo, ele usou o que mais prosaico se poderia usar, o sapato. E, num ato de digna raiva o arremessou contra o boneco estadunidense, que tal e qual um estúpido, ria sem entender a grandeza do gesto. O jovem iraquiano que aos gritos de "cachorro", tentou atingir o presidente do país mais armado da terra, ficará eterno ao protagonizar uma hora histórica. No lugar improvável, entre os serviçais, ele se levantou e arremessou o sapato. Um gesto pueril, inglório, tolo, mas que redimiu parte da humanidade.
Não é sem razão que pelo mundo todo seu gesto ingênuo esteja sendo saudado como a maravilha das maravilhas. Porque no planeta dos escravos de Jó teve um que decidiu sair da casinha do jornalismo cortesão e dizer ao mundo a palavra aprisionada: "cachorro!", que, pensando bem, é uma ofensa contra esses lindos animais.. Vai-te para o inferno George Bush, porque, como já dizia Ali Primera "hermano de mi pátria usted no es".
Foi bonito, foi redentor, mas, e agora? Será diferente com Obama? É diferente dos demais carrascos? Trará paz ao mundo? Acabará com Guantánamo? Findará a tortura? Deixará de ingerir sobre a vida das gentes nos países que têm riquezas para eles roubarem? Duvido muitíssimo!
O bravo jornalista do Iraque enfrentou a ira dos deuses e está a receber aplausos de todos os cantos do mundo. Legal, isso é bom. Mas, quisera eu que os coleguinhas do mundo todo principiassem a realizar o insólito, tal qual o iraquiano, não atirando sapatos, mas narrando a vida, a vida mesma, essa que escorre pelos dedos da história real e que não encontra espaço para se expressar.
Sim, foi orgástico ver o sapato voando. Talvez fosse tudo o que aquele homem pudesse fazer. Mas nós, aqui na terrinha, podemos mais do que um sapato no ar. Nós podemos contar da vida, dos podres do poder, da dominação. Nós podemos narrar o horror do cotidiano e mais, nós podemos anunciar a boa nova. Outras formas há de se viver no mundo. Boas e bonitas. Os atiradores de sapatos são bem vindos, sim, mas é chegada a hora dos Jeremias a insistir contra todo o bom senso: "ainda hão de nascer flores neste lugar". Viva o jornalista iraquiano que arremessou os sapatos, mas vivam também os loucos que, a despeito de tudo, jogam a merda do capital no ventilador. Eles não aparecem em rede nacional, mas estão aí, insistindo e lutando. Há mais sapatos voando por aí do que pode sonhar nossa vã filosofia!
* Jornalista

Original em Adital
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México, América Central e violações de direitos humanos

Tradução: Adital
Por Laura Carlsen - Diretora do Programa das Américas na Cidade do México.

Migração e globalização*

Com a crise econômica global, as premissas da globalização estão na mira de todos. As profundas contradições do modelo de "vantagens comparativas" e exportação como motor de desenvolvimento têm sido expostos por uma das piores crises da história que, segundo os estudiosos, todavia não chegou ao fundo.
Os fatos levam à necessidade de fazer um balanço imparcial deste modelo de globalização. Entre as consequências a ser avaliadas, a migração é um estudo obrigatório a ser feito no México.
O México é o primeiro exemplo de um país pobre que se integrou com um país rico. Os promotores do Tratado de Livre comércio da América do Norte (em inglês, Nafta), asseguraram que o resultado seria um processo gradual de convergência entre as duas economias e uma diminuição da migração do México para os Estados Unidos.
Aconteceu ao contrário. A partir do Nafta, o número de mexicanos buscando trabalho nos EUA disparou. Agora, mais de 10 milhões de migrantes -com e sem documentos- vivem do outro lado da fronteira.
Apesar do marcado incremento no comércio, o acordo comercial não gerou os empregos previstos. E o mais grave, as importações dos EUA provocaram o desemprego de trabalhadores do campo e de pequenas e médias empresas. Calcula-se que uns dois milhões de camponeses deixaram a produção agrícola. Muitos deles migraram.
Migração e movimento da força de trabalho não formaram parte do Nafta. Enquanto o translado transfronteiriço de bens é facilitado, a resposta ao aumento nos fluxos migratórios tem sido a criminalização das/os migrantes e a construção do infame muro fronteiriço. Desde 1994, uns 5 mil migrantes foram mortos na tentativa de cruzar a fronteira.
Nos primeiros dois anos de governo de Felipe Calderón, o México tornou-se um "foco vermelho", por ser um país acostumado a ‘expulsar’ migrantes e devido ao tratamento dado aos migrantes centro-americanos na fronteira sul. As organizações de migrantes mexicanos nos Estados Unidos acusam o governo mexicano de não defender os direitos de seus cidadãos, devido à sua subordinação ao governo estadunidense e pelo alto grau de dependência econômica. Também criticam a falta de programas de geração de trabalho digno.
Quanto à sua fronteira sul, o relator de direitos humanos para a ONU, o mexicano Jorge Bustamante, conclui: "Cometemos violações dos direitos humanos contra os centro-americanos de maneira igual ou pior ao que é dado pelos estadunidenses aos mexicanos".
Na globalização, o número de centro-americanos que migram para os EUA sobe a cada ano e suas economias dependem das remessas que estes enviam a suas famílias. Bustamante informa que, em sua passagem pelo território mexicano, os migrantes são "torturados, humilhados e extorquidos" por uma "rede criminosa" integrada por membros das forças armadas, da polícia e por funcionários corruptos.
As violações dos direitos humanos derivam da adoção de um enfoque de controle fronteiriço na política migratória. O governo de Bush tem pressionado o governo mexicano para parar a migração de centro-americanos que vão para os Estados Unidos, como parte de uma estratégia mais ampla de "empurrar para fora" seu próprio perímetro de segurança - isto é, de impor sua estratégia de segurança nacional a seus sócios norte-americanos.
Esta extensão do Nafta à área de segurança está formalizada pela Aliança para a Seguridade e Prosperidade da América do Norte (ASPAN) e pela Iniciativa Mérida - um pacote de ajuda militar/policial que inclui medidas fronteiriças para controlar "o fluxo de bens e de pessoas ilegais".
O agora desacreditado modelo de globalização considera os migrantes como uma ameaça à segurança nacional, ao mesmo tempo em que suas políticas comerciais atiram milhares de pessoas à travessia mais perigosa de suas vidas. Os milhões de dólares destinados a deter e deportar os migrantes deveriam ser canalizados para uma estratégia regional voltada para a geração de emprego digno. É hora de revisar os Tratados de Livre Comércio que cerram oportunidades de emprego nos países de origem. Se não, a crise de direitos humanos para os migrantes se aprofundará com a crise econômica.

*Esse artigo foi publicado originalmente em La Estrella de Panamá


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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Trabalhadores reagem contra chantagem patronal

A crise econômica mundial é o pretexto para a nova ofensiva patronal contra os direitos dos trabalhadores. Nos últimos meses, o crescimento econômico favoreceu a luta operária; o desemprego diminuiu e algumas categorias tiveram conquistas, principalmente salariais.

Esse ambiente favorável havia enfraquecido as armas usadas pelos patrões para chantagear os trabalhadores e impor perdas de direitos sociais. Mas a burguesia nunca desistiu de sua ofensiva nem arquivou seus programas de ''flexibilização'' da legislação.

O presidente da Vale, Roger Agnelli, atacou pela imprensa - e, diz ele, em conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - as leis trabalhistas. Ele quer a ''suspensão de contrato de trabalho, redução da jornada com redução de salário, coisas assim''. ''Seria algo temporário, para ajudar a ganhar tempo enquanto essa fase difícil não passa''.

O governo tucano de José Serra tem pretensões semelhantes, e a Secretaria do Emprego e das Relações do Trabalho divulgou a proposta de criar um programa emergencial de seguro desemprego e suspender temporariamente o contrato de trabalho nas empresas em dificuldades.

Passando das palavras aos fatos, a fabricante de vagões ferroviários Amsted-Maxion demitiu cerca de 1.500 operários nas cidades paulistas de Osasco, Hortolândia e Cruzeiro (nesta, há outros 200 sob ameaça do facão patronal). E infringiu a lei ao incluir entre os demitidos, trabalhadores que têm estabilidade ou que sofreram doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.

A chantagem é nítida. No caso da Vale, a empresa teve dois anos de lucros líquidos estratosféricos: 13,4 bilhões de reais em 2006 e 20 bilhões em 2007. Mesmo assim, é ré num crescente número de processos trabalhistas (que já supera oito mil, incluindo as empresas terceirizadas!) na Justiça do Trabalho do Pará.

No caso da Amsted-Maxion, é difícil acreditar que os efeitos da crise já tenham batido à sua porta, justificando ações preventivas contra ela. É sabido, entre os sindicalistas, que fabricantes de bens de capital (como ela) tendem a ser os últimos afetados pela simples razão de que não produzem para o mercado de consumo direto, como as demais empresas, mas sob contratos efetuados com fabricantes de produtos finais, contratos protegidos por pesadas multas.

Além disso, existem as linhas de crédito oferecidas pelo governo justamente para manter a produção e o nível de emprego, que beneficiam as empresas.

Tudo isso fundamenta a forte percepção de que demissões e pretensões de eliminar direitos trabalhistas não passam da costumeira chantagem patronal contra os trabalhadores e o governo - que sinalizou que não vai se envolver nesta questão, mas deixá-la para a negociação entre patrões e operários. ''Quanto mais distância o governo tiver da relação entre capital e trabalho, melhor'', disse Lula. ''Eles sentam à mesa e encontram um acordo''.

Neste jogo a luta dos trabalhadores é central. A resposta para a chantagem patronal foi rápida: na Amsted-Maxion, no dia 15, cruzaram os braços pela reintegração dos trabalhadores dispensados.

A greve, disse o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves (Juruna), ''é uma importante demonstração de força para os trabalhadores verem que é possível resistir'', que ''é possível levantar a cabeça''. A orientação é clara: onde houver demissões, ''toda a categoria vai entrar em greve'', disse. ''Os trabalhadores não vão pagar por uma crise econômica que não é sua''.

Esta orientação é partilhada pelas demais centrais, entre elas a CUT e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) que, no documento entregue ao governo, no início do mês, defenderam a garantia do emprego como condição para as empresas em dificuldades obterem empréstimos de emergência nos bancos oficiais.

Ao contrário do que pretendem Roger Agnelli, os patrões e o governo tucano de São Paulo, os trabalhadores querem manutenção dos empregos e redução da jornada de trabalho sem diminuição dos salários para fortalecer o mercado interno e permitir o enfrentamento da crise avançando, e não andando para trás.

Original em Vermelho


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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Faltou um divã para FHC?

Deve ter sido muito doloroso para o “príncipe uspiano” descobrir que a sociedade nova não só estava com Lula como, após seis anos de governo, continua a apoiá-lo. Como nunca antes na história desse país.
Gilson Caroni Filho

No dia em que saem mais duas pesquisas dando conta da aprovação recorde do governo e do aumento da popularidade do presidente, o que deve calar mais fundo na oposição é a lembrança do passado recente. E o quanto os seis anos de governo petista representaram de ruptura com ele. Das prioridades internas, com ênfase no mercado interno e nas políticas redestributivas, à inserção externa soberana e bem orientada, as mudanças foram por demais substantivas para serem ignoradas. Assim, é hora de, no final de 2008, relembrarmos o ocaso de um governo que levou o país à bancarrota.Vivíamos o ano de 1999. Num quadro de crise de ideologias, de fim de utopias, de aumento de desemprego, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deitava falação sobre as mudanças ocorridas no Brasil. Detectava o surgimento de uma nova sociedade e acreditava que a parte moderna dela iria aderir ao projeto neoliberal. Aquele em que a arquitetura política era vista como defeituosa e as virtudes deveriam ser creditadas aos agentes do mercado, os empreendedores, “heróis” do capitalismo de massa, que deixariam perplexos tanto a esquerda quanto a direita conservadora. Seriam eles "os heróis de nossa gente", filhos do "silêncio" e do "medo da noite".Correto ao diagnosticar as transformações em curso no país, FHC se equivocava em acreditar que os novos e emergentes setores da sociedade, quando se organizassem efetivamente, apoiariam seu projeto de reformas. Como bem destacou, na época, a cientista política Maria Vitória Benevides, as afirmações de que a crise de representação era algo novo no país e a de que os movimentos sociais, em especial o MST, estavamenfraquecidos eram falácias tão gritantes que deixavam no ar uma impressão de bonapartismo sugerido. O que o ex-presidente insinuava era que o velho não estava com ele, mas o novo só não o apoiava por falta de organicidade. A incapacidade de pensar o país foi a marca do governo tucano.O cenário era desolador. O ambiente pós-desvalorização ficou confuso. Sem crescimento, não se recuperava o nível de emprego. O desemprego que explodiu em janeiro de 1998 por causa da crise asiática, não dava sinais de reversão. A combinação de queda na renda e desemprego atingia o setor produtivo. O comércio registrava perdas expressivas durante 18 meses. Com vendas fracas, indústria e comércio tendiam a segurar os preços, deixando claro que só com ambiente recessivo o governo tucano conseguia reduzir a taxa de inflação. Diante disso, é possível falar em continuidade de modelo?Nesse quadro, os partidos de apoio ao Governo-PSDB, PFL (DEM) e parte expressiva do PMDB - atribuíam à falta de comando do então presidente as disputas e brigas na base aliada. O distanciamento de Fernando Henrique do dia-a-dia da política e a crise econômica minaram sua autoridade, e resultado foi um verdadeiro tiroteio entre os principais políticos desses partidos. Aécio Neves, lembram disso?, se dizia inconformado com o processo de privatização de Furnas. No PFL, a comoção se dava por conta da não nomeação do ex-ministro Luiz Carlos Santos para nenhum cargo, depois de lhe terem prometido a presidência da BR Distribuidora. No PMDB, o desconforto foi causado por uma promessa não cumprida de FHC a Michel Temer de nomear um amigo do ex-presidente da Câmara para a direção da Petrobrás. O acúmulo de ressentimentos sinalizava para uma conclusão melancólica de governo.As digressões de Fernando Henrique soavam a alheamento da realidade. Pior, uma fuga dela pelo discurso diletante. A situação se apresentava como nunca antes navegada: a impopularidade do presidente era maior que a do seu Governo, o real se contaminava com tudo isso e a bloco de poder contemplava a rota de afastamento. E nenhum jornal pensou em chamar um psicanalista para analisar um presidente em seu ocaso. Ou ouvir a população que, ao reprová-lo, mostrava não fugir da realidade. Um Jacob Pinheiro Goldberg para falar em “mecanismos de negação freqüente quando se enfrenta uma situação de impotência".Afinal, deve ter sido muito doloroso para o “príncipe uspiano” descobrir que a sociedade nova não só estava com Lula como, após seis anos de governo, continua a apoiá-lo. Como nunca antes na história desse país.

Original em Carta Maior



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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Iraquianos festejam nas ruas sapatada em Bush

Com as duas sapatadas desferidas pelo patriota Muntadar Al Zaidi, a encenação de Bush-Maliki foi para o vinagre. Ou, como destacou uma das organizações integrantes da Re- sistência iraquiana, foi um “referendo contra o acordo”.
Manifestações em Bagdá, Najaf, Faluja, Basra e outras cidades iraquianas comemoraram na segunda-feira dia 15 as sapatadas do jornalista Muntadar Al Zaidi no criminoso de guerra George W. Bush, em pleno QG da ocupação, na Zona Verde da capital iraquiana. “Toma o beijo da despedida, seu cachorro”, gritou Al Zaidi ao arremessar o primeiro sapato, que quase atingiu W. Bush, que teve de dar um mergulho, para escapar. Pouco antes, Bush havia enaltecido a escalada da invasão nos últimos meses, e dito que sua viagem era “o beijo de despedida” ao Iraque. Nos países árabes, o arremesso de um sapato é um dos maiores insultos que podem ser feitos.


“PELAS VIÚVAS E ÓRFÃOS”

Logo em seguida, o jornalista arremessou seu segundo sapato, e gritou que esse era “pelas viúvas, pelos órfãos e por aqueles que foram mortos no Iraque”. O sapato passou zunindo pela cabeça de W. Bush - que se abaixou às pressas enquanto o primeiro-fantoche Nuri Al Maliki tentava dar uma de zagueiro -, e ainda pegou em cheio na bandeira dos EUA atrás deles. A motivação de Bush para ir a Bagdá era a aprovação, pelo governo e parlamento fantoche, do acordo, ditado pelo Pentágono, que, em nome de marcar a retirada, “autoriza” presença militar permanente dos EUA no país (um corolário da lei de pilhagem do petróleo).
Mas, com as duas sapatadas desferidas pelo patriota Al Zaidi, a encenação Bush-Maliki foi para o vinagre. Ou, como destacou uma das organizações integrantes da Resistência iraquiana, foi um “referendo contra o acordo”. O vídeo da humilhante situação de Bush se abaixando para escapar dos sapatos correu mundo, e até virou joguinho na internet: acerte uma sapatada nele. Poucas vezes a impotência do invasor e seus lacaios, mesmo dentro da sua fortaleza, a Zona Verde, ficou tão patente. Ergueram muradas e mais muradas, inúmeros postos de checagem, e chega um patriota, com um par de sapatos, e coloca a invasão a nu. A ponto da mídia imperial se ver obrigada a registrar que as sapatadas marcam o melancólico fim do governo Bush.
Na manifestação na capital, um avantajado sapato acompanhava o letreiro: “fora EUA”. Milhares de pessoas, empunhando bandeiras iraquianas – daquelas que invasores e fantoches vivem tentando abolir –, exigiram a retirada imediata das tropas dos EUA e a libertação do jornalista. “Bush, Bush, ouça bem: dois sapatos em sua cabeça”, gritava a multidão. No mundo inteiro, e mais ainda, entre os povos árabes e islâmicos, Al Zaidi foi acolhido como herói. Após seu gesto, o jornalista foi agarrado e espancado ali mesmo por agentes americanos e colaboracionistas, e retirado do local. Há notícias de que foi levado para o campo de concentração dos EUA junto ao Aeroporto de Bagdá. Mais de 200 advogados, inclusive o advogado-chefe de Sadam Hussein, Khalil Al Dulaimi, já se ofereceram para defender Al Zaidi (veja matéria). O canal de TV em que trabalha, a TV Bagdá, com sede no Egito, reiterou pedido de sua pronta libertação e responsabilizou o regime por sua integridade física.
E a ação de Al Zaidi vai fazendo escola: em Najaf, um comboio militar norte-americano foi repelido a sapatadas.

ANTONIO PIMENTA
Original em Hora do Povo

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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O Fantasma das rebeliões

"O mais provável é que voltem à ordem do dia as revoltas e revoluções sociais. Elas não serão socialistas nem proletárias, mas adquirirão maior intensidade e violência nos territórios situados em "zonas de fratura [1]"
José Luís Fiori

Não existe uma teoria da revolução, existem várias. Mas quase todas reconhecem a existência de um denominador comum. Na experiência revolucionária dos séculos 19 e 20, as revoltas acontecem - quase sempre - em sociedades fraturadas, com estados enfraquecidos pelas guerras e por grandes crises econômicas, e situados em "zonas de fratura", onde se concentra a pressão geopolítica da disputa entre as grandes potências. São nestes territórios, que costumam nascer e multiplicar as rebeliões mais importantes e resistentes. Sempre violentas, não tem homogeneidade ideológica e não produzem grandes mudanças estruturais imediatas, como costuma acontecer no caso das revoluções sociais e políticas bem sucedidas. Pois bem, se esta tese for correta, não é difícil de prever o novo mapa mundial das rebeliões, deste início do século 21. Basta seguir os passos da competição geopolítica e econômica das grandes potências, depois do fim da Guerra Fria, e localizar os seus pontos de maior pressão competitiva, onde estas potências exercem de forma mais direta sua capacidade de dividir e mobilizar as forças locais, umas contra as outras, dentro dos estados situados nestes "tabuleiros geopolíticos" mais disputados. Alguns destes pontos são mais visíveis, e de explosividade imediata. Outros, são menos visíveis e de combustão mais lenta.
Tudo começou em 1991, com a desintegração da União Soviética e a entrada das forças OTAN ou dos EUA, na Europa Central, nos Bálcãs, no Cáucaso e na Ásia Central - região mundial de maior complexidade geopolítica, envolvendo os territórios do Afeganistão, Paquistão, Norte da Índia, Cashemira e Tibet. Não havia nenhuma grande potência que não estivesse envolvida em alguma destas áreas e na disputas pelo seu controle. Utilizavam ou incentivavam grupos e organizações locais, de todo tipo, numa sucessão de revoltas, rebeliões, atentados terroristas e guerras civis que não tinham como parar, a menos de um acordo multilateral improvável, ou de uma retirada de todas as grandes potencias envolvidas, o que é rigorosamente impossível do ponto de vista da lógica do sistema e dos interesses e posições que já tinham sido ocupadas pelos participantes daquele novo "grande jogo". Alfred Mackinder e Nicholas Spykman - os dois maiores teóricos geopolíticos anglo-americanos - definiram esta faixa de terra que vai do Báltico até a China, como uma fronteira decisiva para o controle do poder mundial, situada entre as "potências marítimas" e as "grandes potências terrestres", ou seja, entre a Grã Bretanha e os Estados Unidos, de um lado, e do outro, sobretudo, a Rússia e a China.
Logo em seguida, neste "mapa da pólvora", apareceu a África Negra. Depois de 2001, os EUA mudaram sua política externa e aumentaram sua presença no continente africano. Mas tal mudança de posição não foi um fenômeno isolado, e foi seguida pela União Européia, Rússia, China, Índia, e também pelo Brasil. Em poucos anos, o cenário africano mudou. Aumentou a competição imperialista, e de novo, como nos séculos anteriores, as potências e suas grandes empresas utilizam a seu favor, e muitas vezes incentivam , as lutas tribais e as guerras locais, entre os estados que nasceram da decomposição dos seus próprios impérios coloniais. Neste momento, já estavam em curso rebeliões e guerras civis, no Congo, na Somália, no Zimbábue e na Nigéria, com participação de países e empresas de fora da África, e com o envolvimento direto de Angola, Ruanda, Namíbia e Burundi. Também neste caso, não havia perspectiva de acordo local, ou de retirada das grandes potências, e o mais provável é que a África se transformasse - uma vez mais - em território privilegiado da corrida imperialista e num verdadeiro "semilheiro" de rebeliões de todo tipo.
Tudo indica que a América do Sul foi incorporada e não tem mais como escapar da pressão competitiva mundial
E o que se pode prever com relação à América do Sul? Durante os séculos 19 e 20, foi uma região de influência anglo-americana, sem grandes disputas imperialistas. Mas neste início do século 21, o cenário e as perspectivas mudaram. De forma lenta, mas implacável, a pressão da nova corrida imperialista, que começou na década de 90, está alcançando a América do Sul e deve produzir os mesmo efeitos do resto do mundo. Já fazem parte deste processo, o envolvimento militar americano com a Colômbia, a reativação da IV Frota Naval dos EUA para o Atlântico Sul, a intensificação dos conflitos fronteiriços entre Venezuela, Colômbia e Equador, e os conflitos internos da Bolívia e da própria Colômbia. Mas também: a criação da UNASUL e do Conselho de Defesa da América do Sul, e todos os projetos políticos e econômicos de integração regional, assim como os grandes projetos de integração comercial e de investimento produtivo na região, da UE, da China, da Rússia, e demais países de fora do continente. Tudo indica que a América do Sul foi incorporada e não tem mais como escapar da pressão competitiva mundial, produzindo uma maior integração do continente mas também, uma maior disputa entre os seus estados, e em particular, entre o Brasil, os Estados Unidos.
Nesta mesma direção, algumas áreas da América do Sul também devem transformar-se em "zonas de fratura" internacional, e aí podem surgir conflitos e rebeliões que envolvam as grandes potências e as empresas que competem pelo controle da região. E no caso das regiões de maior densidade indígena, nos próximos anos, estas rebeliões tenderão a ser de direita, brancas e racistas.
Finalmente, sobre este pano de fundo de deve e pode calcular o impacto da nova crise econômica mundial. Será prolongado e deverá atingir todas estas "zonas de fratura", acentuando suas tendências mais perversas. Por isto, neste momento, apesar de que se fale muito de economia, existe um outro fantasma que ronda o mundo e assusta mais os seus dirigentes: o fantasma das rebeliões.

Original em Le Monde Diplomatique


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domingo, 14 de dezembro de 2008

O "tem" e o "não tem" da crise

Homero Santos

Vai facilmente ultrapassar o trilhão de dólares o montante que os governos estarão no curto prazo aportando ao mercado financeiro global para estancar a crise monetária aguda, evitando que vaze em demasia para o setor real da economia, depreciando ainda mais os ativos produtivos e trazendo recessão e depressão.
O curioso é que Lester Brown, em seu último livro “Plan B 3.0 – Mobilizing to Save Civilization”(*) (2008) arrola dois conjuntos de medidas capazes, segundo ele, de reverter a degradação ambiental e erradicar a pobreza do planeta. Custo total anual, até a recuperação total: 190 bilhões de dólares – um sexto dos gastos militares globais e um terço do que os Estados Unidos (aliás, maiores exportadores de armamentos do mundo) gastam por ano!
O intrigante é que para cobrir as estripulias e a ganância dos banqueiros estróinas e dos jogadores do cassino global, tem! Também para matar ou, eufemisticamente, “combater o terrorismo e manter as forças de paz”, tem! Como se terrorismo, violência e miséria não andassem de mãos dadas...
O trágico, afinal, é que de fato para restaurar o bem-estar das populações, regenerar os ecossistemas e estabelecer a justiça social...não tem!!! “Passa outra hora, tá?”

Homero Santos é Diretor da Fractalis –Renovação Empresarial Consultor em Sustentabilidade Empresarial e Responsabilidade Corporativa.

Original em NovaE
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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Argentina: A busca pela verdade em 25 anos de democracia

Os 25 anos da ascensão do primeiro governo democraticamente eleito na Argentina depois da ditadura militar (1976-1983), encontram o país, após mais de 20 anos de impunidade, em lento desenvolvimento de julgamentos contra o Terrorismo de Estado e a construção de memória e verdade, na intenção de recuperar o tecido social destruído. Esse processo, no qual se destaca as organizações Familiares, Mães e Avós da Praça de Maio, começou bem, continuou mal e somente agora os responsáveis por crimes de lesa-humanidade, militares e civis, voltam a ser julgados, condenados e encarcerados.
Por Dora Salas*

O quarto de século que transcorreu desde 10 de dezembro de 1983, mesmo com seus altos e baixos, demonstrou um profundo compromisso do povo com a democracia. Os organismos de direitos humanos que lutaram primeiro pelo "aparecimento com vida" de 30 mil desaparecidos, e em seguida por verdade e justiça, foram um exemplo mundialmente reconhecido.
O subsecretário de Direitos Humanos do país, Luis Alén, a presidente da associação das Avós da Praça de Maio, Estela Carlotto, e Angela "Lita" Boitano, da organização Familiares de Desaparecidos e Detidos por Razões Políticas, em entrevista a ANSA, coincidiram ao destacar estes aspectos no seu balanço do período.
Advertiram, no entanto, que "ainda existem coisas pendentes", mas o muro de impunidade começou a ser derrubado em 2003 e vem sido construída uma "política pública em matéria de Direitos Humanos, para continuá-las em futuros governos", destacou o subsecretário.
O arranque otimista de 83 teve seu primeiro contraste quando o governo desprezou o pedido das organizações de instalar uma Comissão Legislativa Bicameral para investigar o que aconteceu com os desaparecidos, como lembrou Angela.
A esperança se recuperou parcialmente com a criação da Comissão Nacional contra o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), em 1984, que recolheu denúncias de numerosos familiares e publicou o "Nunca Mais", um informe a respeito dos horrores da ditadura, base do julgamento do ano seguinte das primeiras juntas militares.
A ação do Conadep, presidida pelo escritor Ernesto Sábato, "foi resgatável, mas equiparava a violência oficial a atos de particulares, que jamais poderiam estar no mesmo plano", disse Alén.
O julgamento de 1985 das juntas militares que incluiu, entre outros, o ex-general Jorge Rafael Videla e o ex-almirante Emilio Massera, satisfez "em parte" dos familiares, que "sem analisar muito, choramos de emoção", disse Angela.
O julgamento e o Conadep foram passos importantes, sem precedentes, mas "com a debilidade política oficial desse momento, os pedidos de julgamento antecipavam a teoria dos dois demônios, que pretendia equiparar as cúpulas militares com cúpulas de organizações armadas", peronistas e de esquerda que atuaram antes e durante a ditadura, disse o subsecretário.
Porém, o mal-estar militar pelo julgamento às Juntas não demorou a se manifestar e em 1986 o presidente Raúl Alfonsín (da União Cívica Radical, 1983-1989) expediu uma "Lei de Ponto Final" de todos os processos, uma "fraqueza ética", segundo Alén.
Essa lei e a da "Obediência devida", do ano seguinte, levantaram um muro de impunidade que em 1990 consolidou o presidente peronista Carlos Menem (1989-1999), com indultos a favor dos poucos repressores julgados e condenados. "Mas nós e o homem do povo nunca baixamos os braços, e hoje está sendo reconstruído o tecido social, mesmo que ainda falte muito por fazer, como em trabalho, moradia e saúde", comentou Carlotto.
A luta dos organismos de Direitos Humanos nunca foi encarada como vingança pessoal, em um "forte e exemplificado compromisso democrático", afirmou Alén.
O governo de Néstor Kirchner (2003-2007) abriu um novo panorama, que se evidenciou logo depois de sua posse, na Assembléia Geral da ONU, em Nova York, quando Kirchner se disse "filho" das Mães e Avós da Praça de Maio.
Continuou a reformulação das cúpulas militares, mudanças na Corte Suprema de Justiça e nulidade por inconstitucionalidade das leis de anistia, que fizeram com que os afetados fossem buscar justiça no exterior, principalmente na Espanha, Itália e França, onde houveram processos e condenas.
Além disso, a Escola de Mecânica da Marinha (Esma) foi transformada em Museu da Memória, e desde 2004, organizações de direitos humanos planejam diferentes atividades nesse amplo prédio.
"Os Direitos Humanos são agora política de Estado" e já se pode pensar em "reconstruir o tecido social" porque "a consciência da impunidade agrava as feridas no corpo social", de acordo com os entrevistados.
Quase 370 militares presos, 800 indiciados e mais de 60 condenados, entre eles o pároco da polícia Christian von Vernich, considerado culpado em 2007 por crimes de lesa-humanidade, marcam a renovação da Justiça.
Mas, até o momento, foram identificados apenas 95 dos 500 bebês roubados de suas mães em campos de seqüestro, e localizadas quatro maternidades clandestinas, entre elas a Esma.
Carlotto ainda advogou pela recuperação da verdade histórica e pela confiança da política em criar uma cultura democrática num país que entre 1930 e 1983 viveu seis golpes de estado.

* Dora Salas é jornalista

Original em Vermelho


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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

EUA: tomada de fábrica por operários vira luta nacional

A tomada de uma fábrica por seus trabalhadores demitidos em Chicago se converteu em um símbolo nacional de que o resgate do setor financeiro por Washington não se traduziu em um apoio para as maiorias. Desde o presidente eleito Barack Obama e parlamentares federais e locais até o governador de Illinois já expressaram apoio às demandas dos operários.
Por David Brooks, para o La Jornada

Tudo começou quando os 260 operários da fábrica de janelas e portas Republic Windows and Doors foram informados por seus patrões, com apenas três dias de antecedência, do fechamento da indústria, previsto para o fim de semana passado. O fechamento ocorreu depois que o Bank of America suspendeu sua linha de crédito à indústria.
Na sexta-feira, dezenas de trabalhadores tomaram a fábrica e se negaram a deixá-la, pois denunciam que não foram notificados com os 60 dias de antecipação previstos em leu e não lhes pagaram o que deviam.
Em turnos, dezenas de trabalhadores, membros do sindicato nacional independente United Electrical, Radio and Machine Workers of America (UE), um dos mais progressistas e combativos do país, mantiveram guarda dentro da fábrica, enquanto recebiam visitas ilustres, desde o senador Dick Durbin, o segundo em importância na Câmara Alta do parlamento americano, até os representantes federais Luis Gutiérrez e Jan Schakowksy, e o reverendo Jesse Jackson.
A maioria dos trabalhadores são de origem mexicana, junto com um bom número de trabalhadores negros e alguns salvadorenhos e hondurenhos.
No domingo, Obama disse: "creio absolutamente que os trabalhadores, que pedem os benefícios e os salários pelos quais trabalharam, estão corretos, e entendo que o que lhes acontece é um reflexo do que ocorre em toda a economia".
Nesta terça-feira (9), o governador de Illinois, Rod Blagojevich, ordenou que as secretarias estaduais suspendam todos os negócios com o Bank of America até que este reverta sua decisão e abra uma linha de crédito para a empresa Republic. "Que tome parte do dinheiro federal que recebeu e o invista, para dar crédito necessário para esta empresa, conservando assim os empregos dos trabalhadores", manifestou.
"O Bank of America recebeu recentemente uma injeção de US$ 25 bilhões de fundos públicos e agora é um exemplo de como, enquanto se resgatam os grandes bancos, os trabalhadores são demitidos sem receber seus salários", afirma o sindicato.
O senador Durbin declarou aos meios de comunicação: "entregamos bilhões a bancos como o Bank of America, e a razão para isso era para que continuassem emprestando esses fundos a empresas como a Republica, para que não fossem perdidos postos de trabalho aqui nos Estados Unidos".
Enquanto os gerentes da empresa não aparecem, o Bank of America reiterou que não é responsável pelas práticas e decisões da Republica. Mas a ira dos trabalhadores se dirige tanto a seus patrões como também — e é aqui onde encontra eco nacional — contra um resgate financeira que só beneficia os executivos bancários e deixa em completo abandono milhões de trabalhadores, que padecem as conseqüências desta crise.
"Se não houver uma solução favorável, estamos dispostos a permanecer aqui pelo tempo que for necessário", comentou Leticia Márquez Prado, uma das trabalhadoras membro do sindicato em entrevista telefônica dada ao correspondente do La Jornada. Ela disse que as demandas mínimas eram o pagamento da demissão e das férias, entre outras remunerações que são devidas aos trabalhadores, mas que se desejava buscar uma forma de manter a fábrica em operações, cujo negócio foi impactado de forma severa pela crise econômica, particularmente no setor da construção
"O pior disso é que os trabalhadores estavam recebendo salários dignos, com benefícios de seguro de saúde e outros, e se perdem esses empregos só encontrarão, se encontrarem, empregos de salário mínimo e nenhum benefício", explicou Leticia.
Estava programada uma reunião entre representantes dos trabalhadores, da empresa e do banco para esta noite, a fim de tentar negociar uma solução.
Enquanto isso, o que seria uma notícia local, neste conjuntura se tornou um assunto nacional. Na noite de segunda-feira os telejornais das três principais cadeias de televisão colocaram reportagens sobre a ocupação em suas manchetes principais. Meios de comunicação nacionais eletrônicos e impressos caracterizaram esta ação como algo que se tornou "símbolo" do que estão padecendo os trabalhadores que perderam seus empregos durante esta crise ao longo do país (quase 2 milhões foram demitidos desde dezembro de 2007; mais de meio milhão somente em novembro).
Surpreendidos por todo alcance nacional, um dos trabalhadores, Melvin Maclin, também dirigente do sindicato, declarou à agência de notícias AP que "Nunca esperávamos isso. Ao contrário, achavamos que iriamos para a cadeia".

A ação gerou solidariedade entre vários sindicatos locais e nacionais, organizações civis e comunitárias, que prestaram apoio material e se somaram à campanha dos trabalhadores, que se revezam na ocupação 24 horas por dia.
A polícia não agiu e declarou que não tem nenhuma queixa de "atividade ilegal". "Não vamos nos mover", afirmou Melvin à CBS News. "Já é hora de nós, os pequenos, ficarmos de pé".
Silvia Mazon, outra trabalhadora, comentou no New York Times que "querem que os pobres continuem lá embaixo. Pois aqui estamos e não vamos a nenhum lugar até que nos dêm o que é justo e o que nos pertence". "Estamos fazendo história", disse, em outra entrevista.
Quase ninguém se lembra de quando foi a última vez que os trabalhadores tomaram uma fábrica nete país (talvez tenha ocorrido no fim dos anos 1980, quando mineiros de Virginia tomaram uma usina de processamento durante uma greve) e muitos dizem que o fato lembra cenas dos anos 1930, quando em Chicago e outras grandes cidades a militância sindical industrial sacudiu e transformou este país.
Talvez seja uma fagulha de algo novo (ou o ressucitar de algum mártir de Chicago).
La Jornada


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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Crise: reportagem revela medo e trapaça na GM de São Caetano

Na GM brasileira – que tem fábricas na cidade do ABC, em São José dos Campos e em Gravataí (RS) – os efeitos da crise já têm sido sentidos pelos funcionários, não porque tem havido uma diminuição brusca no consumo, mas porque as montadoras têm tentado se aproveitar do momento para aumentar seus lucros. “Quem fez a crise não foi o povo, mas quem paga somos nós”, diz Marcelo Toledo, primeiro-secretário do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Caetano do Sul, em São Paulo.
Por Priscila Lobregatte, para a Classe Operária.

No sistema capitalista, quando qualquer crise surge, os trabalhadores são sempre os primeiros a sofrer com seus efeitos. Na atualidade, as coisas não são diferentes. Epicentro da atual onda de temor na economia mundial, os Estados Unidos, por exemplo, assistiram executivos de grandes empresas abocanharem milhões de dólares pouco antes de a crise estourar.

No caso do banco de investimentos Lehman Brothers, um dos símbolos da irresponsabilidade dos setores financeiros, 20 mil funcionários foram demitidos em todo o mundo. Enquanto isso, um de seus executivos embolsou mais de US$ 100 milhões.

Os efeitos da crise ainda não chegaram ao Brasil com a mesma força que pegou outros países. Mas 2009 pode amargar um cenário negativo especialmente pelo medo geral da população em comprar diante de um quadro incerto.

Ademir Justino Cassemiro, conhecido como “Cabeça”, está a dois anos na GM. O metalúrgico questiona o uso do dinheiro vindo dos governos federal e de São Paulo (R$ 8 bilhões ao todo) para financiar as vendas de carros.

“A GM não está financiando nada. Está retendo esse dinheiro e ainda reduziu o prazo de financiamento para 36 meses. Eles querem aumentar seu lucro”. Paulo César, o “Pão Doce”, também funcionário da GM, concorda. “A quem interessa importar essa crise para cá? Ao patronato. Ele a usa como desculpa para diminuir salários e direitos trabalhistas”.

“Eles querem cortar empregos dos operários, mas não pensam em fazer o mesmo na área administrativa. Mesmo nesse período de instabilidade, deve haver crescimento na venda de carros. Quer dizer, para eles, a coisa ainda não está tão ruim assim”, diz Barba, ou José Divino, há 23 anos na GM.

Divino tem razão. Estima-se que as montadoras no Brasil devem aumentar suas vendas em 24% neste ano. Em 2007, este índice também foi recorde, então de 27,8%. Esses números explicam também o fato de esse ramo ter sido responsável por mais da metade dos lucros enviados para fora do Brasil, ou seja, para as matrizes que ficam em outros países. De acordo com o Banco Central, foram mais de US$ 1,2 bilhão em 2007.

Para Marcelo Toledo, é preciso que os governos exijam contrapartidas para empréstimos tão altos, como, por exemplo, a garantia de manutenção dos empregos dos operários. E questiona: “as montadoras têm batido recordes sucessivos de vendas e a GM do Brasil é uma empresa saneada, ou seja, não há motivos para querer prejudicar os trabalhadores argumentando ser a crise a culpada”.

Situação de risco

A GM brasileira ainda não sofreu o baque da matriz, que está prestes a quebrar. No dia 20 de novembro, a empresa americana teve seu valor de mercado avaliado em apenas 1 bilhão de dólares – menos do que valia em 1938, quando o mundo ainda passava pela Grande Depressão iniciada em 1929.

Porém, os funcionários brasileiros temem pelo que pode acontecer aqui se for decretada a falência lá. Afinal, quando uma empresa desse porte passa por problemas econômicos, suas filiais e toda a rede de pequenas empresas que lhes prestam serviços podem sofrer os efeitos.

Só neste ano, a filial de São Caetano teve uma semana de paralisação remunerada, dez dias de férias coletivas e seis day off (dia paralisado). Nestes dois últimos casos, os trabalhadores não recebem nada e ainda têm esses dias descontados de suas férias e do banco de horas. “A empresa só arcou com a licença remunerada”, explica Marcelo.

Ele lembra que para cada empregado direto da GM existem outros quatro na cadeia produtiva. Por isso, empresas como Scorpions, Oversound, Salmazo e A.Pedro – todas ligadas ao ramo metalúrgico em São Caetano – também entraram na dança das férias coletivas e no caso da última, houve redução de 50% no quadro de seus 300 funcionários.

“E a Barili está querendo pagar o 13º dividido em quatro vezes e para aqueles que não aceitam, a empresa ameaça com demissão”, denuncia Marcos Parra, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano.

Segundo Toledo, os trabalhadores do terceiro turno (da meia noite às 6 da manhã) estão em situação mais instável. Isso porque em 2008 foram criados 1.600 postos neste horário a fim de que a GM conseguisse cumprir sua meta de produzir 460 mil carros até o final do ano.

Para não sobrecarregar os funcionários com horas extras e ajudar na geração de novos postos, o sindicato conseguiu negociar esse novo horário. Porém, os contratos são anuais. Com o fantasma da crise, estes trabalhadores temem ficar sem seus empregos a partir de janeiro.

No sistema capitalista, quando qualquer crise surge, os trabalhadores são sempre os primeiros a sofrer com seus efeitos. Na atualidade, as coisas não são diferentes. Epicentro da atual onda de temor na economia mundial, os Estados Unidos, por exemplo, assistiram executivos de grandes empresas abocanharem milhões de dólares pouco antes de a crise estourar.

No caso do banco de investimentos Lehman Brothers, um dos símbolos da irresponsabilidade dos setores financeiros, 20 mil funcionários foram demitidos em todo o mundo. Enquanto isso, um de seus executivos embolsou mais de US$ 100 milhões.

Fotos: Priscila Lobregatte
Original em Classe Operaria

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