Além do Cidadão Kane

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Tegucigalpa, sob a ameaça de golpe de Estado


Original em Rebelión

O presidente Manuel Zelaya (Mel) constituiu um governo em 2006 que desde seu primeiro dia tomou distancia dos grupos de poder e seus mais fieis representantes mantendo um poder muito precário com respeito aos setores do poder econômico e político. No Congresso Nacional esteve desde o primeiro momento sem uma bancada de deputados que respaldassem os projetos de lei que enviava ao mesmo.

O presidente Mel se vinha distanciando desses grupos ao fazer coisas que os irritava: impediu-lhes negócios que sempre foram usufrutuados através do estado. Perseguiu a evasão fiscal, uma forma de enriquecimento muito praticada pelas grandes empresas do país. Eliminou o monopólio da importação de combustíveis que trazia ganhos milionários a uma empresa. Eliminou os negócios de importação de armas e medicamentos que o dono de dois grandes jornais havia realizado por décadas com o Estado. Cancelou receitas milionárias mensais enviadas da casa presidencial aos grandes meios de comunicação.

A nível internacional desenvolveu uma política exterior diferente aproximando-se dos governos de esquerda da América Latina.

Abriu a casa de governo aos setores populares, fazendo uma forma de auditoria social, confrontando funcionários do mais alto nível, com os moradores e setores populares que exigem seus diretos.

Em 2008 enfrentou diretamente os deputados do Congresso Nacional em varias ocasiões, contrariando a tentativa para reformar a lei eleitoral com a intenção de financiar de maneira permanente os partidos políticos com recursos públicos, proposta que ganhou o repudio unânime da população e do executivo. Também se distanciou do congresso nacional pela eleição da nova corte suprema de justiça e, finalmente, pela eleição do Fiscal Geral. Estes fatos marcaram uma ruptura evidente no sistema político nacional. Apagou-se a linha divisória entre os dos partidos tradicionais. Ambos se colocaram nitidamente em oposição ao interesse nacional e contra o executivo que ficou quase sem representantes no Congresso Nacional.

Mel decretou um aumento importante do salário mínimo, bastante prejudicado devido às constantes desvalorizações e ao conseqüente incremento do preço da cesta básica.

O ultimo ano de seu governo (2009), ano eleitoral, se aprofundou esta divisão. Mel compensou sua falta de apoio no Congresso com a formação de uma ampla aliança com os setores populares. Isto agravou sua confrontação com os grupos do poder. Os grandes meios de comunicação não cessaram um só dia de atacar a seu governo.

Mel projetou este ano baseado em seu plano de fazer uma espécie de plebiscito ou referendum nacional, para perguntar à população se quer estabelecer uma quarta votação durante as eleições nacionais de novembro. Isto é, se além da eleição presidencial, de deputados e de prefeitos, Mel quer consultar ao povo si se põe uma quarta votação para perguntar ao povo se quer estabelecer uma Assembléia Nacional Constituinte para fazer uma nova constituição. Esta proposta gerou un maremoto político. Aliaram-se os setores mais conservadores para opor-se ferreamente a ela.

Montou-se uma campanha midiática milionária para declarar ilegal a campanha pelo sim que se programou para 28 de junho. Tem-se utilizado desde argumentos legais até os mais baixos ataques midiáticos para desprestigiar usando argumentos obsoletos e de atemorização massiva para evitar que a população seja consultada. Tem-se usado argumentos de “vão levar teus filhos” ou “vão tirar tuas propriedades” fantasmas da guerra fria que se acreditavam esquecidos para evitar que as pessoas sejam ouvidas. No fundo existe um temor, ante a crescente deslegitimação que sofreu o sistema de partidos políticos e que surja um novo modelo baseado mais na participação real e não na representação que provou à exaustão que não funciona.Na historia recente do país, a população nunca havia sido consultada sobre nenhum assunto de interesse nacional.

O presidente Zelaya não enviou o projeto de orçamento de 2009 ao Congresso Nacional, de maneira que segue vigorando o do ano passado. Como uma forma de pressionar ao Congresso não tem feito repasses financeiros ao mesmo. Isto tem aumentado o mal-estar dos deputados que lhe fazem oposição. A maior dificuldade para eles é que este ano necessitam os recursos públicos para pagar suas campanhas (isto é uma constatação dado que a esta altura do ano, estaríamos inundados de propaganda política. Até hoje não há quase anúncios de nenhum candidato nem a presidente nem prefeitos nem deputados). Como conclusão, é certo que as milionárias campanhas às quais nos têm acostumado os políticos tradicionais são pagas por nossos impostos, Através dos mais de um bilhão de Lempiras do fundo especial que o presidente do Congresso Nacional gerencia. Enquanto isto (do informe do CIPRODEH sobre o desempenho do congresso) as prefeituras tem mais de 70 passos a percorrer para obter os pequenos fundos designados para a Estratégia Para a Redução da Pobreza.

Anteontem (23-6) pela tarde, o candidato a prefeito de Tocoa (zona norte do país, onde o DCA tem o projeto DIPECHO VI) pelo partido de esquerda Unificação Democrática sofreu um grave atentado: 4 sicários dispararam quase 30 balas de AK 47 contra seu automóvel. Quatro deles atingiram seu corpo. Ontem mesmo foi trasladado de helicóptero a Tegucigalpa em estado crítico. Nessa mesma cidade foi assassinado Carlos Escaleras (ex candidato a prefeito pelo mesmo partido) faz já mais de dez anos, caso emblemático de um dos três que o ERIC luta ante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

No dia de hoje, 25 de junho, o Presidente Zelaya convocou os setores populares e ao Estado Maior das Forças Armadas à Casa de Governo para reafirmar seu compromisso com a consulta. Os militares têm estado no centro da polêmica nos últimos dias porque os setores de poder lhes dizem que não devem obedecer a seu comandante geral para dar o apoio logístico para a consulta. Mel lhes chamou para assegurar-se de que a partir de amanhã deverão começar a distribuir as 15 mil urnas em todo o país.

Hoje pela tarde têm circulado muito fortes rumores de que se prepara um Golpe de Estado. As fontes têm sido variadas mas coinscidentes.Mel se reuniu esta noite com o Estado Maior Geral e o Chefe deste na casa de governo. Ao final da reunião, em uma entrevista à imprensa, acompanhado por representantes de variados setores populares, em um comunicado bastante sucinto Mel anunciou que havia aceitado a renuncia do Chefe do Estado Maior Conjunto e também do Ministro da Defensa.

A seguir Mel chamou os setores populares para uma grande assembléia popular na casa de Governo para defender o direito a consulta do povo e para tomar decisões importantes para o país. Se afirma que já estão viajando à capital os setores populares para respaldar ao presidente.

Este episodio agrava a situação política e põe em questão o próximo movimento dos grupos de poder.

Fontes confiáveis asseguram que a Junta de Comandantes e o Estado Maior das Forças Armadas decidiram renunciar em solidariedade com seu chefe destituído.

Também se afirma que o RECABLIN (Regimento de Cavalaria Blindada, corpo de elite do exercito) esta pronta para tomar os pontos principais da cidade, casa de governo, radio e canal nacional, entradas e saídas, incluindo o aeroporto, etc.

Esta tarde, o Congresso Nacional se declarou em sessão permanente. Um estado usado só em momentos de crise. O próximo movimento será aqui. Sob uma serie de argumentos pseudo legais, destituíram o presidente, nomeando uma junta cívico-militar para “restabelecer” a constituição que estava em perigo.

O exército sairá às ruas para reprimir qualquer manifestação em apoio ao presidente. Iniciar-se-á uma caça às bruxas facilitada pela debilidade da organização dos setores populares. A violação dos mais elementares direitos estará na ordem do dia.

A única forma de evitar o derramamento de sangue será com uma contundente presença de pessoas nas ruas apoiando ao presidente. Meu prognóstico é que ganhará o medo à repressão e isto lamentavelmente a propiciará.[

Para finalizar, o embaixador dos Estados Unidos saio do país ontem. De forma muito conveniente, NÃO estará presente no desenlace desta crise.

Honduras deverá seguir representando o papel que já representou nos anos 80: repressão para os governos progressistas que vem do sul e que se aproximam perigosamente do muro do pátio dos fundos.

Traduzido por Rosalvo Maciel

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