Além do Cidadão Kane

domingo, 1 de março de 2009

Os economistas e a crise

Ninguém sabe o destino dos recursos do pacote sancionado por Obama. Embora certas convergências levem a uma “vitória keynesiana”, tal resposta não atende o ponto de vista econômico. Uma coisa é possivel dizer: a reação emergencial é a versão invertida do “there is no alternative” dos 80.
Finalmente, no dia 17 de fevereiro de 2009, o presidente Barak Obama sancionou seu pacote de estímulo à economia americana, no valor de 787 bilhões de dólares. Uma semana antes, seu secretário do Tesouro, Thimothy Geithner, anunciara um outro pacote de medidas que podem chegar aos 2 trilhões de dólares, para reativar o crédito e salvar o sistema financeiro norte-americano. Mas apesar do volume de recursos envolvidos, não se sabe exatamente quando, onde e como serão gastos, nem tampouco se sabe se a sua utilização produzirá os efeitos desejados. No meio desta confusão, só existem três coisas que podem ser ditas com toda certeza: a primeira, é que apesar de tudo, os economistas e as autoridades governamentais de todo o mundo estão num vôo cego; a segunda, é que faça o que faça o governo americano, será absolutamente decisivo para a evolução da crise no resto do mundo; e a terceira, finalmente, é que apesar das incertezas, todos os governos envolvidos estão fazendo a mesma aposta e adotando as mesmas políticas de redução das taxas de juros, e adoção de sucessivos pacotes fiscais de ajuda ao sistema financeiro e estímulo à produção e ao emprego, alem de defender a regulação dos mercados.
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Muitos consideram esta convergência uma vitória da “economia keynesiana”, mas do nosso ponto de vista, ela não tem a ver com nenhum tipo de vitória ou derrota, no campo da teoria econômica. Trata-se de uma reação emergencial e pragmática frente à ameaça de colapso do poder dos estados e dos bancos, e como consequência, dos sistemas de produção e emprego. Foi uma mudança de rumo inesperada e inevitável, que foi imposta pela força dos fatos, independente da ideologia econômica dos governantes que estão aplicando as novas políticas “intervencionistas”.Na verdade, o que se está assistindo, é uma versão invertida da famosa frase da Sra Thatcher: “there is no alternative”. Só que agora, depois de setembro de 2008, a nova convergência aconteceu sem maiores discussões teóricas ou ideológicas, e sem nenhum entusiasmo político, ao contrário do que aconteceu com a grande onda e hegemonia do pensamento liberal-conservador, dos anos 1980/90, que atravessou os planos da vida política, econômica e intelectual das sociedades capitalistas.
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A teoria econômica ortodoxa não previu e não sabe explicar a crise atual, e em consequência, não tem nada para dizer nem propor neste momento. São apenas lamentos e exclamações morais, contra os “vícios privados” e os “excessos públicos”, e como consequência, as teses ortodoxas e a ideologia liberal saíram do primeiro plano, mas não morreram nem desapareceram, pelo contrário, permanecem atuantes em todos as frentes e trincheiras de resistência às políticas estatizantes que estão em curso. Uma resistência que tem crescido a cada hora que passa, dentro e fora dos EUA.
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Do outro lado da trincheira, quase todos economistas keynesianos interpretam esta crise mundial, seguindo o argumento clássico de Hemry Minsky [1], sobre a tendência endógena das economias monetárias à “instabilidade financeira”, às bolhas especulativas e aos períodos de desorganização e caos provocados pela expansão desregulada do crédito e do endividamento, momentos em que se impõe a intervenção publica e a regulação dos mercados.
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Apesar de suas divergências internas, a respeito de valores, procedimentos e velocidades, todos os keynesianos acreditam na eficácia, e estão propondo uma intervenção massiva do estado, para salvar o sistema financeiro e reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva. O problema é que a teoria de Minsky explica a origem imediata da crise do mercado imobiliário americano, mas não é suficiente para entender e prever a complexidade do seu desenvolvimento posterior. Por isto, os keynesianos também não sabem o que vem pela frente, nem tem como garantir antecipadamente o sucesso de suas recomendações. Neste ponto, se esconde um paradoxo que em geral é escondido pela teoria econômica: o fato dos keynesianos compartilharem com os economistas liberais uma espécie de “erro liberal invertido” e complementar: os liberais acreditam na possibilidade e na eficácia da eliminação do poder político e do estado do mundo dos mercados; enquanto os keynesianos acreditam na possibilidade e na eficácia da intervenção corretiva do estado no mundo econômico.
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Mas tanto ortodoxos quanto keynesianos, trabalham com a mesma idéia de um estado homogêneo e externo ao mundo econômico, que num caso, é capaz de se retirar e ficar na porta do mercado, cuidadoso e atento como um guarda florestal, ou então, no outro caso, é capaz de formular políticas econômicas sábias e eficazes, a cada nova crise, como um Papai Noel a espera do próximo Natal, para distribuir seus presentes. Por isto, ortodoxos e keynesianos compartem a mesma posição e a mesma dificuldade liberal de compreender e incluir nos seus modelos e recomendações, as contradições e as lutas políticas próprias do mundo econômico. Não conseguem entender, por exemplo, que na origem financeira da atual crise econômica mundial não houve um erro ou “déficit de atenção” do poder publico dos EUA, onde a desregulamentação dos mercados financeiros e as “bolhas” ou “ciclos de ativos’ cumpriram - nos anos 80/90 – um papel decisivo na financeirização capitalista e no enriquecimento privado, mas também, no fortalecimento do poder fiscal e creditício do estado e da moeda norte-americanos.
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Como consequência, agora, os passivos que estão realimentando a própria crise não são uma “massa podre homogênea”, pelo contrário, eles tem nome e sobrenome, individual, corporativo, partidário e nacional e envolvem interesses contraditórios que estão travando uma luta ferrenha em todos os planos e instancias nacionais e internacionais. O estado e o capital financeiro norte-americanos foram sócios no fortalecimento do poder político e econômico americano nos década de 80/90, e agora se defenderão à morte a cada novo passo e a cada nova arbitragem que imponha seu enfraquecimento dentro e fora dos EUA. Por isto, agora não existe nenhuma solução técnica segura, nem existe nenhuma possibilidade de um acordo político à vista, entre os grupos de poder norte-americanos e entre as grandes potencias. Esta crise começou como um tufão, mas deverá se prolongar e aprofundar na forma de uma “epidemia darwinista”.
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