Políticos, jornalistas, comentadores, analistas, assessores, consultores e mais recentemente os chamados think tanks (em inglês é mais intelectual, é mais in), falam e escrevem sobre o bloqueio a Cuba.
Mas saberão, no concreto, sobre o que se pronunciam? E o que escondem deliberadamente nas suas elucubrações?
Através de um documento desclassificado em 1991, ficou a conhecer-se que a 6 de Abril de 1960, o então subsecretário de Estado adjunto para os Assuntos Inter-Americanos, Lester Dewitt Mallory, escreveu num memorando discutido numa reunião dirigida pelo presidente dos Estados Unidos John Kennedy: «Não existe uma oposição política efetiva em Cuba; portanto, o único meio previsível que temos hoje para diminuir o apoio interno à Revolução é através do desencantamento e do desânimo, baseados na insatisfação e nas dificuldades econômicas. Deve utilizar-se prontamente qualquer meio concebível para debilitar a vida econômica de Cuba. Negar dinheiro e abastecimentos a Cuba, para diminuir os salários reais e monetários, a fim de causar fome, desespero e a derrocada do governo». Isto, sublinhe-se, um ano antes da invasão da Baía dos Porcos organizada pelos EUA contra Cuba.
O presidente dos Estados Unidos, J. F. Kennedy, cumprindo o mandato que lhe tinha sido atribuído pelo Congresso, decretou o bloqueio total contra Cuba a partir das 12h01min do dia 7 de Fevereiro de 1962. Esta é a data formal. Mas desde 1959 que se multiplicavam os atos de bloqueio efetivo.
A partir de Fevereiro de 1962 os americanos decretam então o embargo total ao comércio com Cuba, excluindo certo tipo de medicamentos e alimentos. Esta decisão é simultaneamente apoiada e aprovada por todos os países da Organização de Estados Americanos (OEA), com exceção do México.
O presidente dos EUA goza de amplas prerrogativas em matéria de política externa. A que acresce uma vasta faculdade discricionária permitida ao executivo pela «Lei do Comércio com o Inimigo». Assim as sucessivas administrações (onze!!!) modificaram e aprovaram novos regulamentos que refinaram o bloqueio.
Nos anos seguintes os EUA proíbem aos seus cidadãos que viajem para a ilha o uso de cartões de crédito de bancos americanos. Interditam às companhias subsidiárias norte-americanas no exterior a possibilidade de comercializarem com Cuba. Impõem aos seus cidadãos um limite de 100 dólares diários nos seus gastos de hotel, alimentação, diversões e compra de artigos cubanos.
Com o desmembramento da União Soviética os EUA redobram as medidas do bloqueio a Cuba e advertem a Rússia (e os restantes países ex-socialistas) de que será prejudicada na «ajuda americana» se, de alguma forma, continuar a apoiar a ilha.
Democracia à americana
Em 1992 foi aprovada pelo Congresso norte-americano a «Lei para a Democracia Cubana», ou Lei Torricelli. Esta lei consiste, essencialmente, na intromissão direta dos EUA nos assuntos internos não só do povo cubano, mas também nos de outros povos. Proíbe, por um período de 180 dias (contados à data da sua saída de Cuba), a entrada nos portos americanos a navios que toquem portos cubanos. Sanciona as instituições norte-americanas sediadas no exterior que negociem com a ilha (mesmo contrariando a lei dos respectivos países onde se radiquem). Viola assim claramente o Direito Internacional e as leis estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio.
Quatro anos mais tarde, em 1996, foi promulgada a «Lei para a Liberdade e a Solidariedade Democrática Cubana» (o leitor já reparou bem nos nomes destas leis?…), conhecida como Lei Helms-Burton (não apoiada, até hoje, por nenhum país do mundo).
A Lei Helms-Burton tinha esse objetivo. É evidente a intenção de impedir os investimentos estrangeiros na ilha e, desta forma, impossibilitar o seu desenvolvimento econômico. Nos termos desta lei fica proibido que subsidiárias norte-americanas sediadas em terceiros países realizem qualquer tipo de transação com empresas em Cuba; que empresas de terceiros países exportem para os Estados Unidos produtos de origem cubana ou produtos que na sua elaboração contenham algum componente dessa origem; que empresas de terceiros países vendam bens ou serviços a Cuba, cuja tecnologia contenha mais do que 10% de componentes com origem nos EUA, ainda que os seus proprietários sejam nacionais desses países; que entrem nos portos dos Estados Unidos navios que transportem produtos desde ou para Cuba, independentemente do país de matrícula; que bancos de terceiros países abram contas em dólares norte-americanos a pessoas jurídicas ou naturais cubanas ou realizem transações financeiras nessa moeda com entidades ou pessoas cubanas.
Esta legislação proíbe ainda os cidadãos americanos ou cubano-americanos de viajarem para Cuba. Impõe restrições às relações entre cubanos residentes em Cuba e nos EUA. Retém ajuda a qualquer país, entidade ou empresa que forneça assistência técnica ou financeira para completar a Central Nuclear de Jaraguá, na cidade de Cienfuegos. Estabelece a negação de vistos para entrar nos EUA a pessoas, de qualquer nacionalidade (e seus familiares), ou representantes de empresas, que comprem, arrendem ou obtenham benefício de propriedades expropriadas em Cuba depois de 1959. Etc., etc., etc..
Sobre esta lei disse Fidel Castro: «Ao bloqueio econômico, comercial e financeiro, os EUA acrescentam agora a lei Helms Burton. No seu desesperado anseio de destruir a revolução cubana, pretendem punir todo o mundo e tentam fechar o cerco que nos rodeia. Podemos garantir que o nosso país jamais se renderá. Não permitiremos que nos roubem a dignidade do homem plenamente conquistada pela revolução». Doze anos depois a realidade aí está a comprovar a justeza destas palavras.
Mais recentemente a administração de George W. Bush continuou pelo mesmo caminho. Mas como é apanágio de toda a sua atuação, foi mais longe e aprovou um novo pacote de medidas denominado «Plano Bush». A administração norte-americana propõe-se, pela milionésima vez, aniquilar a Revolução cubana e proclama-o com a sua conhecida arrogância. Estamos perante novas e brutais ações contra o povo de Cuba e contra os cubanos residentes nos Estados Unidos. Medidas definidas pelos seus autores como parte de um plano para provocar «o rápido fim» do Governo revolucionário.
Intensificaram a perseguição a empresas e às transações financeiras internacionais de Cuba, mesmo aquelas para pagamentos aos organismos das Nações Unidas. Roubaram marcas comerciais, como as reconhecidas Havana Club e Cohiba. Adotaram maiores represálias contra os que fazem comércio com a Ilha, ou com ela realizam intercâmbios de natureza cultural ou turística. Pressionaram ainda mais os seus aliados para forçá-los a subordinar as relações com Cuba aos objetivos de «mudança de regime» que norteiam a política dos Estados Unidos. Impuseram uma escalada sem precedentes no apoio financeiro e material às ações que visam o derrube da ordem constitucional cubana.
Conseqüências políticas, econômicas, sócias e culturais
Um Avante! (*)inteiro não chegava para enumerar todas as ações e respectivas conseqüências para o povo de Cuba. Desde logo o fato, muito esquecido, de que cerca de 7 milhões, dos mais de 11 milhões que constituem a população cubana, nasceram sob o estigma do bloqueio. Que, saliente-se, dura há 46 anos e tem afetado sem distinção de sexo, idade, credo religioso ou posição social todo povo da Ilha.
O prejuízo econômico decerto causado ao povo cubano pela aplicação do bloqueio, em cálculos estimados, ultrapassou os 89 bilhões de dólares. Este número não inclui os danos diretos causados a objetivos econômicos e sociais do país pelas sabotagens e atos terroristas fomentados, organizados e financiados pelos Estados Unidos. Também não inclui o valor dos produtos deixados de produzir ou os prejuízos derivados das onerosas condições de crédito impostas a Cuba. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba elevou o total de perdas estimadas da economia cubana durante 45 anos (1962/2007) de bloqueio a 222 bilhões de dólares. Quase duas vezes o PIB de um país como Portugal.
Vejamos mais em pormenor alguns dos numerosos exemplos desta realidade quotidiana:
Estima-se que só em 2006 o comércio internacional cubano foi afetado pelo bloqueio em valores que ultrapassaram os 1.305 bilhões de dólares. Os maiores impactos registraram-se pela impossibilidade de aceder ao mercado dos EUA. As importações que Cuba realiza não subiram apenas como resultado de preços mais altos, da utilização de intermediários e da necessidade de triangulação para determinados produtos. Encareceram também pelo transporte desde mercados mais longínquos, com o conseqüente aumento dos fretes e seguros.
No final de 2001, pressionado pelo setor agro-exportador norte-americano, o Congresso dos EUA aprovou legislação autorizando que Cuba comprasse alimentos aos produtores do país. No entanto, essas importações são acompanhadas por severas restrições. Cuba tem de pagar adiantado, sem a possibilidade de obter créditos financeiros, mesmo privados. Em 2004, essas importações atingiram a casa dos 474,1 milhões de dólares. A venda e o transporte de mercadorias requerem a obtenção de licenças especiais para cada operação. Cuba não pode utilizar sua própria frota mercante para realizar esse transporte, devendo recorrer a navios de outros países, especialmente dos próprios EUA. E os pagamentos são feitos através de bancos de outros países, uma vez que as relações bancárias diretas com Cuba estão proibidas.
Carência quase absoluta de meios de transporte de passageiros e de mercadorias. O setor ferroviário é paradigmático. Há anos que o governo tem planos para renovar seu parque de locomotivas. Mas a manutenção e reparação das máquinas requerem diversos componentes norte-americanos. Cuba também não tem conseguido alugar navios, devido à pressão realizada pelo governo norte-americano sobre as locadoras. Assim, o governo cubano vê-se obrigado a pagar fretes elevadíssimos.
Falta de medicamentos, equipamentos e material consumível no setor da saúde. Em sete anos, 1998/2005, os custos do bloqueio ascenderam a 2.269 milhões de dólares. Apenas 50 milhões teriam sido suficientes para remodelar todas as clínicas e hospitais. Sem quantificar, por não terem preço, a dor e o sofrimento provocados por esta política criminosa. O que não impedia que, em Junho de 2006, mais de 30 mil funcionários cubanos da área de saúde estivessem espalhados pelo mundo, trabalhando em missões humanitárias, cuidando especialmente de vítimas de catástrofes e fenômenos naturais. Há décadas que Cuba é vanguarda nesse tipo de ação.
A importação de matérias-primas, materiais e equipamentos de uso escolar para assegurar o processo docente educativo, como meios audiovisuais, computadores, equipamento de laboratório, reagentes, etc., é seriamente afetada. A cada dia que passa diminuem os intermediários que se atrevem a correr o risco de realizar transações com Cuba. O que se traduz num aumento de 20% (e mesmo de 100% em alguns casos), dos preços dos produtos adquiridos.
Nem a Internet escapa. Em Cuba, o acesso à rede é lento, caro e limitado. A ilha está impossibilitada de se conectar aos cabos de fibra óptica que passam muito perto de suas costas. Como alternativa utiliza desde 1996 uma ligação via satélite que torna as conexões muito mais lentas e caras. Qualquer modificação do canal exige licença do Departamento do Tesouro dos EUA. O governo aponta essa situação, assim como sua estratégia de prioridades sociais no uso da rede, para explicar as restrições que aplica ao acesso à Internet. Limitações que poderão ser reduzidas em poucos anos por meio de um cabo submarino alternativo de 1.550 km que ligará Cuba à rede da Venezuela. Refira-se ainda que, as instituições e cidadãos dos Estados Unidos estão proibidos de utilizar a Web para transações eletrônicas com instituições cubanas. O bloqueio de downloads de software e informações (inclusive gratuitas) é outra realidade.
Mas a política de bloqueio prejudica também aos cidadãos norte-americanos e de terceiros países, como o indicam muitos e variados estudos. A eliminação do bloqueio poderia, por exemplo, criar 100 mil postos de trabalho e rendimentos adicionais de 6 mil milhões de dólares à economia dos EUA. Em 2006 as perdas totais das empresas dos estados Unidos por cada milhão de turistas norte-americanos que não puderam visitar Cuba, atingiram os 565 milhões de dólares.
Não é, pois de estranhar que a 26 de Abril de 2005, tenha sido anunciada oficialmente a formação da Associação Comercial Cuba-EUA. É composta por mais de 30 companhias, agências estaduais e organizações de 19 estados norte-americanos, com o fim de trabalhar pela eliminação das restrições ao comércio com Cuba. Entre os seus membros encontram-se as grandes empresas ADM, Caterpillar e Cargill. Entre os fundadores contavam-se personalidades como o ex-secretário de Comércio, Bill Reinsch, Kirby Jones, o ex-secretário adjunto de Estado, William D. Rogers, David Rockefeller, a ex-representante comercial Carla Hills, o ex-secretário de Defesa Frank Carlucci e o ex-secretário de Defesa e ex-diretor da CIA, James Schlesinger.
É esta realidade que é ignorada, e/ou escondida, e/ou escamoteada, e/ou deturpada pelos defensores do pensamento único dominante. Uma política, profundamente isolada e rejeitada todos os anos pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Tem, como vimos, uma forte oposição interna nos próprios EUA.
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