“…Porque é que a oligarquia capitalista haveria de se abster de gozar finalmente a sua vingança contra a «França vermelha», agora que a vitória da contra-revolução de Berlim a Vladivostok remundializou a exploração capitalista, agora que a Europa socialista e a RDA foram recolonizadas pela Europa do capital pilotado por Berlim”…?Georges Gastaud*
Seria cômico se não fosse tão grave para a liberdade de pensamento: é com efeito em nome do «anti-totalitarismo» (!) que, apesar de praticamente nunca terem o menor direito de resposta, os defensores do comunismo histórico, e mais genericamente todos os que continuam o combate de Babeuf e de Varlin, de Marx e de Lenine, de Manouchian e de Guevara, são inexoravelmente expostos no pelourinho pelos meios de comunicação do Partido Único Maastrichtiano, muito «laicamente» ajudados pela história oficial da escola «republicana»: concelebrada pelos pontífices da direita dura e da falsa esquerda, hipocritamente acolitada pelo coro incansável dos «comunistas arrependidos», a missa de gala azul-rosa-castanho do anticomunismo de jato contínuo já bateu todos os recordes de anátemas e de excomunhões com que foram respectivamente batizados pelos contra-revolucionários do seu tempo, Spartacus e os Gracos, Robespierre e Marat, Varlin e Louise Michel…
Culminando esta perseguição midiática, uma bateria legislativa de textos europeus e/ou hexagonais pretende criminalizar a história do comunismo: «eleito» por 40% de «europeus», o Parlamento de Strasburg pretende assim amalgamar o III Reich genocida de Krupp e Thyssen à URSS operária e camponesa de Lenine, a Wehrmacht dos Einsatzgruppen aos heróis de Stalingrado, os torcionários nazis aos «terroristas vermelhos» de Châteaubriant e da Cidadela de Arras, que caíram por nós, com a Marselhesa e a Internacional nos lábios, sob as balas alemãs.
O objetivo destes textos infames é dotar com uma base jurídica o euro-maccartismo que alastra por toda a União Européia; uma UE onde os seus dirigentes, através do anticomunismo e do anti-sovietismo retardador, pretendem arranjar uma diversão para a profunda rejeição popular que, de Lisboa a Bucareste, ensombra a «construção européia» capitalista [1].
CNR? Não conheço!
De resto, quantos são os alunos de liceu, habituados desde crianças a confundir num mesmo opróbrio «antitotalitário» a Alemanha Nazi e a URSS de Stalingrado, Mussolini e Lenine, que conhecem a frase pronunciada por De Gaulle em Moscou em 1966: «os franceses sabem [2] que a Rússia soviética desempenhou o principal papel na sua libertação»? E quantos são os compêndios de história que recordam aos seus jovens leitores que as principais conquistas sociais do nosso país, – essas mesmas cujo desaparecimento mereceu as felicitações cínicas de M. Denis Kessler a Sarkozy «por desmantelar o programa da CNR» [3] – foram, no essencial, postas em prática entre 1945 e 1947 pelo governo com participação comunista presidido por Charles de Gaulle? Nesse governo de unidade patriótica, o ex-deportado comunista Marcel Paul nacionalizou a EDF e a Renault; Maurice Thorez redigiu o estatuto dos funcionários públicos e o dos mineiros; H. Wallon et Joliot-Curie reconstruíram a Educação nacional, o CNRS e o CEA numa base democrática; Ambroise Croizat (PCF) instituiu, desculpem o pormenor, as reformas por distribuição, os contratos coletivos, as comissões de empresa… e a «Segurança»: em resumo, todas essas conquistas da civilização que a «ruptura» sarkosista, aplaudida pela UE e pelo MEDEF, tenta arrasar, impondo ao nosso país um plano suicida de alinhamento estrutural.
De resto, porque é que a oligarquia capitalista haveria de se abster de gozar finalmente a sua vingança contra a «França vermelha», agora que a vitória da contra-revolução de Berlim a Vladivostok remundializou a exploração capitalista, agora que a Europa socialista e a RDA foram recolonizadas pela Europa do capital pilotado por Berlim, e que agora, no que se refere à França, a mutação-renegação do PCF e a euro-formatação do estado-maior da CGT deixam os assalariados à mercê de uma french’telecomisation» geral das suas condições de vida? Porque os novos Metternich da Europa contra-revolucionária pouco têm a recear de uma semi-crítica «alter-capitalista» e «alter-europeista» que partilha esses fundamentos do pensamento único que são o anticomunismo, o anti-sovietismo, o antimarxismo e os seus subprodutos hexagonais, o antijacobinismo primário e a sórdida autofobia nacional destilada pela oligarquia financeira «francesa» dirigida por «Sarko, o americano»…
OS HERÓIS NO BANCO DA INFÂMIA, OS HERDEIROS DOS CARRASCOS NO PAPEL DO INQUISIDOR
No clima neo-vichysta atual, já nem sequer nos espantamos que os resistentes comunistas de França que, dos bosques de Corrèze à guerrilha urbana dos FTP-MOI, passando pela insurreição parisiense de 1944, foram a ponta de lança da nossa resistência armada [4], sejam odiosamente sentados no mocho: pelo contrário, os herdeiros dos partidos que investiram Pétain entregando à Alemanha os judeus e os resistentes, acusam hoje os combatentes comunistas de não terem arriscado a pele mais cedo! Que interessa a esses falsários que, da heróica manifestação comunista organizada na Étoile a 11 de Novembro de 40 pela União dos Estudantes Comunistas [5] (proibida desde 39!) às primeiras sabotagens efetuadas no Var a partir de 1940 pelo comunista Roger Landini, passando pela greve mineira do Pas-de-Calais dirigida em Maio-Junho de 41 por Michel Brûlé e pelo prisioneiro ucraniano evadido, o bolchevique Vasil Porik, os comunistas e os cegetistas tenham assumido o grosso da luta armada e do combate de massas antifascista [6]? Que interessa que tenham caído em grande número sob os fuzilamentos nazis, dos bosques da Córsega aos postes de execução do Mont Valérien, com o grito duplo de Viva a França! e de Viva o comunismo!?
O ANTICOMUNISMO, SOMBRA PROJETADA DA CRISE CAPITALISTA
No entanto seria ingênuo pensar que o objetivo principal dos Inquisidores é apenas escurecer o passado comunista para romper com o ponto de apoio revolucionário do movimento operário. Se o espectro do anticomunismo ameaça mais do que nunca a crepuscular Europa de Maastricht, é porque, embora se tenha tornado mundialmente hegemônico, o capitalismo em crise está na defensiva. Não se cansa de depauperar a classe trabalhadora e de arruinar os camponeses, de segregar ao mesmo tempo a miséria mais pungente e as fortunas mais escandalosas, de multiplicar as guerras neocoloniais (ontem o Iraque, amanhã o Irã?), enquanto o comércio de armas e da droga reina sobre o «mercado livre mundial» organizado pela OMC e pelo FMI dos P. Lamy (PS) e outros Strauss-Kahn (PS) à força de privatizações, de deslocalizações e de crises alimentares organizadas. Durante este tempo todo, ritmada pelo duplo roubo da Bolsa e das demissões, a anunciada «saída da crise» promete ser tão insuportável como a própria crise. As pessoas honestas interrogam-se pois: sobreviverá a humanidade a este sistema louco e cruel, em que o lucro privado de alguns priva de todo o sentido humano a história dos povos e a vida dos indivíduos, enquanto que, sob a máscara «liberal», se perfila uma ditadura euro-atlântica detentora de um pensamento, de uma economia, de uma língua e de uma política únicas, cujos piores déspotas de ontem nunca ousaram formar o projeto «globalitário»!
RENASCIMENTO DO IDEAL COMUNISTA
De modo que o ideal comunista refaz o seu caminho: chegado até nós através de Cuba, que agüentou firme numa altura em que Gorby e Eltsine julgavam tê-la entregue de mãos atadas ao Tio Sam, a aspiração a um «socialismo do século XXI» renasce sob diversas formas, especialmente na América Latina. Esta aspiração articula-se no princípio antiimperialista do direito dos povos a criar eles mesmos o seu próprio destino. Porque, enfim, não será irracional que nações, línguas, culturas seculares, sejam esmagadas pelos mercantis incultos do Mac Donald e da Eurodisney? Não será suicida que na nossa época de socialização planetária das trocas, a anacrônica propriedade privadas dos grandes meios de produção confira «democraticamente» a alguns multimilionários um direito de vida e de morte sobre a vida dos povos? Inversamente, não será vital que, planificando a sua cooperação internacional no respeito da sua soberania, os povos garantam o controlo público dos grandes meios de produção e que o mundo do trabalho ocupe finalmente na vida política o lugar central que pertence por direito aos produtores das riquezas? Sim, é urgente que a solidariedade internacional dos novos proletários de colarinho azul ou branco, se alie ao patriotismo republicano para resistir à bárbara mundialização capitalista assim como aos seus cúmplices sangrentos, o racismo, o entreguismo e o comunitarismo. Porque, se é verdade que a exploração do homem pelo homem perdeu historicamente toda a sua força propulsora, se o exterminismo é mesmo a fase suprema dum sistema imperialista que leva a humanidade à morte pela destruição da sociedade, pela depredação ecológica ou pela exterminação nuclear, então a construção de um comunismo de segunda geração, no qual o «desenvolvimento de cada um [7] será a chave do desenvolvimento de todos». (Marx), torna-se objetivamente uma questão de vida ou de morte para todos os homens que quiserem construir racionalmente as suas relações com o outro homem… e com a natureza.
PARA UMA ASSIMILAÇÃO CRÍTICA DA HERANÇA COMUNISTA
Isso não exige de forma alguma que se idealize a primeira experiência comunista da história. A experiência obtida de Outubro de 1917 não teria conhecido a derrota se, por razões que as ferramentas teóricas marxistas permitem amplamente esclarecer, os trabalhadores desses países se tivessem sentido sempre, como em Cuba, os donos eletivos do seu país. Os revolucionários devem fazer esta autocrítica exclusiva de toda a autoflagelação sem ceder à diabolização da sua história por um sistema capitalista cujos crimes não mereceriam um «livro negro», mas… dezenas de bibliotecas castanhas! Também não podem deixar de engolir a água suja dos desvios políticos feitos sob o pretexto de salvar o bebê socialista ou de deitar fora o bebê socialista com a desculpa de deitar fora a água do banho; o que é preciso é partir do atraso inicial nos quais se teve que construir uma experiência historicamente inédita desviando uma parte considerável dos seus recursos para fazer face à corrida aos armamentos, à guerra ideológica e às invasões exterminadoras vindas sem cessar do ocidente. Numa palavra, convém agarrar nas condições profundamente contraditórias nas quais se edificou esse primeiro esforço da humanidade trabalhadora para construir durante décadas uma sociedade liberta da Bolsa e do capital. Importa também recusar categoricamente a desonrosa equação comunismo=nazismo, que criminaliza a revolução social e banaliza o fascismo.
OS POVOS DE LESTE FIZERAM UMA EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DE MASSAS:
ESCUTEMO-LOS!
E, antes do mais, escutemos os povos de leste; não esses anticomunistas profissionais que ousam falar em nome dos seus respectivos povos depois de tê-los devorado e arruinado, mas os trabalhadores, os camponeses, os reformados da Rússia e da RDA, da Hungria, da Romênia, etc., que viveram e avaliaram na sua vivência quotidiana a restauração capitalista mascarada de «democratização»: porque, feita a experiência, e sem ter esquecido de modo algum as repressões arbitrárias e os aspectos burocráticos que em graus muito diversos caracterizaram a época precedente, os povos fazem o balanço; comparam os «méritos» do euro-capitalismo (pauperização galopante das massas, enriquecimento fabuloso das máfias) a essas conquistas bem reais do socialismo que se chamaram pleno emprego, educação de bom nível, cultura, desporto, férias e cuidados de saúde acessíveis a todos, habitação garantida a baixo preço, criminalidade baixa, segurança da existência, espírito de solidariedade na vida quotidiana. É o regresso racionalizado do socialismo nas memórias, atestado por todas as sondagens realizadas na RDA, na Hungria ou na Rússia, e ainda melhor nessa sondagem continental de grande envergadura que viu há pouco tempo os povos de leste a boicotar ainda mais maciçamente do que os povos do ocidente essas eleições européias por ocasião das quais o Partido Maastrichtiano Único convoca periodicamente o bom povo a «escolher livremente» entre a versão da direita e a variante de «esquerda» do clique social e do declínio nacional…
SAIR DO ANTICOMUNISMO
PARA CHEGAR À RUPTURA PROGRESSISTA
Sair do anticomunismo permitiria finalmente aos progressistas pensar de forma conseqüente a ruptura revolucionária indispensável para triunfar da sarko-«ruptura» thatchero-fascizante; libertos do complexo contra-revolucionário que lastra o seu pensamento, refreia a sua ação e impede a sua reorganização, os verdadeiros progressistas poderiam finalmente compreender e clamar que é preciso tirar a França do triturador europeu que a mata e a desnatura, que é preciso extrair a 100% a humanidade dum sistema capitalista que apenas cria riqueza «esgotando a Terra e o trabalhador» (Marx). Para toda a humanidade trabalhadora, o que está em jogo é sair a tempo deste «fim da história universal» que a mundialização contra-revolucionária pode transformar a todo o momento, se não for impedida a tempo por novas revoluções, na história universal do fim.
“1989!”, clama a reação festejando a contra-revolução anticomunista e antijacobina que julga eterna: “17 e 89!”, responderão os herdeiros de Gavroche e de Guy Moquet, decididos a triunfar tanto dos Brancos como dos Castanhos de todos os países, coligados em vão para emparedar as Luzes!
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Notas:
[1] Estes textos infames provêm, quer dos regimes anticomunistas desacreditados dos países de leste, quer dos ultras do UMP, quer da dupla neo-mussoliniana Fini/Berlusconi, quer por um cartel de euro deputados desde V. Peillon a Cohn-Bendit, passando por… Gollnisch…
[2] sabiam, melhor dizendo, tanto a história oficial censura o heroísmo de massas consentido pela URSS, bolcheviques na linha da frente, para derrotar Hitler.
[3] Challenges, Novembro de 2007, editorial de Denis Kessler, PDG e conselheiro do MEDEF.
[4] Depois de ter sido a alma das Brigadas de Espanha organizadas pelo Komintern.
[5] Na qual participou G. Moquet.
[6] E isto, apesar da interdição do partido a partir de 39 e apesar da pena de morte que o «socialista» Sérol instituiu contra eles a partir desse período
[7] (povo ou individuo, NDGG.)
Notas do tradutor (Glossário):
CEA - Comissariado da Energia Atômica – instituto público francês de caráter comercial e industrial, cuja missão é desenvolver todas as aplicações de energia atômica, tanto civis como militares. Foi criado em 1945; um dos primeiros altos comissários foi Fréderic Joliot-Curie.
CGT - Confederação Geral do Trabalho
CNR - Conselho Nacional da Resistência – formado em 1943, a partir da união dos oito maiores grupos da resistência francesa; em 1944, o CNR publicou uma carta que exigia uma série de reformas sociais e econômicas após a libertação da França, entre as quais a nacionalização das principais companhias industriais e financeiras, a instituição do salário mínimo, sindicatos livres e segurança social para todos.
CNRS - Centro Nacional de Investigação Científica – maior organização governamental de investigação em França; foi criado em 1939 por decreto do Presidente Albert Lebrun.
EDF - Eletricidade de França – principal companhia de produção e distribuição de eletricidade em França. Foi fundada em 1946, em conseqüência da nacionalização de uma série de transportadores e distribuidores de energia elétrica pelo ministro comunista da Produção Industrial, Marcel Paul.
FTP-MOI - Franco-atiradores e Guerrilheiros – Mão-de-obra-imigrada – subgrupo do movimento dos Franco-atiradores e Guerrilheiros da resistência francesa à ocupação alemã durante a II Guerra Mundial; estes grupos foram criados na região de Paris em 1941; eram constituídos por comunistas estrangeiros que viviam em França mas não faziam parte do partido comunista francês.
MEDEF - Movimento das Empresas de França – maior união de empresários da França. Conhecida anteriormente por Conselho Nacional do Patronato Francês.
UMP - União para um Movimento Popular – fundado em 2002, tem maioria absoluta na Assembléia Nacional e no Senado; este partido nasceu da convergência entre quatro principais tendências políticas francesas: o gaulismo, o liberalismo (republicano), a democracia popular e o radicalismo; o seu candidato Nicolas Sarkozy foi eleito Presidente da França em 2007.
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* Filósofo francês, Georges Gastaud é amigo e colaborador de odiario.info
Tradução de Margarida Ferreira
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