Nos últimos três meses e meio, tratei desse tema por diversas vezes. Israel é ou não um estado racista? Faço questão de esclarecer, mais uma vez, que o termo “racista” aqui empregado é mais usual e o empresto do movimento negro brasileiro. Ele é sinônimo de “discriminação”. Uma pessoa ou uma instituição é considerada “racista”, quando discrimina alguém pela sua origem étnica, pela eventual cor de sua pele, pela sua origem social. Há muitas formas no mundo, hoje, de discriminar pessoas. Pela origem é apenas uma delas. Aqui também vale o esclarecimento sobre a questão do termo ainda, pois não há que se distinguir uma pessoa da outra pela sua “raça”, pois neste caso consideramos a existência de apenas uma só raça, a de humanos em todo o planeta terra.
Esclarecido isso, temos tratado desse tema nesta coluna desde o dia 1º de Janeiro,, quando pedimos em alto e bom som: “Parem o Genocídio dos Palestinos”. Falávamos sobre o massacre, os bombardeios indiscriminados que Israel fazia na Faixa de Gaza, assassinando centenas de palestinos, na sua maioria crianças, mulheres e idosos. Na coluna do dia 2 de abril, usamos o título “Israel, um Estado racista”. E dávamos vários dados, fatos, notícias que, de nosso ponto de vista, confirmam essa afirmação.
A polêmica Conferência das Nações Unidas sobre Racismo teve início no dia 20 de abril e deve se estender até 24 de abril. Ela começou mal das pernas. Temendo terem suas posições discriminadoras derrotadas, boicotaram de cara a referida Conferência, países importantes como os Estados Unidos, a Alemanha, a Itália, Austrália, Nova Zelândia, Holanda entre outros. Mesmo depois da posse de Barak Obama, o primeiro negro eleito para presidir a maior potência do planeta, as coisas mantiveram-se no mesmo rumo da diplomacia anterior ditada por George W. Bush, ou seja, de boicotar a referida reunião.
Sim, sionismo já foi considerado racismo pela própria ONU. Senão vejamos. Na Assembléia Geral das Nações Unidas do dia 10 de novembro de 1975, portanto há quase 24 anos, foi votado uma Resolução, a de nº 3.379 que afirmava categoricamente que sionismo é racismo. A votação ocorreu por 75 votos a favor, 35 contrários e 32 abstenções (mesmo se todos esses votassem contra, ainda assim teriam 67 votos e a resolução teria sido aprovada da mesma forma”. Registre-se aqui que o Brasil votou pelo “sim” à época.
No entanto, em função da correlação de forças em vigor no mundo, com o fim do mundo bipolar e da vitória praticamente completa dos Estados Unidos na chamada Guerra Fria, a partir de 1991 com a derrota do Iraque na questão da ocupação do Kuwait, as coisas vão mudando de figura. Uma resolução como essa não duraria seis anos. Em 16 de dezembro de 1991, apenas seis anos e um mês depois, uma nova Resolução, de nº 4.686, também da Assembléia Geral, revogou a anterior por 111 votos a favor, 25 contrários e 13 abstenções (os árabes votaram contra a revogação e mais alguns outros, sendo que vários desses países árabes optaram em se ausentar da reunião do que votar pela sua manutenção, tamanha a pressão dos EUA e de Israel). Aqui, registre-se também, o Brasil não só votou pela revogação, como estava entre os países que patrocinaram a proposta de revogação, ao lado dos Estados Unidos.
Aqui uma lição de ciência política para as pessoas em geral. A mesma Organização política que congrega nações da Terra, num intervalo de seis anos apenas, modifica profundamente uma decisão de sua própria lavra tomada em outro momento histórico. O mundo mudou, as coisas mudaram, os referenciais também se alteraram. Um aprendizado para todos nós.
O modelo neoliberal, de financeirização do capital, que dominou o mundo por pelo menos 30 anos seguidos, desabou, ruiu em todo o mundo, mas segue ainda com força suficiente para continuar arrancando trilhões de dólares dos contribuintes para salvar os bancos falidos e seus ativos chamados tóxicos. A América Latina segue trilhando caminhos progressistas e para a esquerda, mesmo nos EUA, vence um candidato considerado progressista – para os padrões americanos, claro – e ainda agora, um discurso de um presidente, dizendo o que a própria ONU disse há 18 anos e isso é motivo de protestos de várias delegações que se retiraram da Conferência da ONU no último dia 20, na abertura do evento que deverá aprovar políticas anti-racistas para o mundo inteiro.
Que disse Ahmadinejad?
Convém listar aqui, pequenas passagens do que disse o presidente do Irã:
1. Israel e seu governo racista foram instalados pelo Ocidente para dominar o Oriente Médio;
2. O sionismo personifica o racismo que usa falsamente a religião para esconder o ódio;
3. O regime sionista nos ameaça com a guerra;
4. É preciso erradicar esse racismo.
Ahmadinejad não negou o Holocausto judeu, como dizem que ele fez em épocas passadas. Tampouco pregou a destruição de Israel em momento algum. Apenas disse que Israel viola todas as normas e leis do direito internacional, massacre e oprime o povo palestino e os discrimina em seu dia-a-dia. O que é absolutamente verdadeiro, conforme já amplamente demonstrado nesta coluna como em tantos outros artigos disponíveis pela Internet (carteira de identidade que pede a religião pessoal das pessoas; pagamento de salário para palestino pela metade do que ganham judeus para a mesma função; impossibilidade de palestinos adquirirem terras em Israel e tantas outras anomalias e odiosas discriminações).
Mas, o mundo ainda vive um momento delicado. As forças progressistas e populares, que vêm avançando a cada dia em suas lutas e suas conquistas, ainda não acumulam forças suficientes para fazer valer um ponto de vista como o de 1975, condenando Israel por práticas racistas, através de sua política sionista. Há muito ainda que se avançar.
O Irã, além de sua imensa população e seu poder estratégico decorrente do petróleo que possui e o coloca a serviço de seu povo, vem desenvolvendo pacificamente o seu programa nuclear, apesar das pressões americanas e de seus aliados para que ele seja interrompido. Mas mais do que isso, as ideias iranianas, através da corrente xiita do islamismo, vem mantendo sua influência em diversas organizações partidárias e populares que atuam em vários países, especialmente no Oriente Médio. Agora mesmo o próprio Obama acena em dialogar diretamente com o Irã e chama esse país pelo seu nome de “batismo”: República Islâmica do Irã, forma essa que seu antecessor, Bush, nunca utilizou.
Assim, ainda que vários países da União Europeia tenham se retirado da conferência após o discurso do presidente do Irã, as notícias que a imprensa veiculou é que o evento deverá adotar um documento final, de consenso, que poderia ser assinado por mais de 180 países. Uma pena que Obama tenha adotado essa posição equivocada neste delicado momento em que as portas do diálogo precisam permanecer abertas.
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*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological
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