Além do Cidadão Kane

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sábado, 15 de maio de 2010

Grécia: os verdadeiros militantes da Europa

Traduzido por J.A. Pina/Rosalvo Maciel

Os estivadores do Pireo, os camponeses da Tesalia, todo o mundo do trabalho desde o Peloponeso a Macedônia não têm que pagar a fatura da bancarrota à qual os dirigentes da Nova Democracia (direita) conduziram o país, agora respaldados pelos socialistas do Pasok.

Eles não têm que pagar os pratos quebrados de uma construção européia na qual a lei de mercado e da competição se sobrepõe à soberania popular. Não nos enganemos, para a maioria da população, o futuro da Europa se joga atualmente em Atenas. Mais exatamente, a possibilidade de preservar as oportunidades de construir uma verdadeira união solidaria de povos é o debate concreto, duro que está no centro da queda de braço que antepõe os principais dirigentes da UE com a Grécia popular que resiste.

Quais são os verdadeiros militantes da idéia européia? Os dirigentes franceses, que se preparam para apresentar ante a Assembléia Nacional um plano de emergência que consiste em um empréstimo de 3.900 bilhões de euros a 5%, muito superior às taxas atualmente em vigor? “nenhuma condescendência com a Grécia” declarou com desdém Christine Lagarde, orgulhosa de anunciar o que os investimentos significarão, avaliando a redução de 150 milhões. Ângela Merkel e seu ministro das Finanças, Wolfgang Schaüle que não têm palavras suficientemente duras contra os gregos, acusados de não cortar os gastos sociais com suficiente energia?

Após haver reforçado os bancos concedendo créditos a 1% oferecidos pelo Banco Central Europeu, os Estados mais ricos da União vão “conceder” a Atenas empréstimos de agiotas, obrigando o governo a reduções orçamentárias que poderiam ser as de um Estado em guerra. Reduções de salários e de pensões, compressão nos setores sociais, sacrifícios mortais no ensino e na saúde… o inferno liberal abre seus primeiros círculos. Hoje o povo grego está no meio da tormenta, O que acontecerá amanhã em Portugal, Espanha e nos países da Europa Central e Oriental?

Os verdadeiros militantes da idéia européia são os que advertiram contra um tratado europeu que faz do liberalismo o início e o fim, o único horizonte da política da UE: A história não terá que esperar muito tempo para dar razão aos que desde a esquerda têm combatido o projeto de constituição européia, e ao tratado de Lisboa. Os denunciavam, precisamente porque não permitem a solidariedade entre os Estados, fazem do Banco Central Europeu o guardião de um templo inexpugnável da ortodoxia monetária em lugar de ser um instrumento para uma política de crédito a serviço do desenvolvimento e do progresso social.

Prognosticaram-nos a crise na Europa se o tratado de Lisboa não fosse ratificado. Seus promotores desapreciaram os votos dos franceses, dos holandeses, dos irlandeses, prontamente rechaçaram que outros povos, entre eles o povo grego, se pronunciassem livremente sobre seu futuro. Hoje, temos o tratado de Lisboa e a Europa vive sua mais grave crise.

Os verdadeiros militantes da Europa são aqueles que pensam ainda que outra Europa é possível, na condição de ter a coragem de mudar suas regras. Mas no momento, é urgente, que as consciências despertem. Vítima dos bancos, o povo grego deve beneficiar-se, ao menos, das mesmas condições de crédito que as que o Banco Central Europeu e os Estados têm concedido ao mundo das finanças. É só a mais elementar justiça.

Publicado em L'Humanité

quarta-feira, 31 de março de 2010

Depoimento de um brasileiro que viveu três anos em Cuba

Guilherme Soares Silveira Bueno

Eu gostaria de me expressar um pouco aqui sobre os comentários desta recém famosa blogueira cubana (Yioani Sánchez). Eu sou saxofonista, morei três anos na ilha, sem visitar o Brasil neste período, estudei música no ISA (Instituto Superior de Arte de Havana), antigo clube de campo dos turistas norte-americanos antes de 1959.

Fiquei a maioria do tempo em Havana, onde eu estudava, mas em um dos períodos de férias, com a mochila nas costas e pedindo carona, atravessei durante quase dois meses a ilha inteira, de ponta a ponta, passando por todas as capitais e outros lugares, como Placetas, Puerto Padre, Mayarí e Chivirico.

Tentei me manter o mais longe possível dos programas turísticos, pois queria conhecer a Cuba vivida pelos cubanos. Nos três anos em que lá estive minha convivência foi basicamente com os cubanos, no ISA não tem muitos estrangeiros e eu era o único brasileiro.

Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que considero o conteúdo do blog desta cubana uma piada pra quem já viveu em Cuba. Ela criticou a educação em Cuba? O sistema de saúde cubano? A violência na ilha? Não minha gente, não, isso só pode ser piada. Voltei há sete meses de Havana e ontem estava em um consultório médico quando resolvi folhear a droga da revista da manipuladora VEJA e lá estava a blogueira. Escreveu que foi agredida numa manifestação contra a violência.

Manifestação contra a violência em Cuba? Nossa meus amigos, sinto muito, eu vivi três anos na ilha, sou músico, portanto, freqüentava muito os bares nas noitadas de Havana (sempre regadas de muita música), andando por toda a cidade durante a madrugada: foram três anos, e nesses três anos e eu não vi nem sequer uma briga, nem sequer um tapa, nem sequer um puxão de cabelo, e essa cubana me vem dizer que estava numa manifestação contra a violência? Só pode ser piada mesmo.

Até mesmo os cubanos que são contra o regime (na sua imensa maioria jovens que não viveram o país antes de 1959 e que sonham em ir para os EUA, enriquecer, comprar carros luxuosos, jóias, mansões, roupas de grife, etc.) sempre me diziam nas discussões: "Isso é verdade, aqui não deixam ninguém morrer, se você tem algum problema eles te curam" ou "Aqui não precisa ficar preocupado, se tem alguma coisa de bom em Cuba é que é um lugar seguro, aqui não tem a violência do seu país" ou "É verdade, aqui te dão educação grátis e de excelente qualidade, mas não te deixam prosperar, o que significava ganhar muito dinheiro, enriquecer e consumir. Esse desejo surgiu ou intensificou a partir do contato com os milhares de turistas que a ilha recebe por ano e, como o próprio Fidel Castro diz, o turismo foi um mal necessário. Prosperar para nós não é conhecer, aprender e produzir e sim ganhar mais e mais dinheiro para consumir cada vez mais".

Que tristeza ver no que nos transformamos, estamos perdendo a essência do ser humano para enraizar uma essência de consumo, destruindo cada vez mais o nosso planeta e se importando cada vez menos com as milhares de pessoas que não têm nem um prato de comida na mesa, quando têm mesa.

É triste pensar que tantas pessoas que lutaram muito durante uma época bastante conturbada em nosso país, só estavam lutando contra uma ditadura e não contra a desigualdade social, a exploração das pessoas, a miséria, a falta de moradia, a fome. Já em Cuba é muito fácil perceber que estas lutas são claramente as prioridades do governo cubano, se necessita muita falta de sensibilidade para não enxergar isso. Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção quando cheguei a Havana, foi a aparência das pessoas que encontrava pelas ruas.

Percebi que todos tinham uma boa pele, os dentes brancos e em perfeito estado. Tinham a aparência de pessoas fortes e como são fortes os cubanos. Altos e fortes. Logo pensei: "Ué! cadê a fome? Acredito que gente que passa fome, não cresce tanto. Notei isso em todos os lugares que passei, em muitas outras províncias, e não somente em Havana.

Moro na cidade de São Paulo, já viajei para vários outros Estados, e em todas as capitais vi crianças pedindo esmola no farol, crianças morando em baixo de viaduto, crianças vagando pela cidade em plena madrugada.

Eu andei aquela ilha toda e as crianças que encontrei usavam uniforme, o que significava que eram escolares, e caminhavam acompanhadas pelo pai ou pela mãe ou por ambos. Uma vez, indo para Alamar um cartaz na rodovia exibia o índice mundial de crianças que passavam fome e terminava com a seguinte afirmação: "Nenhuma delas é cubana". Eu não vi fome naquele lugar, não vi ninguém esbanjando comida na geladeira, é verdade, mas fome eu não vi. Gente que não toma café, almoça e janta todos os dias? Isso não existe em Cuba.

Nas vezes em que precisei de atendimento médico em Cuba, fui atendido mais rapidamente e melhor que no hospital São Luiz, mesmo tendo aqui um plano de saúde que não é top de linha, mas está logo abaixo. Lá, não tive que pagar pelo atendimento mesmo sendo estrangeiro.

Um amigo espanhol, que estudou comigo, tratou inclusive dos dentes, já que lá todo tratamento é gratuito e na Espanha, assim como no Brasil, a maioria dos planos de saúde não cobre o tratamento dentário. Eu só queria ver essa blogueira na fila do SUS esperando pra fazer uma cirurgia importante, sem saber quando será realizada.

Uma das acusações mais comuns dirigidas ao governo Cubano, é o cerceamento da liberdade de expressão, a frase "liberdade de expressão" virou um slogan contra o regime cubano. Do meu ponto de vista, nada mais contraditório que um brasileiro criticando a liberdade de expressão em Cuba.

O Brasil atualmente, segundo dados de 2008 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, possui 10,0% (cerca de 19,1 milhões) de analfabetos e 21,0% (cerca de 40 milhões) de analfabetos funcionais (só sabem assinar o nome). O primeiro passo para a extensão da plena liberdade de expressão de toda a população é a educação. Se um País não dá a possibilidade à grande parte da população (os abaixo da linha da pobreza) para aprender a ler, a escrever, a adquirir conhecimento, a fazer esportes, a aprender formas de arte, se um país não oferece condições mínimas de vida a uma grande massa da população obrigando-a a se preocupar, cotidiana e diuturnamente, apenas com o risco de não ter uma ração alimentar mínima, por falta de dinheiro, está CERCEANDO as possibilidades de liberdade de expressão, que passa ser privilégio dos bem aquinhoados.

Além disso, qual liberdade de expressão nós temos no Brasil? Fora poucas revistas que são lidas por uma minoria quase insignificante, qual o grande meio de comunicação que atinge as grandes massas e que divulgam além do que os grandes conglomerados jornalísticos permitem que seja divulgado?

E tudo isso com um agravante, o mundo cerca a ilha e "ninguém" quer que aquilo dê certo. Depois da queda da União Soviética, Cuba, que economicamente era dependente do seu governo (recebia cerca de 4 a 6 bilhões de dólares anuais em 1990), ficou sem nada, em situação social de calamidade, o chamado "Período Especial", de 1990 a 1996. É preciso analisar toda a evolução de um país que não tinha nada naquela época e hoje mantém uma qualidade de vida, em termos de necessidades essenciais como moradia, saúde, educação e cultura que Cuba tem, você vai ver que não existe país no mundo que melhorou tanto e segue melhorando.

Seu PIB é de 51 bilhões de dólares (o do Brasil é de 2 trilhões de dólares) e, mesmo assim, Cuba ostenta um alto Índice de Desenvolvimento Humano (acima de 0,800); em 2007 o IDH de Cuba foi 0,863 (51° lugar ? 44º se ajustado pelo PNB). Com uma renda tão baixa, se o governo fosse corrupto, o país não seguiria nesta direção, nós brasileiros devíamos saber bem disso. Desenvolvimento econômico não está necessariamente ligado ao desenvolvimento social e Cuba provou isso.

A ilha consegue esse alto índice de desenvolvimento humano no seu país sem instalar grandes corporações, como acontece na maioria esmagadora dos países de terceiro mundo, onde podem pagar um salário baixíssimo para seus funcionários, sugar a matéria prima e pagar baixos impostos.

Pelo contrario, Cuba ainda exporta milhares de médicos, que viajam em missões de solidariedade para centenas de lugares do mundo todo, em países onde se o sistema de saúde não é ruim, ele simplesmente não existe. Mas sobre isso a VEJA não faz uma reportagem, também não faz uma reportagem sobre os milhares de estudantes de classes sociais muito baixas, que provêem de todos os países latino-americanos, inclusive brasileiros, que vão para Cuba estudar medicina e outras centenas em outros cursos, todos eles financiados pelo governo cubano, ganhando moradia, salário mensal, café, almoço, jantar e produtos para higiene pessoal.

Todos esses estudantes estão se formando em Cuba sem pagar um centavo. A universidade de medicina de Cuba é uma das mais bem conceituadas no mundo e a sua valorização em âmbitos internacionais é muito maior que as universidades brasileiras, um médico cubano na Europa consegue trabalho sem dificuldades, mesmo nos dias difíceis que vivemos, isso porque o sistema público de saúde cubano é considerado um dos mais eficazes do mundo.

Ainda assim os mais de mil estudantes brasileiros que estão se formando em Cuba estão encontrando dificuldades para validar seus diplomas no Brasil, sob a alegação de que os brasileiros que estudam em instituições cubanas se formam médicos generalistas básicos; todos os que conhecem o curso que eles fazem em Cuba sabem que isso é uma grande mentira, o que ninguém publica é a verdade, a verdade é que medicina no Brasil é coisa para quem tem dinheiro para pagar, a grande minoria. Com a chegada de médicos brasileiros formados em Cuba, com o projeto de suprir cerca de mil vagas de médicos em comunidades indígenas no interior do país, essa tradição começa a ser rompida e aumenta a tendência de um barateamento no sistema médico do país, mas não, para a maioria do congresso é melhor as pessoas continuarem morrendo do que os custos médicos serem mais baratos

Se eu fosse citar todas as vantagens que a ilha tem sobre nós eu teria que parar de tocar saxofone para me dedicar a escrever um livro, descrevendo todos os detalhes que, na verdade, não são tão detalhes assim, mas que passam despercebidos pelos olhares de muitas pessoas que viajam para lá com uma visão preconceituosa, elitista e não percebem coisas simples, como as crianças brincando pelas ruas de Havana, correndo pra cima e pra baixo, sem sequer seus pais se preocuparem; não importa se têm 5, 10 ou 15 anos, nada vai acontecer com eles lá fora, nenhum menino de 9 anos vai fumar crack e muito menos vender quinquilharias nas esquinas: isso não chega lá, as crianças em Cuba estão na escola, onde elas devem estar.

O narcotráfico, um dos maiores problemas mundiais, em Cuba não entra, o tráfico de drogas é praticamente inexistente se comparado com o restante do mundo, não há droga nos bares ou nas festas freqüentadas pelos jovens cubanos, assim como não há as propagandas massivas de bebidas alcoólicas.

Cultura transborda por todos os cantos, teatros, festivais de cinema, poesia, pintura e música estão por todas as partes e os preços dos espetáculos são acessíveis a todos os cidadãos. Tudo isso muita gente não percebe, isso a VEJA não publica, mas quando aparece uma pessoa com afirmações absurdas sobre a ilha, sem nenhuma fonte confiável para provar o que diz, aí sai na primeira pagina em todos os meios de comunicação, essa passa a ser a grande noticia do nosso país, cheio de "liberdade de expressão".

É fácil para um brasileiro que vive em São Paulo, no Morumbi, na Vila Olímpia, em Ipanema ou na Barra da Tijuca sair criticando a ilha e dizendo que aqui está melhor que lá. Claro que sim! Minha família é de classe média e eu também vivo melhor que os cubanos, mas quantos brasileiros vivem como a gente?

Existem milhões e milhões de brasileiros que dariam a vida para ter as oportunidades que o governo cubano dá para seu povo, para ter uma casa como todos os cubanos têm, para ter atendimento médico gratuito de excelente qualidade, para não ter que se preocupar com a escola dos seus filhos, para ter um prato de comida em cima da mesa. Mas não, nós, cegos, preferimos reparar que lá não tem carne de vaca, que só tem carne de frango, peixe e carne porco, que a variedade dos alimentos não é grande como a nossa ou que eles não têm dinheiro pra comprar um Nike, um IPod.

Vocês devem estar se perguntando se eu não tenho nenhuma critica negativa sobre a ilha, eu digo que é obvio que eu tenho varias, com certeza até mesmo o Fidel Castro tem varias criticas negativas ao seu governo.

A questão não são os erros que eles cometeram ou os acertos, a questão é que a luta do governo cubano é pela melhoria na qualidade de vida de todas as pessoas, é um governo que luta pelo seu povo e faz o impossível para manter todas as condições básicas para o ser humano viver com dignidade.

E tudo isso junto com o bloqueio comercial imposto pelos EUA que impede que o avanço na qualidade de vida dos cubanos siga em ritmo mais acelerado. Não é o Fidel que faz mal para a ilha, quem faz mal para a ilha somos todos nós, que a cercamos, a excluímos e seguimos prejudicando-os com nossas políticas internacionais que prejudicam um país que carece de muitos recursos financeiros.

Nós não podemos esquecer de que, antes de fazer criticas sobre a conduta do governo cubano para com seu povo, temos que pensar primeiro no contexto político que viveu e vive a ilha de Cuba; um erro pode significar o fim de mais de cinqüenta anos de luta pela soberania de um povo, o fim de uma população saudável e muito bem educada.

Lembrem-se de que o Haiti já foi o país com a melhor qualidade de vida da América Latina, situação que durou até a política norte-americana "América para os americanos": hoje o Haiti é o país mais pobre da América.

Antes de criticar as limitações impostas pelo governo para a saída dos cubanos do país, informem-se. Em primeiro lugar, os cubanos que tentam visitar familiares nos EUA assim como cubanos que vivem nos EUA e tentam visitar os familiares em Cuba, encontram muito mais resistência por parte do governo norte-americano do que por parte do governo cubano.

Essa resistência se dá pelo fato do governo norte-americano pressionar os cubanos que querem visitar seus familiares a assumir a nacionalidade norte-americana; como muitos só querem ir visitar a família nos EUA e depois voltar acabam tendo muita dificuldade para conseguir o visto. O mesmo acontece com outros países que impõem milhares de restrições para evitar que o cubano consiga o visto para a viagem.

Quem já viveu em Cuba um tempo razoável sabe que isto é verdade, inclusive na televisão cubana passam propagandas insistindo para os norte-americanos liberarem os cubanos que lá vivem para visitar seus familiares em Cuba. Em Cuba existe uma lei que diz que se um cubano sair de Cuba como turista, ele pode ficar, no máximo, onze meses fora do País e, se esse tempo for ultrapassado, ele perde a nacionalidade por um tempo limitado. Muitas pessoas também não compreendem isso.

Lembrem-se que Cuba é um regime Socialista, lá tudo é do Estado e o Estado garante todas as necessidades básicas da população (moradia, comida, educação e saúde); seria injusto que um cubano viajasse, trabalhasse fora, ganhasse bastante dinheiro, e depois voltasse para Cuba usufruir de todas essas vantagens, mas sem contribuir com nada. O Estado é o povo, o povo é o Estado. Com relativa freqüência, muito cubanos que viajam para Espanha ou outros países não voltam mais, pois logo conseguem um bom emprego, graças a excelente educação que tiveram em Cuba, mas os filhos ficam em Cuba.

Quando você pergunta por que eles não foram também, te respondem: "Ah! lá a escola é muito cara, eu não teria condições de pagar". Muitos destes cubanos ainda têm a cara-de-pau de criticar o governo do seu país. Eu acho que não precisa de muito para perceber que isso não está correto.

Eu gostaria de saber quando é que a gente vai parar de aceitar que todos esses meios de comunicação nos manipulem, na defesa dos interesses de uma elite que não se importa com ninguém além dela mesma. Quando vamos parar de prestar atenção nesses canais de televisão, nessas rádios, jornais e revistas que mentiram pra nós o tempo todo, manipulando pesquisas eleitorais, escondendo informações e divulgando calúnias, quando vamos parar de aceitar coisas como "rouba mas faz" ou um presidente que escreve livros e livros e quando assume a presidência diz pra esquecer tudo que ele disse.

Que convicção tem uma pessoa dessas que muda de uma hora para outra? Acho que nunca teve convicção em nada. Hoje vivemos talvez o início de uma era que nunca vivemos, a América Latina está sendo cada vez mais tomada por governos de esquerda que realmente estão se importando com a nossos povos, como o Hugo Chávez na Venezuela, o Evo Morales na Bolívia, o Rafael Correa no Equador, o José Mujica no Uruguai e o Lula no Brasil.

Só resta saber se vai ser apenas uma época ou se realmente vamos mudar. Esses presidentes não podem fazer nada se nós não ajudarmos, talvez se nosso povo se mobilizasse mais, nosso governo poderia realizar os seus projetos sem tantos obstáculos.

Pra essa blogueira eu gostaria de dizer que ela deveria sentir vergonha das injustiças que comete com um país que conquistou tudo que Cuba conquistou mesmo sendo o único país que olha para os EUA e diz NÃO. Como pode ela dizer que todas essas conquistas foram falsas? Como pode ela, na reportagem para a revista VEJA dizer que nenhum estrangeiro que viveu em Cuba pode admirar aquele regime?

Como ela pode falar assim pelos outros? Eu vivi em Cuba e não só admiro o seu regime como acredito nele, acredito que Cuba foi e continua sendo a grande esperança para os povos deste planeta que carecem dos recursos básicos para um ser humano viver. Eu tenho certeza que esses alunos de medicina, muitos oriundos de famílias que não tiveram condições de proporcionar todas as oportunidades que todos os seres humanos deveriam ter por direito, e muitas outras pessoas solidárias a Cuba e que lá viveram, sentem a mesma admiração que eu por tudo de maravilhoso que lá foi construído e pela pouca esperança que nos resta, mas que passa a ser tão grande quando olhamos para nossos queridos irmãos cubanos.

Eu acredito que num futuro distante o Fidel Castro Ruz não somente será lembrado como um grande homem, mas sim como um ícone da luta pela justiça e pela igualdade social em nosso planeta, um ícone ainda maior que nosso querido comandante Che Guevara. Bom seria se o mundo não esperasse sua morte, como aconteceu com o Che, para reconhecermos isso. Eu espero estar vivo para ver isso e espero que até lá o governo cubano se mantenha forte e resistente para que, no futuro, não precisemos olhar para trás arrependidos e dizer: "Que pena, naquela época a situação podia ter mudado, mas não mudou", como já vimos acontecer muitas vezes na nossa historia.


fonte: PCB
Colaboração: Associação José Martí - Rio Grande
 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

No Haiti, miséria da disputa pelo poder sobre os miseráveis

O terremoto que arrasou a capital do Haiti não pôs abaixo apenas prédios e casas, ceifando a vida de dezenas de milhares de haitianos. Ele ruiu as já frágeis instituições de um Estado em permanente crise, corroído pelas dificuldades históricas de constituição de uma nação que emergiu de uma revolução escrava, com população negra e explorada por países ricos.

As imagens de destruição, dor e revolta que vemos na televisão são o ápice de uma situação que já era deplorável, mas ignorada pelo mundo. A catástrofe que atingiu Porto Príncipe colocou o Haiti, seus problemas e seu povo no centro das atenções deste mundo guiado pelo instantâneo.

Antes da tragédia, poucos tinham interesse no futuro do Haiti. A Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti - Minustah - criada pela ONU em 2004 e comandada pelo Brasil, cumpria importante papel na reconstrução desse Estado, como ficou evidente nas últimas eleições legislativas realizadas no país, em 2009.

Agora, com os holofotes voltados para o desastre, outros países saíram da sombra em busca de maior protagonismo no processo de reconstrução do país. Ajuda humanitária, sensibilização diante do sofrimento e da dor, senso de responsabilidade e solidariedade. Pode ser. Mas há também uma profunda disputa política internacional por poder, visibilidade e ascendência no mundo.

Os Estados Unidos são uma peça chave nesse tabuleiro. Já ocuparam e assumiram o controle sobre o aeroporto da capital haitiana, que neste momento é o centro nervoso do poder no país. Isto porque quem controla o aeroporto, controla quem entra e sai do Haiti. Determina quais ajudas receber e quais não receber. Controla o espaço aéreo, comando estratégico para qualquer nação.

O Ministério da Justiça prontamente se pronunciou sobre essa “intervenção” estadunidense. Nelson Jobim fez sua queixa diretamente à secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. Sob a tutela dos EUA, o aeroporto já impediu a aterrissagem de aeronaves brasileiras e francesas.

Nunca é demais lembrar que o plano de constituição de bases militares dos Estados Unidos na América Latina vai de vento e popa e, nessa geografia, o Haiti pode ser mais um estratégico ponto de apoio.

Para não dizer que com uma intervenção mais direta os Estados Unidos lustram sua imagem internacional, desgastada por ocupações de destruição. Em particular, ganha Barack Obama que pode, com a missão no Haiti, criar um contraponto à política de seus antecessores e aparecer como o homem da paz – e, quem sabe, fazer jus ao prêmio Nobel recebido.

No próximo domingo, uma teleconferência no Canadá organizada pela ONU vai debater a situação do Haiti e o papel dos países no processo de ajuda humanitária e reconstrução. Não há como deixar de lado os objetivos políticos que cada nação tem nesse processo; seria inocente pensar assim. Mas esses objetivos não podem, de maneira nenhuma, se sobrepor ao objetivo central e número um que é resgatar a dignidade do povo haitiano.

Original em Vermelho

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O FMI ataca a Ucrania por suas medidas sociais

Traduzido por J.A. Pina / Rosalvo Maciel

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O diretor geral do Fundo Monetario Internacional (FMI), Dominique Strauss-Khan critica ao presidente ucraniano, que decidiu aumentar em 20% o salario mínimo, fixado em torno dos 60 € por mes. Dominique expressou sua “preocupação” por este projeto de lei e ameaçou não levar a término o quarto pagamento de ajuda, uma soma total de 16,4 bilhões de dólares.

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Para o diretor geral, tudo isso questiona os objetivos fixados pelo Fundo Monetario Internacional: adoção de orçamentos austeros, privatização de serviços públicos… medidas que, no entanto, precipitaram a crise de muitos países do Leste.

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Ainda que o presidente atual, Viktor Iouchtchenko (Nossa Ucrania), tente um golpe de efeito a três meses das eleiçoes presidenciais quando está muito distanciado de seus dois adversarios, Ioulia Timochenko, primera ministra em exercicio, e Viktor Ianoukovitch (Partido das Regioes), antigo chefe de governo, o certo é que sua decisão também és uma reação à crise social e econômica que atinge o país.

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As pensões e os salários são os mais baixos da Europa enquanto que os preços aumentam constantemente. A debilidade dos serviços públicos expõe o país a riscos sanitários, como mostra a amplitude da epidemia de gripe A, com 60 mortos.

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Na atualidade, os ucranianos se desentendem de uma classe política que nunca respondeu a suas expectativas.

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Vinte anos depois da queda do Muro, uma recente perquisa do Pew Research International mostra que na Ucrania as opiniões favoráveis à transição para o multipartidismo desabou, para 30% frente aos 72% em 1991.

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Original em L'Humanité

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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Lula: 'Desemprego não é culpa dos imigrantes e pobres'


Pablo Uchoa
Enviado especial da BBC Brasil a Genebra

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta segunda-feira que a crise econômica e o desemprego não são culpa dos "imigrantes e pobres do mundo", durante seu primeiro discurso no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.

Ao falar em uma sessão do conselho sobre a relação entre direitos econômicos e direitos humanos, o presidente afirmou que os efeitos mais "perversos" da crise não devem ser jogados sobre os ombros dos países mais pobres.

"Essa crise traz um efeito perverso sobretudo quando os imigrantes, sobretudo os pobres, africanos, latino-americanos e asiáticos, que transitam pelo mundo à procura de oportunidades de trabalho, começam a ser enxergados como responsáveis por ocupar o lugar das pessoas filhas dos países ricos", declarou o presidente.

"Não são os imigrantes, os pobres do mundo, os responsáveis pela crise. Os responsáveis pela crise são os mesmos que por muito tempo sabiam como ensinar a administrar os Estados. Sabiam como ter ingerência nos Estados pobres da América Latina e da África."

Para o presidente, "esses mesmos senhores que sabiam de tudo um tempo atrás, hoje não sabem mais de nada. Não conseguem explicar como davam tantos palpites nas políticas dos países pobres e que não têm sequer uma palavra para analisar a crise dos países ricos".

Lula citou medidas para legalizar a situação de trabalhadores estrangeiros no Brasil, aprovadas recentemente pelo Congresso, como um exemplo de política a ser seguido.

"No Brasil, nós acabamos de legalizar centenas de milhares de imigrantes que viviam ilegalmente no país. Para dar uma resposta, um sinal aos preconceituosos, aqueles que imediatamente querem encontrar os responsáveis pela sua própria desgraça, o seu desemprego", disse.

Direitos econômicos e humanos
Em outro momento de seu discurso, o presidente fez uma relação entre direitos econômicos e direitos humanos.

"A realização dos direitos econômicos é importante para preservar direitos civis e políticos, para consolidar o Estado de Direito, e para construir sociedades democráticas, justas e prósperas", afirmou Lula.

Ele afirmou que o Brasil investe na cooperação sul-sul como forma de promover os direitos humanos, citando exemplos como a contribuição para a luta contra a Aids na África, e a participação em um projeto de inclusão social na Palestina.

"No Haiti, emprestamos um novo significado às operações de paz da ONU ao demonstrar que, para se obter a verdadeira paz, não basta combater a violência pela força das armas; deve-se, ao contrário, promover o desenvolvimento econômico e, com ele, a inclusão e justiça social", continuou.

Ele disse também que avanços sociais no Brasil - que ele atribuiu ao Fome Zero, Bolsa Família, redução dos níveis de pobreza e elevação do salário mínimo - também melhoraram as condições dos direitos humanos no país.

"A crise financeira, que nasceu da desregularização das economias mais ricas, não será pretexto para incentivar o descumprimento das obrigações de cada Estado com a promoção e proteção dos direitos humanos. Tampouco deve conduzir a que sejam descumpridos compromissos com os mais necessitados", ressaltou Lula.
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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Exige Lula em Genebra nova ordem econômica

por Bianka de Jesus
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O presidente do Brasil, Luiz Inacio Lula da Silva, pediu hoje uma distribuição mais justa das riquezas e pronunciou-se por converter o comércio internacional em um instrumento de desenvolvimento.
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Durante sua intervenção muito aplaudida no segmento de Alto Nível do Conselho de Direitos Humanos (CDH) de Nações Unidas, Lula exigiu uma nova ordem econômica internacional que recompense a produção e não a especulação.
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Solicitou assim mesmo reunir esforços para defender os direitos dos pobres e reforçou que como dirigente de um país em desenvolvimento, "espero que surja da crise uma nova ordem internacional que recompense a produção e não a especulação".
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Tudo deveria ocorrer em apego às normas meio-ambientais, sentenciou pouco antes de transladar-se ao salão plenário do Palais de Nations de Genebra, onde se realiza a 98 Conferência Internacional do Trabalho.
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Lula voltou a reiterar o chamado a todos os países, ricos e pobres, a debater de forma construtiva as crises, suas causas, seus efeitos e as soluções para sair dela, ao mesmo tempo em que denunciou seus efeitos perversos nos emigrantes e setores vulneráveis.
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Eles não são os responsáveis pela recessão que afeta a vários países, enfatizou.
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"A crise financeira, que nasceu da desregulação das economias mais ricas, não é um pretexto para alentar o não cumprimento das obrigações da cada Estado com a promoção e a proteção dos direitos humanos", argumentou.
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Também não deve levar ao não cumprimento dos compromissos com os mais necessitados, reforçou.
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Lula, quem na data se entrevistará com seu homólogo francês, Nicolás Sarkozy, viajará depois a Rússia para tomar parte na cúpula dos BRIC junto com o anfitrião, Índia e Chinesa.
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Os BRIC (siglas dos nomes dessas nações) são territórios com mais de 100 milhões de habitantes e enormes potenciais econômicos e de crescimento.
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Original em Prensa Latina

sábado, 13 de junho de 2009

No mundo há 150 milhões de crianças vivendo na rua

Crianças das ruas, o desamparo eterno?
No mundo há 150 milhões de crianças vivendo na rua. Estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) asseveram que as crianças são os mais golpeados pela pobreza; nenhum outro grupo de idades é tão vulnerável.

María Julia Mayoral *
Traduzido por Rosalvo Maciel
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A ONU assegura que no mundo há uns 150 milhões de ''crianças de rua'', vivendo na mendicidade, vítimas muitas vezes da droga e da prostituição: um mal conhecido e em crescimento. Nenhuma região do planeta está isenta do drama diário dos menores abandonados à sua sorte. Para o año 2020 poderían chegar a 800 milhoes, alertan os especialistas.
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Estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) afirmam que as crianças são os mais atingidos pela pobreza; nenhum outro grupo de idades é tão vulnerável. ''Causa neles danos físicos e psicológicos para toda a vida''. Para a UNICEF, sobrevivência, proteção e desenvolvimento dos menores constituem imperativos de caráter universal e Forman parte integrante do progresso de a humanidade.

A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Crianças, ratificada por quase todos os países, com exceção dos Estados Unidos e Somália, dispõe em seu artigo 39 responsabilidades claras. ''Os Estados participantes adotarão todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física, psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura ou outra forma de tratamento ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos armados''.

Essa recuperação e reintegração, agrega o texto, ''se levará a cabo em um ambiente que fomente a saúde, o respeito de si mesmo e a dignidade da criança''. Entretanto, em 2008 o informe da UNICEF sobre o Estado Mundial da Infância indicou que cerca de 10 milhões de crianças morrem anualmente; algo ''inaceitável, especialmente quando muitas destas mortes se podem evitar''.
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Apesar dos compromissos internacionais, legislações específicas e ao trabalho de diversas instituições, inclusive organizações não governamentais, o problema se agrava, e as crianças de rua constituem uma das faces mais visíveis do conflito. Diversos projetos governamentais respondem com freqüência a esquemas isolados de proteção à infância em extrema pobreza ou a decisões de assistência direta mediante a entrega de comida, roupa, medicamentos ou outros bens de sobrevivência. Poucas vezes aparecem visões integradoras que pretendam mudar o status quo gerador e reprodutor da exclusão social. Nada garante que possa haver melhorias sensíveis se a humanidade continua submetida à lógica do capital; só pelos canais financeiros e comerciais os países ricos deslocam com força os impactos da presente crise às nações subdesenvolvidas.
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De acordo com estudos internacionais, dentro do Terceiro Mundo estão em queda os investimentos estrangeiros diretos e a entrada de remessas, enquanto continua a transferência clara de recursos ao Norte desenvolvido por meio dos pagamentos da dívida externa.

Devido à crise e condicionados pelos entes financeiros internacionais, muitos governos têm hoje as reservas minguadas e recorrem a redução nos investimentos, entre eles os dedicados a aliviar problemas sociais a longo prazo. Instituições não governamentais que trabalham no resgate de crianças e adolescentes das ruas tampouco exibem uma situação favorável; enfrentam a falta de apoio financeiro para continuar seus programas.

Vistas essas condições em conjunto, como esperar melhor destino para as crianças de rua? A priori poderia pensar-se que o conflito reside na falta absoluta de recursos, mas a realidade mostra o contrario; somente em 2008 os gastos mundiais em armamentos militares cresceram em quatro por cento, ao elevarem-se as despesas a 1,46 trilhões de dólares. Em seu informe sobre o tema, o Instituto Internacional de Estudos para a Paz também alertou que a cifra equivale a 2,4 por cento do Produto Interno Bruto no planeta.
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Enquanto isso segue crescendo de maneira exponencial o número de pessoas com menos de um dólar diário para seu sustento. Estadistas como o líder cubano Fidel Castro asseguram que a cobrança de uma taxa de apenas um por cento sobre as operações especulativas no planeta bastaria para financiar o desenvolvimento de todo o Terceiro Mundo. Para UNICEF, ''a continuada marginalização econômica e social dos mais pobres está privando a um número crescente de meninos e meninas do tipo de infância que lhes permitiria converter-se em parte das soluções do amanhã em vez de passar a engrossar os problemas''.

Mudanças na América Latina durante os anos mais recentes indicam a possibilidade de promover bem estar aos mais humildes a partir da participação do Estado, renacionalizando recursos naturais em função dos interesses do país e desenhando políticas de beneficio social com participação cidadã. Reconhecida internacionalmente por instituições como UNICEF, a experiência cubana na atenção à infância oferece referenciais a levar em conta. Com o desaparecimento do campo socialista e da União Soviética, a nação caribenha perdeu mais de 70 por cento de suas importações; a população padeceu diversas necessidades, mas nenhuma criança foi deixa a viver na rua.
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Não há fórmulas pré-fabricadas para chegar a soluções, cada nação poderia ter as suas próprias; mas o drama das crianças de rua convida a observar com olhar crítico a lógica do capital, porque dói tanto desamparo durante tanto tempo.
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*Jornalista da Redação de Centroamérica de Prensa Latina.
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Original em Telesur

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Vergonha: ex-presidente da UNE manda PM invadir a USP

Quem conhece bem o governador de São Paulo, José Serra, diz que ele nada tem de impulsivo. Cerebral e determinado, Serra agiu de caso pensado e escolheu o seu lado quando mandou a Polícia Militar jogar bombas e atirar balas de borracha nos grevistas da Universidade de São Paulo (USP). O ex-presidente da UNE, nos idos de 1964, e provável presidenciável tucano em 2010, quer provar a seu eleitorado conservador que aquilo foram pecadilhos de juventude.
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Por Bernardo Joffily

Algum dia algum sociólogo ou politicólogo se debruçará sobre essa curiosa e muito brasileira peculiaridade camaleônica de nossa direita conservadora: apresentar candidatos viracasacas, egressos do campo da esquerda.

Assim foi com o ex-presidente Fernando Henrique, que flertou com o marxismo, exilou-se durante a ditadura e colaborou com o semanário alternativo Opinião, antes de se tornar o presidente da privataria neoliberal. Assim é com o governador Serra visto por Luc Gilberstein paulista, que presidiu a UNE como militante da AP (Ação Popular), discursou no célebre comício de 13 de março de 1964, pressionando pelas reformas de base de João Goulart, e também conheceu o exílio.

A lista incluiria o vice de Serra no Palácio dos Bandeirantes, Alberto Goldman, ex-PCB, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) e o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). E seria longa – numa mistura de mimetismo esperto e confissão de que a direita no Brasil oculta sua verdadeira cara.Porém o hoje distante passado de Serra (como o de FHC e dos outros citados) não o impede de ''ter lado'', como diria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso, o lado da carcomida oligarquia que, no Brasil, sempre considerou a questão social como um caso de polícia.
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Serra aparentemente nem se apercebe da aberração que foi o envio da tropa de choque da PM na terça-feira (9) para espancar funcionários, estudantes e professores em greve dentro do campus da USP, por ordem de um ex-presidente da UNE. Seu passado de líder estudantil em nada estorva seu presente de governador truculento e presidenciável do conservadorismo.
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Balas de borracha, bombas de efeito moral e gás de pimenta são o seu discurso diante da greve. Até parece que se inspirou no presidente do Peru, Alan Garcia (outro viracasaca!...), que dias antes enviou sua polícia atirar de helicópteros contra uma manifestação de indígenas amazônicos, no massacre de Bagua.
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Em contraste com Serra, o governo Lula inaugurou no Brasil uma atitude sem precedentes diante dos movimentos de massas, radicalizando um comportamento que apenas se esboçou nas gestões de Juscelino (1956-1960) e Jango (1960-1964). Sua marca, reconhecida até pelos movimentos sociais mais críticos, é a acessibilidade, o diálogo e a tolerância no tratamento dos inevitáveis conflitos de interesses.
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Esta é uma das perguntas cruciais que o eleitor brasileiro provavelmente será chamado a responder na eleição presidencial de 3 de outubro de 2010. O Brasil vai prosseguir no caminho inaugurado por Lula? Ou retrocederá aos métodos que Serra exibiu?
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Original em Vermelho

quinta-feira, 7 de maio de 2009

ONU: crise provoca fome em mais de 100 milhões

Jornal do Commercio, PE

Mais de 104 milhões de pessoas passarão fome em todo o mundo em 2009 por causa da crise econômica, elevando o número de subnutridos a quase um bilhão, declarou ontem Jacques Diouf, diretor da agência da ONU para a Alimentação e a agricultura (FAO).

“Estimamos que mais 104 milhões de pessoas não terão este ano um acesso adequado à alimentação devido à crise econômica e financeira”, disse Diouf durante uma entrevista coletiva em Paris.

“Assim, quase um bilhão de pessoas ficarão privadas de seu direito fundamental à alimentação”, acrescentou, destacando que este número é o mais elevado da história.

Em 2008, o número de pessoas subalimentadas aumentou 40 milhões por causa da disparada dos preços dos produtos alimentares, lembrou Diouf, frisando que o aumento foi de 75 milhões em 2007.

A "insegurança alimentar" afeta principalmente 32 países no mundo que precisam de uma "ajuda urgente", insistiu o diretor da FAO, afirmando que a produção alimentícia mundial tem que ser "multiplicada por dois". Diouf também exortou os países ricos a cumprirem suas promessas e em matéria de ajuda aos países pobres. "Não se pode comparar o trilhão de dólares concedido pelos governos para resgatar o setor financeiro com as somas que são necessárias para permitir às pessoas satisfazerem sua necessidade mais fundamental, o ato de se alimentar".
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O caminho mais curto para fracasso

Leonardo Boff

Das muitas reflexões acerca do colapso do sistema neoliberal, três despontam com claridade. A primeira é que para salvar o Titanic afundando não bastam correções e regulações no sistema em naufrágio. Precisa-se de uma outra rota que evite o choque com o iceberg: uma produção que não se reja só pela ganância nem por um consumo ilimitado e excludente. A segunda, não valem rupturas bruscas na ilusão de que já nos transportariam para um outro mundo possível, pois seguramente implicariam no colapso total do sistema de convivência, com vitimas sem conta, sem a certeza de que das ruínas nasceria uma nova ordem melhor. A terceira, a categoria sustentabilidade é axial em qualquer intento de solução. Isso significa: o desenvolvimento necessário para a manutenção da vida humana e para a preservação da vitalidade da Terra não pode seguir as pautas do crescimento até agora vigentes (olho no PAC de Dilma Rouseff). Ele é demasiado depredador do capital natural e parco em solidariedade generacional presente e futura. Importa encontrar um sutil equilíbrio entre a capacidade de suporte e regeneração da Terra com seus diferentes ecossistemas e o pretendido desenvolvimento necessário para assegurar o bem viver humano e a continuidade do projeto planetário em curso que representa a nova e irreversível fase da história.

Esta diligência precisa acolher a estratégia da transição do paradigma atual que não garante um futuro sustentável para um novo paradigma a ser construído pela cooperação intercultural que signifique um novo acerto entre economia e ecologia na perspectiva da manutenção da vida na Terra.

Onde vejo o grande gargalo? É na questão ecológica. Ela é citada apenas en passant nas agendas políticas visando a superação da crise. Na reunião dos G-20 no dia 2 de abril em Londres, o tema não influiu na formulação dos instrumentos para ordenar o caos sistêmico. Não se trata apenas do mais grave de todos, o aquecimento global, mas também do degelo, da acidez dos oceanos, da crescente desertificação, do desflorentamento de grandes zonas tropicais e do surgimento do planeta-favela em razão da urbanização selvagem e do desemprego estrutural. E mais ainda: a revelação dos dados que mostram a insustenbilidade geral da própria Terra, cujo consumo humano ultrapassou em 30% sua capacidade de reposição.

Uma natureza devastada e um tecido social mundial dilacerado pela fome e pela exclusão anulam as condições para a reprodução do projeto do capital dentro de um novo ciclo. Tudo indica que os limites da Terra são os limites terminais deste sistema que imperou por vários séculos.

O caminho mais curto para o fracasso de todas as iniciativas visando sair da crise sistêmica é esta desconsideração do fator ecológico. Ele não é uma “externalidade” que se pode tolerar por ser inevitável. Ou lhe conferimos centralidade em qualquer solução possível ou então teremos que aceitar o eventual colapso da espécie humana. A bomba ecológica é mais perigosa que todas as bombas letais já construídas e armazenadas.

Desta vez teremos que ser coletivamente humildes e escutar o que a própria natureza, aos gritos, nos está pedindo: renunciar à agressão que o modelo de produção e consumo implica. Não somos deuses nem donos da Terra mas suas criaturas e seus inquilinos. Belamente termina Rose Marie Muraro um livro a sair em breve pela Vozes”Querendo ser Deus, por quê? “Quando tivermos desistido de ser deuses, poderemos ser plenamente humanos o que ainda não sabemos o que é, mas que já intuíamos desde sempre”.
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Original em MMCBrasil

domingo, 3 de maio de 2009

Ucrânia: estação terminal

Os países ricos da UE descobriram uma forma expedita de se verem livres dos refugiados que procuram matar a fome na Europa desenvolvida: enviam-nos para a Ucrânia, onde são encerrados em campos de refugiados, onde são desrespeitados os mais elementares Direitos do Homem!O Comitê Europeu para a Defesa dos Refugiados e Imigrantes (CEDRI) fez recentemente uma visita a alguns desses campos. O texto que hoje publicamos é o relato dessa visita de inspeção.


CEDRI*
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Ficamos desconfiados face a este silêncio. Onde estão atualmente os refugiados? Os países europeus continuam a expulsá-los para a Ucrânia que tem fronteiras comuns com a Polônia, a Eslováquia, a Hungria e a Romênia. Para um crescente número de migrantes a Ucrânia é a estação terminal do seu caminho para ocidente. As nossas amigas e amigos no terreno tinham conhecimento de alguns indícios que gostaríamos de seguir. O que vimos perturbou-nos.
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Terça-feira, 10 de Março, visitamos, graças ao talento negociador dos nossos colaboradores, um campo no quartel dos guardas fronteiriços ucranianos em Chop, uma cidade na fronteira húngara. Até agora quase ninguém tivera acesso a este campo. Acompanhados por representantes da Caritas de Igreja local, encontramo-nos com o major dos guardas fronteiriços, que nos conduz na visita pelas instalações.
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Leva-nos primeiro a um pavilhão que foi remodelado através de recursos da UE e da Caritas Austríaca. Na parte esquerda do edifício está o sector das mulheres e no da direita o dos homens. O oficial mostra-nos a cozinha comum na ala das mulheres e dos quartos. Aí apenas se encontra uma mulher idosa proveniente da Moldávia. Está sentada na sua cama, prostrada e silenciosa. Mostra-nos uma porta fechada à chave que conduz a um pátio cercado por rede, “destinado às crianças”.
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Uma cerca apresenta-se perante nós; chegamos ao setor dos homens. O ar é sufocante. Um estreito corredor central estende-se à nossa frente, de cada lado estão quatro celas, habitadas por 3-4 pessoas, fechadas por pesadas portas de aço. Duas estão vazias. Dois olhos plenos de esperança observam-nos através de um postigo do tamanho de uma carta de correio. Chegamos a comunicar com alguns refugiados através destas pequenas aberturas. Dois jovens Georgianos estão aqui há três meses; um deles não come quase nada e o outro se queixa da água que é intragável. Um homem originário do Paquistão pergunta quando poderá finalmente fazer um pedido de asilo. Ao todo o pavilhão tem a capacidade de acolher 44 pessoas. Não vemos, no entanto, mais de 20. Inicialmente tinham-nos dito que o número de ocupante se cifrava em 120 pessoas. Onde estão os outros? Insistimos inúmeras vezes junto do major sobre o fato de querermos ver os outros refugiados. Após longas hesitações leva-nos a um outro edifício.
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Um guarda em uniforme de combate abre-nos a cerca. Encontramo-nos num corredor sombrio: há uma avaria na eletricidade. As portas das celas são abertas e, a pouco e pouco, alguns jovens afluem ao corredor. Eles estão de pé, frente a nós e à nossa volta. Homens que vêm da Somália, do Iraque, da Eritreia, da Palestina, da Tchetchênia, do Afeganistão. Um Palestino falando bem o francês e implora-nos: são 27 pessoas numa cela de 5 metros por 5, com quatro camas de três níveis. Eles têm que se revezar para poderem dormir. A comida é miserável, não há água em condições, não há água quente nem duchas. Têm que pedir aos guardas para ir aos sanitários. Reina um cheiro incrível. Ao todo, o setor conta com quatro celas com aproximadamente 100 pessoas. Não têm direito a respirar ar fresco no pátio interior mais que duas vezes por mês, mesmo sendo o ar das celas irrespirável. Um jurista vem de duas em duas semanas. Mas jamais alguém teve notícias dos seus pedidos de asilo.
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Os cofres do Estado Ucraniano estão vazios. O dinheiro quase que não chega para pagar o soldo dos seus próprios guardas fronteiriços. Até ao momento era a Caritas local que assegurava por assim dizer a alimentação das pessoas internadas. A obra de caridade levava água potável em garrafas, comida, roupas, produtos de higiene e medicamentos. Era ela também que remunerava uma assistente social e a visita dos juristas. Contudo, os recursos da Caritas estão igualmente esgotados, porque a UE não dá mais dinheiro. Ninguém sabe como a situação vai poder continuar.
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Na mesma visita encontramo-nos com o Delegado para a Migração do Ministério das Nacionalidades e Religiões em Oujgorod, a capital da Transcarpácia. Ele assegura-nos que não tem recebido mais pedidos de asilo apresentados por refugiados do campo de Chop, para submeter ao Ministério da Defesa. O delegado não tinha qualquer contato com o campo.
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Mais tarde, em Oujgorod, encontramos cinco refugiados somalis que tinham conseguido entregar um pedido de asilo. Em seguida tinham obtido uma autorização de estadia provisória, mas sem qualquer possibilidade de obterem asilo. Não têm o direito de trabalhar nem recebem qualquer ajuda. Vivem nove num compartimento minúsculo. Os policias remexem e interrogam-nos quase diariamente. Dificilmente passeiam nas ruas com medo das agressões racistas. A sua voz é hesitante, têm medo e recusam-se a falar mais.
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Dois dias mais tarde. Encontramo-nos a 500 km mais ao norte do pais, na direção de Ludsk. É aqui que um campo “modelo” está construído, segundo um plano da Organização Internacional para as Migrações. A OIM é uma organização inter-governamental, que se ocupou, por exemplo, dos campos de internamento dos boat people nas longínquas ilhas do Pacífico, por mandato da Austrália. O campo ucraniano situa-se nos confins de uma floresta pantanosa, no lugar de uma antiga base soviética de mísseis nucleares. O local está cercado por um alto muro branco encimado por fios de arame farpado resplandecentes. Os edifícios estão renovados, com boa aparência e limpos. Em resumo, uma prisão perfeita, sob controle do Ministério do Interior, com policias e também com pavorosos guardas em uniformes negros, munidos de longas matracas. Mulheres de impecáveis blusas brancas deambulam pelos corredores como se se tratasse de uma clínica.
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Um verdadeiro gulag moderno. O campo está preparado para 180 pessoas mas apenas 29 aí estão encerradas. Percebemos que também aí faltava dinheiro para poder alimentar um maior número de ocupantes. O ocidente contentou-se em financiar a renovação. Os refugiados ficam aí no máximo 6 meses e são em seguida deixados sem trabalho, sem alojamento nem dinheiro em qualquer lugar nos campos. Levam-nos a uma casa onde se encontram os refugiados; estão sentados numa sala de repouso cercada por rede, como que paralisados. Não querem falar perante os guardas, têm medo. Deixamos o lugar arrepiados. Ucrânia: estação terminal.
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Que podemos fazer? No decurso da nossa viagem encontramos numerosas comissões que constituem a base de uma futura sociedade civil. Graças a elas podem ser elaborados projetos de desenvolvimento com as populações autóctones; graças a elas o tráfico de seres humanos é combatido; graças a elas pudemos visitar os campos. Elas gostariam de fazer qualquer coisa pelos refugiados e nós queremos apoiá-las nas suas ações. Ajudem-nos a apoiá-las! Cem francos de cá são uma grande quantia lá.
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No imediato: grande urgência de água potável, comida, vestuário e medicamentos para os refugiados do campo de Chop, bem como conselheiros jurídicos independentes, no campo e à sua volta. É necessário criar um fundo de urgência para os refugiados pobres que se encontram nas cidades, que será gerido pelos nossos colaboradores no local.
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A médio prazo: queremos promover a instalação de campos “abertos” e permanentes, nos quais os refugiados possam receber conselhos, cuidados médicos, e nos quais possam encontrar a paz, como alternativa aos campos aferrolhados. Além disso, é urgente sensibilizar a população ucraniana sobre a situação aflitiva em que vivem os refugiados, para evitar violências xenófobas.
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A longo prazo: organizar uma campanha de informação no nosso país e nos restantes países europeus com o objetivo de suprimir os envios para a Ucrânia. Temos em preparação um dossiê detalhado destinado às organizações sobre refugiados e à comunicação social, que enviaremos a pedido.
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Não podemos aceitar que os Estados ricos europeus tentem desembaraçar-se do problema dos refugiados repelindo-os para os países mais pobres da periferia da Europa. Agradecemos antecipadamente a vossa solidariedade.
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* O CEDRI é o Comitê Europeu para a Defesa dos Refugiados e Imigrantes.
Tradução: Guilherme Coelho
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Original em O Diário.info

sexta-feira, 1 de maio de 2009

O dia dos pobres do mundo

Karl Marx convocou à união: “Proletários de todos os países, uni-vos!”, apesar de muitos pobres não serem proletários. Lênin, mais amplo ainda, também instou os camponeses e povos colonizados a lutarem unidos sob a direção do proletariado.

A data da celebração foi escolhida como homenagem aos mártires de Chicago, que em 1º de maio de 1886 iniciaram uma greve num país capitalista, cujos trabalhadores eram vítimas do desemprego e de outras calamidades associadas às crises econômicas, inseparáveis do sistema. Seus direitos não eram reconhecidos e os sindicatos eram vistos pela burguesia como organizações terroristas, inimigas do povo dos Estados Unidos.

Os capitalistas recorreram depois a suas melhores armas: a divisão e o economicismo para desmantelar a luta revolucionária.

O movimento operário se dividiu e as exigências sindicais, para muitos em meio à pobreza reinante, eram o objetivo principal, mais do que a mudança da sociedade.

Os Estados Unidos se converteram no país capitalista com maiores diferenças entre as rendas dos ricos e dos pobres. À sombra de sua hegemonia, a América Latina tornou-se, por sua vez, a área do Terceiro Mundo onde as desigualdades entre ricos e pobres eram mais profundas. Os ricos desfrutavam de níveis de vida comparáveis com os da burguesia dos países desenvolvidos da Europa. A noção de Pátria tinha desaparecido nas camadas mais ricas da população.

Era inevitável o choque da grande potência do Norte e da Revolução cubana. A heróica resistência do povo do nosso pequeno país foi subestimada.

Hoje estão dispostos a nos perdoarem se nos resignássemos a voltar ao redil como escravos que, depois de conhecer a liberdade, aceitassem de novo o chicote e o jugo.

Hoje o planeta se debate entre crises econômicas, pandemias, mudanças climáticas, perigos de guerras e outros problemas. A tarefa política se torna mais complexa e ainda alguns iludem-se com que os povos podem ser manipulados como fantoches.

Ainda não se pode dizer a última palavra sobre a evolução futura da atual administração norte-americana. Há elementos novos, tanto objetivos quanto subjetivos. Estudamos e observamos cada um de seus passos. Não somos incendiários como alguns imaginam, mas também não tolos que se deixam enganar facilmente por aqueles que pensam que a única coisa importante no mundo são as leis do mercado e o sistema capitalista de produção. Todos nós temos a obrigação de lutar pela paz, não existe outra alternativa. Contudo, o inimigo jamais deve iludir-se com que Cuba vai render-se.

Esperamos que, cada 1º de maio, milhares de homens e mulheres de todos os cantos do mundo compartilhem conosco o Dia Internacional do Trabalho, que temos vindo comemorando durante 50 anos. Não em vão, muito antes de 1º de janeiro de 1959, proclamamos que nossa Revolução seria a Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes. As conquistas da nossa Pátria nos setores da educação, da saúde, da ciência, da cultura e outros, e especialmente a força e a unidade do povo, demonstram-no, apesar do bloqueio desumano.
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...........Fidel Castro Ruz
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Original em Granma

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Mulheres migrantes sofrem múltiplas discriminações na Europa

"As mulheres migrantes sofrem uma multiplicidade de discriminações. A primeira é motivada pela questão de gênero. Outra é por estar em situação de migração. Há ainda as discriminações racial e por tipo de trabalho. Essa problemática é ainda pouco tratada nas pesquisas. É preciso aprofundar os estudos sobre migração feminina". A afirmação é da antropóloga social e pesquisadora da Faculdade de Sociologia da Universidade de Federico II de Nápoles (Itália), Adelina Miranda.
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Por Talita Mochiute, do Aprendiz
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Para a pesquisadora, que esteve no Brasil para participar do Colóquio Internacional Tolerância e Direitos Humanos, em São Paulo (SP), a primeira questão a ser considerada é que as migrações das mulheres têm especificidades em relação à dos homens. Uma delas refere-se ao lugar ocupado pelas migrantes no mercado de trabalho do país que as recebem.
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Segundo Adelina Miranda, na Itália, aproximadamente 70% das mulheres imigrantes trabalham no serviço doméstico ou em atividades ligadas ao cuidado de crianças e idosos. Essa proporção é semelhante em países como Espanha ou na Grécia.
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"O trabalho doméstico não é considerado trabalho", afirma a pesquisadora.
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A profissão e a tarefa dessas mulheres não têm o mesmo valor e reconhecimento social que as atividades produtivas. "O modo como essas mulheres se colocam no mercado de trabalho é atravessado pelas questões inter-étnicas. A maioria das migrantes domésticas é negra ou do Leste Europeu", complementou a professora.
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Para Adelina, a divisão sexual do trabalho também ajuda a entender a colocação das mulheres migrantes no mercado e as formas de discriminação. A divisão entre trabalho feminino, associado à atividade doméstica e de assistência, e de trabalho masculino, ligado ao setor produtivo, expressa uma hierarquia de gênero e aponta para a desqualificação do trabalho feminino. "O maior problema é enxergar esse fenômeno histórico como natural. Outro aspecto que merece atenção é a invisibilidade dessas mulheres", enfatizou.
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Demanda por profissionais
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O grande número de mulheres nos serviços domésticos e de assistência a idosos e crianças pode ainda ser compreendido, conforme a visão da antropóloga, pelo problema do envelhecimento da população na Itália, Espanha e França e a falta de serviços do Estado para atender esse público.
A socióloga e membro do laboratório Migrinter da Universidade de Poitiers (França), Marie-Antoniette Hilly, analisando as migrações contemporâneas a partir da dinâmica do mercado de empregos, destaca o paradoxo que envolve as medidas contra as migrações tomadas pelos Estados europeus.
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"Os Estados protegem suas fronteiras, mas necessitam de novos trabalhadores migrantes para suas economias", comenta a socióloga, que também estava presente no Colóquio Internacional Tolerância e Direitos Humanos. No entanto, só a mobilidade de pessoas qualificadas é encorajada.
Outro paradoxo apontado pela pesquisadora é que a globalização incentiva o intercâmbio entre as nações e a diminuição das fronteiras, enquanto o Estado tende a se proteger de acordo com a conjuntura econômica. "É preciso pensar na questão da hospitalidade e da cidadania num contexto de globalização", disse Marie-Antoniette.
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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Desemprego pode causar convulsões sociais, diz deputado comunista português

O aumento do desemprego em Portugal é de tal forma galopante que o deputado comunista Honório Novo teme o surgimento de convulsões sociais.

“Posso acusar um pai ou uma mãe que se revolte e se indigne e tome atitudes porventura ilegais porque tem de dar de comer à família?”, questiona.

Ele fala de um “exército” de desempregados e explica por que teme repercussões sociais graves.

Para evitar males maiores e porque a tendência é de o desemprego aumentar, o deputado comunista aconselha o governo a seguir as recomendações do PCP e alterar o subsídio de desemprego no tempo de duração, no valor e nas condições de acesso.

Segundo ele, é preciso aumentar a dotação financeira para canalizar verbas para investimentos públicos — os que têm efeito imediato, as pequenas obras, com efeitos imediatos na economia e no emprego

Honório Novo diz que é preciso investir na recuperação patrimonial da habitação, nos centros históricos há milhares de casas por recuperar, construir habitação social é cada vez mais premente, a par das obras nas escolas e da construção de pequenas unidades de saúde e instalações para as forças de segurança

Segundo ele, o aumento do consumo das famílias, que contribui 65 por cento para o PIB, também é essencial para a manutenção de muitas pequenas e micro-empresas.

Para que isso aconteça, defende Honório Novo, é preciso aumentar os rendimentos.

As informações são da TVI
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terça-feira, 21 de abril de 2009

Palavras não bastam

Elaine Tavares - jornalista

O discurso do presidente Barak Obama na V Cúpula das Américas foi absolutamente claro no que diz respeito à relação que seu governo pretende ter com a América Latina: ou os países da América Latina fazem o que ele manda ou a mão do império se abaterá sobre eles. Os otimistas dirão que isso é uma loucura, que nada disso foi pronunciado e, em parte, estarão certos. A fala, assim, não foi pronunciada. Mas, como dizia Jesus, quem tem ouvidos para ouvir, ouviu.

Barak Obama é um homem cheio de bossa. É bonito, é simpático, carismático. Chegou com sorrisos, apertos de mão, disposto a ouvir inclusive aqueles que eram considerados “terroristas” pelo governo Bush, tal como Chávez e Morales. Falou depois do discursos de outros presidentes e não moveu qualquer músculo quando ouviu as críticas ao governo dos Estados Unidos e seu criminoso o bloqueio a Cuba. Mas, quando falou, foi claríssimo. Disse que ele era diferente dos presidentes anteriores e que iria promover mudanças. Pediu que o passado fosse esquecido e que agora os demais presidentes olhassem para frente. Depois, seguiu num simpático discurso de união, respeito e cooperação. Salientou quatro pontos em relação aos quais gostaria de ter a parceria amiga dos países da América Latina: a segurança, a energia, o combate ao narcotráfico e os Direitos Humanos.

Sobre Cuba a fala do “adorável” presidente não foi diferente da de qualquer outro que já passou pelo cargo. Poderia sim rever o bloqueio ou estabelecer novas relações, mas Cuba deverá “ter antes eleições livres e respeitar os direitos humanos”. Ora, qual é a diferença dos Bush pai e filho, de Reagan, de Clinton? O mesmo velho e rançoso papo da liberdade e da democracia que serve de “desculpa” para as centenas de invasões e mortes provocadas pelo país no passado que Obama pede para todos esquecerem.

Obama diz que já estendeu uma mão a Cuba liberando a remessa de dinheiro e as viagens, e que agora Cuba precisa soltar os presos políticos e entrar no rumo da democracia garantindo a liberdade de expressão. Ora, de qual democracia Obama fala? Desta em que os cidadãos só votam uma vez a cada quatro anos e quase nada sabem do que se passa no mundo? Ou a democracia cubana na qual as gentes participam dos processos decisórios desde os comitês de rua? E como falar em “soltar presos políticos” quando tem uma base de Guantánamo repleta de gente que não teve sequer direito a um julgamento, além de sofrer torturas inimagináveis? E a liberdade de expressão, o que isso quer dizer? Liberdade de empresa, como a que existe nos EUA? Se esquecermos o passado podemos até pensar que a fala de Obama pode ter alguma novidade. Mas, é possível esquecer?

As quatro metas

Outros elementos do discurso de Obama devem servir para colocar a América latina com as barbas de molho, mesmo aqueles que decidirem “esquecer o passado” de invasões, mortes, golpes de estado e intervenções clandestinas via CIA. O presidente dos Estados Unidos quer definir uma política de segurança para o Continente. Vamos então observar as letras pequenas. Quando o império fala em segurança o que está querendo dizer? Que deverá, com certeza, reforçar sua ocupação nos chamados “países falidos”, aqueles que estão em tal estado de caos e de descontrole (muitas vezes provocados pelos EUA) e que já não conseguem governar sem ajuda.

Hoje os Estados Unidos já cercam militarmente todas as riquezas da América Latina. Há uma base militar em Manta no Equador, outras duas na Colômbia, em Três Esquinas e Letícia e uma em Iquitos, no Peru. Estas quatro controlam toda a regiaõ Amazônica. Existem ainda as bases de Rainha Beatrix, em Aruba e a de Hato, em Curaçao. Estas duas estão praticamente na frente da Venezuela e podem ser de grande valia num momento de ocupação da região do petróleo. E, na América Central tem a base de Comalapa, em El Salvador, a de Vieques, em Porto Rico, a de Soto do Cano, em Honduras e a de Guantánamo, em Cuba. Agora, para fechar a completa dominação os Estados Unidos desejam estabelecer uma base na Terra do Fogo, na Argentina, e outra no Brasil. Será que Lula vai permitir? Isso sem falar nas andanças da Quarta Frota pelo litoral da América Latina numa mostra aviltante do seu poderio militar. Quando fala em cooperação na segurança é disso que fala Obama: a segurança do seu país na dominação das riquezas desta que é a maior reserva energética do planeta: a América Latina.

Aí chegamos ao segundo ponto: a energia. Os Estados Unidos são quase completamente dependentes do petróleo. O consumo alucinado do império não sobrevive muito tempo sem o óleo negro do oriente médio e da Venezuela. Daí que encontrar caminhos para uma energia alternativa tem muito mais a ver com a sustentação do país do que com salvar o planeta. E aí, a “cooperação” da América Latina também é muito interessante. Aqui, nas terras que ficam abaixo do rio Bravo estão as maiores riquezas do mundo. Há petróleo em abundância, há florestas, biomassa, biodiversidade, biocombustíveis, gás, minerais, enfim, um inesgotável mundo de opulência que torna este espaço geográfico muito cobiçado. Não é sem razão que o continente está cercado. Porque afinal, se faltar cooperação, sempre há a possibilidade de uma ação armada.

O combate ao narcotráfico é outra desculpa do império para interferir na vida política e econômica dos países da América Latina. Segundo estudiosos da política dos Estados Unidos, tais como John Saxe-Fernández e Marco Gandásegui, a disseminação das drogas pelos países da periferia capitalista nada mais é do que uma bem pensada forma de torná-los ingovernáveis. Com as drogas e todo o esquema de poder paralelo que se estabelece vai se criando o que os fazedores de caos chamam de “estados falidos”. Sem controle sobre o crescente narcotráfico, os países acabam precisando da providencial “ajuda” dos Estados Unidos. Este tipo de coisa é bem comum na história recente como, por exemplo, no Afeganistão, onde a produção de drogas triplicou depois da ocupação dos Estados Unidos. A mesma coisa se verifica na Colômbia, conforme conta o jornalista Hernando Calvo Ospina. Ali, com todo o aparato militar estadunidense a produção de cocaína cresceu vertiginosamente. “Na verdade, os militares estão ali para combater os grupos de libertação e para garantir o controle das riquezas”.

O terceiro ponto do discurso de Barak Obama foi a necessidade dos países da américa baixa respeitarem os direitos humanos. Isso soa muito familiar. Quem não se lembra das falas messiânicas de Bush pouco antes de invadir o Iraque? Para lá mandava seus soldados na tentativa de “salvar” o povo iraquiano que vivia torturado pelo ditador Sadan Hussein. Seguindo a máxima de “esquecer o passado”, em nenhum momento o presidente Bush lembrou aos seus conterrâneos que o “sanguinário ditador” tinha aprendido a ser assim com os militares dos EUA, afinal, durante muito tempo Sadan tinha sido pupilo da CIA. E, assim como ele, o famoso Bin Laden a quem se atribui a destruição das torres que deu origem ao banho de sangue de Bush no Oriente Médio. Podemos ainda lembrar da Escola das Américas que desde 1946 vem ensinando como assassinar, torturar, destruir e desmontar a mente de um prisioneiro. Hoje ela aparece, instalada no Forte Benning, estado da Geórgia, com um nome mais inocente – Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança – mas seus objetivos seguem os mesmos. Esta é a política do presidente Obama para segurança e direitos humanos?

O futuro

A Cúpula das Américas terminou com abraços, sorrisos e destensionamento de relações humanas. Obama falou com Chávez, Chávez deu um livro para Obama. Os chefes de estado se comportam amigavelmente porque assim pede o protocolo. Mas, isso não significa que as relações entre os países sejam exatamente iguais. Tanto que, há poucos dias da cúpula, na Bolívia, as garras da velha águia tentaram o assassinato do presidente Evo Morales usando as figuras de sempre, mercenários a soldo. Nada mudou. Para aqueles que não estão dispostos a esquecer o passado, este tipo de ação, normalmente controlada pela CIA, já foi responsável pela deposição de presidentes, golpes de estado etc... Tudo como manda o manual de desestabilização dos países que caminham numa outra direção que não a que ordena o império.

A alienada cobertura da mídia brasileira aos fatos que envolvem o novo presidente dos Estados Unidos também não é novidadeira. Desde sempre a elite do Brasil olhou com bons olhos a “paternal” ajuda do país do norte na política e na economia. Para essa gente, acostumada a drenar o sangue da maioria da população, não há problema nenhum em ser fiel gerente do império. As migalhas que dele sobram são suficientes para alimentar-lhes a vida boa. Então, não é sem razão que os telejornais e os jornalões saúdem a V Cúpula como um momento de glória para Obama, o simpático.

Já para aqueles que sabem que o passado não pode ser esquecido sob pena de trágica repetição, o encontro não trouxe muitas novidades. Estas só poderão serão percebidas na prática cotidiana. Os dias passarão e o governo dos Estados Unidos, agora sob a batuta de Obama terá de provar, com ações reais e concretas, que mudou. Antes disso, são só palavras e estas, bem o sabemos, o vento leva.
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Original em IELA

sábado, 11 de abril de 2009

Abandonar o crescimento, abandonar o capitalismo

Pau Casanellas
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Desde o seu início no século XVIII, o capitalismo está intrinsecamente ligado ao crescimento, não existe um sem o outro. Por sua parte, os paradigmas econômicos forjados por oposição à escola clássica da economia, não só não têm sabido evitar a armadilha, mas indiretamente têm contribuído para perpetuar a obsessão com o crescimento nas sociedades onde o aumento de produção já não contribui para reduzir o desemprego (e, consequentemente, a pobreza), mas faz crescente a opulência à custa da destruição do planeta. Só abandonando o capitalismo pode-se escapar da armadilha do crescimento.

Se há algo que devemos reconhecer no capitalismo é o mérito de haver proporcionado as melhorias, provavelmente, mais acentuada no nível de vida do homem nos centros civilizados da Terra desde o início da história, um fenômeno que ocorre na Holanda e Inglaterra desde século XVIII. É então, no momento em que esses países começam a experimentar uma forte e persistente melhora na riqueza, quando a economia se converte pela primeira vez em matéria de estudo. Mas também devemos lembrar que só uma parte muito pequena dos habitantes do planeta vai beneficiar-se desta melhoria nas condições de vida, e que vai ser o processo de acumulação primitiva — possível graças ao perverso sistema de relações políticas do Antigo Regime —, que levou a ela.

Ao basear-se na acumulação ilimitada e maximização do lucro, o capitalismo é um sistema de produção condenado ao crescimento. No entanto, se trata de um crescimento desigual que fomenta a injustiça. A "lei de bronze dos salários", um dos princípios sobre os quais vai fundamentar-se a moderna ciência econômica, e, portanto o próprio capitalismo, postula que qualquer aumento dos salários deve ser precedido por um aumento dos lucros (da mesma forma como tinha sido o anterior processo de acumulação primitiva, que havia permitido um aumento inicial do nível de vida). A relação entre capitalismo e crescimento é tão estreita que, quando não pode crescer, o sistema mergulha na crise. Esta foi a origem da grande convulsão que teve lugar após a quebra de 1929, crise que também foi provocada, combinada com a estagnação econômica, pela geração de uma série de contradições internas (excesso de endividamento, bolha financeira).

O keynesianismo, uma falsa solução
Neste contexto de crise está começando a chamar mais atenção à falta de segurança provocada pelo capitalismo. Assim, a insegurança econômica, que durante muito tempo havia sido considerada como uma exigência fundamental da produção econômica crescente e eficiente, vai levando, progressivamente, a uma maior preocupação pela segurança, que vai se traduzir na aplicação de uma série de medidas (segurança social, subsídios, etc.) que servem para proteger o poder aquisitivo dos consumidores (fortalecendo, desta maneira a demanda interna) e impedir novas depressões. Por outro lado, a progressiva disseminação de idéias keynesianas faz com que se imponham como o principal objetivo da política econômica a curto prazo o crescimento e o pleno emprego, embora isso signifique um endividamento transitório do Estado.

Tanto as políticas keynesianas com a planificação estatal implantada desde os anos trinta do século XX, e já de maneira mais generalizada após a Segunda Guerra Mundial vai propiciar um acentuado crescimento econômico que vai gerar, nos anos sessenta, a sociedade de consumo. Tal como Galbraith se destacou neste novo cenário, a preocupação keynesiana em elevar a produção já não tinha como resposta a redução do desemprego, mas o crescimento da oferta de bens: aumentar a produção significava um aumento ainda maior da oferta de bens, e porque essa oferta pode ser absorvida pelos consumidores vai generalizar-se o pagamento à prazo e o sistema de endividamento (que foi precisamente uma das causas que levaram à quebra de 1929), bem como a publicidade.

O mais obsceno é que essa opulência convive junto com a miséria e a exploração política do Terceiro Mundo. Tal como expressava Frantz Fanon, uma das vozes de referência da periferia durante os anos sessenta, era ridículo que na época do Sputnik houvesse alguém que morresse de fome. À ânsia de melhora econômica e libertação anticolonial do Terceiro Mundo criava-se, nos países industrializados, a percepção de que um mundo sem fome e opressão já não era nenhuma quimera, mas algo tecnicamente viável: como postulava Marcuse, estávamos frente ao "fim da utopia". É esta percepção que explica em grande parte a radicalização política de finais dos anos sessenta.

Quatro décadas depois, a situação é ainda mais preocupante: apesar de a aplicação de políticas neoliberais desde os anos oitenta tem sido acompanhada por um crescimento econômico generalizado, as desigualdades entre países ricos e pobres têm aumentado significativamente (se em 1960 20% dos habitantes mais ricos do planeta possuíam 70% das receitas, em 2004, possuíam 83%; com relação aos 20% mais pobres, a sua participação na riqueza passou, no mesmo período, de 2,3% para 1.4%).

Sair da armadilha
Apesar da evidência dos números, a equação entre crescimento e desigualdade segue sem atrair a atenção dos governantes. E, apesar de algumas regras de ouro do neoliberalismo começarem a ser questionadas no atual contexto de crise, — é o caso do Banco Central Europeu, preocupado apenas pela contenção da inflação, que foi questionada pelo próprio presidente da União Européia, Nicolas Sarkozy —, não é através de um retorno à política keynesiana, — por outro lado improvável —, que se atenuarão os efeitos negativos do capitalismo e do seu irmão gêmeo, o crescimento, que nos leve à destruição do planeta (tal como nos lembra Latouche, crescimento infinito é incompatível com um planeta finito).

Para alguns, a resposta para os problemas que temos levantado passa por limitar a população mundial. É o ponto de vista, por exemplo, Jeffrey Sachs, economista e diretor do Projeto Milênio das Nações Unidas entre 2002 e 2006, que acredita que com a tecnologia disponível atualmente não é possível alimentar os 6,7 bilhões de pessoas da Terra sem gerar graves ameaças para o meio ambiente. No entanto, as evidentes restrições à liberdade que implica uma política malthusiana e os problemas sociais que podem gerar (o caso da China nos serve de advertência) faz com que não represente uma alternativa a considerar.

Tampouco os avanços tecnológicos constituem uma solução. Por um lado, porque a eficiência tecnológica dos países ricos é, em parte, devido à relocalização de uma parte da sua base industrial nos países em desenvolvimento. E, por outro, porque um aumento na eficiência tecnologica tem como conseqüência não intencional causar um aumento no consumo (o que os economistas chamam de "efeito rebote" ou "paradoxo de Jevons").

Sair da armadilha significa ir mais além, implica uma mudança radical da mentalidade e da adoção de um estilo de vida mais austero: os problemas que trazem à economia global os países em desenvolvimento com grandes populações como a China ou Índia que pretendem agora se alimentar com filet — assim expressava José María Sumpsi, Subdiretor-Geral da FAO — evidenciam que os padrões de consumo dos países ricos são insustentáveis e não podem ser generalizados. O primeiro passo que temos para dar, então, a partir de partes do mundo que vivem na opulência e com desperdício para tentar mostrar que essa conduta deve servir de exemplo, é procurar construir um sistema de produção que abandone para sempre a obsessão do máximo lucro e da acumulação ilimitada. O que significa abandonar o próprio capitalismo.
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Traduzido por Rosalvo Maciel
Original em La Fabrica

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