Além do Cidadão Kane

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pelo fim das cotas para a Globo

Odair Rodrigues*
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A revista Época, que pertence às empresas Globo, estampa como matéria de capa da edição 568 o longo título “Cotas: Reservar vagas na universidade para negros, índios ou pobres é uma solução – ou cria mais problemas?”. Na página 82, o mesmo título é precedido da seguinte pergunta “Cotas para quê?”.
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O artigo assinado por Leandro Loyola, Nelito Fernandes, Margarida Telles e Francine Lima desenvolvem um texto preconceituoso, cheio de distorções históricas, geopolíticas, étnicas, culturais e racistas para justificar o ódio de classe declarado, indisfarçavelmente, desde a chamada da capa.

Em defesa de poucos

Os autores do texto não escondem em nome de quem estão falando. Contam, logo no primeiro parágrafo, a história de um engenheiro que estudou no Colégio Santo Agostinho, segundo os autores, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, cuja mensalidade para o ensino médio está entre R$1000,00 e R$1500,00, sem contar o preço de material, transporte e alimentação. O rapaz reclama que “sua vaga” em uma universidade pública foi “perdida” para cotistas. Tomam o particular como geral e assumem declaradamente a defesa exclusiva dos poucos que podem pagar mensalidades escolares maiores que rendimentos de famílias inteiras.

Mentindo sobre o horror

Um dos pontos mais execráveis da matéria, na página 84, é afirmar que “o Brasil não conhece formas mais radicais e violentas de racismo” isso é tão absurdo quanto afirmar formas suaves de tortura, estupro, assassinato, sequestro e segregação sofrida pelos negros e índios ao longo da história brasileira. Fazem uma análise histórica rasteira, como se o passado não influenciasse na realidade do presente. Erram grosseiramente ao afirmar que o Brasil nunca teve leis segregacionistas nem conflitos raciais.

A globo parece concorrer com a Folha de São Paulo que cunhou o infeliz neologismo” ditabranda” sobre a Ditadura Militar de 1968. Fingem desconhecer perguntas básicas para qualquer aluno do ensino médio de escola púbica: qual origem das favelas? E dos quilombolas que lutam para ter sua terra reconhecida? Por que as mulheres negras são discriminadas triplamente de norte a sul desse país? Quantos negros são editores de jornalismo, donos de banco, de montadoras, juízes, médicos, generais, ministros?O escritor romântico, deputado e escravista José de Alencar, em textos reunidos no livro Cartas a Favor da Escravidão - Editora Hedra, 2008 – foi mais honesto que os jornalistas globais ao afirmar que os negros foram os agentes da riqueza brasileira, fato não citado em nenhum momento no artigo racista da revista Época.

Geopolítica serrista

Usando dados geopolíticos aparentemente colhidos nos livros distribuídos pela Secretaria de Educação de São Paulo, associam grosseiramente o genocídio ocorrido em Ruanda, a violência étnica na Índia entre outros absurdos para apresentar as políticas públicas de cotas nas universidades como geradoras de racismo. Ou seja, não há racismo violento mas haverá se essa política continuar sendo aplicada no Brasil. Resta perguntar quem será o agente dessa ameaça.

Ataque às entidades populares

A matéria que se estende por oito páginas, além da capa, ataca entidades organizadas que reivindicam cotas para negros, índios e outras comunidades carentes. Há propaganda do projeto de autoria do Senador Marcos Perillo do PSDB/GO, que descaracteriza a política de cotas e usam a fala do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) para dar amparo legal contra as políticas públicas de reparação social.Nenhum parlamentar a favor das cotas foi entrevistado. As falas de representantes das entidades são sempre acompanhadas de comentário pejorativos. Não contentes, demonstram indignação pela organização popular.

Fim das cotas de publicidade para a Globo

A revista que veicula essa matéria tem duas propagandas do Governo Federal em espaço nobre de suas páginas. A empresa que a edita recebe uma parcela considerável das cotas de publicidade pública, portanto com dinheiro de negros, negras e pobres atacados pela matéria. As empresas Globo preferem dar destaque ao ridículo “dia internacional da guerra de travesseiros” à abrir debate sobre a Conferência Nacional de Comunicação. Silencia sobre a atual legislação, não cumprida, sobre cotas de produção de audiovisual regional, a função social da comunicação, o direito de acesso à informação plural, as irregularidades de ser detentora de rádio, televisão, tv a cabo, conteúdo de internet e jornais impressos.À Globo não interessa discutir as cotas que verdadeiramente interessam. Por isso propomos o fim das cotas de publicidade pública para esta e qualquer outra empresa de comunicação até a realização da Conferência Nacional de Comunicação, precedidas das respectivas conferências regionais e estaduais.

Uma questão de Classe

A categoria de povo não é abstrata; é formada por sujeitos sociais, econômicos, culturais e linguísticos. Não é a caricatura pasteurizada divulgada pelos civitas, frias, marinhos, mesquitas e seus mercenários da palavra. Nós, os negros, índios e pobres atacados em sua história pelas organizações Globo, através da matéria publicada na Época, não devemos abrir mão da parcela considerável de riqueza produzida no país.Nós, não podemos nos silenciar diante das aberrações escritas por mercenários a serviço de uma classe social que preconiza o caos e o ódio a cada direito conquistado com luta. É uma questão de classe e não étnica que está em jogo.

Audiência Pública pela Democratização da Comunicação

Dia 27 de abril de 2009, às 9 hs da manhã, no plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná, ocorrerá uma Audiência Pública sobre Controle da Internet e Democratização dos Meios de Comunicação.O evento é promovido pela Comissão Paranaense Pró-Conferência Nacional de Comunicação e diversas entidades, além de representantes do Vermelho no Estado.
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*Odair Rodrigues, Lingüista, professor e fotógrafo.
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Original em Vermelho

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