Além do Cidadão Kane

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Reforma ou Revolução?

Filipe
Vivemos tempos de profundas mudanças, aceleradas pelos acontecimentos históricos contemporâneos. No decurso de duas décadas - 1989/2009 - ocorreram acontecimentos de envergadura mundial que transformaram a realidade e operaram mudanças de fundo na nossa percepção dos fenômenos políticos e sociais, sejam os de âmbito nacional ou os de proteção internacional.

Sabemos que no início destes últimos vinte anos, as derrotas do socialismo na União Soviética e nos outros países europeus, operando uma alteração muito desfavorável na correlação de forças, abriram o caminho a uma ofensiva imperialista global. Na defensiva, o movimento operário internacional sofreu derrotas importantes, derrotas que acarretaram as mutações verificadas nos partidos operários e comunistas, afastando numerosos deles do marxismo-leninismo e provocando, nalguns deles, processos de auto-extinção ou a sua transformação em partidos neo-social-democratas.

A debilitação de forças e a passagem, ao longo das últimas três décadas, por uma fase prolongada de resistência à ofensiva imperialista global, operaram um recuo de posições, de objetivo e de palavras de ordem por parte dos partidos comunistas, um recuo político que originou também, em maior ou menor grau, recuos ideológicos significativos. O recente Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, realizado nos finais de Novembro de 2008, pouco depois do deflagrar da crise, pelas discussões travadas e, sobretudo, pelo conteúdo das resoluções aí aprovadas deixou a claro as dificuldades de uma rápida e decidida viragem política e ideológica por parte destas forças, ainda procurando assimilar - com atrasos e hesitações - o significado da profunda mudança em curso.As medidas tomadas pelos centros de decisão do capital, inicialmente marcadas pela fragilização de posições e pela desorientação, não tiveram as respostas à altura dos acontecimentos e da viragem que estes anunciavam. Exemplo disto foram as contraditórias e débeis respostas dos comunistas à cavalgada de espoliação dos recursos financeiros dos Estados, destinados autoritariamente à "salvação" dos bancos e de outros grandes organismos financeiros especulativos, transferindo, direta e maciçamente, à riqueza arrecadada pelos impostos sobre os contribuintes para as mãos do grande capital.

Subsistem ainda divisões de opinião acentuadas, quanto às várias visões sobre as realidades presentes e quanto aos rumos para o combate imediato. Em vários partidos comunistas são notórias as manifestações do oportunismo (reformista, economicista, "nacionalista", revisionista). A par de um revigoramento do interesse pelo estudo e atualidade do marxismo-leninismo, observam-se manifestações múltiplas de "teorizações" e "interpretações marxianas", visando a degenerescência da teoria do proletariado e a ecletização dos princípios, pelo mascaramento/dissolução dos seus eixos principais (teoria da luta de classes, papel de vanguarda da classe operária, teoria do Estado e da Revolução, missão histórica do partido comunista, seu funcionamento e objetivos orgânicos , sua linha de massas).

Por outro lado, confirmando o processo dialético do materialismo histórico, ocorrem acontecimentos que agudizam as contradições insanáveis do capitalismo: as guerras de agressão e ocupação militar de vários países pelo aparelho militar do imperialismo EUA/NATO; as lutas nacionais de resistência e pela independência nacional dos povos, contra essas ocupações militares e contra a dominação econômico-diplomática imperialista; os processos de emancipação social e revolucionária em desenvolvimento, em vários países sul-americanos; a emergência de novas potências econômicas capitalistas, em competição direta com os antigos pólos dominantes do centro capitalista (EUA, UE, Japão), agravando as contradições e dificuldades inter-imperialistas; e, finalmente, o despoletar da crise sistêmica global do sistema capitalista mundial, com repercussões econômico-financeiras, sociais, políticas, culturais e ideológicas de dimensões inimagináveis há um escasso ano atrás e que criaram, em conjunto, um quadro de atuação inteiramente novo e mais favorável às forças operárias e comunistas, fazendo renascer o ideal do socialismo, não já como um objetivo utópico e distante, mas sim como a meta real para a luta do proletariado e dos povos na nossa época.

Este ano de 2009, tem sido particularmente rico de acontecimentos políticos e sociais de grande dimensão - perda pelos EUA do seu anterior poderio econômico, reuniões de vários G's tentando a reconstrução (duvidosa) de um novo paradigma inter-imperialista, recessão e afundamento das economias reais, regresso da especulação financeira mascarada de "fim da crise", aumento brusco do desemprego, crescimento da pobreza e da degradação social e ambiental, golpe de estado nas Honduras, intensificação dos esforços militares de domínio imperialista em antigos e novos cenários regionais - todos eles criando objetivamente novas e mais favoráveis condições para a luta política e para a luta ideológica.

Deste modo, não obstante um quadro anterior de dificuldades para o campo das forças operárias, vivemos nos dias presentes uma nova fase, que exige a retomada urgente da iniciativa histórica pelas forças revolucionárias, portadoras do projeto do socialismo. Perante a agudização da luta de classes nos planos mundial e nacionais, a luta das idéias entre o trabalho e o capital cresce de intensidade, ao mesmo tempo que se radicalizam os embates teóricos com várias concepções ideológicas que, afirmando-se marxistas, recusam o marxismo. Aos comunistas cabe - de novo, mais uma vez, sempre - intensificarem a luta ideológica, com a defesa firme e convicta do rumo socialista para a Humanidade.

Desde o seu nascimento que as teorias revolucionárias e transformadoras dos criadores do Manifesto Comunista vêm sendo encarniçadamente combatidas pelos representantes do capital. Nesta luta sem tréguas, encontramos no pensamento e nas obras de Lenine uma inesgotável fonte de ensinamentos e apoio para este combate, um combate que nos é continuamente imposto pelos seus detratores. Sempre espantosamente atuais, os escritos de Lenine contêm a marca indelével das suas idéias revolucionárias, idéias cuja atualidade a realidade da luta de classes nos confirma todos os dias. Ouçamos - lendo-o - o que ele próprio nos diz acerca da luta ideológica contra as teses revisionistas:

"O revisionismo saiu ainda pior em relação à teoria das crises e à teoria do colapso. Somente durante um tempo muito curto, e unicamente os muito míopes, podiam pensar em modificar os fundamentos da doutrina de Marx em função de alguns anos de auge e prosperidade industrial. Logo, a realidade se encarregou de demonstrar aos revisionistas que as crises não haviam fenecido: após a prosperidade sucediam-se as crises. Modificaram-se, as formas, o encadeamento, o quadro das diversas crises, entretanto estas continuavam sendo parte integrante, inevitável, do regime capitalista. Os cartéis e os trustes, unificando a produção, reforçaram ao mesmo tempo, à vista de todos, a anarquia da produção, a insegurança econômica do proletariado e a opressão do capital, aprofundando deste modo, em um grau nunca visto, as contradições de classe. Que o capitalismo marcha para o colapso – tanto no sentido das crises políticas e econômicas isoladas, como no sentido da completa demolição de todo o regime capitalista – demonstram, de modo bem palpável e em proporções particularmente extensas, os modernos e gigantescos trustes. A recente crise financeira na América do Norte, o espantoso desemprego em toda a Europa, sem falar da próxima crise industrial, cujos sintomas não são poucos, tudo isto fez com que as recentes "teorias" dos revisionistas tenham sido esquecidas por todos, inclusive, ao que parece, por muitos dos próprios revisionistas. O que não se pode esquecer são os ensinamentos que esta instabilidade dos intelectuais deu à classe trabalhadora.

"No campo da política, o revisionismo tentou rever o que constitui realmente a base do marxismo, ou seja, a teoria da luta de classes. A liberdade política, a democracia, o sufrágio universal destroem a base da luta de classes – nos diziam os revisionistas – e negavam a velha tese do Manifesto Comunista de que os trabalhadores não têm pátria. Na medida em que na democracia impera a "vontade da maioria", não devemos ver no Estado, segundo eles, o organismo da dominação de classe, nem negarmo-nos a fazer alianças com a burguesia progressista, social-reformista, contra os reacionários.É indiscutível que estas objeções dos revisionistas se reduziam a um sistema bastante harmônico de concepções, a saber: as bem conhecidas concepções liberais burguesas. Os liberais sempre disseram que o parlamentarismo burguês suprime as classes e as diferenças de classe, já que todos os cidadãos, sem exceção, têm direito ao voto e a intervir nos assuntos do Estado. Toda a história da Europa durante a segunda metade do século XIX, e toda a história da revolução russa, no início do século XX, demonstram, cabalmente, quão absurdos são tais conceitos. Com as liberdades do capitalismo "democrático", as diferenças econômicas, longe de se atenuarem, se acentuam e se aprofundam. O parlamentarismo não elimina, ao contrário, deixa evidente que, na essência, as repúblicas burguesas democráticas são órgãos de opressão de classe. Ajudando a informar e a educar e a organizar massas da população incomparavelmente mais extensas que as que antes participavam de modo ativo dos acontecimentos políticos, o parlamentarismo prepara, desta forma, não a eliminação das crises e das revoluções políticas, mas a intensificação da guerra civil durante estas revoluções."

"O complemento natural das tendências econômicas e políticas do revisionismo era a sua atitude frente à meta final do movimento socialista. "O objetivo final não é nada; o movimento é tudo"; esta frase proverbial de Bernstein expressa a essência do revisionismo melhor que muitas extensas dissertações. Determinar o comportamento de um caso para outro, adaptar-se aos acontecimentos do dia, às mudanças dos detalhes políticos, esquecer os interesses fundamentais do proletariado e os traços fundamentais de todo regime capitalista, de toda a evolução do capitalismo, sacrificar estes interesses fundamentais no altar das vantagens reais ou supostas do momento: essa é a política revisionista. Da essência desta política se deduz, com toda a evidência, que a mesma pode adotar formas infinitamente diversas e que cada problema um pouco "novo", cada mudança um pouco inesperada e imprevista dos acontecimentos – mesmo que esta mudança só altere a linha fundamental do desenvolvimento em proporções mínimas e por curto prazo –, provocará sempre, inevitavelmente, esta ou outra variedade de revisionismo. O caráter inevitável do revisionismo está condicionado por suas raízes de classe na sociedade atual. O revisionismo é um fenômeno internacional."
("Marxismo e Revisionismo", V. I. Lenine, 16 de Abril de 1908)

Se não fossem as referências espaciais e temporais - e a nomeação de um dos protagonistas do revisionismo da sua época - estes três períodos transcritos poderiam facilmente passar por textos escritos na atualidade e com propósitos e alvos inteiramente adequados aos nossos dias. O revisionismo é um fenômeno internacional, afirmava Lenine com inteira razão, e um fenômeno da sua e da nossa época, podemos nós acrescentar. A exigir-nos uma vigilância e um combate permanentes.

A época da transição do capitalismo ao socialismo teve início com a Revolução de Outubro, em 1917. Num processo acidentado, marcado inevitavelmente pelas contradições do processo dialético, próprio do materialismo histórico, vivemos hoje de novo tempos de mudança. Friedrich Engels, disse um dia: “A sociedade burguesa encontra-se diante de um dilema: ou avanço para o socialismo ou recaída na barbárie.”

Neste início do século XXI, à classe operária, aos assalariados, apresenta-se de novo aquela encruzilhada no caminho dos povos: socialismo ou barbárie. Ou seja, ou avançamos na luta rumo à construção da nova sociedade socialista, ou viveremos - atolados no pântano das teses revisionistas da conciliação de classes - um novo período da barbárie imperialista.

As experiências históricas também nos ensinam que a revolução não é um momento, mas um processo, mais ou menos prolongado, cujos caminhos e traços distintivos são o resultado de um feixe complexo e contraditório de fatores, objetivos e subjetivos, que marcam diferenciadamente cada um dos processos revolucionários e que exigem às forças da revolução estudo atento da realidade e sólida condução política, firmemente ancoradas nos princípios teóricos marxistas-leninistas que constituem um guia para a ação.

Não se alcança o socialismo sem luta. O capitalismo não se transmutará, gradual e pacificamente, no socialismo. Sob o domínio do capital, a "democracia" é um logro. Todos os combates, todas as lutas, todas as manobras tácticas, todas as alianças conjunturais, todos os passos dados devem aproximar-nos do objetivo último e não ocultá-lo ou dificultar-nos a sua conquista. Sem primeiro derrotarmos e destruirmos os aparelhos de dominação da burguesia não estarão garantidas as condições para a construção do poder dos trabalhadores. Com o grande capital explorador e imperialista não existem acordos políticos favoráveis aos explorados e aos povos. A luta do proletariado em cada país é simultaneamente patriótica e internacionalista.

Sempre com o nosso insubstituível critério de classe, definindo com clareza as prioridades, organizando primeiramente a classe de vanguarda, esclarecendo e aprendendo, unindo e mobilizando, ergamos então perante todos os trabalhadores a bandeira da revolução socialista. Coerentes com os ideais humanistas e libertadores que guiam a luta dos comunistas - luta para o nosso tempo, luta rumo ao socialismo - afirmemos com confiança: "Sim, é possível!"
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Publicado em O Assalto ao Céu

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