Além do Cidadão Kane

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O delito imperdoável de perguntar ao povo

EEUU e UE devem demonstrar que defendem a democracia


Na América Latina foram muitos os presidentes que chegaram ao cargo com promessas de políticas sociais que deitariam abandonadas para entregar-se a serviço dos setores mais oligarcas, desde empresariais a militares. Por isso, o caso aonde o presidente Manuel Zelaya em Honduras, chegando ao poder como candidato do Partido Liberal, houvesse realizado o caminho contrario, adotando iniciativas sociais e progressistas imprevistas em um candidato neoliberal era em todo um sacrilégio.

Chegava-nos a falsa interpretação de um presidente populista

Não esqueçamos que se trata do país utilizado pelos setores mais reacionários e direitistas da região para sua política de agressividade contra qualquer princípio de avanço na América Central. Em Honduras se treinava na década de oitenta os Contra nicaragüenses financiados mediante a trama denominada rede Irã-Contras que combateria contra o sandinismo e se coordenavam os esquadrões da morte que assassinavam a líderes progressistas e tentavam dinamitar o processo de paz em El Salvador.

Na madrugada de domingo, um comando militar seqüestrava ao presidente e o tirava do país para levá-lo a Costa Rica. O Exército hondurenho revivia assim os tempos mais escuros da guerra fria, quando cumpria fielmente com o papel de desfazer qualquer iniciativa ou movimento social que pudesse pretender um mínimo avanço dos setores mais empobrecidos do país.

Zelaya havia decretado um importante aumento para o salário mínimo e estreitado relações com os setores populares. Na política internacional se somou à onda de governos progressistas que renegavam as políticas neoliberais que dominaram os anos noventa, se integrou na Alternativa Bolivariana para as Américas, um projeto de cooperação e integração latino-americana sugerido por Hugo Chávez, e restaurou as relações diplomáticas com Cuba.

EEUU e a UE devem demonstrar que defendem a democracia

Para este domingo cometeu o delito imperdoável de "perguntar ao povo". Convocadas eleições legislativas e municipais idealizou a proposta de instalar uma urna mais onde os cidadãos se pudessem pronunciar sobre a convocatória de uma Assembléia Constituinte para o próximo ano. Uma iniciativa apoiada pela assinatura de 400.000 cidadãos hondurenhos, as três centrais de trabalhadores, o Bloco Popular de Honduras e toda uma serie de organizações sociais, mas não pelos setores empresariais que temem mudanças em seus privilégios fiscais e na política de espólio dos recursos naturais do país.

A grande maioria de países da região, assim como a Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou imediatamente o golpe de Estado. Tudo isso contrasta com o silencio inicial dos governos europeus, instituições da União e políticos e analistas de opinião.

Os paralelismos com a cumplicidade com o golpe de Estado na Venezuela, em abril de 2002, são evidentes. Também agora nos chegava a tendenciosa e falsa interpretação de um presidente populista que desejava mudar a Constituição para pressionar o cargo só porque tentou consultar aos cidadãos.

Curiosa União Européia, que adota resoluções condenando quando não se renova um canal de televisão na Venezuela e que seguia sem pronunciar-se horas depois de que os militares seqüestraram a um presidente latino-americano.

É nestes momentos quando Estados Unidos e a União Européia devem demonstrar que defendem a democracia e as instituições. Sua mera passividade mostraria uma convivência com o golpismo que terminaria com o pouco prestigio que lhes possa restar entre os latino-americanos.

Original em Público.es

Traduzido por Rosalvo Maciel

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