Além do Cidadão Kane

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um assassinato solicitado e anunciado

Em junho de 2003, o governo federal decretou de utilidade pública para fins de Reforma Agrária uma fazenda de 13 mil hectares, da família Southall, em São Gabriel (RS). Esta ação provocou uma ofensiva dos latifundiários gaúchos contra os Sem Terra e que se estende com maior vigor e violência no atual governo da tucana Yeda Crusius.

Naquele mesmo mês, em São Gabriel surgiu um panfleto, tido como apócrifo, que conclamou a população a envenenar, incendiar e matar a tiros os integrantes do MST. O panfleto se referia às famílias acampadas como “massa podre”, “pés deformados e sujos da escória humana”, “ratos que precisam ser exterminados”. Este documento foi entregue às autoridades estaduais e federais, exigindo a apuração e punição dos seus autores. Passado seis anos, nada foi apurado.

Em junho de 2008, o promotor do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, Gilberto Thums, concedeu uma entrevista ao Terra Magazine, em que classificou o MST como uma “organização criminosa”, “um braço de guerrilha” e concluiu: “A sociedade brasileira está de saco cheio com este movimento, com esta bandeira. Os objetivos estão esgotados”.

Este promotor foi o mesmo que articulou a aprovação do relatório do Conselho Superior do Ministério Público gaúcho, em 2007, em que pedia a dissolução do MST. Foi o mesmo que, em conluio com a governadora Yeda, decretou o fechamento de todas as escolas em acampamentos do MST. Foi o mesmo que desenterrou a Lei de Segurança Nacional para criminalizar os militantes do MST. Foi o mesmo que classificou o Fórum Social Mundial (FSM) como encontro de “terroristas e marginais”. Mas era insuficiente o vociferante discurso desse promotor. Faltava o personagem que se prontificasse a exercer com rigora repressão institucionalizada, pedida pelo promotor. A governadora tucana tratou de providenciar a peça que faltava na engrenagem da repressão aos movimentos sociais. Em junho de 2008, nomeou para o cargo de Comandante-Geral da Brigada Militar o Coronel Paulo Roberto Mendes.

Ele é o mesmo que, ainda como subcomandante da Brigada, defendeu a pena de morte e a necessidade de levar os bandidos ao paredão. É o mesmo que classificou as mobilizações sociais como “baderna provocada por gente desocupada”. Infelizmente, para as forças reacionárias daquele estado não foi possível manter oculto a quem a Brigada Militar devia obediência.

Em dezembro de 2008, uma gravação da Policia Federal, com autorização da Justiça, mostrou que o Cel. Mendes mantinha vinculações com políticos ligados a fraudes envolvendo merenda escolar e obras rodoviárias. Perdeu o cargo do comando da Brigada, mas governadora decidiu puni-lo, dando lhe o cargo de juiz do Tribunal Militar. No cargo de juiz, ele continuou exercendo influencia sobre a tropa militar.

Em 21 de agosto de 2009, com o tiro nas costas de espingarda calibre 12, a Brigada Militar assassinou um trabalhador rural, acampado em São Gabriel. Um rato, para eles. Para nós, Elton Brum, 44 anos, pai de dois filhos, natural de Canguçu, trabalhador rural, lutador da Reforma Agrária.

Dizem agora, as autoridades, que estão empenhadas em identificar quem puxou o gatilho. É necessário puni-lo, sim. Mas saibam, essas mesmas autoridades, que para nós as causas e os responsáveis pelas condições que levaram um brigadiano se tornar um assassino já são conhecidas. Encarnado no policial que assassinou, estava também os autores do panfleto, estava a conivência ou a inoperância das autoridades que asseguraram sua impunidade.

Estava também a atuação de um promotor público que destila seu ódio contra os pobres organizados, do oficial militar que usa das armas que o estado lhes dá para reprimir o povo e de uma governadora atolada na lama da corrupção. Exigimos a punição do executor e dos responsáveis pelo assassinato de Elton Brum!
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