Dahr Jamail Fonte: uruknet Tradução de Joana S. Piedade
Cerca de 20 soldados dos EUA foram mortos no Iraque em Maio, o maior número desde Setembro, a juntar a mais de 50 feridos. Como é habitual, o número de mortos e feridos iraquianos é dez vezes maior.
Os ataques às forças norte-americanas estão novamente a aumentar em lugares como Bagdá e Fallujah, onde tradicionalmente, a resistência iraquiana era mais forte. Muitos dos membros da resistência iraquiana aderiram à Sahwa (Filhos do Iraque, também referidos como o movimento dos Conselhos do Despertar), e começaram a receber pagamentos dos militares norte-americanos para suster os ataques contra os ocupantes e juntarem-se à luta contra a al-Qaeda no Iraque.
No início de Abril, escrevi uma coluna para este web site que ilustrava como os ataques contra a Sahwa por parte do governo iraquiano e dos militares norte-americanos, juntamente com a quebra de promessa da Sahwa vir ou a ser incorporada no aparelho de segurança governamental, ou a serem distribuídos empregos civis, deveria conduzir a um êxodo da Sahwa e retorno à resistência.
Devagar, mas solidamente, estamos a assistir a isso mesmo. A Sahwa alertou o governo iraquiano para não se esquecer os seus compromissos com os combatentes: providenciar empregos e salários. No dia 28 de Maio, o jornal independente al-Hayat, de propriedade saudita e sediado em Londres, assinalou:
"Alguns líderes dos “conselhos do despertar” alertaram o governo iraquiano para honrar os seus compromissos relativamente aos seus membros através do pagamento dos salários com atrasos de três meses. Os combatentes poderão rebelar-se contra o governo se as suas exigências continuarem a ser ignoradas, o que poderá ter um efeito adverso na situação de segurança. Sheikh Masari al-Dulaymi, um dos líderes do conselho em Falahat al-Taji para o norte de Bagdá, anunciou que o comitê encarregue de supervisionar o processo de reconciliação nacional, avisou os líderes dos conselhos que os seus salários deviam ser pagos e que uma forma de cooperação deveria ser acordada com as tribos para preservar a segurança em Bagdá."
O relatório acrescentou que al-Dulaymi referiu ainda que, muitos dos combatentes nos conselhos abandonaram os seus deveres de proteção às respectivas áreas devido aos atrasos na recepção dos salários. “Não queremos que a crise aumente mais porque os membros dos conselhos já desconfiam das promessas do governo”. Al-Hayat refere ainda que o Sheikh Khaled Yassine al-Janabi, líder do conselho em al-Latifiyah, no sul de Bagdá, avisou que “a atitude do governo de ignorar a questão dos conselhos e as suas exigências terão um efeito nefasto na questão da segurança”.
Simultaneamente, a resistência iraquiana, em cujas fileiras estão apoiadores da Sahwa e outros iraquianos que juntam-se pelas razões habituais: os seus compatriotas são detidos, torturados e violados, pelas forças de ocupação e seus colaboradores iraquianos. Também a destruição de infra-estruturas e o sofrimento que isso acompanha, entre uma série de outras razões (como o fato de um em cada quatro iraquianos viver na pobreza), justificam o estado atual.
O Los Angeles Times noticiou recentemente que um comandante da resistência iraquiana, que é também membro da Sahwa, disse "se ouvirmos dos americanos que não são capazes de nos apoiarem, dentro de seis horas estabelecemos os nossos grupos e lutamos contra o governo corrupto. Haverá guerra em Bagdá”.
Depois de terem confiado nos militares norte-americanos para cumprir as suas promessas de apoiar a Sahwa no sistema político iraquiano, a sua paciência estás prestes a esgotar-se. Um antigo general, comandante da resistência, que lidera um grupo chamado de Exército iraquiano para a libertação, e que também é membro da Sahwa, disse ao jornal The Los Angeles Time que “se os americanos deixarem Bagdá, em 24 horas as ruas pertencem à resistência e às pessoas. As pessoas estão a ferver”.
A violência tem vindo a agravar-se desde Janeiro. Abril foi o mês em que se registraram mais mortes entre iraquianos desde há um ano. Diariamente, vemos membros da Sahwa partir dos seus postos. Em vez de proteger as áreas onde trabalharam como seguranças, muitos deles, em protesto contra ataques do governo e falta de pagamentos, regressam para a resistência. Simultaneamente, eles desviaram as suas atenções das operações da al-Qaeda no Iraque, que era a razão primordial pela qual os EUA tinham criado a Sahwa. Assim, quando al-Janabi avisa que “o desprezo do governo em relação ao assunto e às suas exigências vai ter um efeito negativo no que toca à segurança”, esse “efeito negativo” tem duas frentes. Sem contar com as futuras ramificações de ter 100.000 soldados, que foram aliados das forças de ocupação, a virarem-se contra eles novamente. Hoje, como já vimos, estamos a receber uma pequena, muito pequena, amostra do que isto pode vir a tornar-se.
Rios de sangue continuam a fluir no Iraque ocupado. A 25 de Maio, um militante suicida, conduziu um carro repleto de explosivos de encontro a uma patrulha dos EUA em Mosul, matando 8 pessoas e ferindo 26. No mesmo dia, em Hilla, 60 milhas a sul de Bagdá, um atirador matou um soldado da Sahwa que estava num checkpoint.
A 21 de Maio, militantes suicidas atacaram em duas cidades, matando três soldados americanos e quase duas dúzias de iraquianos numa insurreição violenta que levou à morte de 66 pessoas em dois dias. No mesmo dia, houve mais ataques contra a Sahwa, que para além de ser atacada por forças do governo iraquiano, está a ser atacada pela al-Qaeda. Sete membros da Sahwa foram mortos em Kirkud a 21 de Maio enquanto esperavam numa fila para receber o seu salário numa base militar.
Entretanto, o Pentágono está preparado para deixar forças de combate no Iraque por mais uma década, apesar do “acordo” entre os EUA e o Iraque de fazer regressar a casa todas as tropas até 2012. O General George Casey, o Chefe do Estado Maior do Exército, declarou recentemente que o Pentágono deveria planejar um prolongamento dos ataques americanos e das operações de estabilidade tanto no Iraque como no Afeganistão, dizendo que “as tendências mundiais estão a empurrar na direção errada. Elas fundamentalmente vão alterar a forma de trabalhar do exército.” É importante notar que neste momento, os EUA mantêm 139.000 soldados no Iraque, que é ainda um número maior do que aquele que existia antes do envio massivo de tropas de George W. Bush.
Muitos destes soldados, bem como dos nacionalistas americanos que cegamente apoiaram e continuam a apoiar a ocupação criminosa do Iraque, acreditam que é um desígnio divino que justifica a estratégia da lei do mais forte praticada pelo império dos EUA. Relembremos um dos mais reconhecidos escritores norte-americanos, Mark Twain. Mais conhecido por ter criado Tom Sawyer e Huck Finn, Twain era um pacifista. Nunca lemos a “Prece da Guerra” na escola, mas nele podemos ler de forma irônica:
“Ó Senhor nosso Pai, nossos jovens patriotas, ídolos dos nossos corações, avançam para a batalha – estejais Vós perto deles! Com eles – em espírito – também nós avançamos da doce paz de nossos amados lares para atacar o inimigo. Ó Senhor nosso Deus, ajudai-nos a fazer dos soldados deles pedaços sangrentos de corpos, graças às nossas bombas; ajudai-nos a cobrir seus alegres campos com as pálidas formas de seus patriotas mortos; ajudai-nos a sufocar o trovejar das armas com os gritos dos seus feridos contorcendo-se de dor; ajudai-nos a arrasar seus lares humildes com um furacão de fogo; ajudai-nos a esmagar os corações de suas viúvas inocentes com irremediável pesar; ajudai-nos a torná-los desabrigados com criancinhas solitárias a vaguear pelos restos da sua desolada terra em farrapos, com fome e com sede, à mercê do sol flamejante do verão e dos ventos gelados do inverno, desolados, acabados pelo trabalho duro, implorando a Vós pelo refúgio do túmulo e não sendo atendidos. Por nós, que Vos adoramos, Senhor, arrasai suas esperanças, deteriorai suas vidas, prolongai sua amarga peregrinação, façais pesados os seus passos, molheis o seu caminho com suas lágrimas, manchai a neve alva com o sangue dos seus pés feridos! Isto nós pedimos, no espírito do amor, d’Ele que é a Fonte do Amor, e que é o sempre fiel refúgio e amigo de todos os que estão aflitos e sofrendo e buscam a Sua ajuda, de corações humildes e contritos. Amém.” Esta é a matança e o sofrimento que está a ser causado pela ocupação norte-americana do Iraque. Esta é a morte e o sofrimento que está a instigar a Resistência Iraquiana a mais uma vez se organizar, ganhar força, e preparar-se para voltar à carga.
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