Parece que sete anos depois, a esquerda do velho continente ainda não aprendeu a lição. Poderia fazer um curso intensivo na América Latina. Reaprender que nada substitui a ação política feita em sintonia com os movimentos sociais.
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Gilson Caroni Filho(*)
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O resultado da eleição para o Parlamento Europeu não deixa margem para qualquer dúvida. Há uma incontestável hegemonia conservadora no Velho Continente. Partidos de centro-direita obtiveram expressivas vitórias na Alemanha, França, Irlanda, Espanha, Grã-Bretanha e Irlanda. Agremiações de extrema-direita têm avançado na Hungria, Holanda e Romênia. Como já assinalou Emir Sader, a Europa está na contramão dos avanços obtidos na América Latina.
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Longe de ser um fato surpreendente, o resultado parece demonstrar que a esquerda européia, ao contrário da latino-americana, ainda não conseguiu se desvencilhar da armadilha em que caiu quando, para se tornar “assimilável”, optou pela indeferenciação programática com o campo conservador. Há mais de uma década é incapaz de apresentar um projeto alternativo, contra-hegemônico.
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Lênin, o bolchevique, dizia que a melhor maneira de se apreender a verdadeira dinâmica da história era "a análise concreta de uma realidade concreta". De Lênin pouco se fala. O bolchevismo se traduziu num socialismo burocratizado e a realidade, para fins de análise, deixou de ser concreta. Capturada pelo espetáculo, se apresenta fluida e fragmentada. A indigência analítica dá mostras do estrago feito pelo neoliberalismo nos últimos anos.
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A história, percebida como registros pontuais e sem articulação entre si, passou a ser uma sucessão de raios em dia de céu azul. Um dia, do nada, surgiam o Iraque e Saddam Hussein. Ao nada retornavam por determinação conjunta do Pentágono e da CNN.
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Duas torres viraram pó em Nova York, e o cenário que emergiu foi o do inóspito Afeganistão e seu relevo beirando a impossibilidade geográfica. O Oriente Médio era percebido como local de morticínio perpetrado por um louco general contra fanáticos suicidas. Da América Latina surgiam panelaços na Argentina e golpes e contragolpes na Venezuela. Com som e fúria, nada parecia fazer sentido. Ledo engano
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Em meados de 2002, uma gritaria ecoaria na imprensa mundial. Para "estupor" do cidadão francês, a extrema-direita foi para o segundo turno das eleições presidenciais. A Frente Nacional do fascista Jean-Marie Le Pen derrotou o socialista Lionel Jospin e enfrentaria o candidato Jacques Chirac, da direitista RPR. O que mais nos espantava era o espanto. Não tínhamos bola de cristal, mas análise de conjuntura não faz mal a ninguém. Desconhecer a força política do fascismo francês é ignorar parte integrante da cultura política daquele país. A mesma que nos deu Bourdieu, Foucault, Levi-Strauss, Guattari, Sartre, Deleuze, entre tantos outros. Eles são parte de uma formação social que gesta atores e processos que lhes são, em tudo e por tudo, antípodas.
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Sem o colaboracionismo de tantos franceses, teria sido impossível à Alemanha nazista implantar o regime de Vichy, após ter invadido o país. E o marechal Pétain não pecou por impopularidade. Convém lembrar que o anti-semitismo e o ódio ao imigrante, clara e gema do ovo da serpente, nunca deixaram o imaginário francês. Latentes em períodos de prosperidade econômica, sempre se fizeram manifestos em período de crise e desemprego.
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Nas eleições de 1995, Le Pen conseguiu, com um discurso tão simplório quanto racista, obter 15% do eleitorado. Era visto, pela imprensa internacional, como algo exótico. Um espécime raro da majestática Quinta República. Quase um convite para se ver o passado como algo inerte numa sala escura do Louvre. Fazia parte de uma parcela reativa da população às injunções do neoliberalismo na vida nacional. Nada a temer, embora seu eleitorado permanecesse fiel. E em crescimento constante.
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Nesse ponto gostaríamos de fazer uma inflexão: o crescimento do voto na extrema-direita ocorria num cenário marcado por três vetores que não podiam, como ainda não podem, ser desconsiderados.
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O primeiro diz respeito ao declínio das formações socialistas e de sua crise identitária – instalada a partir da fragmentação da clássica base de apoio: a velha classe trabalhadora, atomizada pela nova dinâmica do capital. Sem movimento social de corte clássico, a esquerda optou por eleger o campo institucional como único espaço de ação. Adotou o figurino das forças conservadoras e elegeu o discurso gerencial como substituto da proposta transformadora. Queria ser percebida como tão competente quanto a direita na gestão da ordem solicitada pelo capital. Descolou-se inteiramente da realidade, buscando uma farsesca terceira-via.
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Decorrente do primeiro vetor, a descrença na ação política leva à intolerância e ao atendimento imediato ao chamado fascistóide. Tanto mais sedutor quanto mais simplista. Estabelece uma relação causa-efeito que retira da conjuntura qualquer necessidade de reflexão crítica. Não há que se perder tempo com considerações históricas. Segurança pública é questão de repressão policial, e "não se fala mais nisso". Desemprego é provocado por imigrantes que devem ser banidos. O "outro” volta à sua recorrente função de bode expiatório.
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O terceiro reside no papel da imprensa. Mostrando a política como apêndice de manuais de economia e candidatos como possíveis gestores de uma ordem inconteste, o jornalismo há muito colabora para o esvaziamento do campo político e seus principais atores.
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Qualquer ameaça aos interesses do capital é vista a partir das reações negativas do mercado, das oscilações do câmbio e da queda da bolsa. A despersonalização é a contraface do fetiche. A perda da substância histórica é retratada no noticiário político. Seus personagens tornam-se anódinos, os partidos extensões das idiossincrasias das lideranças, e os processos sucessórios momentos tediosos que nada dizem. Rituais de eterno retorno que os jornais noticiam por dever de ofício. Nada mais simplificador. Nada mais semelhante à lógica fascista.
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O problema não é o fascismo como projeto. Sua formatação requer condições objetivas que não estão presentes. O desapreço pela democracia representativa e pelo Estado de Direito foi o recado claro da expressiva votação de Le Pen. E, nesse crime, a mídia deixou suas impressões digitais.
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A esquerda plural (comunistas, socialistas e verdes) caiu na armadilha em 2002. Chegou a dizer, na fase inicial da campanha, que seu programa não era socialista, e nada propôs como alternativa ao credo neoliberal. A julgar pelos resultados dos grupos de extrema-esquerda, fez o cálculo errado. A Liga Comunista Revolucionária (4,4% dos votos) e os 2% dos votos obtidos pela candidata do Partido Radical de Esquerda, Christhiane Taubira, teriam garantido Jospin no segundo turno. Contra os 17,02% dos votos de Le Pen, a esquerda, dividida entre sete partidos, obteve 45% dos votos. Quando Jospin assumiu a derrota como sendo pessoal, não estava longe da verdade. Votos a esquerda européia ainda tinha. Contanto que tivesse se reinventado.
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Muito se diz sobre a política: sua época heróica acabou, sobrevive apenas uma teatralização desprovida de historicidade, e a rua não é mais locus da cidadania. A extrema-direita não acreditou nos arrazoados teórico-políticos da suposta razão pós-moderna, partiu para os slogans surrados e para a militância ameaçadora.
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Apostou no passado, dado como morto, e logrou capitalizar dividendos presentes. O pungente "NON" que estampava a primeira página do Liberátion era uma súplica vã. Seríamos "salvos" por Chirac e sua corrupta RPR (Reunião pela República). Esse era o consolo que restava àqueles que lutaram contra a banalização promovida pela imprensa, contra a indiferença do cidadão comum e contra um socialismo que se quer palatável custe o que custar.
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Pretendendo ser moderno, esse tipo de socialismo é a reedição dos seus antepassados de salão, tão deliciosamente denunciados por Marx no Manifesto.
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Parece que sete anos depois, a esquerda do velho continente ainda não aprendeu a lição. Poderia fazer um curso intensivo na América Latina. Reaprender que nada substitui a ação política feita em sintonia com os movimentos sociais. O balanço das eleições de 2009 apenas confirma o que já se prenunciava em 2002. Onde a esquerda nasceu a direita continua nadando de braçada.
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(*)Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
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