Além do Cidadão Kane

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A fome dos agronegócios

por Silvia Ribeiro *


Por todo o mundo continuam a aumentar os preços dos alimentos e nos países mais vulneráveis acontecem situações intoleráveis como fome, muitas vezes combinadas com secas ou inundações, efeitos perversos da alteração climática (NR). Diante da gravidade da crise, caem máscaras e esvaziam-se discursos, como a receita dos agrocombustíveis e dos supostos benefícios do livre comércio e da agricultura de exportação. Robert Zoellick, agora como presidente do Banco Mundial, anuncia que os preços continuarão altos por vários anos e que é necessário fortalecer a "ajuda alimentar" para gerir a crise. Zoellick, que passou a este cargo depois de ser o chefe de negociações dos Estados Unidos na Organização Mundial de Comércio, sabe do que fala: no seu posto anterior fez tudo o que pode para romper a soberania alimentar dos países, a fim de favorecer os interesses das grandes transnacionais dos agronegócios. Mesmo agora, a receita da "ajuda alimentar" é mais uma vez um apoio encoberto às mesmas transnacionais, as quais tradicionalmente são aquelas que vendem ao Programa Mundial de Alimentos os cereais que "caridosamente" entregam aos famintos, com a condição de que eles mesmos não produzam os alimentos de que necessitam. Os grandes ganhadores da crise alimentar são também atores centrais e grandes ganhadores na promoção dos agrocombustíveis: as transnacionais que açambarcam o comércio nacional e internacional de cereais, as empresas de sementes, os fabricantes de agrotóxicos. Nestas últimas duas rubricas são em muitos casos as mesmas empresas: a nível global, a Monsanto é a principal empresa de sementes comerciais e a quinta em agrotóxicos. A Bayer é a primeira em agrotóxicos e a sétima em sementes; a Syngenta a segunda em agrotóxicos e a terceira em sementes; a Dupont a segunda em sementes e a sexta em agrotóxicos. Juntamente com a BASF e a Dow (terceira e quarta em agrotóxicos), estas seis empresas controlam o total das sementes transgênicas do mundo, o que por acaso é também a solução que propõem a todos os novos problemas (que elas próprias foram a parte fundamental a provocar). Juntamente com os que dominam mais de 80 por cento do comércio mundial de cereais: Cargill, ADM, ConAgra, Bunge, Dreyfus; todas tiveram lucros absolutamente impúdicos, graças à escassez de alimentos, à promoção e subsídios aos agrocombustíveis e à alta dos preços do petróleo (os agrotóxicos são petroquímicos). Um excelente relatório da GRAIN (O negócio de matar à fome, www.grain.org), revela estes lucros para 2007. No último trimestre de 2007, a Cargill aumentou seus lucros 36 por cento; a ADM, 67 por cento; a ConAgra, 30 por cento; a Bunge, 49 por cento; a Dreyfus, 77 por cento. A Monsanto obteve 44 por cento mais que em 2006 e a Dupont-Pioneer 19 por cento. A esta situação acrescenta-se o fato de que os grandes fundos de investimento especulativo – frente à crise financeira e imobiliária – transferiram somas milionárias de dinheiro para o controle dos produtos agrícolas no mercado internacional de commodities. Atualmente estima-se que estes fundos controlam 60 por cento do trigo e altas percentagens de outros cereais básicos. A maior parte da colheita de soja dos próximos anos já está comprada como "futuro". Estes alimentos converteram-se em mais um objeto de especulação bursátil, cujo preço se altera (e aumenta) em função das oscilações especulativas, não dos mercados locais ou das necessidades das pessoas. Apesar desta sova global em todas as pessoas comuns, piores ainda para os mais desprovidos, as transnacionais não se dão por satisfeitas e querem mais. Agora preparam o próximo assalto, monopolizando através de patentes os caracteres genéticos que consideram úteis para tornar plantas resistentes à seca, salinidade e outros factores de stress climático. Os governos ao seu serviço, como o do México, pretendem apagar o fogo com gasolina: ao invés de soberania alimentar e controle camponês das sementes e insumos, propõem transgênicos com ainda mais modificações e mais riscos, milho transgênico para aumentar a contaminação e a dependência, e que até os camponeses mais pobres, com apoios públicos, semeiem agrocombustíveis ao invés de comida.


(NR) Não é necessário recorrer ao argumento fantasioso do suposto aquecimento global para explicar o que está a acontecer aos preços dos alimentos.


(*)Investigadora do Grupo ETC .


O original encontra-se em: http://www.jornada.unam.mx/2008/05/10/index.php?section=opinion&article=019a1eco


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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