A Folha de S. Paulo de hoje, domingo (22 de fevereiro), tenta ignorar o absurdo cometido pela direção do jornal no editorial publicado quatro dias atrás, quando denominou a ditadura militar (1964 a 1985) de ditabranda, num claro desrespeito à memória histórica do povo brasileiro. Nenhuma carta publicada na seção de cartas (painel do leitor) do jornal a respeito do tema, apesar de ter sido o que mais recebeu cartas durante a semana, 105 mensagens, segundo o próprio painel.
Sobre o assunto, apenas um parágrafo na coluna do Ombudsman na qual ele escreve que a folha faltou com a cordialidade que se deve ter no trato com os leitores. Referia-se a forma grosseira e arrogante, de um primarismo ideológico de fazer inveja a um Reinaldo Azevedo, com a qual a Redação da folha tratou os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides.
Por outro lado, se o jornal parece querer colocar uma pedra sobre o assunto, as manifestações pela internet, blogues e sites parecem dizer o contrário. O editorial da folha e o tratamento desqualificado dado aos professores geraram uma justa indignação em amplos setores que já começam a se manifestar e tudo indica que a movimentação de repúdio à folha deva crescer. Óbvio que também geram o que de pior existe na nossa sociedade, e infelizmente não são poucos, os sentimentos proto-fascistas, daqueles que querem passar uma borracha na história, negar a verdade e principalmente, esconder os crimes de muita gente que ainda anda por aí, livres, mas que torturam e mataram nos porões da ditadura com a anuência dos líderes do regime.
Vários intelectuais lançaram um manifesto em repúdio à folha e em solidariedade aos professores (reproduzimos abaixo). Esse manifesto pode ser assinado eletronicamente, é possível também deixar uma mensagem e registrar sua indignação contra o jornal.
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A questão central que se coloca é saber se restará alguma dignidade ao jornal e sua direção voltará atrás se retratando num editorial que peça desculpas ao povo brasileiro e às vítimas da ditadura ou o caminho será o mesmo da nota da redação que agrediu Comparato e Benevides, ou seja, pisar no acelerador, se aliar ao pensamento mais torpe, fazer companhia à Veja como um panfleto reacionário e negar a história.
Ao menos resta a esperança, afinal se até mesmo o Vaticano, liderado por um Papa conservador, quando pressionado, agiu com firmeza e exigiu que o bispo britânico Richard Williamson se desculpasse publicamente por ter negado o Holocausto, quem sabe reste à folha algum pudor.
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(íntegra do manifesto)
Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio a arbitrária e inverídica revisão histórica contida no editorial da Folha de S.Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar ditabranda o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do pais. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ditabranda e, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pos-1964.
Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a Nota de redação, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta as cartas enviadas a Painel do Leitor pelos professores Maria Victória de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S.Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis a atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante as insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.
Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.
Assinam:
Antonio Candido, professor aposentado da USP
Clique aqui para assinar o manifesto
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