Com a chegada de Manuel Zelaya às Honduras e a sua instalação na embaixada do Brasil em Tegucigalpa – onde está como hóspede, pois o Presidente da República não pode estar como asilado político no seu próprio país – aos golpistas agrupados à volta de Micheletti põe-se uma opção: ou “perpetrar um banho de sangue para afogar o movimento popular, fortalecido na reivindicação do regresso à institucionalidade, ou retirar-se do poder que ocuparam delituosamente desde há quase três meses. (…) Os golpistas encabeçados por Micheletti parecem encurralados, mas não derrotados.
La Jornada (Editorial)
A surpreendente aparição do presidente constitucional hondurenho, Manuel Zelaya, na embaixada brasileira em Tegucigalpa altera o impasse em que se encontrava a nação centro-americana desde o golpe de Estado oligárquico cometido em finais de Junho passado, quando eletivos militares tiraram o presidente da sua residência, expulsaram-no das Honduras e impuseram como titular do Executivo o usurpador Roberto Micheletti.
Deste modo, o regresso do presidente deposto ao país abre um novo espaço para a ação da diplomacia continental, que parecia ter esgotado completamente os seus caminhos, desde que o presidente costa-riquense, Óscar Árias, formulou uma incongruente e antidemocrática proposta conciliatória que pretendia premiar os golpistas com a distribuição de pastas no governo.
A resistência popular hondurenha vê-se subitamente fortalecida, não só perante o regime de gorilas [gorilato] instaurado em Junho, mas também perante o próprio Zelaya e os governos latino-americanos e os organismos internacionais, depois de quase 90 dias passados desde o golpe se ter mantido viva, mais ampla, ter ganho organização e presença e sido o único fator interno de contrapeso ao golpismo. Torna-se claro que, com estes antecedentes terá de ser tomada em conta no processo de restauração da institucionalidade.
A julgar pela informação disponível, os comandantes quarteleiros e civis que se prestaram a instaurar um regime espúrio encontram-se, devido aos acontecimentos de ontem, perante duas opções: perpetrar um banho de sangue para afogar o movimento popular, fortalecido na reivindicação do regresso à institucionalidade, ou retirar-se do poder que ocuparam delituosamente desde há quase três meses. A moeda está no ar e, até ao fecho desta edição [22 de Setembro], os golpistas encabeçados por Micheletti parecem encurralados, mas não derrotados.
No âmbito externo, os fatos parecem demonstrar que Zelaya não regressou ao país sem ter assegurado previamente o apoio – ou, pelo menos as boas graças – dos governos do Brasil e da Nicarágua – foi a partir do seu território que pode partir furtivamente – e dos Estados Unidos; é o que sugere o fato de o Departamento de Estado e a chancelaria brasileira terem confirmado a presença do presidente constitucional em solo hondurenho num momento em que o regime de Micheletti não tinha conhecimento disso.
Se o que foi dito antes é verdade, a região encontra-se perante um importante realinhamento das presenças continentais na América Central: o Brasil – cuja embaixada na capital hondurenha serve de refúgio a Zelaya, mas sobretudo de quartel-general – ganharia um protagonismo regional indiscutível entre as nações do istmo centro-americano, parcialmente construído sobre a ausência da diplomacia mexicana na zona.
Finalmente, essa ausência deveria ser motivo de reflexão: se durante décadas a chancelaria do nosso país [México] desempenhou um papel fundamental junto das nações centro-americanas – recordem-se. Por exemplo, a Declaração Franco-Mexicana sobre El Salvador (1981), a criação do Grupo Contadora, antecessor do Grupo do Rio e as mediações nos processos de paz de El Salvador e Guatemala –, esse papel foi progressivamente abandonado até ao ponto de o governo foxista o ter substituído por uma sigla sem qualquer substância (o Plano Puebla-Panamá), e a atual administração ter inclusivamente prescindido da sigla.
Este texto foi publicado no diário mexicano La Jornada.
Tradução de José Paulo Gascão
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