Neste contexto, a UNE defende a punição aos torturadores como uma medida educativa. “Para que esse autoritarismo receba ampla repulsa da sociedade é que queremos rever esse passado e punir os torturadores. Não é revanchismo punir, mas uma medida necessária para que a juventude de hoje possa se empoderar de sua história e contribuir com o avanço da democracia”, agrega Lúcia.
Micheas Gomes de Almeida, conhecido como Zezinho, um dos poucos sobreviventes da Guerrilha do Araguaia — empreendida pelo PCdoB no sul do Pará no final dos anos 1.960 e início dos 1.970 — concorda com a jovem liderança.
“A anistia é para os torturados, não para os algozes que foram livres para fazer o que fizeram na ditadura. Em que pese as diferenças do passado, penso que resgatar a memória com dignidade é de interesse da sociedade e das Forças Armadas. O povo brasileiro merece conhecer a sua história”, diz ao Vermelho Zezinho, que também é presidente do Instituto de Apoio aos Povos do Araguaia (Iapa).
Pacote invisível
Em agosto do ano passado os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo de Tarso Vannuchi (Direitos Humanos) defenderam a abertura dos arquivos da ditadura militar e a punição aos torutradores. As declarações geraram polêmica e resultaram na promessa pelo governo, em dezembro, do lançamento de um pacote de medidas para permitir o acesso do público aos arquivos para janeiro de 2009.
O pacote incluiria um sistema digital de acesso aos arquivos do governo, um projeto de lei que possibilite o conhecimento desses documentos e um edital para recolhimento de documentos que estão em poder de particulares. No entanto, nada foi feito.
"Não sabemos como anda o processo. O governo não dialoga com a gente. É importante que a sociedade brasileira conheça o que se passou naquela época", afirma a vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, Victoria Grabois. Durante seus 25 anos de existência, o GTNM vem lutando pela abertura de todos os arquivos da repressão. "A abertura desses arquivos é fundamental para a memória do povo brasileiro. Os fatos históricos não podem ser esquecidos", ressalta.
Dívida irreparável
Durante uma sessão da Comissão de Anistia — realizada em 23 de em setembro do ano passado na cidade de São Bernardo — Narruden Paulo Valadares, 69, piqueteiro das greves na Volkswagen nos anos 1970, evidenciou o irreparável da tortura.“Durante uma das greves, os militares começaram a estourar bombas e teve aquela correria. Os policiais me pegaram, me bateram muito, principalmente na minha perna, que ficou bem ferida”, lembra.
O ex-operário foi levado para a delegacia e solto sob fiança, mas as feridas na perna direita não cicatrizavam e, aos poucos, pioraram a ponto de ter que ser amputada. A anistia recebida na sessão não trará perna de Narruden de volta. Mesmo assim, ele não se arrepende. “Valeu à pena, fico feliz de ver o Lula, que nos liderava naquelas greves na presidência de meu país”, orgulha-se.
Segundo Victoria, os governos civis possuem grandes dívidas com os familiares dos mortos e desaparecidos da época do regime militar: "Esses governos, em nome da governabilidade, não tiveram coragem de enfrentar os militares". Ela acredita que isso se deva ao fato de que vivemos em uma sociedade extremamente conservadora e oligárquica: "Diversos países da América Latina já abriram seus arquivos. O Brasil se mostra um país em atraso nesse ponto".
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