Além do Cidadão Kane
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Quando o Direito Penal é convertido em uma arma do Estado
Júlia Humet
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"A tradição dos oprimidos nos
ensina que a regra é um estado
de emergência em que vivemos"
Walter Benjamin
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14 novembro 2008. O Conselho de Ministros do governo espanhol anunciou a aprovação de uma vigorosa reforma do Código Penal. Dizem que tem de responder às demandas sociais de modo mais duro "contra o crime e o terrorismo".
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Aprovação de reformas sobre a liberdade vigiada, a prescrição, o planejamento, a "nova criminalidade" e dos delitos sexuais... Ou, dito de outro modo, uma legislação mais forte, como disse um ministro da informação (“Caso de Juana, escândalos urbanos, ataques a casas,"caso Mari Luz “)... Segundo a Vice Presidente do Governo, Maria Teresa Fernandez de la Vega, "não haverá nenhuma diferença à impunidade."
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No que diz respeito à condenação por "terrorismo", a reforma prevê a imposição de uma pena acessória de até 20 anos de liberdade vigiada. Isto é, penas de prisão de até 40 anos mais de 20 anos de liberdade vigiada, ou dito de outro modo, a prisão sem grades. A liberdade vigiada significa ser permanentemente monitorado em tudo, notificar o juiz mudanças de endereço ou de emprego, apresentar-se periodicamente ao judiciário... E proibições: de ficar junto ou comunicar-se com as pessoas que o juiz determinou, deixar o local de residência sem autorização do juiz, para ir a determinados locais ou estabelecimentos, de ficar em certos lugares... até 60 anos no total da condenação ... e quem disse que a prisão perpétua não existe na Espanha?
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No quadro da União Européia, vários Estados incluíram na sua legislação penal, a figura de prisão perpétua. Em todos eles, sob a forma denominada "prisão perpétua revisável", que permite a revisão da condenação e da possibilidade de concessão de liberdade vigida ao fim de um determinado tempo: 26 anos na Itália, 20 na Grécia, 15 na França ou Alemanha, 12 na Dinamarca ... Isto significa que, após este tempo, qualquer pessoa condenada à prisão perpétua, pode ver como a sua pena é revista e se será concedida a "liberdade vigiada". As reformas de 2003 conduzida pelo PP e PSOE, no Código Penal espanhol vão estender o tempo máximo de cumprimento efetivo da pena para 40 anos, e agora acabam de aprovar mais 20 anos "de por fora" de liberdade vigiada. Que cada um chegue às suas conclusões.
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Nos últimos anos, e, gradualmente, o Parlamento espanhol aprovou medidas de endurecimento do Código Penal, a ponto de chegar a ter um dos mais duros códigos penais da “democracia", que inclui medidas que nem nos piores dos tempos do regime franquista ele mesmo chegou a propor.
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Desde a reforma de 1995, em que suprimiram a redução de penas pelo trabalho, passando pela reforma de 2003 relativa ao cumprimento integral das penas, que se estende o tempo máximo de encarceramento a 30 anos e impossibilita, na prática, o acesso ao 3 º grau ou à Liberdade Condicional, das pessoas condenadas pelos chamados crimes de "terrorismo", a aplicação da "Doutrina Parot", terminando nesta mais recente reforma. Todos eles colocados à disposição poderiam em conjunto colocar em relevo(e criar) as mais diversas ameaças para, a pretexto de segurança, endurecer o controle social, o sistema penal...
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O jurista alemão Günter Jakobs define o conceito de "Direito Penal do inimigo": o legislador não dialoga com seus cidadãos, se não quando ameaça aos seus inimigos, retirando garantias processuais, endurecendo as penas e ampliando as possibilidades de aplicar sanções pesadas a condutas pouco danosas ao bem comum.
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O Estado espanhol se tornou um dos exemplos mais claros desta teoria. O direito penal é utilizado como uma arma a mais no negado mas existente conflito basco, e, indiretamente,contra toda a dissidência política. O que não pode ser alcançado através da polícia (o desmantelamento de um movimento político e social, a eliminação de algumas convicções ideológicas ...)se tenta através da ameaça. Ameaçados com sanções mais duras, pela tipificação de novos delitos, com a criação dos delitos de opinião...
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Uma vez mais, o Estado espanhol viola os seus próprios princípios e a sua tão supostamente respeitada e intocável Constituição, que propõe, entre coisas, a orientação para a reeducação e o efeito social das penas privativas de liberdade. O ex-ministro da justiça do PSOE, Juan Fernando Lopez Aguilar, afirmou, em 2006, sem qualquer remorso "faremos o que estiver em nossas mãos para evitar que ocorram aquelas libertação”, referindo-se a duas dezenas de presos políticos bascos que, segundo a aplicação ds leis espanholas correspondentes, estavam a ponto de serem libertados... E ele foi muito mais tranqüilo.
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Assim então, esta nova reforma não é mais que um outro de tantos e tantos exemplos de dupla moral, ou duas medidas para mensurar as coisas, a que já estamos acostumadas. Boas palavras, ou bons princípios para um lado... E crua realidade para a outra.
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Como afirma Iñaki Rivera (diretor do Observatório do Sistema Penal e dos Direitos Humanos), “que fragilidade de uma democracia que necessita cada vez mais recorrer à força, — ao sistema penal, nem mais nem menos, — para enfrentar o descontentamento social“.
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Júlia Humet é advogada e militante de Rescat
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Traduzido do Catalão por Rosalvo Maciel
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Original em La Fabrica
Postado por O Velho Comunista às 03:57
Marcadores: Direitos Humanos, Espanha, Europa, fascismo, franquismo, resistência
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