Além do Cidadão Kane

sábado, 31 de janeiro de 2009

Obama e nós

A partir de agora já podemos escrever a expressão que os norte-americanos progressistas mais queriam poder escrever: “o ex-presidente G.W. Bush”. Mas o que vem agora? Será revertida a onda direitista que tomou conta dos EUA há quatro décadas?
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Desde a vitória de Richard Nixon, em 1968 - em plena guerra do Vietnã e das maiores mobilizações populares, pelos direitos civis e contra a guerra que a história do país tinha conhecido -, mobilizando o que ele chamou de “maioria silenciosa”, os EUA viveram uma profunda e prolongada guinada à direita que já dura 40 anos, uma verdadeira contra revolução conservadora.. Seus pontos mais altos foram os 5 mandatos – 20 anos – de Reagan e Bush, pai e filho, que não foram radicalmente cortados apenas pelos três mandatos democratas – de Carter e Clinton -, mas apenas amainados.
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Processou-se uma transformação profunda na sociedade norte-americana com essa contra revolução conservadora, desde os consensos de valores éticos e ideologia política, passando pela composição dos Tribunais de Justiça até a orientação da grande mídia e os temas prioritários de pesquisa, para chegar ao privilégio das escolas religiosas. A sociedade em sua globalidade virou-se para a direita. Momento essencial foi a campanha reaganiana de criminalização do aborto. De um direito da mulher de dispor do seu corpo e decidir livremente sobre sua vida, passou a ser um suposto crime, com os conservadores assumindo a “defesa da vida” contra os que promoveriam a morte de inocentes. Dali em diante, em praticamente todos os grandes temas contemporâneos, deslocou-se o eixo para a direita. Um momento importante foi protagonizado por Clinton, que assinou formalmente o fim do Estado de bem estar social.
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Os dois mandatos de G.W. Bush representaram o auge da hegemonia direitista, sob o patrocínio dos chamados neocons e fundado na doutrina bushiana de guerra permanente. Reivindicava-se, da forma mais sectária, a idéia da “missão predestinada” dos EUA de implantar a “democracia” pelo mundo afora, na ponta das baionetas, somado à promoção das doutrinas mais reacionárias na mídia, nas escolas, nas igrejas.
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Por maior a ruptura que Obama pretendesse, um ou dois mandatos não seriam suficientes, tal o enraizamento que o pensamento conservador conseguiu na sociedade norte-americana. Pensemos que com tanta coisa a seu favor – apoio de menos de 10% de Bush, recessão econômica, problemas graves nas guerras do Iraque e do Afeganistão, apoio dos maiores jornais, de formadores de opinião importantes como Oprah, de Hollywood, com um desempenho muito bom na campanha – ainda assim Obama teve 52% contra 48 de McCain.
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Vamos nos deter aqui no que pode mudar para nós, Brasil e América Latina. Como se vê pelas próprias declarações de Obama e da sra. Clinton, muitas posições conservadoras se cristalizaram nas posições norte-americanas, mais além do governo Bush. Se quer instalar também na política internacional a mudança que Obama prometeu e que o elegeu, ele teria que ir muito mais longe das tímidas medidas que promete.
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Ter uma relação de diálogo com a América Latina e o Caribe é, antes de tudo, ter uma relação de reciprocidade. Cuba não coloca sequer a retirara da base naval de Guantanamo, nem tampouco a libertação dos 5 cubanos que faziam trabalho antiterrorista nos EUA e estão condenados a penas altíssimas, sem nenhuma justificativa, para normalizar as relações entre os dois países. Significar terminar unilateralmente o bloqueio norte-americano a Cuba, atitude unilateral e que tem que ser terminada unilateralmente, com os dois países respeitando os regimes políticos escolhidos por cada um dos dois povos.
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Reciprocidade significa também não se imiscuir nos assuntos internos de nenhum país do continente, seja ele Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, Brasil, Colômbia, México, Nicarágua, Paraguai e todos os outros – como questão de princípio. O continente não tolera mais a atitude de tutores, de que os embaixadores dos EUA têm tido em relação aos países do nosso continente e não estamos mais dispostos a aceitar isso. A expulsão recente do embaixador dos EUA da Bolívia foi resultado da interferência aberta e reiterada na política boliviana, reunindo-se e incitando a oposição golpista a seguir nesse caminho. A escandalosa tentativa de golpe contra Hugo Chavez, presidente legitimamente eleito e reconfirmado pelo voto do povo venezuelano, teve participação direta do governo dos EUA.
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O tom das declarações agressivas contra a Venezuela, acusada de fomentar e financiar as FARC, sem nenhuma prova concreta, não augura uma atitude substancialmente diferente. Séculos de relação de cima para baixo, acreditando que encarnam a liberdade no mundo, que sempre têm razão – levam a uma postura petulante.
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No caso da América Latina, devem tentar construir um bloco ideal de alianças, que lhes permita dividir o bloco progressista atual e tentar romper o isolamento em que se encontram seus aliados – México, Colômbia, Peru. Para isso necessitar desesperadamente tentar separar o Brasil do bloco de integração latinoamericana e buscar juntar o Chile. Uma tarefa muito difícil, mas de que depende o sucesso dos EUA na região.
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A impressão que se tem é que Obama não tem a mínima idéia do que é a América Latina e menos ainda o que ela é hoje. Repete os chavões que os informes dos seus assessores lhe dizem. Uma viagem bastará para que se dê conta que as coisas não tão são simples como o primeiro encontro – com o presidente mexicano, Calderón - lhe pode fazer crer.
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Bush vai embora sem ter entendido nada, isolado e derrotado. Aqui também a herança de Obama não é nada leve.
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Emir Sader - filósofo e Secretario Geral do Conselho Latinoamericano de Ciencias Sociais (CLACSO).
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