As ações do governo e do PT diante da crise mundial ainda não conseguiram fazer com que a ultra-esquerda revisse seus conceitos sobre a natureza da política governamental e da política em geral. Ela continua considerando que o projeto do governo Lula representa, em essência, uma continuidade conservadora, tanto em seus aspectos macroeconômicos e em suas opções de desenvolvimento quanto na continuidade das reformas neoliberais exigidas pela lógica da acumulação de capital.
A classe trabalhadora teria sido desarmada para a disputa real da luta de classes, subordinando-se à defesa de um governo que de fato representaria um projeto que não seria mais o seu. Para ser um verdadeiro governo popular, o governo Lula poderia e deveria compensar a ausência de apoio institucional com a organização autônoma das massas e a luta das classes que sustentariam o projeto popular.
Isto, segundo a ultra-esquerda, é o que estaria sendo comprovado pelas experiências em curso na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Mas o governo Lula, ao contrário, em nenhum momento teria chamado a classe trabalhadora a se organizar e participar ativamente na execução das tarefas de governo e na sustentação de qualquer política. O papel dos trabalhadores teria se reduzido a votar, e continuar votando.
Estaríamos, portanto, diante de uma forma de manipulação do apoio de massas para sustentar um projeto que esconderia, atrás do véu enganoso dos interesses "nacionais" e do "interesse comum", os reais interesses da burguesia. A correlação de forças teria se tornado desfavorável aos trabalhadores porque sua expressão política teria produzido uma distorção, ao criar uma aliança pluriclassista no âmbito do Estado, aliança que não corresponderia aos interesses das classes reais em disputa.
Assim, o PT continuaria diluído numa aliança de centro-direita, disputando a hegemonia da direção do projeto burguês com setores de direita, enquanto não existiria no cenário político uma classe trabalhadora e uma real alternativa de esquerda. O debate se resumiria a saber quem executa as medidas de consenso de acumulação do capital.
Em outras palavras, a ultra-esquerda culpa os outros por sua própria incapacidade em apresentar uma real alternativa de esquerda, pretensamente capaz de mobilizar a classe trabalhadora, mudar a correlação de forças, pressionar o governo, remodelar as alianças e fazer com que estas correspondam aos interesses de classe em disputa. E sequer se pergunta por que é incapaz dessa missão, permitindo que as massas sejam "manipuladas" e seu papel continue reduzido a votar.
Também não explica como o governo Lula, supostamente tendo seguido a cartilha neoliberal, foi capaz de evitar que a crise se abatesse sobre o Brasil do mesmo modo que se abateu sobre outros países. Ou como pode adotar medidas anticíclicas, principalmente no sentido de manter os empregos e o poder de compra das camadas mais pobres da população, ao invés de apenas socorrer bancos e empresas.
Assim, o problema da ultra-esquerda é que ela continua supondo que são os partidos ou governos que fazem as massas trabalhadoras se movimentarem, para o bem ou para o mal. Desconsideram que essas massas possuem sua própria dinâmica de aprendizado. E que são capazes de mobilizar-se por conta própria, quando não estão mais dispostas a aceitar determinadas políticas. É por isso que o governo Lula, o PT ou a ultra-esquerda não são capazes de mobilizar as classes trabalhadoras do Brasil para algo além do que elas pretendem no momento.
Foi essa falta de mobilização que impôs ao PT e ao governo Lula uma correlação de forças que não lhe é favorável para evitar algumas alianças, ou para adotar ações mais radicais. Pode-se até criticar o governo e o PT por não ousarem em algumas medidas que poderiam levar a reformas democráticas. Mas não se pode achar que basta que eles queiram para que as coisas se realizem. Se fosse assim, as pretensões da ultra-esquerda já estariam implantadas, há muito.
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Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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