A abertura do 59º Festival de San Remo no dia de ontem, mostrou, nos detalhes, que a Europa está, de fato, muito preocupada com o rumo político que as coisas estão tomando por lá.
O que sempre foi um oba-oba de futilidades e glamour, abriu espaço para duas coisas que chamaram a atenção dos mais atentos. Primeiro, a entrevista com o Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Miguel d’Escoto que, se pouco acrescentou, serviu para chamar a atenção sobre o fato de que, como disse Vandré, a vida não se resume a festivais.
O segundo fato, esse sim de uma relevância extremamente grande, a presença de Roberto Benigni que, de forma sutil e polida, ironizou a figura bizarra de Berlusconi que hoje ocupa o centro das atenções da porção civilizada da Europa, tanto pelo seu posicionamento retrógrado de extrema direita, como pelas acusações que sofre pelo seu envolvimento em grandes esquemas de corrupção.
Esse espetáculo de fino humor que atingiu em cheio o "stablishiment" italiano já provocou hoje, um dia após a apresentação de Benigni, a manifestação de Maurizio Gasparri, líder do "Popolo della Libertà" (PdL), partido de direita italiano, que diz ter a intenção de ajuizar ação legal contra Claudio Cappon, diretor geral da RAI.
Mas o mais marcou politicamente a participação de Benigni, em um momento em que os movimentos neo nazistas crescem de modo assustador por toda a Europa e agridem violentamente as minorias representadas pelos negros, judeus, estrangeiros e homossexuais, aproveitando as dificuldades criadas pela crise econômica que atinge os países desenvolvidos, foi a alocução dirigida a favor da liberdade de opção sexual.
No texto, o coerente ator italiano faz a explanação didática e poética do que representa o o direito de amar, independente do fato de ser homo ou heterossexual, e finaliza com um dos poemas escritos por Oscar Wilde da prisão para o Lord Alfred Douglas.
A politização, embora tímida, do Festival da Música Italiana é um fato absolutamente inédito dentro de uma sociedade secularmente conservadora e dentro de um evento que sempre se caracterizou por duas coisas: as belas músicas que apresenta e pela não tomada de posições que possam ser consideradas como polêmicas.
Mesmo que se observe apenas as músicas apresentadas ao longo desses 58 anos que precederam o atual festival, vemos que poucas são as canções que foram apresentadas com algum conteúdo social ou de posicionamento definido - uma delas "Ciao, Amore, Ciao" de Luigi Tenco - sem que jamais alguma tenha ocupado, mesmo que fosse o terceiro lugar.
Rosalvo Maciel
Nenhum comentário:
Postar um comentário